Conseguirão os movimentos ter controle sobre o sentido da mobilização que irão produzir – quer dizer, garantir suas pautas próprias – e, ao mesmo tempo, ir além de si mesmos? Por Passa Palavra

O ano de 2015 abre-se com aumentos nas tarifas do transporte coletivo em todo país. Nesta semana já se deram aumentos em São Paulo e no Rio de Janeiro, e novos aumentos devem ocorrer em Fortaleza, Curitiba, Aracaju, Florianópolis, além de tantas outras cidades pequenas, médias e grandes. Em Belo Horizonte  e Salvador o valor da tarifa já virou o ano com vinte e cinco e vinte centavos de aumento, respectivamente. Ao contrário de junho de 2013, quando o aumento das tarifas foi empurrado para as proximidades da Copa das Confederações por conta da inflação e do clima ufanista que poderia tomar conta do país, voltamos agora ao roteiro original: no período de férias e festas as passagens sobem.

Apesar de aumentos pontuais terem ocorrido ao longo do último ano, janeiro de 2015 será a primeira grande onda nacional de aumentos desde junho de 2013. Será uma volta à normalidade, com os prefeitos e empresários do setor de transporte apostando mais uma vez na incapacidade dos movimentos sociais de pressioná-los, ou um novo ciclo de lutas se apresenta no horizonte?

Se as mobilizações de 2013 forçaram os governantes a recuar perante a população, escancarando que a decisão sobre o valor das tarifas era fundamentalmente política, o que pode explicar – para além das já batidas justificativas técnicas – a decisão de novos aumentos? Evidentemente, é consequência de uma certa política para as cidades. O golpe já tinha sido orquestrado e anunciado para todas as capitais em dezembro pela Frente Nacional de Prefeitos. Continuariam os gestores menosprezando o quão sensível é o tema para a população? Ou acreditam agora serem capazes de sustentar suas posições apesar do descontentamento popular? Em outras palavras: que esperam eles?

O que parece claro é que boa parte dos gestores públicos novamente não consegue vislumbrar a possibilidade de diminuir o lucro de seus parceiros empresariais. Como diz o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati (PDT), em nome dos prefeitos do Brasil, “O reajuste é inevitável. Se congelarmos as tarifas do transporte coletivo, nós começamos a sucatear o sistema. Ou então começamos a ter que tirar [dinheiro] da saúde, da educação”. Para esses gestores é como se junho de 2013 não tivesse acontecido e os aumentos (e os lucros empresariais) voltassem a ser inevitáveis, como a chuva ou o vento.

Do outro lado da barricada, como se preparam os movimentos para esse cenário? Qual foi a capacidade de expansão das suas bases sociais de 2013 para cá? Será possível reproduzir a escalada de revoltas daquele junho? Mais importante: será desejável tentar reproduzi-la? Estarão os movimentos dispostos a ir além e sair do roteiro – e mais: serão eles capazes disso?

I

Em 2013 os gestores estatais e empresários do transporte inovaram seu roteiro. Após anos realizando sistemáticos aumentos nas tarifas dos ônibus e trens no período de festas e férias, os aumentos de junho de 2013 foram uma exceção à regra. Apostaram na provável desmobilização em virtude do que provocaria o megaevento da Copa das Confederações, mas confiaram sobretudo no desmanche ou no apassivamento dos movimentos sociais, tendência que há pelo menos uma década vinha se desenvolvendo no país. Se ainda hoje é difícil pintar por completo o quadro que provocou as manifestações daquele ano, ficou claro que para os gestores não basta simplesmente recorrer a uma repressão generalizada como solução, por isso os aumentos voltam a acontecer no período que lhes parece mais seguro: a virada do ano; e novas políticas são anunciadas.

Em São Paulo, a decisão da Prefeitura de subir cinquenta centavos do preço da tarifa dos ônibus veio acompanhada da aprovação de um projeto de lei que garantirá certo número de viagens gratuitas para estudantes de baixa renda, de instituições públicas e bolsistas do Prouni e do Fies. A implementação deste passe livre para milhares de estudantes concretiza parcialmente uma reivindicação histórica dos movimentos sociais, em torno da qual se fundou o Movimento Passe Livre em 2005, e contempla o principal setor social que este movimento historicamente mobilizou. Porém, a própria história do MPL – que o diferencia das campanhas pelo passe livre para estudantes dos anos 1980 e 1990 – é a de um movimento que, surgido de uma base originariamente estudantil, se desenvolveu para além de si próprio e ampliou sua luta ao conjunto dos trabalhadores urbanos.

O novo modo de reajuste da tarifa em São Paulo expressa bem a estratégia dos governantes de fragmentar a luta. Ao mesmo tempo que o preço do bilhete normal sobe drasticamente, o valor dos até então subutilizados Bilhetes Mensal, Semanal e Diário permanece congelado e para muitos estudantes a passagem para um número limitado de viagens (44) passa a ser gratuita. Ao diferenciar o valor da tarifa entre vários segmentos, os gestores buscam limpar do caminho um de seus potenciais mais subversivos: o de que, na resistência a um ataque em comum, se forje uma unidade entre os diferentes setores dos trabalhadores das cidades.

Assim, ainda que mostre a força da luta social – pois revela que o governo já não arrisca subir a passagem sem fazer concessões –, o passe livre estudantil em São Paulo é ao mesmo tempo uma vitória e uma derrota. A jornada de lutas, assim, já se abre na cidade com pontos dos dois lados do placar. Nesse contexto, cabe aos movimentos celebrarem um triunfo ou apontarem os limites da medida?

Este, porém, é por ora um cenário específico de São Paulo, o que termina por aumentar a distância entre as lutas de cada cidade e reduzir as possibilidades de unificação do movimento pelo país.

No Rio de Janeiro houve o segundo aumento depois de junho de 2013. A tarifa carioca já havia subido, há cerca de um ano, de R$ 2,75 para R$ 3,00, voltando a ser reajustada em 0,40 centavos, passando aos atuais R$3,40. A justificativa do poder público para o aumento vai em duas frentes. A primeira é a do reajuste anual, previsto em contrato e calculado em função da readequação dos preços dos itens da planilha de custo do sistema. Este ano, porém, a prefeitura e seus técnicos resolveram inovar e incluíram no reajuste os custos com as gratuidades (lembrando que no Rio já existe passe livre estudantil desde o final da década de 1990), bem como o valor referente aos investimentos nos novos veículos com ar-condicionado. Assim, além de aumentarem a margem de lucro usual das empresas de ônibus, o poder público decidiu que tanto os direitos conquistados pela população, como os investimentos na frota de ônibus das empresas devem ser custeados pelo usuário final – ou seja, pelos passageiros. O Ministério Público considerou os motivos da segunda frente de justificativas como um adendo ilegal aos termos estabelecidos no contrato de concessão do serviço, chegando a classificá-lo como uma espécie de “AI-5” dos ônibus. Por este motivo impetrou uma liminar pedindo a cassação do aumento. A justiça negou o recurso, mas o Ministério Público promete recorrer da decisão.

Em Salvador, o aumento de vinte centavos, elevando o valor da tarifa para R$3,00, vem a seco e sem nenhuma medida compensatória. Isto porque já faz quase um ano desde que a Prefeitura abriu um processo autoritário de licitação do transporte público que, descontadas as mudanças meramente cosméticas como a pintura padronizada e renovação parcial da frota, não alterou significativamente o sistema. Não foi revisado o método de cálculo tarifário (a planilha de custos fabricada pelas empresas segue sendo a base, junto com INPC e IPCA), não se alterou as fontes de recursos para o sistema (o passageiro continua pagando tudo), atropelou-se o Estatuto da Mobilidade Urbana em diversos pontos e se implementou várias medidas para ampliar o controle sobre o processo de trabalho dos rodoviários (como GPS nos veículos). O processo de licitação foi tenso, muito questionado por movimentos sociais e pelo Ministério Público, e edital resultante deste processo foi duramente criticado (ver aqui) e aqui; a Prefeitura, entretanto, fez como se nada estivesse acontecendo e tocou a contratação do “novo” sistema, que prevê o reajuste da passagem novamente em janeiro de 2016 e janeiro de 2017.

Em Goiânia, parte do novo roteiro já podia ser vislumbrada em junho de 2013, nas tentativas do prefeito Paulo Garcia de compensar o aumento da tarifa, através de, por exemplo, uma proposta de desoneração da tarifa para a população mais pobre da cidade e de uma proposta de integração gratuita. A pressão das ruas fez com que o programa de integração fosse posto em vigor sem o aumento da passagem. Desde então, as empresas de transporte passaram a fazer pressão sobre a população e os gestores do Estado, por meio, respectivamente, de lockouts e negociações, conseguindo um subsídio de R$ 9 milhões e um aumento da tarifa de dez centavos no início de 2014, além da retirada da integração gratuita. A novidade foi que pela primeira vez o aumento da passagem veio com promessas de mudanças concretas: aumento de mil viagens/dia, de ônibus e motoristas, além de incremento na “segurança” por meio da instalação de câmeras nos ônibus – diretamente integradas com o centro de operações da Polícia Militar – e da presença policial em ônibus e terminais, além da instituição de um subsídio de 48 viagens/mês para os estudantes, proposto por Marconi Perillo (PSDB). Apesar de suas limitações, o subsídio – na verdade um passe livre estudantil a conta-gotas – estabeleceu condições para a desmobilização dos estudantes. Entretanto, o fator decisivo para que as mobilizações organizadas praticamente desaparecessem foi a prisão preventiva, numa operação da Polícia Civil realizada no final de maio de 2014, de três participantes da Frente de Luta pelo Transporte Público. Mostrou-se aqui que algumas concessões dadas pelos gestores do transporte conseguiram criar as condições necessárias para o enfraquecimento dos protestos, a ponto de permitir que a repressão tivesse sucesso em paralisar de vez o movimento.

Em Florianópolis não ocorreu aumento em 2013. Em 2014, após o novo consórcio de velhas empresas vencer por WO a licitação do transporte público, houve redução da tarifa de ônibus (de R$2,90 para R$2,75, desde que se pague em dinheiro), expansão da modalidade Tarifa Social (R$1,65) a todos os trabalhadores da cidade que têm renda familiar de até 3 salários mínimos e criação do passe livre estudantil para os filhos desses trabalhadores. A nova licitação prevê aumento da tarifa para este ano, mas ele ainda não foi anunciado. Um dos prováveis motivos para o atraso no anúncio do aumento é o fato de a cidade estar cheia de turistas nessa época do ano. De qualquer forma, as passagens do transporte público intermunicipal da Grande Florianópolis sofreram aumento no final do ano. E como 52% da população da Grande Florianópolis não reside na capital do estado, os efeitos do reajuste já começaram a ser sentidos.

Os processos e reajustes variam a cada cidade (e aguardamos colaborações de leitores sobre as lutas em suas respectivas cidades), mas há um fio condutor. A única inovação no roteiro dos empresários, portanto, foi a reafirmação das instituições essenciais para o funcionamento do sistema, ou seja, o Estado e a ideologia da legalidade. Em diversas cidades do país, já em 2013 mas principalmente em 2014, uma série de licitações do sistema de transporte foi realizada. Na grande maioria das cidades onde estas licitações foram abertas, elas terminaram com a contratação das mesmas empresas que já monopolizavam o sistema de transporte anteriormente, sem melhoras significativas na vida dos usuários e adotando o mesmo modelo precário utilizado há décadas. O modelo de cálculo das tarifas, os espaços de controle popular do serviço, nada disso foi negociado. Basicamente, prefeituras e empresas, sob pressão de prazos legais, correram para formalizar juridicamente situações que já existiam na prática. Tudo isso mostra que as mobilizações de 2013 colocaram as peças do jogo em movimento, mas nem de perto esboçaram um xeque-mate.

O que significa que, mesmo após a maior das revoltas, que derrotou a prefeitura e o governo do estado num só golpe, 18 meses depois, apenas uma promessa pontual de “passe livre” é anunciada em São Paulo e algumas poucas medidas cosméticas foram anunciadas em outras cidades, porém nada que apontasse para a solução do caos do sistema de transporte que caracteriza as grandes cidades brasileiras. Os debates de “direito à cidade”, assim como a proposta de tarifa zero, sequer entraram na agenda política dos governantes.

Mesmo antes de entrar em campo, o resultado da partida é questionado: na sequência dos aumentos, já nesta semana aconteceram os primeiros protestos e a semana seguinte promete ser ainda mais intensa.

II

Que novos desafios se colocam à luta de rua contra um aumento nas tarifas, tendo passado junho de 2013?

Ao longo da última década, as mobilizações contra o aumento que se desenvolveram nas cidades de todo país formaram um roteiro específico de luta. Os acontecimentos de junho de 2013, vistos como ponto de chegada, e não de partida, representaram um momento culminante desse processo. Mas hoje, ainda cabe pensar dentro desse roteiro?

De saída, é preciso considerar que nenhum dos agentes antagônicos envolvidos deverão atuar espontaneamente nessa, quem sabe, nova onda de protestos. Prefeitos, governadores, empresários, polícia, imprensa e mesmo os coxinhas certamente tomaram lições da última reviravolta social. Desse modo, a simples insistência na repetição dos fenômenos de Junho – à altura mais ou menos exitosos – podem nos conduzir a uma retumbante derrota.

Não bastassem os adversários externos, geralmente mais visíveis, há ainda as tensões internas ao próprio movimento, que desde Junho não foram poucas. Estas também tendem a assumir novas formas e, não sendo possível (nem desejável) fazer com que deixem de existir, é de se esperar que se processem em patamares qualitativos superiores. O novo ciclo que se anuncia nos provoca a pensar e desenvolver expedientes organizativos que consigam equacionar divergências táticas, levando em conta a possibilidade de elas corroerem o movimento por dentro enquanto se luta contra um inimigo comum.

Diante destas questões, conseguirão os movimentos ter controle sobre o sentido da mobilização que irão produzir – quer dizer, garantir suas pautas próprias – e, ao mesmo tempo, ir além de si mesmos?

O desfecho vai depender da capacidade de os movimentos se renovarem: expandirem suas bases e alianças, desenvolverem novos mecanismos de participação, inovarem em suas táticas de ação e formas organizativas. E isso significa criar uma continuidade para além de si.

III

A onda de aumentos simultâneos em cidades de todo país abre margem para uma nacionalização do conflito. O que a experiência histórica nos fornece para pensar a dinâmica da articulação das lutas ao nível nacional?

Responsabilidade das Prefeituras na maior parte dos casos, a luta por transporte historicamente se desenvolveu no plano municipal. Embora seja um movimento que pretende se articular em nível nacional, o MPL sempre foi, de fato, uma articulação entre coletivos locais, tendo no máximo realizado encontros e ações simultâneas.

Em 2013, pela primeira vez, a luta no campo do transporte público extrapolou o nível específico de cada cidade. A difusão das notícias dos conflitos nas principais capitais pelos meios de comunicação levou ao surgimento de mobilizações em quase todas as cidades do país, mesmo em muitas onde sequer havia ocorrido aumento, ou onde sequer havia qualquer movimento social formalmente constituído como referência de mobilização, resultando na redução da tarifa simultaneamente em mais de 100 municípios. No entanto, o sucesso da luta e sua rápida proliferação a nível nacional pegou de surpresa os movimentos organizados, que responderam apenas a nível local.

A luta em torno da mobilidade urbana, em especial por um sistema de transporte mais digno, se mostrou potencialmente mobilizadora, um giro significativo em um país no qual as grandes referências de luta ainda estavam no campo, com poucas exceções. Uma série de movimentos, então, passa a adotar a “tarifa zero” ou o “passe livre” enquanto bandeira de lutas; alguns de forma exclusiva, outros agregando às suas históricas pautas. Uma vitória do MPL, sem dúvidas, por ter conseguido disseminar a sua pauta. Por outro lado, outros tantos percebem a janela de oportunidade aberta para novas manobras políticas. O resultado é que um incontável número de coletivos passa a revindicar os símbolos do MPL, sem contudo incorporar os demais elementos da sua história. No limite, usam a sigla do MPL para penetrar em segmentos hostis às práticas autoritárias e principalmente aos partidos políticos (ler um exemplo em: “Salvador: ganhando por fora, perdendo por dentro”) e um novo ciclo de lutas corre o risco de apresentar uma luta de MPL contra MPL pela condução das mobilizações, ou de movimentos e coletivos que revindicam as mesmas bandeiras, os mesmos signos, porém carregando práticas muitas vezes opostas.

Outro elemento é a paixão dos novos militantes pelas redes sociais. Entre os que pautam a autonomia e a horizontalidade na condução das lutas políticas, há os que acreditam que Facebook, Twitter e outras redes são suficientes para impulsionar um novo ciclo de lutas. Apesar disto, é ponto comum para outros tantos, há mais tempo engajados nos movimentos sociais de agora e do passado, que o trabalho de base prévio foi o que permitiu que a onda de mobilizações se iniciasse; e que foi a insuficiência deste mesmo trabalho de base que impediu que as mobilizações fossem além do que foram, ou que nem houvessem acontecido em certas cidades. Os que defendem a intensificação do trabalho de base apontam, também, para a criação de laços de solidariedade com os mais diversos movimentos sociais, o que permitiria disseminar a pauta da tarifa zero entre as mais diversas frações da classe trabalhadora, além de promover práticas de autogestão e autonomia na condução das lutas.

Fora a decepção dos que creem na absoluta potência mobilizatória das redes sociais ao não ver realizada nas ruas a intensidade dos debates travados no campo do virtual, pior é ir às ruas sem constituir laços de solidariedade nem ter efetivamente compartilhado táticas e estratégias para além de curtidas, compartilhamentos e retuitadas, facilitando não só a vida da repressão e da cooptação, mas também se tornando alvo fácil da desmoralização praticada recorrentemente pelos meios de comunicação oficiais. De todo modo, as redes sociais não podem ser descartadas. A questão que fica, como em outros momentos (não podemos esquecer que há dez anos já eram organizadas lutas e movimentos através do Orkut), é como os movimentos sociais organizados, e com clareza dos seus objetivos e estratégias, conseguirão navegar no mar de informação das redes sociais, e como usarão estas ferramentas a seu favor.

Por último, não se pode descartar a repressão enquanto solução final. Os últimos meses foram também de aprimoramento e endurecimento das táticas de repressão, o que, diga-se de passagem, lança luz sobre os limites das táticas de junho. Os gestores do Estado se instrumentalizaram para conter as manifestações e organizações de esquerda; além de terem a seu favor todo o arcabouço legal já existente, criaram novas leis com caráter de exceção, interpretações das leis já existentes de modo a facilitar o trabalho dos agentes da repressão e, quando foi necessário, permitiram que estes agentes atuassem ao arrepio de todas elas, como no caso de Rafael Braga, ainda hoje preso.

A repressão é a prova de que as elites políticas e econômicas não conseguiram impor pacificamente aos trabalhadores o seu projeto. Como não assimilaram totalmente as reivindicações dos trabalhadores – e nem o fariam, sob pena de perderem completamente o poder de explorá-los e oprimi-los – a violência tornou-se necessária a estas elites para conter as lutas reivindicativas dos trabalhadores e conduzi-las a um campo de alternativas que lhes seja mais controlável. Ilude-se quem pensa que os governantes se comprazem com a repressão. Como já fora demonstrado inúmeras vezes, quando a repressão é feita sem medida e controle, obtém-se efeito contrário, potencializando ainda mais as manifestações e gerando, em termos econômicos, gastos dificilmente recuperáveis. Por isso o caminho da cooptação de “lideranças” sempre é o preferido pela burguesia e pelos gestores; além disso, dentro do leque de possibilidades, a espionagem, a sabotagem, a contrapropaganda e outras ações preventivas de inteligência sempre antecedem as bombas de gás, a pancadaria e as prisões.

Um grande desafio para os movimentos sociais, sob esta ótica, é não ser forçado a abandonar sua pauta original (“contra o aumento da tarifa”, por exemplo) para focar-se, exclusiva ou principalmente, na luta pela liberdade dos presos; esta luta é necessária e incontornável na sequência de ações repressivas de grande porte, mas resulta em que as forças do movimento deixam de atuar sobre as questões que lhes deram origem. Esse giro, em si, já é um recuo, apesar de ser um caminho inevitável.

Outro desafio é a questão da ânsia pela violência em si, enquanto caminho único, presente entre muitos daqueles que se somaram às mobilizações dos últimos meses. A violência é uma entre muitas alternativas de ação política, e não deve ser descartada de antemão; entretanto, seu uso, por mais coletivamente legitimado que seja, costuma gerar reações incomparavelmente mais violentas por parte dos agentes da repressão. Como é possível, então, realizar mobilizações sem abandonar a ação direta, nem apertar o nó da forca da autocriminalização, da estigmatização dos camaradas que optaram por esta via?

Conseguirão os movimentos articular uma jornada coordenada a nível nacional, aproveitando seus potenciais, para além da mera reatividade comum? Se os movimentos conseguirem se coordenar a nível nacional, conseguirão eles desenvolver alguma estrutura organizativa em escala nacional que consiga fomentar iniciativas locais coordenadas e evitar a centralização e a burocratização?

4 COMENTÁRIOS

  1. Caro Leo Vinicius,

    Agradecemos sua observação. Já fizemos as devidas alterações no trecho em questão.

    Cordialmente,
    Coletivo Passa Palavra

  2. Alguma noticia sobre os detid@s em SP na passeata contra o aumento da tarifa

  3. Cara Barbara, todos os detidos no ato de São Paulo foram liberados. O último foi no sábado, após pagamento de fiança.

    Cordialmente,
    Coletivo Passa Palavra

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