O ano de 2009 começou bastante assustador para a população mais pobre e para os movimentos sociais do Rio de Janeiro. O início do mandato de Eduardo Paes é simbólico desse processo cruel, sendo a ponta de lança do sistema capitalista na opressão do povo carioca. Por R.D.P.

Além do fato de a nossa classe estar assumindo todos os desdobramentos da crise econômica mundial por causa das demissões [despedimentos], dos cortes de salário e a ameaça de redução dos direitos trabalhistas ainda existentes para os empregos formais, muitos de nós perdemos logo no primeiro mês do ano o que resta de nossos bens para a nossa sobrevivência e alguns de nós perderam a vida. Nas comunidades e nas ocupações o cerco tem se fechado ainda mais, com o aumento da violência policial, das expulsões e dos despejos. A política do “Choque de Ordem” de Eduardo Paes (PMDB), prefeito da cidade do Rio, deu o tom do que estava chegando. Não por coincidência, é justamente no atual mandato da prefeitura do Rio, e no momento atual de retorno de grupos de direita à cena política da Baixada Fluminense e no interior, que grupos paralelos de segurança (as “milícias”) têm ganhado força.

O início do mandato de Eduardo Paes é simbólico desse processo cruel, sendo a ponta de lança do sistema capitalista na opressão do povo carioca. Afinal, o que esperar de uma figura que, quando sub-prefeito da Barra da Tijuca e Jacarepaguá e – depois – Secretário Municipal de Meio Ambiente, tem no histórico a perseguição e a remoção de comunidades pobres para abrir caminho à especulação imobiliária? Na Barra da Tijuca, orla da lagoa da Barra, removeu comunidades tradicionais de pescadores (em certa oportunidade ele mesmo dirigiu trator para demolir as casas), alegando que seria para fazer uma área de preservação ambiental; entretanto, no local surgiram o Shopping Barra Point e a sede da UNIMED. Como Secretário Estadual de Esportes e Turismo do governo de Sérgio Cabral (PMDB), foi crucial para a efetivação na mesma região das obras para os Jogos Pan-Americanos de 2007, projeto que expulsou algumas comunidades e ameaçou várias outras, como as do Canal do Anil, Vila Autódromo, Arroio Pavuna etc. Até hoje a ameaça continua, tendo em vista as Olimpíadas de 2016.

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Rodrigo Bethlem, Secretário Especial de Ordem Pública.

A promoção da política do “Choque de Ordem” foi o primeiro ato do governo Eduardo Paes. Com a velha justificativa de que as leis vêm sendo sistematicamente burladas e que a justiça é lenta para dar conta da ordem urbana, foi adotada uma série de medidas institucionais capazes de viabilizar as ações repressivas. Não é à-toa que movimentos sociais associam esta política de Paes aos Atos Institucionais da ditadura militar: houve a criação da Secretaria Especial de Ordem Pública e a redefinição de algumas funções da Guarda Municipal, que resultaram no aumento de suas horas de atuação e na proposta de uso de armas de fogo pelos guardas; foram lançados também decretos voltados ao controle do crescimento de construções em áreas de preservação (apenas direcionados às favelas, não às áreas de condomínios e casarões de luxo). Dentre as ações repressivas, figuram a apreensão de mercadorias de camelôs [vendedores ambulantes], o recolhimento de moradores de rua para abrigos, a demolição de construções irregulares e despejo de famílias residentes em ocupações e áreas consideradas de risco. Por “coincidência”, uma das primeiras medidas de José Camilo “Zito”políciaemoradorderuachoquedeordem (PSDB), prefeito de Caxias, foi a criação do Programa de Restabelecimento da Ordem Pública, chamado também de “Choque de Ordem”, que ordenou a retirada de ambulantes que trabalhavam no calçadão [pedonal] do Centro e em ruas adjacentes. Aliás, as prefeituras de todo o Rio de Janeiro fazem suas cópias desse modelo.

Com o início do “Choque de Ordem” as ocupações da cidade do Rio vêm sofrendo constantes ameaças de despejo por parte de Eduardo Paes e do Secretário Municipal de Habitação, Jorge Bittar (PT). Os grandes interesses dessa Prefeitura estão voltados para o lucrativo negócio de entregar à iniciativa privada o Centro e a Zona Portuária, além de compromissos junto ao capital imobiliário em outras partes da cidade, como Barra da Tijuca, Recreio, Vargem Grande etc. Exemplos foram as tentativas de despejo da ocupação Guerreiros do 510 (rua Gomes Freire, Centro) e da ocupação localizada na rua Rodrigues Alves, 143.

Propositalmente, nesse prazo, o governador Sérgio Cabral empossou na Secretaria Estadual de Habitação Leonardo Picciani (PMDB), filho de Jorge Picciani, atual presidente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), mas que é suspeito de envolvimento com Álvaro Lins – que, por sua vez, teve seu mandato cassado por ligação com as milícias. Além disso, exonerou Célia Ravera (PDT) do cargo de presidente do Instituto de Terras e Cartografia do Estado Rio de Janeiro (ITERJ) [1], instituto de apoio logístico da Secretaria de Habitação que durante muito tempo evitou que remoções e despejos fossem cometidos contra comunidades e ocupações do Rio. Com o auxílio, dentro do ITERJ, de advogados e defensores públicos sensíveis às causas populares, Célia Ravera havia se empenhado para que se desse voz aos moradores no processo de comprovação da posse (objeto ideologicamente refutado nos processo jurídicos), com o cadastramento das famílias e orientação das comunidades para o desenvolvimento de projetos de regularização fundiária e de recursos para infra-estrutura.

O governo Lula, aliado ao governo de Sérgio Cabral, vem intensificando a política do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o mesmo que foi o estopim de chacinas como a das favelas da Coréia, Alemão e Muquiço em 2007 (somando mais de 60 mortos em poucos dias de intervenção) [2], usadas para “limpar caminho” para a implementação do projeto. Vale lembrar que o advogado João Tancredo, que à época presidia a Comissão de Direito Humanos e Assistência Judiciária (CDHAJ) da OAB-RJ e esteve na choque-de-ordem-005apuração direta da Chacina do Alemão – na qual 19 pessoas foram assassinadas num só dia – tendo produzido acesso aos laudos que demonstraram: tiros na nuca, a curta distância e de cima para baixo, fortes indícios de execução, rapidamente foi exonerado do cargo por um acordão entre Wadih Damous (PT), presidente da OAB-RJ, e Sérgio Cabral. Enfim, tal programa tem destinado grande volume de recursos ao Instituto de Segurança Pública (ISP) do Estado, para o uso da Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil (CORE). Em muitos casos os recursos têm terminado nos bolsos das milícias e de traficantes, implantados nas associações de moradores, os quais fizeram acordos com o governo para que haja a tranquilidade das obras em troca de capital, ou por captarem todo o dinheiro das indenizações que seriam pagas aos moradores deslocados. Mais ainda, os recursos do PAC oferecem às empreiteiras altos lucros, com a benesse de terem as alíquotas de impostos dos materiais de construção reduzidos em cerca de 7% e outras facilidades da implantação da “engenharia cidadã” [3]; os novos imóveis, por ficarem em áreas de realização de projetos milionários de teleféricos, elevadores e planos inclinados [4] – parte da tal “engenharia cidadã” – passam a ser supervalorizados, inviabilizando sua ocupação pela maioria da população. Ou seja, a expulsão em massa dos moradores destas áreas tem se dado pelas falsas promessas, pela especulação imobiliária, pelo medo ou pelos assassinatos.

Em janeiro deste ano, o governo federal colocou em ação o o PAC da Habitação, ainda mais desprovido de concepções sociais e cheio de “pragmatismo eleitoral” para a possível candidata do PT à presidência da república, Dilma Rousseff. Além disso, o governo federal também iniciou as ações do PAC da Segurança, o Programa de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), uma piada de mau gosto que prevê o aumento do número de policiais federais, o aumento dos salários da polícia e a construção de mais presídios, com orçamento previsto de mais de quase R$ 7 bilhões. Portanto, como todo o volume de recursos do PAC da Habitação, quanto da Segurança, passará pelas respectivas secretarias municipais e estaduais, estes foram locais estratégicos de ocupação de cargos para os setores ligados a especulação imobiliária, à lavagem de dinheiro e ao apoio aos grupos militares e paramilitares.

Eduardo Paes foi o candidato ideal do casamento entre a especulação imobiliária e o apoio às milícias; é só observar que os maiores doadores de sua campanha foram as construtoras OAS, Sta. Isabel, GAFISA, CHL etc., e que, em declarações abertas à imprensa, sempre disse que as milícias levaram a paz e a segurança às comunidades [5]. Por “coincidência”, as áreas de milicianos foram sua base eleitoral. Nessa época, na Zona Oeste, em Paciência, por exemplo, o vereador Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho (PMDB) [6], montou barracas que ofereciam serviços gratuitos de saúde odontológica, verificação de pressão arterial, manicure e até emissão de carteira de identidade com funcionários cedidos pelo DETRAN [Departamento de Transportes], fazendo campanha declarada à Eduardo Paes; isso se repetiu em vários pontos do subúrbio do Rio, com outros cabos eleitorais para a candidatura de vereadores ligados às milícias e para de Eduardo Paes.

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Zito, Prefeito de Duque de Caxias.

Vale lembrar que 2009 marca o retorno à cena política de figuras como Núbia Cozzolino, do PMDB de Magé, e Rosinha Garotinho, do PMDB de Campos dos Goytacazes, ambas ainda suspeitas de crime de formação de quadrilha; e José Camilo “Zito”, do PSDB de Duque de Caxias. Zito já havia sido prefeito de Caxias entre 1997 e 2004; foi formado nas milícias da região como líder de um grupo de extermínio em Vila Lauriano, grupo este que ainda atua no local.

Pois bem, se nas áreas do Centro a realidade se faz árdua para os trabalhadores, no subúrbio, com o fortalecimento das milícias, tudo é ainda mais instável. A “Polícia Mineira”, como são conhecidas as milícias, é o braço do governo onde o governo ainda não tem total controle repressivo e para onde o governo ainda pode enxotar com tranquilidade o contingente da população das áreas valorizadas da cidade. As milícias [7] são oriundas dos grupos de extermínio liderados por militares e ex-militares (alguns deles desligados da corporação), que tem o objetivo de garantir a sua ordem com a expulsão do tráfico de drogas local. O comércio de drogas é refeito pelas milícias com maior eficiência, sem os desvios e as disputas da juventude que compõe o tráfico das facções. Em paralelo, as milícias formaram uma rede de serviços sob seu controle, como os de transmissão de TV a cabo, transporte alternativo, eletricidade, etc.; além disso, promovem festas e atuam também na especulação imobiliária informal, loteando, alugando e vendendo terrenos. Neste processo, alguns deles garantem a eleição para os governos estaduais e municipais.

Em menos de um mês, José Carlos de Moraes (Pépe), um dos coordenadores do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) no Rio de Janeiro e presidente da Associação de Moradores da Comunidade Serra do Sol (ocupação localizada na beira da Av. Brasil, em Santa Cruz que existia desde 22 de junho de 2008), e Oséias José de Carvalho, militante e morador do assentamento urbano Campo Belo e membro da Assembleia Popular do Rio de Janeiro que acompanhava o acampamento 17 de Maio em Nova Iguaçu, foram assassinados, mortos por milicianos locais.

Outro caso grave: a presença de milícias armadas em Santa Cruz também envolve as obras da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) [8], um consórcio formado pela empresa alemã Thyssen Krupp e a Vale do Rio Doce. As milícias são contratadas pela empresa para a vigília em barcos, expulsando os pequenos barcos de pesca das proximidades das instalações, acuando [perseguindo] os moradores locais que brigam por indenizações pelas terras que a empresa quer comprar e ameaçando os trabalhadores militantes das associações de pescadores e do Fórum de Meio Ambiente da Baía de Sepetiba que vêm denunciando a violência e os crimes ambpolíciaecamelôschoquedeordemientais, como o vazamento de óleo nas instalações da CSA que provocam a mortandade de peixes. O caso está colocado a público [9] desde a morte de um pescador, atropelado por uma embarcação da empresa, e de três operários da obra, esmagados por um guindaste. Mas se fala, desde o começo das atividades, por causa das condições de trabalho subumanas e assassinatos pela milícia dentro do canteiro de obras, em mais de 60 mortes de operários – muitos deles nordestinos e imigrantes chineses em situação irregular.

Enfim, o resultado desse contexto para a classe trabalhadora no começo deste ano foi a soma de um grande número de tragédias: as milhares de demissões [despedimentos]; a pressão das empresas, da mídia e dos governos para que os trabalhadores aceitem a redução dos salários e das jornadas de trabalho; as expulsões, prisões e apreensões de produtos dos camelôs; os despejos e as invasões de favelas; e a criminalização e o triste assassinato de militantes do movimento social. Mas a nossa luz é que toda a movimentação que tem ocorrido em reação à brutalidade atual do capitalismo seja o passo inicial para consolidar uma organização popular forte, capaz de tomar para si a responsabilidade da segurança da população e de impedir futuras injustiças. Torcemos para que a greves dos petroleiros com a ocupação do Edifício-Sede da Petrobrás (EDISE) na semana passada, os protestos dos trabalhadores da Vale, a paralisação dos professores do Sindicato Estadual dos Profissionais em Educação (SEPE), a luta das várias ocupações urbanas e das comunidades ligadas ao Conselho Popular do Rio, a greve dos rodoviários de Niterói, Tanguá, Itaboraí, Maricá e São Gonçalo, os protestos dos trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Volta Redonda etc. tenham esse objetivo final e não apenas a luta econômica, que a longo prazo nos divide, desorganiza e fragiliza.

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Notas:

[1] Instituto de apoio logístico da Secretaria Estadual de Habitação.

[2] SALLES, Marcelo. “Continua o cerco às favelas”, In. site A Nova Democracia: http://www.anovademocracia.com.br/index.php/Continua-o-cerco-as-favelas.html

[3] SACKS, Sheila. “PAC aciona engenharia-cidadã: As metas deste modelo de engenharia mais consciente, voltado para a inclusão e a justiça social, é um fator positivo a ser realçado no PAC” In. site do Observatório da Imprensa: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=467CID003

[4] Notícias do site da EMOP: http://www.emop.rj.gov.br/noticia_dinamica1.asp?id_noticia=139 e http://www.emop.rj.gov.br/noticia_dinamica1.asp?id_noticia=75

[5] Link: http://www.youtube.com/watch?v=nRBInXHeo8Y&feature=related

[6] Ineditamente, Jerominho e Natalino José Guimarães (seu sobrinho), do partido DEM, chefes antigos da milícia em Campo Grande (Zona Oeste do Rio) e, respectivamente, Deputado Estadual e Vereador, foram os primeiros a serem presos pela CPI das Milícias, da ALERJ.

[7] Termo consensualmente utilizado, mas que foi intensamente propagandeado pela grande imprensa, por terem o conceito de que são apenas frentes de segurança para áreas pobres dominadas pelo tráfico, mesmo reconhecendo a ilegalidade delas.

[8] Consórcio empresarial Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA).

[9] http://diasdekali.blogspot.com/2009/02/denuncia-pescador-artesanal-da-baia-de.html

4 COMENTÁRIOS

  1. Boníssimo o artigo. Dá uma ótima idéia da conjuntura do RJ! Parabéns ao autor.

  2. gostei muito da matéria….completa!!!
    voltamos a ditadura!!!!!!!!!!!!!
    foraaaa Paes = Caos

  3. Parabens pelo artigo, retrata realmente a verdadeira face de nossa politica em nosso estado. Milicianos, coroneis, colarinho branco,. é uma vergonha!!!!

  4. Vi a poucas semanas o excelente filme Tropa de Elite 2 e o vídeo abaixo parece que serviu de inspiração para a cena em que o miliciano Rocha recebe políticos na comunidade do Tanque. A vida imita a arte, com o perdão do clichê.

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