Esperamos que se saiba homenagear João Bénard da Costa, permitindo a continuação da sua obra. Por Passa Palavra
Várias gerações de portugueses devem o seu gosto e a sua descoberta do Cinema ao João Bénard da Costa e – não só mas sobretudo – à “sua” Cinemateca, onde viveu e trabalhou durante 30 anos.
Aos que se insurgiam contra essa pertença, nela apenas vendo a pequenez da posse e do poder – porque, como ele dizia, um macaco quando se vê ao espelho não pode ver um apóstolo – basta olhar hoje para a Cinemateca Portuguesa (que não recebe um tostão do Orçamento do Estado porque vive das taxas de publicidade das televisões): tem mais de 30.000 títulos, filme e vídeo, a que dá acesso permanente, tanto a pesquisadores como para fins culturais, para além da programação diária em cinco sessões, onde exibe, por ano, mais de mil e trezentos filmes, para mais de sessenta e um mil espectadores; em média preserva e restaura trinta filmes por ano e publica sete novos livros sobre cinema; tem uma biblioteca e um centro de documentação com mais de quinze mil livros e vinte mil fotografias, onde atende, por ano, cerca de mil e quinhentos leitores. Para a renovação do cinema português e do público, acolhe, por mês, cerca de três antestreias de cinema nacional e, desde 2007, tem, no Palácio Foz, a “Cinemateca Júnior”, com actividades e sessões para crianças e jovens. Nas palavras de João Bénard da Costa: “No século XX, alguns começaram a chamar ao cinema Sétima Arte. No século XXI, graças a iniciativas como esta e a um movimento que se alarga em muitos países, esperamos que sejam muitos mais os que façam a mesma descoberta, recuperando uma antiga memória e recriando uma nova imaginação”.
João Bénard da Costa (que agora até saía barato ao Estado porque só recebia a diferença da reforma [aposentadoria] para o ordenado de Director-Geral) fez mais pela cultura do que os sucessivos ministros, institutos e comissões. Apesar disso, a anterior Ministra da Cultura (que confessou “não saber quem era o João Bénard da Costa porque tinha vivido sempre no Porto”) tudo fez para que ele apagasse a luz e fechasse a porta para poder reabri-la aos que aguardam vez. Foi impedida por uma petição com milhares de subscritores, porque há quem entenda não dever conformar-se com perdas, a não ser quando impostas pela definitiva perda. Como agora.
Esperamos que Portugal, que já viu Jorge de Sena, Maria João Pires e tantos outros virarem-lhe as costas, para além dos discursos de circunstância habituais, saiba homenagear realmente João Bénard da Costa, permitindo que se continue a sua obra.
Para que Portugal não venha a ter a Cinemateca que merece.
NOTA BIOGRÁFICA:
João Bénard da Costa não lutou só como director da Cinemateca Portuguesa. Membro de um importante grupo de intelectuais católicos progressistas, de que também fizeram parte Alçada Batista, Helena Vaz da Silva, e os poetas Pedro Támen e M. S. Lourenço, foi impedido de ensinar na Universidade por acção da polícia política do regime salazarista (PIDE). Foi dirigente cineclubista e, em 1963, foi um dos fundadores da importante revista O Tempo e o Modo, que dirigiu até 1970. Foi figura proeminente da oposição à ditadura e à guerra colonial. De uma vasta acção em vários organismos culturais antes de ingressar na Cinemateca Portuguesa, destacamos a divulgação do cinema de qualidade na Fundação Calouste Gulbenkian onde promoveu uma série de importantíssimas Retrospectivas do Cinema, cada uma acompanhada de um excelente catálogo. Colaborador regular de vários jornais e revistas, João Bénard da Costa publicou várias obras de filosofia, pedagogia, viagens e história do cinema. Mas os seus escritos mais conhecidos, além das crónicas na imprensa, são as folhas volantes sobre os filmes exibidos, que sempre fez distribuir aos espectadores das sessões, na Gulbenkian e na Cinemateca.