«Não entra ninguém na Antígona por via do espectáculo e da falsificação da vida». Por Passa Palavra

«Fundada em Junho de 1979, a editora Antígona iniciou a sua actividade com a publicação do livro Declaração de Guerra às Forças Armadas e Outros Aparelhos Repressivos do Estado. Esta obra emblemática anunciava já o programa editorial que se tem vindo a concretizar, sem desvios, ao longo de 30 anos. Hoje, com cerca de 200 títulos, a Antígona mantém a sua paixão inicial pelos textos subversivos, e vai continuar, ainda por muito tempo, a empurrar as palavras contra a ordem dominante do mundo.

Com um capital social de «enquanto existir dinheiro, nunca haverá bastante para todos», esta editora tem sobrevivido a todas as crises, adaptando o seu capital variável a cada momento. Refractária, resiste à acção do fogo, sem mudar de direcção.

No plano da edição, foi pioneira na forma como valorizou o trabalho do tradutor, dando-lhe força de autor ao colocar o seu nome na capa dos livros, um exemplo que não tem sido seguido por outras editoras.

Dos autores publicados, cerca de 150, a maioria era desconhecida do público português, dos quais destacamos: Laurence Sterne, Max Aub, Eudora Welty, Anselm Jappe, Lewis Mumford, Albert Cossery, Bartolomé de Las Casas, La Boétie, Zamiatine, Gabrielle Wittkop, Heinrich Eduard Jacob, Fonollosa, Jean Meslier, Herder, Karl Kraus, Max Stirner, Gómez de la Serna, Robert Bringhurst, Robert Michels, Sharon Olds, Stig Dagerman, Uzodinma Iweala, Hubert Selby Jr., etc.

E assim conseguimos conquistar uma minoria absoluta, que nos sustentou nos 30 anos que agora celebramos festivamente.»

Luís Oliveira

Um de nós teve uma conversa com Luís Oliveira, o editor responsável pela Antígona:

Passa Palavra: O que distingue a Antígona das outras editoras de esquerda?

Luís Oliveira: Eu não sei se em Portugal há outras editoras de esquerda. A Antígona está contra todos os poderes, incluindo o das esquerdas instituídas, porque entre estas e a direita não existe uma grande diferença. É impressionante a capacidade de recuperação, de absorção, do capitalismo, incluindo a experiência soviética. Estavam à espera de que eu mudasse, mas não mudei, enquanto muita gente mudou. O que me interessa e continua a interessar é publicar livros de autores com o coração à esquerda, livros insolentes. «Trinta anos de insolências» é um dos lemas com que celebramos este aniversário.

PP: Uma editora de literatura marginal?

LO: Não há literatura marginal. Há experiências marginais que se reflectem na escrita.

PP: A Antígona tem 195 títulos em catálogo, todos eles autores estrangeiros e autores portugueses de outras épocas. Não te interessam os escritores portugueses contemporâneos?

LO: Não existe em Portugal uma tradição subversiva. Nunca me chegou às mãos um original português que me fizesse exclamar: aqui está algo que eu quero publicar! Tudo o que me enviam são histórias de amor em que não há amor; logo, não são histórias de amor. Nestes trinta anos não foi editado nenhum autor português que me fascinasse ou sequer me interessasse. Em Portugal não surgiu nestes trinta anos nenhum autor subversivo.

PP: E Saramago?

LO: Saramago nunca mijou fora do penico, nunca fez uma crítica que ultrapassasse o stalinismo. Ele é o produto de uma sociedade que preza o quantitativo, procedeu a uma construção espectacular para promover uma técnica de escrita, mas o que há por detrás disso? Saramago representa tudo, mas tudo, o que a Antígona critica; ele representa todas as banalidades do mundo.

 

Luís Oliveira na sede da Antígona
Luís Oliveira na sede da Antígona

PP: Ponhamos os escritores portugueses de lado, ficam os estrangeiros, o que levanta o problema das traduções. Em Portugal as traduções são frequentemente más, no Brasil a situação é pior ainda. Neste panorama destaca-se o cuidado que a Antígona tem com as traduções.

LO: De uma maneira geral, as editoras têm um certo desprezo pelos tradutores. Normalmente eu pago os tradutores 20% acima do que o mercado paga, por vezes esta diferença é maior ainda, e fui o primeiro editor a colocar o nome do tradutor na capa do livro. Por isso alguns tradutores trabalham com a Antígona há muitos anos.

PP: Além da escolha dos autores e dos tradutores, a Antígona tem um grande cuidado com os livros enquanto objecto.

LO: Um cuidado que ultrapassa o que é corrente. Mas é como na vida, não pode separar-se o conteúdo e a apresentação. Ando meses à volta de um livro, é uma verdadeira obsessão, preocupa-me a revisão, toda a parte gráfica, a escolha do papel, a mancha, a selecção de um tipo que não seja anacrónico relativamente à época em que o texto foi escrito. Várias vezes recusei o produto quando o tive nas mãos, o que implicou a despesa de fazer tudo de novo. E os livros que edito são cosidos, não meramente colados. Quero que o livro seja um objecto agradável de ver, de manusear. Por isso há hoje um fazer e um aspecto gráfico característicos da Antígona.

PP: A Antígona pretende-se uma editora subversiva, insolente, «trinta anos de minoria absoluta», como tu dizes, mas são também trinta anos de sobrevivência no mercado capitalista. Como se conjuga a contestação e o realismo comercial?

LO: Se gosto de um livro e acho que ele é importante, publico-o, sem me preocupar com as vendas. Uns têm-se vendido pouco, outros têm sido um êxito, e assim se vão equilibrando. Mas é um dia a dia sempre de corda no pescoço. Não sei explicar como a Antígona tem conseguido sobreviver.

PP: És editor há três décadas, antes disso foste livreiro, tens uma longa experiência de como funciona o mercado e a produção de livros…

LO: Não sei explicar, porque não é só isso, não é só a habilidade no equilíbrio das contas e no contacto com os bancos. É também uma percepção do mercado. Mas como? Não entendo muito bem, mas a prova aí está, os livros da Antígona aí estão.

PP: Consegues resenhas, a boa vontade de jornalistas…

LO: Nem isso. Não corro atrás das resenhas, não frequento os circuitos literários de convívio social, não exploro os lançamentos, não organizo sessões de promoção dos autores, não faço publicidade paga. Não te sei responder. Há um instinto pessoal que conta, uma certa percepção dos leitores. Há leitores fiéis, que compreendem o estilo da Antígona, o nosso projecto editorial. Mas como? Qual é o segredo? Não sei.

Enquanto ouvia estas repetidas hesitações do Luís Oliveira, enquanto o pressionava com novas perguntas que eu sabia que não teriam outra resposta senão a perplexidade, eu ia pensando que a solução do problema já estava indicada. Para o Luís Oliveira a Antígona é um acto criativo, o empenhamento da vida na totalidade de um acto, desde escolher o autor e o tradutor até verificar como o livro ficou cosido. Nesta construção de objectos estéticos ele é um artista, como outros o são quando escrevem livros ou concebem e montam instalações ou compõem músicas. E por isso o Luís Oliveira repete «não sei», «não sei», porque saber de uma maneira consciente paralisa a criação artística. Hegel escreveu que a intuição, em vez de negar a razão, é o seu apogeu. Quando alguém atinge a posse plena de todos os dados da razão, então a razão pode prescindir da reflexão prévia, e é isto a intuição. Neste plano superior situa-se a produção estética. Nenhum artista sabe como faz a obra. Sabe o que pensou antes, e vê depois a obra feita, o pensamento objectivado. Mas como faz − esse é, para o artista, o «não sei». A perplexidade do Luís Oliveira tem um motivo simples. É que a Antígona é a sua obra de arte.

Ver outra entrevista de Luís Oliveira e um comentário de Manuel Portela em http://angnovus.wordpress.com/

Antígona
Rua da Trindade, 5 – 2º frente
1200-467 Lisboa (Portugal)
tel. (+351) 21 324 41 70
fax (+351) 21 324 41 71
site: www.antigona.pt
No Brasil os livros da Antígona são distribuídos pela Martins Fontes.

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