São reações destas que o fascismo mobilizou e mobilizará de novo se não soubermos liquidá-las logo que ousam surgir. Por Passa Palavra

O que pode levar centenas de jovens estudantes da Universidade Bandeirante a uma operação coletiva de linchamento moral, gritando em coro «puta! puta!» à passagem de uma colega que gosta de usar saias curtas?

Queimando bruxas
Queimando bruxas

Que a direção da Uniban tome a reacionaríssima atitude de expulsar a vítima como culpada pelo fato de ser vítima, isto não nos espanta nem nos incomoda. A direção está desempenhando as funções que lhe cabem, administrando com finalidades de lucro uma instituição de ensino conservadora, e entre perder centenas de mensalidades e uma só, não há que escolher.

O que nos deixa francamente preocupados é o fato de no meio da Grande São Paulo, próximo de uma das maiores cidades do mundo, cidade que é ao mesmo tempo uma metrópole cultural, com espetáculos, museus, cinemas e teatros, onde a cada esquina de rua deparamos com a banalidade das saias curtas e dos decotes amplos, uma cidade onde um passeante pensará que encontra poucos traços de puritanismo, as frustrações sexuais atingirem um tal ponto de violência, convertendo a impotência em agressividade. Mas é impossível que a explicação seja tão simples. Foi muita gente, as frustrações têm de ser mais obscuras. Sobretudo preocupante é o fato de ao coro dos rapazes se terem juntado as moças, gritando os mesmos insultos e participando na mesma histeria machista. Que deserto interior é o delas, que as faz agirem daquele modo?

Queimando um negro nos Estados Unidos

Quando poderíamos supor que a juventude se libertara pelo menos das formas mais explícitas de opressão sexual, vêm aquelas centenas de estudantes da Uniban agir como presos que erguem as grades da sua própria prisão, nem sequer uma prisão coletiva, mas uma multiplicidade de prisões individuais, uma para cada um, onde ficam confinados na sua solidão. Foi este o verdadeiro eco dos «puta! puta!» que ressoaram naquele átrio e nos corredores.

Que um fato desses surja assim, como uma tempestade no meio de um céu azul, mostra como por debaixo de um verniz muito fino está presente o horror cotidiano. A fúria que levara outrora a queimar as bruxas, que levara a exterminar judeus durante a segunda guerra mundial, que levara até há poucas décadas atrás a linchar negros no sul dos Estados Unidos é a mesma que levou agora aquela multidão de jovens a pretender a aniquilação moral de uma colega. Tentaram destruir neles próprios aquilo que não conseguiram matar na colega.

São reações destas que o fascismo mobilizou e mobilizará de novo se não soubermos liquidá-las logo que ousam surgir.

Sobre este caso leia também aqui e aqui. E ainda aqui e aqui.

7 COMENTÁRIOS

  1. Existem culpas sim…
    A primeira é da Igreja católica e igrejas salvacionistas, que fizeram anos e anos de doutrinações com papos de pecado, “isso não presta, aquilo não presta”, interiorizando uma repressão nas pessoas.
    A segunda, do capitalismo, que usa essa repressão para disciplinar a força de trabalho. E depois, vende o pseudogozo como mercadoria, um pseudogozo que contem em si a repressão.
    A terceira, da mídia e dos datenas da vida, que instrumentalizam isso tudo para fazer escandalos, vendendo medo à massa e legitimando a escalada repressiva.
    A quarta, dos gestores da universidade, não precisa se dizer nada.
    A quinta, dos Lair Ribeiros e embusteiros de auto-ajuda, que conseguem interiorizar nas pessoas o discurso onde só existe o indivíduo e a realidade individual, incutindo no indivíduo o sentimento de culpa pela sociedade.

    Não se quer admitir que a miséria das pessoas vem do sistema e da exploração; então, procuram-se bodes expiatórios. Esta estudante é mais um Battisti da vida.

    É o ponto em que as inofensivas milhões de Amelies Poulains se tornam Hannibal Lecter. Ao invés de atacarem seus exploradores, os mafiosos donos das faculdades particulares, que oferecem um mau ensino e cobram caríssimo, atacam uma trabalhadora inofensiva, como se a culpa fosse dela. É a geração do “fim da história”.

    A ditadura militar ainda era um período mais livre, todos sabem que as jovens daquela época usavam minissaias, e não se sabe de um caso assim de quase linchamento.

  2. Você diz que «a ditadura militar era um período mais livre». Tem a certeza? Seriamente? Por que não luta então para regressar à ditadura militar?
    E se toda essa lista de causas que você enuncia for exacta, por que motivo reacções como a ocorrida na Uniban não são a regra geral?

  3. Começa com a lei-anti fumo, que ativou a perseguição, agora o processo irá se deslocando para manter a mobilização desta vigilância que atrai com sucesso os desejos de muitos para a direita.
    Acompanhem: enquanto isto durar, a intolerância mobilizada contra comportamentos diferentes será uma constante e mudará seus alvos.
    Uma constante reverência ao status quo de modo tão religioso quanto a igreja da inquisição.

  4. Cometário que foi publicado em um site:

    Amigo navegante judeu fez esta manhã a seguinte reflexão:

    Ao ver as cenas de 700 tresloucados contra uma única mulher, filha de metalúrgico, me veio à cabeça a Kristallnacht.

    A multidão enraivecida, fascista, contra uma minoria.

    Se Adolf Hitler subir as escadas da Uniban e fizer um discurso tucano-moralista, os 700 heróis saem dali, quebram os vidros do Congresso, em Brasília, e instalam Hitler no poder.

  5. Joao Bernardo, está muito longe de eu defender a ditadura. Cruzes!
    Acho que escrevi mal mesmo. O que eu quis dizer é que a sociedade de hoje está ainda mais conservadora que naquela época, em que foi necessária uma ditadura pra segurar a juventude. Hoje a ditadura continua, mas de forma dissimulada.

  6. Ô João Bernardo, o comentário d@ A.Nonimo está muito bem feito e mesmo que tenha causado essa impressão, não exclui a seriedade e profundidade que o assunto foi tratado. Vc é que não percebe (tvz por não ser mulher) que a reação da UNIBAN é regra geral sim, mesmo em menores proporções e por isso não se torna pública e nem dá ibope…

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