Condenação do ex-PM Fabiano em Itaguaí, mais uma vitória da luta popular por justiça

No Dia Internacional dos Direitos Humanos do ano passado (10/12/2008), o sistema judiciário do Rio de Janeiro deu duas demonstrações cruéis de como contribui com a violência do Estado contra o povo. Em júri popular, foi absolvido o policial militar William de Paula, acusado do assassinato do menino João Roberto (3 anos), na Tijuca, em julho de 2008. Em outro julgamento, os policiais acusados da execução dos jovens moradores da favela de Acari, Lindomar e Rafael, em dezembro de 2005, foram postos em liberdade por decisão do juiz após mais um adiamento do caso. Um dos policiais já havia sido condenado mas seu julgamento foi anulado por decisão de desembargadores.

Parecia que, neste ano, a história iria se repetir. No dia 10/12/2009 estava marcado o júri popular do ex-PM Fabiano Gonçalves Lopes, acusado do assassinato de Flávio Mendes Pontes, em março de 2004 em Itaguaí. Fabiano e seu colega José Augusto Moreira Felipe (ambos condenados por sua participação na chacina da Baixada em 2005 – Felipe por homicídio e Fabiano apenas por formação de quadrilha) foram acusados da execução de Flávio um anos antes da chacina em Nova Iguaçu e Queimados. O caso arrastou-se com vários problemas e irregularidades, e só em junho de 2008 aconteceu o primeiro julgamento, no qual Felipe (então já cumprindo pena pelo crime na Baixada), que foi absolvido pelo júri popular.
 
A grande imprensa não falava mais do caso, apesar de envolver policiais já condenados na maior chacina do Rio de Janeiro. O julgamento foi mantido para Itaguaí, na longínqua periferia da Zona Oeste do Rio, apesar de todos os pedidos do Ministério Público para transferir para o fórum do centro (processo 2008.057.00013). Mas,apesar de todas as dificuldades, Joana D’Arc, mãe de Flávio e testemunha do assassinato do próprio filho, não desistiu de lutar.

Logo após a absolvição de Felipe, criticou a atuação do MP e procurou a Defensoria Pública para atuar como assistente de acusação, e foi através dos defensores que entrou em contato com a Rede contra a Violência e familiares de vítimas de outros casos, que passaram apoiá-la. Estivemos com Joana no dia 07/10, quando deveria ter acontecido o julgamento de Fabiano, e pudemos verificar a presença de vários policiais do 24o BPM, inclusive alguns suspeitos de fazerem parte da mesma quadrilha que executou as 30 vítimas da Chacina da Baixada em 2005. Todos “solidários” ao ex-PM. Após proibir os familiares de vítimas e pessoas presentes de entrarem no Tribunal com camisetas com fotos e símbolos, o juiz decidiu remarcar o julgamento, que seria adiado ainda mais uma vez.

No dia 10, após realizarem um protesto em frente ao Tribunal de Justiça no Rio, militantes da Rede e familiares de outros casos foram para Itaguaí, chegando por volta de 20 horas, quando ainda estava acontecendo a sessão de julgamento (iniciado por volta das 11:30). Inicialmente, foi impedida a entrada do grupo por um policial militar que alegava término do expediente do Fórum. Foi necessário que o defensor público do Núcleo de Direitos Humanos, que estava presentemcomo assistente de acusação, fosse até a portaria do prédio para que a entrada fosse autorizada. Entretanto, mais uma vez não foi permitido que se usassem camisetas com símbolos e fotos de vítimas da violência do Estado.

A presença das lutadoras e lutadores foi fundamental, para dar confiança a Joana (que dessa vez foi chamada para depor como testemunha, ao contrário do que aconteceu no julgamento de Felipe) e segurança aos jurados. O exemplo de sua luta e dos resultados de outros julgamentos que condenaram policiais foi citado diretamente pelo assistente de acusação durante os debates. Ao final, os jurados decidiram por maioria pela condenação de Fabiano e o juiz Rafael de Oliveira Fonseca proferiu a sentença de 14 anos de prisão. Fabano, contudo, poderá recorrer da decisão em liberdade.

A condenação do ex-policial, apesar do “esquecimento” do caso pela grande imprensa e mesmo por organizações defensoras dos direitos humanos, das dificuldades, do isolamento, das ameaças e irregularidades, constitui mais uma vitória da luta popular por justiça, travada em primeiro lugar e principalmente pelas próprias vítimas do genocídio praticado pelo Estado contra as favelas e periferias pobres do Brasil. O resultado do julgamento em Itaguaí concluiu um período onde importantes vitórias semelhantes foram alcançadas: condenação dos policiais que mataram Hanry Silva Gomes Siqueira ainda em 2008, condenação dos últimos policiais acusados pela Chacina da Baixada e condenação dos policiais que executaram 5 jovens em 2005 no Morro do Estado. Também devemos citar a anulação dos julgamentos que haviam absolvido os assassinos de João Roberto e Daniel Duque em 2008. Durante 2009, em geral mais de dois julgamentos de policiais acusados de crimes contra a vida aconteceram por mês, algo que era difícil de se imaginar há menos de dois anos.

Claro que a injustiça persiste e o judiciário ainda está longe de cumprir o seu papel. Agentes do Estado, alguns até já condenados, são postos irresponsavelmente em liberdade, o que motivou divulgação da denúncia da Rede, O judiciário trabalhando contra a justiça no início do ano. Policiais homicidas foram absolvidos, como os que mataram o jovem Charles Félix de Medeiros, muitos julgamentos e audiências foram adiados, para desespero e frustração dos familiares de vítimas. Acima de tudo, os superiores hierárquicos, oficiais e responsáveis pela “segurança pública” assassina praticada pelo Estado estão longe de ser responsabilizados e levados à justiça por seus atos, ordens e declarações.

É por isso que a Rede, organizações e movimentos de várias partes do país, e familiares de vítimas escolheram manifestar-se no Dia Internacional dos Direitos Humanos, neste ano, em frente aos Tribunais de Justiça de várias cidades. Que após o protesto, tenhamos podido contribuir com a vitória judicial em Itaguaí, foi simbólico de que a luta será longa e difícil, mas estamos mais que nunca convictos de que a força da luta e da organização popular é o caminho.

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