Por João Henriques

 

É sabido que uma das bandeiras deste Governo, quer no mandato anterior, quer no actual, é a iniciativa Novas Oportunidades, nomeadamente o sistema de Reconhecimento e Validação de Competências adquiridas ao longo da vida. Este processo resulta da reflexão de cada adulto acerca das suas aprendizagens, orientada por uma equipa de técnicos e formadores, com vista à abordagem, em registo escrito, de um conjunto de critérios pré-definidos num Referencial de Competências-Chave, correspondente a cada nível (Básico ou Secundário).

f100125_novasoportdestNão se trata, como se divulgou em alguns meios de comunicação social, de uns cursinhos intensivos de três meses, no fim dos quais os “estudantes” (agora com o nome pomposo de formandos) obtêm o certificado de equivalência ao 9º ou 12º anos [1].

Como este processo tem um cariz individual, nem todos os candidatos a certificação têm perfil para uma equivalência ao nível pretendido, devendo ser orientados para outros percursos formativos complementares.

O que acontece é que este Governo, na ânsia de se equiparar aos seus parceiros europeus no que diz respeito às qualificações da população portuguesa, pressiona os Centros Novas Oportunidades com metas que não têm em conta nem a realidade social onde esses mesmos centros estão inseridos, não olham à especificidade de cada formando (matriz deste processo), nem ao percurso formativo que deve ser ajustado de forma individual.

Apesar de alguns Centros Novas Oportunidades estarem integrados em escolas, o funcionamento é semelhante ao de uma empresa cujo objectivo é a quantidade de material produzido. E todos os procedimentos visam esse fim. É certo que uma escola deve ter objectivos, mas não deverão estes incidir na qualidade e nos bons resultados?

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A campeã de triatlo Vanessa Fernandes participou na campanha do governo.

O que se sente, neste processo, é que importa menos o resultado final, e mais o número de peças produzidas, ou seja, o número de pessoas certificadas, tenham elas competências ou não, precisem elas de formação ou não. Como se trata de iniciativas financiadas, há sempre o fantasma de ter de devolver dinheiro, não cumprindo aquilo a que cada centro se candidatou.

Entre o receio de penalização pelo não cumprimento de metas (e nele há metas para cada centro, metas para cada Nível de Ensino e metas individuais) e alguma deontologia, os profissionais vêem-se divididos: se por um lado o seu dever é exigir rigor e qualidade nos trabalhos; por outro, a falta de recursos humanos (claramente insuficientes para o número de formandos em processo), a enorme falta de competências que alguns adultos revelam (necessitando, por isso, de outros modelos formativos que não este, em que a formação é residual) e a pressão das referidas metas, impelem as equipas pedagógicas ao facilitismo e à produção quase fabril.

Claro que há resistência e as metas não corresponderão nunca ao que nos é exigido. E tentamos fazer o melhor que conseguimos com os meios que temos. Ainda assim, um trabalho que deveria ser desafiador, por contactarmos directamente com as competências práticas de cada indivíduo, que são sempre singulares e ricas, acaba muitas vezes por ser um mecanismo quase automático de seriação e certificação.

Nota:

[1] Marta Oliveira Santos, in Correio da Educação.

Um dos cartazes oficiais da campanha, e uma paródia feita com o rosto do primeiro-ministro José Sócrates.
Um dos cartazes oficiais da campanha, e uma paródia feita com o rosto do primeiro-ministro José Sócrates.

4 COMENTÁRIOS

  1. Uma reflexão breve, mas extremamente importante sobre esse processo de “formação” que ocorre em Portugal.

    Aqui, no Brasil, existem inciativas em outros âmbitos do ensino – que também valorizam apenas as metas quantitativas.

    Mais do que simplesmente identificarmos um fundo comum dessa problemática – o sistema capitalista -, cabe a nós refletirmos sobre essas experiências.

    Assim, desde de nossas iniciativas de lutas social e educativa, podemos seguir adiante num outro modo de vivenciar a formação – fugindo dessa “era avaliativa e examinatória”, que dá mais valor às pesquisas quantitativas do que as atuações e experiências educativas dos atores nesse processo.

  2. Perdoem-me o desvido da conversa mas essa Vanessa Fernandes uma vez ao ser entrevistada a seguir a uma maratona (competia pelo desportivismo visto que ela é atleta do triatlo nao da maratona) disse ‘a repórter que era pena que viessem para cá estes pretos ganhar tudo. Tratavam-se dos maratonistas profissionais africanos. Na altura fiquei banzado perante o racismo da frase, mas a repórter nem piscou o olho nem a desafiou. É claro que a Vanessa é um tesouro nacional adorada por todos/as.

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