A experiência zapatista demonstra a potencialidade da construção de outra saúde, ao tomarem em suas mãos os aspectos primordiais de suas vidas, superando o modelo atual que mercantiliza a doença e a saúde. Por Alex Hilsenbeck

“A saúde autônoma zapatista é uma das principais demandas no nosso plano de luta, porque nossa luta é pela vida digna de todas e todos nós.” (Karina, membro da Junta de Bom Governo e representante da área de saúde).

Nas assim chamadas sociedades desenvolvidas, nas últimas décadas observa-se o crescimento do interesse no potencial da medicina alternativa (como acupuntura, plantas medicinais, reflexologia, cromoterapia, aromoterapia, homeopatia etc.), estando em expansão o número de profissionais e as formas de tratamento disponíveis. Assim, um número crescente de pessoas está incorporando práticas médicas não-ortodoxas a suas rotinas de cuidados com a saúde que se contrapõem ao modelo biomédico “oficial”, ou se mesclam com este.

O modelo biomédico hegemônico é pautado no avanço científico e na racionalidade das sociedades modernas. Ele foca sua atenção prioritariamente na doença e, extremamente especializado, busca curar as partes que apresentam algum tipo de patologia, não se referindo a um todo biológico, em que se ligam mente e corpo.

Entre as razões para o abandono ou complementação do sistema de saúde tradicional está a relação assimétrica de poder entre médicos e pacientes (buscando abandonar o papel de pacientes passivos); os efeitos colaterais da medicação e das intervenções cirúrgicas; a dependência contínua do uso de medicamentos para tratamentos crônicos; a falta de alívio para alguns sintomas, cada vez mais comuns na contemporaneidade, como o estresse, a ansiedade, a insônia, a depressão. Para Giddens (2005), esta virada é fruto de uma época em que há cada vez mais informações disponíveis, às quais os “consumidores do serviço de saúde” podem recorrer para as escolhas no cuidado com a sua saúde, aprofundando o seu envolvimento no próprio cuidado e tratamento. Isto estaria ligado à expansão do movimento de auto-ajuda.

Ainda que esta hipótese seja verdadeira para uma parcela da população, a que tem acesso a serviços de saúde e pode optar, enquanto consumidora, entre o modelo biomédico hegemônico ou pelo modelo alternativo, quais as possibilidades de escolha nas regiões em que o modelo científico jamais se fez presente efetivamente, mas que, entretanto, conta com uma herança ancestral de modelos alternativos de tratamento em saúde, como as populações indígenas?

A saúde no sudeste mexicano

Uma das contribuições das Ciências Sociais para a área da saúde foi a de problematizar como as experiências e estruturas sociais e ambientais influenciam os dados relativos à saúde e à doença, havendo uma profunda interconexão na distribuição desigual da doença e da saúde a partir de padrões socioecônomicos diferenciados, ou seja, há uma ligação entre a incidência de doenças e variáveis como classe social, gênero, etc. (CAMPOS, 2006).

No sudeste mexicano, região indígena com níveis sociais em todos os sentidos inferiores ao restante do país, a saúde acompanhava os trágicos números de outros indicadores, como educação, renda e alimentação. No caso de Chiapas, conforme dados de anos anteriores à insurreição zapatista, de cada 100 crianças, 72 não acabavam o ensino primário; metade da população não possuía água encanada e dois terços não tinham esgoto; 54% da população do estado estava desnutrida, sendo que na região da selva, mais de 80% padeciam de desnutrição. Enquanto existiam sete quartos de hotel para cada mil turistas, havia apenas 0,3 leito de hospital para cada mil chiapanecos e 0,2 consultório para cada mil habitantes, cinco vezes menos do que a média nacional. Para cada mil pessoas havia 0,5 médico e 0,4 enfermeira e, é claro, boa parte deste contingente não se encontrava na região das Selvas, preponderantemente indígena e, na mesma medida, pobre (MARCOS, 1994, não paginado).

Um fato ilustra muito bem a situação do sistema de saúde na região indígena, ou melhor, a falta dele, como consta na biografia de Samuel Ruiz, ex-bispo da região de Chiapas. Ele foi ordenado padre sob a influência do anticomunismo, era um sacerdote tradicionalista e conservador, que rezava as missas em latim, numa região sobretudo de indígenas que mal sabiam o espanhol. Porém, a realidade concreta impactou profundamente seu entendimento de mundo, o que o fez se “converter” para o que ficou conhecido como a Teologia da Libertação. A partir de então, o bispo buscou fundir a cultura cristã com as culturas indígenas, com vistas a que os sofrimentos destes povos não fossem apenas objeto de resignação para outra vida. Um dos fatos cruciais para a conversão pela opção pelos pobres estava relacionado à situação do sistema de saúde na região. Dom Samuel chegou a uma comunidade tomada pela desolação. Todas as crianças haviam morrido de sarampo e diarréia. Os indígenas haviam ido ao lugar mais próximo pedir que um médico ou enfermeira lhes desse algum remédio, ao que lhes responderam que no dia seguinte um médico iria à comunidade. Os indígenas esperaram um dia inteiro na encruzilhada, e como ele não chegou, foram verificar o que havia sucedido. Responderam-lhes que tinha havido um chamado urgente, mas que no dia seguinte, sem falta, alguém iria à comunidade. Outra vez o médico não apareceu. Na terceira vez que os indígenas pediram, lhes informaram que uma enfermeira já estava a caminho. Esta também nunca chegou. Na quarta vez, já não precisavam nem de doutores, nem de enfermeiras, todas as crianças estavam mortas. Isto posto, os indígenas perguntaram a Samuel Ruiz: “o que vamos fazer? É esta a vontade de Deus?”. A partir de então, Samuel aboliu costumes tradicionais, passou a organizar os indígenas e pregar que índios e brancos são iguais, que pecado é a opressão, enfim, a buscar o reino de Deus na terra, pela igualdade entre os homens.

Sistema de saúde autônomo

Foi nesta mesma região que em 1994 lançou-se em armas o Exército Zapatista de Libertação Nacional, que tinha como um dos seus pontos centrais de reivindicação o direito e o acesso à saúde. Os zapatistas constituíram governos autônomos nas regiões sob seu comando, as denominadas Juntas de Bom Governo e ali tentam levar adiante outras formas de relações sociais, outras maneiras de governar e governar-se, inclusive no tocante à saúde.

Dada a inexistência de qualquer tipo de sistema de saúde e o abandono da população por parte do Estado no tocante a este quesito, aliado ao fato dos insurgentes governarem um território em rebeldia, isto é, sem apoio institucional e sob a perseguição aberta ou velada, é, em certa medida, natural que as experiências zapatistas trilhem o caminho de buscas alternativas de modelos de saúde.

A preocupação de construir um sistema de saúde autônomo nasceu antes do levante armado, como tentativa de diminuir os problemas das comunidades, como a falta de atenção médica, que levou à morte de muitas pessoas por enfermidades curáveis, os parcos recursos econômicos e o preconceito e discriminação que os indígenas costumam sofrer nos hospitais oficiais. A construção da primeira clínica se inicia em 1988, graças à cooperação econômica (contando com uma pequena doação do exterior) e ao trabalho comunitário, e começa a funcionar com oito promotores de saúde, em fevereiro de 1992, na comunidade de Oventik.

“E estes oito companheiros e companheiras começaram a atender os pacientes, com a pouca experiência que tinham, com poucos materiais e medicamentos: só contavam com uma pequena farmácia e um consultório geral. Depois do nosso levantamento armado […] começaram a chegar visitantes da sociedade civil nacional e internacional, para conhecer quais são as principais demandas do povo que se havia levantado em armas” (CELIA, 2007, p. 24).

Como nos informa o porta-voz e chefe militar zapatista, com o apoio das “sociedades civis” de vários países, a saúde das comunidades começou a melhorar. “Onde havia morte, começa a haver vida. Onde havia ignorância começa a haver conhecimento. Enfim, onde não havia nada, começa a haver algo bom” (MARCOS, 2004).

A solidariedade econômica, técnica e de voluntários da sociedade é fundamental para que se consigam medicamentos e equipes médicas, que se construam clínicas e se promovam campanhas, mas a mudança no modo de entender o tratamento da saúde também foi primordial. Assim, em vez de se concentrar nas doenças e enfermidades, o sistema de saúde aplicado nas comunidades se dirige, sobretudo, à medicina preventiva, com o objetivo de reduzir as enfermidades e o consumo de medicamentos industrializados.

A situação é diversa nas cinco zonas onde se encontram as Juntas de Bom Governo; contudo, em todas se promovem campanhas de higiene, o uso de latrinas e a limpeza das moradias. De igual modo, principiam-se as campanhas para combater enfermidades crônicas, epidemias e para detectar o câncer, de útero e de mama, nas mulheres.

Ainda que os serviços de saúde não abarquem todas as comunidades, aos poucos os zapatistas vão garantindo que cada município autônomo tenha sua estrutura básica de saúde comunitária, com campanhas de higiene, vacinação, medicina preventiva, promotores de saúde, laboratórios de processamento de plantas medicinais, microclínicas, farmácias, clínicas regionais, médicos e especialistas. Além disso, há veículos para levar os casos mais graves para ser atendidos em outras regiões, evitando a antiga situação de que quando alguém adoecia tinha que ser carregado por dias na busca de uma clínica ou hospital, localizados nas cidades distantes dos pueblos, acarretando, não poucas vezes, a morte do doente.

“Na saúde se está fazendo o esforço para que seja também gratuita. Em algumas clínicas zapatistas já não se cobra aos companheiros, nem a consulta, nem o medicamento, nem a operação (se esta é necessária e é possível realizar em nossas condições), e no resto se cobra somente o custo da medicação, não a consulta e a atenção médica. Nossas clínicas têm o apoio e a participação direta de especialistas, cirurgiões, doutores e doutoras, enfermeiras e enfermeiros, da sociedade civil nacional e internacional, assim como de alunos e estagiários de medicina e odontologia da UNAM, da UAM, e de outros institutos de estudos superiores. Não cobram nada e, não poucas vezes, colocam de seu bolso […] quero remarcar que tudo isto se dá em condições extremas de pobreza, carência e limitações técnicas e de conhecimentos, ademais que o governo faz todo o possível para bloquear os projetos que provém de outros países” (MARCOS, 2003).

Autogestão na saúde

Percebe-se que o desenvolvimento da saúde nos territórios zapatistas obedece a complexas relações entre a autonomia e a independência em relação ao Estado e suas instituições e, ao mesmo tempo, obedece também a relações de dependência no tocante a projetos, financiamento e voluntários da “sociedade civil” nacional e internacional. A conseqüência é que algumas áreas (como obstetrícia e odontologia) não funcionam em certas regiões por falta de pessoal capacitado, ou certas cirurgias só podem ser feitas de tempos em tempos, por necessitar de grupos de profissionais médicos especializados da “sociedade civil” e dos escassos promotores avançados de saúde dos próprios pueblos.

O modelo perseguido, antes de obedecer a princípios epistemológicos e ideológicos rígidos, parece corresponder às condições materiais de produção e reprodução da vida nas duras condições já mencionadas. Assim, como afirmou Karina, representante da área de saúde de um dos Caracóis zapatistas, “[…] o mais importante é a capacitação que tiveram sobre o uso das plantas medicinais que há em nossa zona. Isto é o que nos tem ajudado muito a seguir resistindo, e a não depender tanto de medicamentos de farmácia, só em casos muito graves e urgentes” (KARINA, 2007, p. 22). Cabe ressaltar que parte dos saberes tradicionais no cuidado da saúde foi posta no ostracismo pela medicina baseada na racionalidade científica. A mesma racionalidade que após silenciar estes saberes se volta para eles na tentativa de mercantilizá-los. E o que a fala de Karina permite perceber é o quanto estes saberes tradicionais, atualizados, necessitam ser reaprendidos pelas comunidades indígenas.

Cabe ressaltar que a crítica ao modelo hegemônico de saúde, o biomédico positivista, e o questionamento da ciência como verdade incontestável, atemporal e isenta de valores, por si só não basta para romper com a figura ilusória do arquétipo dominante. Neste caso, nos parece exemplar a trajetória prática da crítica fenomenológica na área da saúde.

Como relata Minayo (2006), ao criticar o modelo positivista imperante – seja pela sua ineficácia global, pela perda da capacidade da população de adaptar-se ao meio social, pela idéia mítica de que a medicina trará a imortalidade, a juventude eterna e acabará com a dor, o sofrimento e a doença, ou pelo caráter dominador da medicina sobre o corpo, ciclos biológicos e sobre a própria vida social – os fenomenologistas influenciaram uma reforma no sistema de saúde pautada em perspectivas holísticas que compreendiam a saúde e a doença integralmente; em que os indivíduos deviam assumir responsabilidade sobre as questões de sua saúde; através de práticas que promoveriam seu bem-estar integral; o sistema de saúde deveria tratar das causas ambientais, comportamentais e sociais que poderiam provocar as doenças; e o ser humano deveria harmonizar-se com a natureza, com o intuito de também utilizar práticas e meios naturais de tratamento, além de ter uma concepção de saúde e doença mais antropológica, que levasse em conta religiões e crenças de grupos específicos. Na prática estas concepções resultaram no questionamento do papel do Estado e das grandes instituições médicas, no incremento de pequenos grupos privados e voluntários para a promoção da saúde, no reconhecimento de modalidades alternativas de tratamento e, em novas formas de saúde que combinam associações voluntárias, autocuidado, uso de medicina tradicional, participação comunitária e atenção primária.

Ora, se por um lado esta concepção trouxe significativos avanços graças ao questionamento do modelo centralizador e corporativo da biomedicina, que não atenta para a situação dos indivíduos e dos saberes tradicionais, que entende o corpo humano como uma soma de órgãos separados e autônomos e pauta-se pelo modelo hospitalocêntrico, ao invés de células de relações primárias, por outro lado, essas críticas e modelos alternativos foram assimilados e recuperados pelo Estado e pelo mercado. Ao enfatizar unicamente a autonomia individual, de pequenos grupos e seus sistemas de crenças e saberes em detrimento dos contextos e bases sociais historicamente construídos e das relações de dominação econômica, política e ideológica do capitalismo, as críticas fenomenológicas passaram a ser usadas para reorganizar os sistemas de saúde pela via da desoneração econômica e política do Estado, que passa a adotar alternativas baratas não condizentes com as necessidades sociais, através do autocuidado e da responsabilização individual, atenção primária por não profissionais, revitalização da medicina tradicional e privatização relativa do sistema de saúde como um todo (MINAYO, 2006).

Não devemos confundir os caminhos traçados pela experiência zapatista, fruto de suas relações e interações com a realidade objetiva, isto é, com as possibilidades concretas disponíveis quando tomaram os meios de produção, com princípios, por vezes abstratos, de outras condições sociais e materiais. Os avanços na produção de um sistema de saúde nas comunidades zapatistas não podem obscurecer seus limites, dependências e ambigüidades, menos ainda servir como modelo generalizável e aplicável a qualquer localidade e situação. A resposta dada em conseqüência à falta de recursos materiais e sociais dos zapatistas se distancia em muito da simples escolha de “consumidores de saúde por modelos alternativos, influenciados pela expansão da auto-ajuda” tal qual definido por Giddens, e que costumam mesclar o culto a um passado mítico com uma negação irracionalista da ciência, observando somente as técnicas, em vez das relações e dos modos de produção que as sustentam. Deve-se atentar sempre para o contexto particular e levar em conta o desenvolvimento histórico para compreender a relação recíproca entre os elementos que compõem dada realidade, o que significa neste caso que a crítica à perspectiva do racionalismo científico do modelo biomédico não pode se alicerçar num conservadorismo anti-racionalista.

A experiência de auto-organização dos indígenas chiapanecos em rebeldia demonstra a potencialidade da construção de outra saúde, pautada na autonomia e nas relações comunitárias, sustentada por outros valores e práticas, que se mesclam e reinventam, como numa espiral em que o moderno e o tradicional se fundem na tentativa de superar o modelo atual que mercantiliza doença e saúde, que fragmenta e separa corpos e sentimentos, que não tem por intuito nem a saúde, nem o bem-estar, mas apenas quantifica o lucro e promove um controle global e higienizador sobre a vida social. Ao decidirem coletivamente as formas de tratamento da saúde, também demonstram a não dependência da comunidade a um corpo tecnocrático externo a ela. Essa organização autônoma dos “de baixo”, dos “excluídos”, de tomarem em suas mãos os aspectos primordiais de suas vidas, como sua própria saúde, demonstra na prática, ainda que por alguns instantes, os desafios e horizontes abertos ao amanhã.

Ouça o áudio sobre plantas medicinais e o sistema de saúde zapatista, com o promotor Mateo, aqui:

Plantas Medicinais

Sistema de saúde zapatista

Referências:

Áudios sobre plantas medicinais e mensagem do promotor zapatista de saúde Mateo retirados do site: http://america-profunda.blogspot.com/2009/04/la-buena-salud.html

CAMPOS, GWS et. al. (2006). Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec/FIOCRUZ, 2006.

CELIA. (2007). Discurso, Mesa de trabajo 2 – La Otra Salud. Intervenciones de las Juntas de Buen Gobierno en el Primer Encuentro de los Pueblos Zapatistas con los Pueblos del Mundo. In: Contrahistorias, nº. 8, mar-ago., 2007, México, p. 23-25, 2007.

GIDDENS, Anthony. (2005). Sociologia do Corpo: Saúde, doença e envelhecimento. In: Sociologia, 4ª ed., Porto Alegre, Artmed, 2005.

KARINA. (2007). Discurso, Mesa de trabajo 2 – La Otra Salud. Intervenciones de las Juntas de Buen Gobierno en el Primer Encuentro de los Pueblos Zapatistas con los Pueblos del Mundo. In: Contrahistorias, nº. 8, mar-ago., 2007, México, p. 22-23.

MARCOS, Subcomandante Insurgente. (1994). Chiapas: El sureste en dos vientos, Una tormenta y una profecía. In: Ensayos http://palabra.ezln.org.mx/. Acessado em: 30/11/09.

_______. (2003). Chiapas: La treceava estela – quinta parte: Una historia. In:http://palabra.ezln.org.mx/comunicados/2003/2003_07_e.htm. Acessado em: 30/11/09.

_______. (2004). Leer un video – Sexta parte: seis avances. In:http://palabra.ezln.org.mx/comunicados/2004/2004_08_25.htm. Acessado em: 30/11/09

MINAYO, Maria Cecília S. (2006). O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em Saúde. São Paulo, 9ª edição, Hucitec, 2006.

24 COMENTÁRIOS

  1. Muito interessante essa experiência que você relatou dos zapatistas!!! É um exemplo mesmo de resistência e organização…. e fruto de muito trabalho árduo. Talvez até não possa ser generalizável, mas deveria sim ser um exemplo pros movimentos sociais, porque na medida em que eles se organizam (mesmo que com ajuda de instituições…), esse processo de organização em torno da questão da saúde, de fornecer tratamentos, sistema de saúde pra população, implica na construção de um novo saber, um novo entendimento em saúde, que é o que costumamos chamar de conceito ampliado de saúde.
    A construção de autonomia, pra mim é a palavra chave, pra se pensar também a saúde. Autonomia sobre sua vida, sobre seu corpo, sobre sua condição de saúde e perante o Estado, ao saber técnico, ao que podem te oferecer. Também significa entender a saúde enquanto direito, e se entender enquanto um sujeito político, protagonista. Entender que se faz saúde não apenas com médicos, com receitas e remédios, mas se faz saúde em todas as dimensões da sua vida, inclusive no fazer político.
    Combatendo a concepção individualista de oferta de serviços de saúde: saúde para cada caso especial, não se pensa em condições de saúde para o coletivo, o modelo é individualista mesmo… O que colabora para o avanço do setor privado, por exemplo. Esse modelo de saúde, tá internalizado no imaginário social, e esse é um dos maiores problemas. Os próprios usuários não querem saúde se não for assim: médicos, que fazem exames, e prescrevem remédios, dão uma explicação direta e causal: isso ta fazendo aquilo….
    Acho que essa experiência mesmo de organização política autônoma influencia e muito no entendimento dos sujeitos sobre sua vida, seu corpo, sua saúde… e ainda os faz menos suscetíveis às incursões das propagandas de indústrias farmacêuticas, das idéias homogeneizadoras, até manipuladoras deste modelo de saúde com o qual convivemos…. Mas é muito árduo lutar contra isso!!! Muito difícil… como não poderia deixar de ser nesse mundo em que vivemos…
    De todo modo, gostei muito da sua reflexão!!!!
    Se quiser uma sugestão de leitura, Maria Cecília Donnângelo: se não me engano chama Saúde e Sociedade, é de 1979 acho…

  2. Lindo texto, Alex!
    Acredito que a principal contribuição das ciências sociais para a saúde, foi a de situar o sujeito numa esfera além da biológica. Ao pensar que não existe equilíbrio mente e corpo onde a esfera social encontra-se em situações de miséria e conflitos sociais, entendemos que a saúde está inserida num contexto mais amplo.
    Quais são as condições de vida que geram mais demanda por serviços de saúde?
    Creio que não temos trabalhado muito para mudar as condições geradoras das doenças. Na prática cotidiana, culpamos os indivíduos e vamos embora cansados para casa. Como fábrica de saúde.
    Já se sabe quais são origens das doenças que mais matam hoje: doenças cardiovasculares e câncer – muito ligadas ao estilo de vida imposto. Apesar de ainda existir alguns lugares no mundo em que as doenças infecto-contagiosas matam e, essas doenças já tem na maioria das vezes cura e prevenção.
    Já estamos quase encontrando o total controle das doenças crônicas – o que é uma fonte interessantíssima para a indústria de medicamentos, por isso só interessam as doenças de quem pode pagar. Sabemos também que simplesmente ter condições dignas de habitação e alimentação, é muito mais efetivo para se fazer saúde do que a construção de hospitais.
    Uma coisa é certa, ainda temos muito a trilhar para conseguir uma outra saúde. As doenças já tem suas origens definidas e todas elas condizem com o capitalismo.
    Talvez tenhamos que construir uma outra forma de encarar a própria vida e a morte para depois construir outra saúde.
    Pela lógica da longevidade individual, a alimentação é uma estratégia importante e estou certa de que só é possível que todos tenham boa alimentação em outro sistema. O avanço da nutrição tem privilegiado a saúde dos ricos apenas. Falar em longevidade dessa forma é ridículo. Para se ter autonomia do próprio corpo e da vida, condições dignas e tempo livre são fundamentais, mas hoje isso ainda não existe.
    A experiência das comunidades zapatistas merece reflexão, pela importância de nos situar numa luta real por outra saúde, e essa luta é por outro mundo.

  3. Há aquela obra já clássica de Ivan Illich, “A Expropriação da Saúde: Nemesis da Medicina”. Na qual Illich aplica à medicina a sua análise em termos de perda de autonomia dos indivíduos e comunidades em favor de experts, de profissionais e da indústria.

  4. Pati, concordo com você, ainda que a experiência zapatista não deva ser encarada como um “modelo”, pronto e acabado a ser copiado, deve sim ser entendida como um exemplo, com todos seus avanços, dificuldades e limites. Neste sentido, uma atenção maior por parte dos movimentos e das lutas sociais em relação à saúde me parece fundamental, pois em conjunto com áreas como habitação e alimentação, tocam diretamente e de maneira muito concreta em aspectos fundamentais da vida diária das pessoas.
    Você tem razão que este processo é muito duro, mas como você mesmo ressalta, igual a todo caminhar na direção de outro mundo. A partir do momento em que não relegamos a terceiros ou a entidades abstratas a construção desse outro mundo, e em que não esperamos que “eles” o façam por nós (seja em eleições, quando tomarem o poder etc.), podemos e devemos ir construindo esse outro mundo enquanto vivemos neste mundo, propugnando o mundo que então queremos, com todos os limites que isso significa, mas aí a construção de uma outra saúde é também a construção de uma outra vida.
    E a Tereza, para mim, toca num ponto central, o de que a saúde está inserida num contexto social, político e econômico mais amplo, e o que a experiência zapatista demonstra é que longe disso significar um empecilho intransponível para a prática dos trabalhadores da saúde, isto pode significar a sua inserção efetiva na construção de uma outra sociedade, ficando a pergunta: Quando os profissionais da saúde dizem que escolheram essa área para ajudar os outros, o que significa efetivamente e até onde vai essa ajuda? Consegue ir para além do simulacro de saúde “para todos” em que vivemos? E que tipo de saúde? Qual sua relação com os pacientes e a comunidade? O que quer e o que não quer enxergar?
    Uma outra questão que acho capital é: o quanto a “medicina alternativa” pode ser generalizável e quais as formas possíveis de apropriação do modelo biomédico atual?
    Léo e Pati, obrigado pelas sugestões de leitura, do Illich conhecia apenas o “Sociedade Desescolarizada”.

  5. Interessante a matéria e o assunto. Entretanto, texto muito longo. Ficou evidente que se “encheu linguiça”, principalmente porque o autor repete coisas que está presente em todo texto sobre zapatismo.

  6. Olá Antônio e demais,

    Não tenho procuração para defender o Alex, nem ninguém. No entanto, achei seu comentário desnecessário. Vamos ver por que:

    a) o texto pode ser, sim, considerado longo por você. Você tem todo direito de achar isso. Com certeza, a concisão é uma virtude – que só conseguimos com muito esmero.

    Mas, nessa história de textos curtos, uma coisa me incomoda: até que ponto não perdemos tempo lendo mensagens curtas, textos irrelevantes, sem profundidade e tudo mais pela internet? Era do twitter, é o que me parece…

    E, além do mais, essa preguiça mental tem tudo a ver com o momento histórico em que vivemos – de pouca análise e crítica, mas de muita bravata e especulação. Ainda nesse ponto, imagino que o autor ainda está insatisfeito com o resultado de suas reflexões. E isso se deve a complexidade da experiência da saúde nos territórios zapatistas.

    Então, é claro, esse texto poderia ser ainda maior – mas foram essas as palavras que o Alex encontrou para sistematizar um pouco dessa experiência e trajetória.

    b) pode ser que o “autor repete coisas que está presente em todo texto sobre zapatismo” – isso não acontece, em minha opinião. Mas, aceitando sua conclusão, gostaria de ressaltar que nunca podemos, por mais “informados” que somos sobre algum assunto, pressupor que todos têm acesso aos mesmos pontos sobre o que ocorre em Chiapas.

    A luta do EZLN é bem conhecida sim. Mas, cada dia mais – e, ainda bem! – novas pessoas entram em contato com essa rica experiência de construção de um novo mundo. Fica aí essa minha opinião, para dialogar com seu comentário.

    Abraços – e eu gostei bastante do texto!

  7. Caro Antônio, o fato de no artigo haver algumas informações sobre o zapatismo que já se encontram em outros textos (o que você chama de “encher linguíça”) deve-se a um motivo simples, a tentativa de abrir um diálogo não somente com pessoas que já conhecem a luta zapatista. Esse é uma questão que imagino sempre deve estar presente em quem escreve um texto, para quem se está escrevendo? Neste caso em específico, uma das minhas intenções era abrir um debate também com os trabalhadores da área da saúde, neste sentido, algumas coisas que para alguns já são por demais conhecidas sobre o zapatismo precisavam ser informadas e contextualizadas para um público sem tanto acesso, ou mesmo que teve o primeiro contato a partir deste artigo.

  8. Alex, fiquei pensando nas coisas que você questiona no seu primeiro comentário. São perguntas difíceis de serem respondidas, principalmente sozinha. Mas vou tentar…
    As relações estabelecidas entre profissionais e usuários dos sistemas de saúde, é extremamente assimétrica. O profissional é o ser detentor do poder de mudança e transformação e o usuário é mero objeto passível de intervenção. Isso não parte somente do profissionais mas os usuários muitas vezes nos cobram essa posição através de súplicas por soluções para os mais variados problemas de suas vidas (relacionados a saúde ou não).As “orientações” cedidas aos usuários pelos profissionais de saúde, muitas vezes nem conseguem transpor a barreira da linguagem. As estratégias de prevenção de doença acabam não sendo praticadas pelos usuários, simplesmente por serem estratégias que muitas vezes não cabem nas formas de vida atuais. Por isso, o fazer saúde hoje tem sido frustrante. Assim, o que os profissionais de saúde priorizam enxergar é a culpa do indivíduo em não cuidar de si, mesmo quando o “paciente”não tem instrumentos para fazê-lo. Essa prática, diminui um pouco a frustração do profissional em não se atingir seus objetivos de tratamentos.
    Tenho medo de generalizar, mas acho que não são todas as pessoas que partem para a área de saúde com a idéia de ajudar aos outros como você diz, muitos vêem na área uma oportunidade de elevar seu status perante a sociedade e também uma certa garantia de inserção no mercado de trabalho. Mas existem outros que partem para essa área por serem cuidadores natos, que realmente gostam de cuidar dos outros nos momentos de dificuldades e necessidades imediatas.
    O que percebo que acontece bastante é alguns profissionais acharem que a luta por uma outra saúde se resume a lutar pelo SUS. Para nós, é a via mais lógica e concreta para tentar mudar alguma coisa na área. Mas muitas vezes desconhecemos o porque de todas as nossas práticas, as origens de nossas práticas (modelo biomédico). Somos treinados a pensar a saúde descolada de tudo que não sejam sinais e sintomas de doenças.
    Por isso, acredito que a conquista de uma nova saúde, assim como foi a conquista do SUS em 1990, deve partir não só dos profissionais mas também dos usuários!
    A luta do usuário não deveria se restringir à reclamações por falta de serviços públicos, demora de atendimentos etc, mas deveria ser uma luta contínua por outras formas de vida não geradoras de doença e por mais autonomia.
    Sobre a questão que você coloca em relação à medicina alternativa, acho que não pode ser generalizável senão acabaria repetindo a mesma lógica do modelo biomédico com seus guias, protocolos e condutas que padronizam os sujeitos transformando-os em objetos.

  9. Me expressei mal. Não queria ser ofensivo. Só achei que o texto repete coisas que o leitor médio do Passa Palavra já deve saber. Erro meu, já que se pretende atingir outros públicos. Desculpe!

  10. Achei muito interessante o texto sobre saúde.
    Aproveito pra trazer o informe de aprovação do PEC 47/03 que inclui o DHAA na Constituição.
    Essa inclusão é feito no mesmo artigo que prevê como Direitos Sociais a Educação, a Saúde, o Trabalho, a Moradia, o Lazer, a Assistência aos Desamparados, etc.

    Importante lembrarmos que esses direitos não se aplicam na realidade.
    A Educação tem sido sistematicamente precarizada com a Reforma Universitária, o Ensino a Distância (que cresce exponencialmente) e outros falsos projetos de expansão de vagas (REUNI e PRÓ-UNI), num contexto de extrema falta de democracia. Vide as lutas estudantis nos últimos anos.

    A Saúde, no mesmo sentido tem visto a terceirização destruí-la cada vez mais, arrochando salários, comprometendo quaisquer avanços e precarizada pela falta de priorização, corte de recursos e aplicação das propostas de Organizações Sociais e Fundações Estatais de Direito Privado, mesmo com as discordâncias do Conselho de Saúde (as meninas dos olhos da democracia participativa).

    O Trabalho, por sua vez, alienado, explorado e desvalorizado, principalmente no último período quando vimos mais de 800 mil trabalhadores ficarem desempregados por conta da crise financeira e setores da elite encherem-se de dinheiro público para garantir a não falencia dos bancos (quero dizer, a manutenção dos seus lucros) e a roda do comércio financeiro a girar loucamente.

    A Moradia pseudo-garantida num projeto de habitação que é possível porque senta-se sobre as grandes empreiteiras e empresas construtoras.

    Um lazer que falta e uma assistência aos desamparados inexistente (vide caso das enchentes em São Paulo).

    Esse estado de direitos há de ser questionados por nós, sem pudor.
    Admitir as limitações e pensar nas possibilidades de realização dessas necessidades concretas em outro estado de coisas.

    Ou vamos brincar de que é possível esses direitos para todos e todas no mundo de hoje?

  11. O DHAA que a Érica se refere é o Direito Humano à Alimentação Adequada que significa acesso à alimentação de forma irrestrita, em quantidade e qualidade suficientes, nutricialmente balanceada, levando em consideração a diversidade cultural dos povos, e ligada a práticas alimentares saudáveis.

  12. Bela discussão. Concorda com a maioria das colocações, mas gostaria de retomar a pergunta do Alex por considerá-la essencial. De que saúde estamos falando? A pluralidade do conceito permite afirmar a diversidade de olhares pertinentes a sua relação com o homem. Vou tentar me expressar!
    É obvio que para compreender um indivíduo “doente ou saudável”, deve-se percebê-lo em seu contexto, compreendendo sua história de vida, crenças, desejos, expectativas, relações pessoais. Surpreendam-se, isso não é tão obvio para os profissionais de saúde despejados no mercado de trabalho hospitalocêntrico e médico centrado! Saúde passa a ser considerado ausência de doença e devemos, como profissionais da saúde, ensinar como o ser humano deve se cuidar. Infelizmente é assim que aprendemos a lidar com a saúde da sociedade. Discutir saúde se torna uma falácia quando percebemos que o conceito de saúde é enfiado “goela” abaixo durante a graduação na área fazendo com que o profissional seja pouco reflexivo e extremamente tecnicista.
    Os estudos conceituais no campo da saúde têm enfocado quase que exclusivamente os conceitos de doença, patologia e seus correlatos. A carência de estudos sobre o conceito de saúde indica a dificuldade do paradigma cientifico dominante de abordar a saúde positivamente.
    Deixo aqui algumas sugestões grosseiramente exemplificadas. A Teoria do Rótulo, formulada por Lemert, Becker, Goffman e Scheff discute como a sociedade estabelece meios de classificar as pessoas em categorias, de acordo com seus atributos. Serão normais, sujeitos com atributos socialmente desejados e desviantes os que possuem atributos indesejáveis. Vemos, na prática clínica os profissionais da saúde como rotuladores: “A senhora tem diabetes provavelmente porque está acima do pesa, não faz exercício físico e não se cuida”. Somos treinados para prescrever a santíssima trindade: alimentação adequada, exercício físico e uma vida sem estresse. Afinal, o maior culpado por estar doente é você mesmo! (Risos)
    Na antropologia médica, Good parte de múltiplas narrativas acerca do significado de doença e introduz a noção de rede semântica. A teoria busca estruturas profundas que ligam as concepções de saúde e doença a valores culturais fundamentais de uma civilização, permanecendo, ao mesmo tempo, fora do conhecimento explicito cultural e da consciência dos membros que compõe a sociedade, apresentando-se como naturais. As redes semânticas sustentam o discurso e o comportamento profissional e popular e possuem longevidade e plasticidade. Sinceramente, grande parcela dos profissionais não tem idéia do que seja cultura e tentam moldar seus “pacientes” da forma mais “saudável” possível.
    Na vertente da Epistemologia Médica Georges Canguilhem, opondo-se a perspectiva da diferença quantitativa entre o normal e o patológico, afirma uma diferença de natureza qualitativa entre saúde e doença. Sendo saúde e doença uma norma da sociedade. A normatividade seria a capacidade de instaurar novas normas, e não um estado de conformidade perante as normas estabelecidas. Tomando este conceito como uma dimensão da saúde, cada indivíduo tem para si mesmo sua própria concepção de saúde.
    Saúde e doença situam-se no âmbito da normalidade, pois ambas implicam certa norma de vida. Sendo assim, a criação de uma sociedade totalmente saudável e sem diferenças, em uma idéia de saúde perfeita acabaria por configurar uma nova patologia. Por isso quando lutamos por uma prática de cuidar exclusiva, tradicional ou alternativa passa a ter o mesmo significado quando o discurso de uma desvaloriza a outra. Se a possibilidade de testar a saúde pela doença fosse eliminada, o ser humano não teria mais a segurança de ser saudável. Baseado neste aspecto, o diagnóstico e o tratamento deveriam estar calcados, sobretudo na observação do doente, e não nas modernas técnicas de exame, visto que a perspectiva do doente deve ser privilegiada, pois antecede o saber científico.
    Tendo em vista as várias formas apresentadas aqui de se pensar saúde, pode-se perceber a complexidade a que se deve esse tema. Vê-se ainda que alguns teóricos, na tentativa de definir essa questão, tendo como foco o fator biológico como puro determinante da saúde, concebem teorias a meus olhos, unilaterais e falhas, pois não levam em conta outras dimensões relevantes para a compreensão da concepção de saúde.
    Não se pode definir saúde como conceito restrito e puramente individual. Será preciso, portanto, promover todas essas “saúdes” para gerar bem-estar e evitar riscos para o indivíduo e grupos sociais, respeitando as condições de contexto tanto quanto a autonomia e capacidade de criação dos sujeitos históricos.
    Não quero com esse comentário menosprezar os profissionais da saúde. O que sugiro é uma diálogo mais aberto entre os saberes. As Ciências Sociais contribuem sobremaneira na construção de pontes do conhecimento, mas é necessário que o inverso seja valorizado para habitarmos as pontes em um coletivo de lutas para transformar a forma com que concebemos saúde. “Saúde é quando ter esperança é permitido” Christophe Dejours.

  13. Olá Ana. Eu gosto bastante dessa metáfora das “pontes”, pois a entendo como pontes que ligam lutas, que permite trocas e uniões, em mais de um sentido, pois esta ponte não é um viaduto de carros que pode ter apenas uma direção, mas pontes dessas nas quais andamos a pé, vendo os companheiros de caminhada, estando lado-a-lado, tecendo relações.
    Neste sentido, tanto o conhecimento de cientistas sociais (e de outros saberes) contribuem para a construção dessas pontes e lutas, ao serem utilzados e trocados por pessoas comprometidas, como também a prática e o saber dos trabalhadores da saúde são fundamentais para este tabalho de construção e troca. Insisto na importância que tem a área da saúde, sobretudo para aqueles que não tem acesso a um atendimento efetivo, e por isso sofrem cotidianemente com esta ausência. A área da saúde tem que ser melhor entendida e considerada como um aspecto essencial por aqueles que estão nesta caminhada da construção de outro mundo, em especial pelos movimentos sociais. E, isto não pode se resumir a exigir que governos, técnicos, burocratas e gestores definam os rumos da nossa saúde (geralmente atrelada aos interesses do grande capital), ou como diz a Érica, não podemos brincar que este é um direito de todas e todos no mundo em que vivemos, assim, outra saúde, que esteja sobre o controle da própria sociedade, só pode se dar nos marcos da construção de outro mundo, ela é um elemento fundamental dessa outra vida, que pode e deve ser construída no hoje.
    Beijos

  14. Ana, deixo uma outra citação que vai no sentido da que você colocou, sobre esperança, e que sintetiza um pouco o que eu disse sobre construir este outro mundo a partir do hoje:

    “Ser esparançoso em épocas ruins não é ser apenas totalmente romântico. É se basear no fato de que a história humana é uma história não apenas de crueldade, mas também de compaixão, sacrifício, coragem e bondade (…)E se agimos, de qualquer maneira ainda que pequena, não precisamos esperar por algum grande futuro utópico. O futuro é uma infinita sucessão de presentes, e viver agora como nós acreditamos que seres humanos devem viver, desafiando tudo que de mal existe ao nosso redor, é em si uma maravilhosa vitória”

    Howard Zinn (há um artigo sobre este grande historiador e lutador estadunidense que pode ser consultado aqui: http://passapalavra.info/?p=18130 )

  15. Hola Alex.
    Soy Eugenia Michalopoulou, de Grecia. Miembro del colectivo griego de solidaridad con los Zapatistas “ALANA” y tambien miembro del equipo-web de la web de la Red Europea de Solidaridad con los Zapatistas (www.europazapatista.org)

    Estare en Lisboa por unos dias, desde el 27 de febrero hasta el dia 2 de marzo. Me gustaria, si es facil, contactarme con Uds.

    Halbo solo castellano, no portugues aunque mucho me gustaria.
    Seria alegria conocerles. Puedes contactarme por el correo:

    [email protected]

    Un abrazo solidario
    Eugenia

  16. Li o texto há alguns dias, achei bacana.Gostaria de sugerir um texto da Asa Cristina Laurell (que foi secretária da cidade do México) e apesar de ser de um partido que não nos agrada muito (hehe) trás contribuições importantes para pensarmos o processo de adoecimento. A discussão não vai bem pro mesmo lado do texto do Alex, até prq o contexto que se discute é outro, mas achei legal deixar aqui pra quem se interessa pela discussão e/ou atua na área. Tá ai, “A saúde como processo social”: http://fopspr.files.wordpress.com/2009/01/saudedoenca.pdf

  17. Oi Alex!
    Vivenciar a experiência zapatista inflama o coração de paixão, amplia o comprometimento com a saúde e o desejo pela “vida digna de todas e todos nós”.
    Muito rica discussão.
    Infelizmente não podemos ver com olhos excessivamente crédulos a busca pela medicina alternativa, que se afasta e muito dos modelos ancestrais. Diversas vezes não reflete a busca de autonomia, tampouco capacidade real de escolha, já que essa se tornou mais uma a fatia do mercado a oferecer, de forma charlatanesca, alívio “politicamente correto” às mazelas essencialmente humanas, tratando baseado no conceito errôneo de saúde.
    Assim como existe esta aplicabilidade falaciosa ao modelo não ortodoxo tornando-o venal, também existe uma crítica ensandecida ao desenvolvimento tecnológico (não entenda medicina tecnicista) e ao emprego de medicações. A utilização de recursos da tecnologia na medicina preventiva deve ser valorizada desde que mantenha seu real status complementar sem subjugar a anamnese e principalmente o contato com o paciente. Quanto às medicações é claro que existe conflito de interesse direto da indústria farmacêutica, que de forma tendenciosa e hiperbólica tenta ludibriar profissionais da saúde e leigos vinculando essencialmente a necessidade de drogas na manutenção da “saúde”. Em contrapartida não podemos comparar a morbidade e mortalidade da era pré- antibiótica com a dos dias atuais. A parcimônia no uso e racional indicação são vitais.
    Sobre relação médico-paciente não vou me ater ao questionamento assimétrico histórico, mas na ausência de compromisso simétrico no estabelecimento e manutenção deste vínculo. Nota-se falta de empenho pessoal e envolvimento do profissional, associado à escassa iniciativa por autonomia além de idealização extraordinária sobre profissional pelo paciente. Não podemos esperar outra coisa de um sistema que fez do profissional de saúde um mero fornecedor de serviço e do paciente seu cliente, dissociados, descartáveis…
    Ambos ávidos por um reencontro genuinamente humanizado, certamente.
    Não devemos enxergar as críticas à prática da assistência em saúde vigente como fatalidade que imobiliza re enfatizando o modelo perverso que supervaloriza o mercado ao humano.

    “A vida é curta, a Arte difícil e longo tempo é necessário na sua aprendizagem; a ocasião é fugidia, a experiência enganadora, o julgamento trabalhoso de formular. Ante problemas tão árduos e situações perigosas, o médico deve ser modesto e ter a íntima convicção de que não são só seus cuidados que podem fazer voltar a saúde perdida porque a experiência demonstra como muitas vezes as enfermidades se curam por si só”
    (Hipócrates)

    Beijos e flores
    Espero ter colaborado…

  18. Que bom te ver aqui Maria. Gostei bastante de sua contribuição. Apenas duas discordancias: a medicina preventiva não é complementar é parte da terapeutica e deve ser vista politica e socialmente como tal. Acredito que o processo saúde-doença tem essa concepção tendenciosa a que você se refere justamente por causa da supervalorização da clínica individual; e, as artes de curar transcendem explicações puramente racionais, assim as “alternativas” (aproveito para dizer que realmente não acho que tais práticas sejam alternativas mas necessárias), podem sim incorporar tecnologias conquistadas pela evolução da medicina como prática do cuidado. Abraço!

  19. Olá,

    Muita gente pode estar achando que a discussão realizada pelos comentários anteriores é meramente específica da área das “ciências da saúde”.

    Num primeiro momento, pode até parecer que, sim, as pessoas estão focalizando questões do “cuidado” e da relação “saúde e doença”.

    No entanto, gostaria aqui não só parabenizar a todas e todos pelas excelentes contribuições aqui apresentadas (e, claro, espero muito que o debate continue aqui e em outros espaços – estou aprendendo muito com vocês!), como também estimular a reflexão coletiva dessa dimensão fundamental de nossas vidas – que é a saúde.

    Muito bom perceber que existem profissionais de saúde tão questionadores – que, inclusive, percebem a ideologia pressuposta e reafirmada nos ideais de “bom corpo”, “saúde” e tudo mais.

    E, por fim, um ponto que merece sempre ser destacado: mais do que meras palavras e boas intenções, as idéias de “autonomia”, “auto-determinação” e “construção de um novo mundo” são, na verdade, um conjunto de práticas e pensamentos. Por esse motivo, é importante sabermos qual a educação que queremos, o alimento que iremos produzir, a saúde que conquistaremos, a circulação (transporte) que percorreremos, a cultura que estimula nossas vidas…

    Enfim, mais alguns pontos para continuar essa rica discussão que o texto do Alex nos deu oportunidade de realizar.

    Abraços.

  20. Xavier, concordo com você. essa discussão pode ser lida tendo como foco toda movimentação que lute para um processo de transformação individual e consequentemente coletiva. E acredito que cada um com sua contribuição possa caminhar para um lugar melhor, “Vim aqui para cantar e quero que cantes comigo”(Pablo Neruda)

  21. Maria, creio que tem razão quando afirma que a medicina alternativa se afasta em muito dos modelos ancestrais, o que não me parece em sí um problema, pois não creio que as tradições são em sí boas, tampouco o desenvolvimento tecnológico como em sí ruim. Afinal, como você afirma, a era dos antibióticos trouxe benefícios incomparáveis na questão da mortalidade e, para diversas doenças mais graves os zapatistas, por exemplo, têm que recorrer aos modelos biomédicos atuais. Todavia, tendo a concordar com a Ana, pois acredito que o avanço técnico não está contraposto aos modelos ditos alternativos, nem aos tradicionais, sendo uma questão de possibilidades e escolhas das comunidades.
    Neste ponto, o essencial, para mim, está na questão sublinhada pelo Xavier, sobre a autonomia ser um conjunto de práticas e pensamentos para a sociedade que queremos.

    E aí, a experiência zapatista não se limita aos indígenas e camponeses de Chiapas, os novos referenciais de vida e organização que eles desenvolvem são o vislumbre momentâneo de toda uma nova maneira de viver, não alicerçada em valores tão restritos quanto estreitos do atual sistema que prima pelo individualismo egoísta-competitivo e pela separação técnica (e por isso, supostamente neutra) dos rumos da política, que escapam das mãos das pessoas “comuns”, relegando a um gestor, um profissional, um cientista, engenheiro ou médico qual o caminho de suas próprias vidas.

    Assim, apesar de estar de acordo com o último comentário da Ana, sobre contribuições individuais que levem a transformações individuais e, consequentemente, coletiva, acredito que se faz necessário pontuar a causa comum para que os diversos esforços individuais possam se congregar num esforço coletivo.

    O que se costuma chamar de história é apenas uma parte da realidade, a de cima, que esconde a experiência das pessoas comuns, suas lutas cotidianas e coletivas, como a dos indígenas chiapanecos que se uniram para atacar este sistema, e a partir daí puderam caminhar outras alternativas. Isto inclui uma crítica pela raiz (e por isto radical) às grandes empresas do agronegócio, do setor químico-farmacêutico-agroalimentar, do transporte, da comunicação, da habitação etc. Neste caminho, a auto-identificação enquanto trabalhador (seja da saúde, da alimentação, do transporte, da agricultura, da construção civil etc.), e dos trabalhadores enquanto companheiros e companheiras parecem-me fundamental.
    Concretamente, para podermos ter autonomia e liberdade nos diversos âmbitos de nossas vidas, temos que ter claro que estamos a enfrentar um sistema político-econômico que negligencia o atendimento das necessidades e direitos básicos para grande parte da população, geração após geração, enquanto uma minoria se privilegia disto e cultiva a ilusão que o amanhã será sempre igual ao ontem, escondendo o fato de que o presente e o futuro são feitos por nós, hoje, numa luta constante para a construção desse “outro mundo”, que para poder se tornar realidade deve unificar as grandes e pequenas, as passivas e ativas, resistências individuais, transformando-as em rebeldias coletivas, ainda que mantenham suas especificidades.
    “Quando isso pode acontecer é incerto. Se isso pode acontecer também é incerto. Mas não acreditar na possibilidade de uma mudança dramática é esquecer que as coisas já mudaram, não o suficiente, é claro, mas o suficiente para mostrar o que é possível. Nós já fomos surpreendidos antes na história. Nós podemos ser surpreendidos novamente. Na verdade, nós podemos fazer parte do surpreendente.” (Howard Zinn – Você não pode ser neutro num trem em movimento)
    Beijos e abraços a tod@s,
    (e ótima discussão, que já ultrapassa o dobro do tamanho do artigo! e traz elementos muito relevantes)

  22. Caros e caras,
    Uma questão (um pouco provocativa, mas propositiva) aos profissionais da saúde:
    Levando em conta esta riquíssima discussão sobre autonomia e que tipo de saúde queremos, que tal escreverem algo sobre o Projeto de Lei do Ato Médico que está para ser votado no Senado? Sugiro isto, pois me parece que esta discussão está muito restrita nos Conselhos de Profissões das áreas da saúde e pouca coisa tem sido discutida mais claramente com outros setores da sociedade.
    Pode ser, por exemplo, na forma de artigo, inclusive escrito a mais de duas mãos…
    Beijos, abraços e flores

  23. Primeiro agradecer a contribuição do Alex com esse artigo, não é muito fácil ter acesso a materiais em relação a área de saúde. É muito interessante toda a forma de organização autonoma zapatista, e sendo a saúde um dos pilares principais para a sobrevivencia das gentes não poderia ser diferente com tal.
    Li os comentários dos comp@s. Acho que tod@s tem uma noção básica que a prevenção e melhor que a medicação, isso inclusive nas classes de abajo que muitos sabem todom o transtorno que vão ter se ficarem doentes, Ja ouvi muito por ai nas espera de filas dos SUS as velhas tias que la sempre estão, ja vira profissao ser usuário do SUS para muitas gentes, elas dizem: A gente é alguma coisa enquanto esta com saúde, depois vira trapo. Também ja conferi os celebres hospitais (de região sul a norte) chamados de matadouro, açougue etc… Você entra precisando de uma injeção de bezetacil (antibiotico) e saiu sem uma perna, é fato.
    Mas coisa que descordo é uma maneira meio idealista de se referir ao profissional da saúde, vale lembrar que em uma unidade de saúde (postinho) o corpo de funcionarios é formado por agentes de saude, auxiliarios, tecnicos de enfermagem, enfermeiros e por último médicos. A maioria dos trabalhadores da saúde também são gente de abajo, que trabalham mto ganham pouco, tem pouco preparo e pouca autonomia. Nas diretrizes do SUS estão previstos muitas moções de prevenção e promoção de saúde. O grande problema é que não é efetivado. Desde a criação do SUS ainda nao temos uma implantação real do que era previsto no papel.
    Atualmente os municipios devem contar com seus conselhos de saúde, composto por usuario, trabalhador da sáude, e admistrador (se nao engano) com conselho estadual e por fim nacional, o problema é claro que na nossa democracia representativa e burocrata estamos sujeitos a muitas fraudes eleitorais o que normalmente acontece dentro desses conselhos, que acabam ficando nas mãos de muitas entidades escoladas na arte de desvios de recursos publicos, abafamento das demandas reais e mascaramento dos problemas. Com todos esses problemas o que passa a acontecer e o esgotamento do serviço publico e o usuario sendo obrigado a buscar a saude privada, nao menos problematica, assim sendo tambem os trabalhadores da saude buscando seu lugar ao sol, trabalhando para empresas de saude.
    Não podemos ser ingenuos o suficiente a acreditar que a automia na saúde vai ser gerada através da medicina alternativa e infelizmente tambem nao do saber tradicional, que ja vem sendo coptado pelas elites, só atraves da saude publica (seja ela biomedica, alternativa, tradicional) de qualidade, o caminho da luta é tortuoso, como qualquer luta social real.

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