Por Leo Vinicius
Voltando do debate de lançamento do livro O que resta da ditadura: a exceção brasileira, que por acaso do destino foi realizado no dia em que Cesare Battisti completou três anos de prisão no Brasil, é difícil não enxergar no suplício a que é submetido Cesare Battisti um desses exemplos que saltam aos olhos do que resta da ditadura brasileira – que de fato são muito mais que “restos”.
Paulo Arantes ressaltou durante o debate a leitura que Florestan Fernandes fazia do golpe de 64 e do conflito que, segundo ele, seria central no Brasil: 64 seria uma contra-revolução; e antes de ser entre trabalho e capital, no Brasil o conflito primordial se daria entre os não-proprietários e os proprietários. Contra-revolução e propriedade, as duas palavras-chave que explicam a prisão que persegue Cesare Battisti (e tantos outros!). Ele, que participava da apropriação direta nos anos 1970, as chamadas expropriações proletárias, e que junto com milhares de outros buscava uma revolução a seu modo, visão que inspirou tantos jovens e que resultou em tantas perseguições e encarceramentos na Itália dos anos 1970. A contra-revolução não acaba. Como já disse em outro momento, na luta de classes nunca há vitória total e definitiva, e é por isso que Cesare Battisti e tantos outros são perseguidos e mantidos presos. Trata-se de dar exemplo e de avançar com jurisprudências e modus operandi que sirvam bem contra dissidentes ou potenciais dissidentes de hoje em dia.
Depois de uma concessão de refúgio político por quem legalmente de competência – o Ministro da Justiça – e depois da decisão final cair novamente nas mãos do Poder Executivo, Cesare Battisti continua tão preso quanto três anos atrás.
Espera-se a publicação do chamado acórdão do Supremo Tribunal Federal, na qual a última palavra sobre a extradição ou não de Cesare Battisti caberá ao Presidente da República. A partir de abril o novo presidente do STF será Cezar Peluso, o inominável relator do processo de extradição de Battisti. Basta lembrar de todo o esforço e peripécia jurídica que pelo menos metade dos membros do STF fez para extraditar Battisti e anular a concessão de refúgio para nos darmos conta de que muito provavelmente tentarão prorrogar ao máximo a publicação desse acórdão, sem o qual Lula não ousará conceder refúgio a Battisti. O advogado de Cesare Battisti entrou este mês com petição no STF pedindo que o acórdão seja logo publicado. Certamente, se possível for, alguns membros do STF farão de tudo para que esse acórdão não seja jamais publicado.
Bem, vencida a etapa de publicação do acórdão, há que se vencer a etapa do Presidente da República decidir pela não-extradição e conseqüente refúgio de Battisti no Brasil. Sim, há que se vencer essa etapa, pois muitos já contam como dado que Lula não extraditará Battisti. Seria ingenuidade política contar com o ovo dentro da galinha dessa forma. A política – ou a política de gestão de Estado – é feita na base de cálculo de ganhos e perdas políticas, de conjuntura, de momento, e não por princípios ou valores – definitivamente não existe nesse âmbito a tal ética da convicção weberiana. Se Lula sentir na ocasião que não há desgaste político nem preço a pagar por extraditar Battisti, mas sim algum preço por não extraditá-lo, de onde viria então a certeza de que ele daria decisão favorável a Battisti? Começam a aparecer notas em jornais dizendo que fontes dentro do governo afirmam que Lula decidirá pela extradição de Battisti, ao contrário das notas que saíram nos meses anteriores.
Bem, mas vencida essa segunda etapa, de decisão presidencial em favor de Battisti, tudo leva a crer, e não teríamos aprendido nada se pensássemos algo diferente, que os direitistas, dentro e fora do STF, mesmo que o governo italiano não se importe mais com o caso, se articularão e tentarão mais uma vez anular a decisão do Poder Executivo. Se o fizeram uma vez, anulando “de ofício” uma decisão política do Executivo, por que deixariam de graça agora?
Vencida essa terceira etapa, ainda restaria soltar Battisti. Cezar Peluso se perguntou, caso Lula decidisse pela não extradição de Battisti, quem o soltaria? Ora, tal questionamento não foi mais do que a senha de que ele e os perseguidores de Battisti farão todo o possível para indeferir pedidos de liberdade de Battisti, como fizeram mesmo após ele receber status de refugiado político. Quem soltará Battisti? Cezar Peluso? Certamente não. Lula? Certamente não. Ele lavará as mãos, e fugirá de qualquer situação que poderá ser usada para se criar uma crise institucional entre os Poderes. Só a mobilização o soltará. Cesare Battisti estava certo quando afirmava que sua vida dependia dos “movimentos sociais”. Ainda depende.
Prezado Leo Vinicius,
Muito lúcido o seu entendimento de que “a política (…) é feita na base de cálculo de ganhos e perdas políticas, de conjuntura, de momento, e não por princípios ou valores”. É isso o que explica todo o jogo de cena do presidente Lula da Silva em protelar o asilo definitivo a Battisti. Se não houver pressão social, devemos, sim, temer pelo pior. Lula já está picado pela mosca azul da Secretaria Geral da ONU. Nunca se sabe como políticos pragmáticos como ele podem agir.
E o contraponto à inação calculada do presidente é a inação curta e grossa da esquerda brasileira. Os três anos de prisão Battisti são o mais eloquente indicador de uma alienação suicida entre nós. Pois não vemos ou não queremos admitir que a sujeição de Battisti perpretrada por todo o estado-maior da burguesia é a nossa própria sujeição em processo. A tentativa de vestir com um halo político (portanto anistiável) toda a ação das bestas-feras do regime de 1964, de transformar os resistentes ainda vivos à tirania em meros terroristas, de criminalizar os lutadores sociais, a prisão dos sem-terra de Iaras e de outros tantos camponeses nos rincões perdidos do país, a repressão aos movimentos grevistas mais recentes, são elementos que se acumulam na renovação da ditadura da classe proprietária brasileira, que certamente não terminou com o fim do regime de 64.
É preciso que os movimentos sociais e os partidos de esquerda tomem de vez como prioridade a campanha pela libertação de Cesare Battisti, porque com o sucesso dela teremos conquistado um melhor espaço para o prosseguimento de nossa luta.
Luiz Henrique Cunha
Olá Luiz Henrique,
Acho compreensível que Lula espere a decisão escrita, oficial, do STF para então se pronunciar. Ele não quer atropelar etapas e dar desculpas para ser atacado. Por menos a direita já tenta criar crises e desestabilizações no governo federal.
Creio que a pressão deve se dar, na primeira etapa, sobre o STF, para que esse acórdão saia logo.
Não creio que Lula ache que a decisão dele sobre Battisti irá influir para ele assumir ou não algum cargo futuro na ONU (se é que Lula de fato deseja tal cargo). Talvez até a concessão de asilo jogue a favor do seu currículo para tal. Os secretários gerais da ONU normalmente são pessoas com um perfil humanista, ou que aparentam ter.
Acho que a questão para Lula é muito mais interna do que externa. Ele sabe que se ele extraditar Battisti perderá pontos com parte da esquerda (o quanto é a questão). Se não extraditar é claro que a imprensa e a direita vão usar de todos os preconceitos e mentiras para tentar vincular PT-Lula-Dilma a “terrorismo”, a não respeitar decisão do Judiciário etc. etc. etc.
A questão será fazer pesar mais a perda, em termos de prestígio e de lembrança histórica nos meios “progressistas”, caso ele decida pela extradição.
Por acaso hoje saiu entrevista na Folha de São Paulo do presidente do STF e líder da oposição e dos setores mais retrógrados da sociedade, Gilmar Mendes. A pergunta da Folha já dá a linha de tentar usar uma decisão favorável a Battisti como cavalo de batalha para se criar uma crise e desestabilização institucional que abra espaço à direita. E a resposta de Mendes mostra claramente a intenção de anular qualquer decisão de Lula que não seja a extradição de Battisti:
“- Se Lula optar por não extraditar o italiano Cesare Battisti haverá uma crise entre Poderes?
“- Vamos falar sobre hipóteses. Certamente não será compreensível a decisão do presidente se eventualmente reeditar as razões do refúgio, porque o tribunal as anulou expressamente. Se houver outras razões legais, terão de ser devidamente examinadas”.