Por Passa Palavra

 

«Liberdade para Cesare Battisti»

O debate Cesare Battisti, três anos de prisão política, que realizámos e transmitimos ao vivo no dia 15 de Abril (veja aqui), levantou várias questões, não só as que foram expostas pelos oradores na mesa e as que foram colocadas na sala e pelos espectadores na internet, mas ainda as que alguns de nós, do colectivo do Passa Palavra, pensámos e discutimos em seguida.

É urgente libertar Cesare Battisti. E, na situação jurídica a que se chegou, sobretudo depois da publicação em 16 de Abril do acórdão do Supremo Tribunal Federal, quem pode libertar Battisti é o presidente Lula. Assim, todos os problemas parecem resumir-se a um só: como influir na decisão do presidente?

Colocada a questão deste modo, a resposta parece óbvia. É necessário efectuar pressões nos bastidores do governo e para isto deve obter-se o apoio de personagens influentes. Foi neste sentido que se exprimiu a mesa no debate. E, goste-se ou não se goste, esta conclusão é incontroversa para quem tenha realmente o objectivo de alcançar a libertação de Cesare Battisti.

A conclusão é incontroversa mas não se esgota por si só, porque no mercado da política, tal como no mercado de bens e serviços, nada se dá, tudo se troca, e quem obtém de um lado deve fornecer por outro. A possível libertação de Cesare, sobretudo num ano eleitoral, é contabilizada em termos de votos. «O caso de Battisti está se tornando moeda de troca eleitoral, como pôde-se ver no debate», salientou Iraldo Matias num comentário on line. «O compromisso eleitoral sempre cria essas vias corporativistas de apoio a certos candidatos, em troca de “ajuda” a esta ou aquela causa particular. Nunca se ultrapassa essas demandas imediatas e fragmentárias. A solidariedade a um militante vale quantos votos?» A questão é pertinente. Lula vai libertar Cesare e este acto pode fazer com que Dilma Rousseff perca quantos eleitores? E quantos eleitores pode ela ganhar com a libertação de Cesare?

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«Pela Libertação de Cesare Battisti»

Mas a questão não termina aqui. Cesare em liberdade não se reduz a um peão no xadrez eleitoral. O dilema é ainda mais grave porque o presidente Lula não só não é uma pessoa de esquerda como − muito pior − é uma pessoa que no passado foi de esquerda e agora deixou de o ser.

Assim, já não é só de Cesare Battisti que se trata, mas do fortalecimento de mecanismos políticos contra os quais ele lutou enquanto militante dos Proletari Armati per il Comunismo, na Itália dos anos setenta. «[…] este problema que atingiu a Europa inteira na perseguição aos partidos políticos e movimentos populares», como Douglas Anfra destacou nos comentários on line, «resultou na tensão que conduziu à luta armada contra os assassinatos de militantes». Foi contra aqueles mecanismos políticos que os mais velhos de nós lutaram também nos mesmos anos em outros lugares. É contra eles que todos nós lutamos hoje. Será que só libertaremos Cesare Battisti a custo de renegarmos tudo aquilo por que ele lutou? Mas nós queremos a liberdade para um Cesare vitorioso, não para um Cesare derrotado. Parece-nos indispensável que a campanha para libertar Cesare Battisti sirva também para prolongar − na época actual e com os meios de hoje − o combate que Cesare e os seus companheiros de há trinta ou quarenta anos atrás travaram contra a exploração capitalista.

Para que a libertação de Cesare corresponda a uma vitória de Cesare, a uma vitória do que ele representa, seria necessário que as pressões sobre o presidente Lula não se devessem apenas a personalidades bem instaladas nos bastidores do governo. Seria necessário que os movimentos sociais, que mobilizam em todo o Brasil muitas centenas de milhares de trabalhadores, tivessem dito a sua palavra acerca do assunto. Talvez seja muito pedir que tivessem feito alguma coisa. Mas pelo menos que tivessem dito alguma coisa. Num dos comentários ao debate escreveu Otto: «Me parece que a questão central é essa passividade dos movimentos sociais em relação ao caso Cesare. Será que não caiu a ficha?» «Realmente, o que me impressiona», insistiu José noutro comentário, «temos movimentos no Brasil que promovem ocupações, greves, oposições sindicais. Cadê eles? Aonde estão?» O apoio a Cesare, como observou alguém da assistência, não contou com eles.

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«Libertemos os Anos 70. Liberdade para Cesare Battisti»

Será que a campanha de criminalização dos movimentos sociais os está a tornar bem comportados, para mostrarem na prática que respeitam as regras do jogo da democracia capitalista? Mas é precisamente isto que os governantes e os patrões querem, fazerem-nos obedecer às regras que o capitalismo dita. Se for isto que está a suceder, os movimentos sociais perdem duplamente. Perdem, primeiro, porque recuam quando podiam atacar os pontos frágeis do inimigo. Perdem, depois, porque recuam para um terreno que não é aquele onde os movimentos sociais têm força, mas para o terreno das instituições capitalistas. Será que a situação está tão má que justifique o comentário feito on line por Mané? «Me parece que não é exatamente uma apatia. O segredo reside no seguinte: a maioria dos movimentos estão institucionalizados, e jogam suas fichas na via parlamentar. Daí dá para entender o seu silêncio e passividade. É a miséria da esquerda!». Será necessária «a miséria da esquerda» para conseguir a libertação de Cesare Battisti?

Iraldo Matias, no seu comentário ao debate, acertou no alvo ao escrever: «percebi que o argumento maior a favor de Battisti é sua suposta “inocência”. Se ele não for “inocente”, deixa de ser merecedor da solidariedade da esquerda?? Ou apenas a esquerda “light” é politicamente defensável, diante das atrocidades que o Estado comete, principalmente nos tempos do fascismo italiano?»

Nós faremos tudo o que for necessário fazer − o quer que seja − que possa contribuir para a libertação de Cesare Battisti. E continuaremos a fazer tudo o que for conveniente e oportuno para dar continuidade aos desejos de uma vida diferente, que levaram Cesare à prisão.

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5 COMENTÁRIOS

  1. Muito mais grave que o alheamento político dos ativistas que conformam os movimentos sociais no Brasil acerca da necessidade de libertação de Battisti é o dos partidos de esquerda. Para estes não pode haver desculpas de só ver as árvores e não a floresta, porque é de sua natureza a obrigação de a todo o tempo fazer análise concreta da situação concreta. Será que não enxergam o significado político para a luta de classes no Brasil do que foi a prisão de Battisti e o jogo entre os “poderes de estado” para mantê-lo preso há três anos?
    Ainda está com todos os que se reclamam de uma posição anticapitalista a iniciativa pela pressão de massa para a libertação de Battisti, sob pena de sua (nossa) desmoralização. E nem quero pensar que não estejam fazendo nada por acharem que o presidente Lula vai libertá-lo de qualquer jeito. Lula sempre fez e continuará fazendo cálculos políticos; há quase três anos já poderia exercer seu poder constitucional e conceder o asilo a Battisti.
    Que o PASSAPALAVRA continue quase solitário neste combate!

    Luiz Henrique Cunha

  2. Gostaria de exprimir minha surpresa, ao ver que meu comentário ao debate do dia 15 foi utilizado, neste último informe sobre o caso Battisti. Surpresa pelo simples fato de não imaginar que aconteceria, sem problemas. Sendo assim, se me permitem, gostaria apenas de esclarecer alguns pontos. Recentemente conversava com um amigo sobre a dificuldade de participar de debates online, pois o espaço reduzido e o distanciamento entre os interlocutores às vezes torna as palavras frias, ou permitem interpretações que não condizem exatamente com as intenções do autor no momento da escrita. O Passapalavra, mídia que venho acompanhando com atenção há algum tempo, reproduziu meu comentário praticamente inteiro, mas dividido em dois momentos: a primeira parte, sobre a questão eleitoral; e a segunda, sobre a solidariedade da esquerda. A que mais me preocupou foi a primeira. Gostaria de ressaltar, caso tenha sido essa a interpretação, que não considero o caso Battisti como mera peça de xadrez eleitoral, apenas me referi a algumas falas do debate que pareciam colocar as eleições em primeiro plano, quando o cerne era a libertação de Battisti, embora os últimos acontecimentos tenham embolado um pouco a situação. Portanto, sei que essa questão ultrapassa, e muito, o problema das urnas. Também reconheço a seriedade e o compromisso dos militantes por trás desse movimento de solidariedade, inclusive pessoalmente. Caso tenha parecido o contrário, as minhas desculpas.
    Quanto ao segundo ponto, que bom que houve concordância. Inclusive, reitero a conclusão do artigo. A falta de solidariedade das organizações de esquerda faz pensar o militante acerca do futuro, possivelmente criando mais um obstáculo subjetivo para a participação na luta. Quem gosta de se imaginar sozinho (ou quase), encarcerado, sem poder ver a luz do Sol, isto após ter dedicado sua vida à uma causa coletiva como o combate à toda exploração e opressão? Sem dúvida, esta é uma das consequências da criminalização dos movimentos sociais. Mas, não só. Se os movimentos se inibem com essa ofensiva, além do fato concreto da coerção, também demonstra uma certa ilusão jurisdicista, de que o Estado vai (ou deveria) permitir indiscriminadamente que os trabalhadores se organizem para combatê-lo, buscando sua supressão. Tentar “legalizar” a luta de classes não me parece um caminho político muito promissor.
    Finalizando, o mais importante não são as palavras , mas as ações. Farei o que estiver ao meu alcance, com os limites e possibilidades que isto significa, para contribuir com a libertação de Cesare Battisti.
    Espero ter esclarecido, mais do que confundido.
    Saudações!

  3. Caro Iraldo,

    Não há razão para pedir desculpas. Nós não só entedemos a crítica que está contida em seu comentário como estamos de pleno acordo com ela! Precisamente por isso utilizamos o seu comentário como base para a reflexão. Talvez o nosso texto é que não tenha deixado isso muito claro.

    Abraços cordiais,
    o Coletivo Passa Palavra.

  4. Está tudo bem, então, fico mais tranquilo. De qualquer forma essa troca foi importante. Não buscava a concordância do Passapalavra, mas se houve, melhor ainda. Só me preocupou a possibilidade de ter me expressado mal no comentário ao debate.
    Abç a todos do Coletivo!

    Iraldo.

  5. Não entendo porque o MST, que é um movimento de referencia, combativo, e que nesse momento está fazendo ocupações importantes, porque não movimenta algumas dezenas ou centenas de pessoas em protesto pelo Cesare, sendo ainda que é um movimento que é o alvo numero 1 da criminalização e o primeiro atingido por tal processo!
    O mesmo que digo vale pro PSTU, PSOL, Conlutas, Intersindical, etc…
    Será que não percebem que precisam defender Battisti para defender a si próprios?

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