Por Passa Palavra
Primeira coisa a se destacar foi a nossa ingenuidade. Saímos de Goiânia cedo, chegamos em Brasília às 9h50 e achávamos que iríamos entrar no plenário. Ledo engano. Existem trajes próprios para poder entrar no “Supremo”. Além disso, o julgamento seria somente às 13h00 (segundo o flanelinha [guarda] do estacionamento do Supremo Tribunal Federal, tudo lá sempre ocorre pela tarde).
Bem, nessa coisa que faz não faz, ou melhor, “e agora o que faremos?”, estavam lá também algumas equipes de televisão e fomos perguntar se em algum lugar ali próximo existiria a possibilidade de se alugar um terno [fato]. Foi aí que uma repórter da Globo nos perguntou se éramos organizadores do ato que iria acontecer mais tarde… (hehehe). Ganhamos uma informação, pelo menos sabíamos de um ATO. Chegou a hora do almoço e comemos no restaurante do STF (comida barata, a mesma empresa que gerencia o Restaurante Universitário da Universidade Federal de Goiás). Depois disso, com a pança cheia, ficamos pensando novamente que tínhamos perdido a viagem. Nisso, nos lembramos que poderíamos enviar mensagens de forma ilimitada, daí nos ocorreu de enviá-las para um membro do coletivo.
Ligamos para um companheiro que estava vindo de São Paulo, que confirmou o ato, daí demos uma espiada na manifestação dos bombeiros em frente ao congresso (tinha pouca gente) e ficamos depois esperando os manifestantes chegarem. Quando chegaram, (hahaha), aquela coisa engraçada, criança, adulto, idosa, enfim, aquela gente fazendo barulho e cheia de panfletos, cordéis [literatura de cordel], letras ensaiadas, carriola de som… Excetuando o tom monocromático das vestimentas, parecia quase uma folia de reis, ou um bloco de maracatu.
Rapidamente nos juntamos com esta turma, que depois soubemos que faziam parte de um coletivo chamado Crítica Radical, comentei que conhecia o pessoal do comitê de São Paulo (nosso contato ainda não havia chegado) e começamos o barulho forte, se eu não estivesse dirigindo e lá houvesse cerveja, acho que estava lá na porta do STF até agora. O clima era de quase um carnaval, com a diferença de estarem todos organizados em torno do objetivo de azucrinar os ministros. Mas mesmo esse azucrinar tinha um objetivo e as palavras não seguiam necessariamente os velhos clichês e tinham uma preocupação estética interessante, quer dizer, me parece que causavam algum efeito positivo, tanto nos que ouviam, quanto nos que cantavam.
Os manifestantes eram poucos mas muito loucos (desculpem a rima pobre), mas muito engraçado. Ficamos nisso, sob um sol infinito, por umas 2 horas. Fomos muito bem acolhidos pelo grupo. A solidariedade que tiveram conosco foi impressionante, incluindo água, comida, protetor solar, e a busca por um entrosamento [relacionamento] constante.
Nisso resolvemos também perguntar quem eram eles, a história do coletivo, etc… Foi muito interessante porque conhecemos toda a história deles em pouquíssimo tempo, ficamos sabendo seus referenciais teóricos, a questão dos Gundrisse, lei do valor, etc. Mas resolvemos não entrar no mérito de nada disso, naquele momento, para nós o que importava era fazer o barulho junto e seguimos no festejo manifestante.
Alguns representantes indígenas se juntaram ao nosso movimento. Falaram de suas reivindicações (queriam substituir o presidente da FUNAI por um indígena, que era bacharel em direito), e que estavam em cerca de sessenta e duas pessoas acampadas em um lugar próximo, em Brasília mesmo, com a expectativa de chegarem mais pessoas para acampar. Eles também ficaram conosco um bom tempo, vestiram a camiseta, ou seja, também apoiaram a luta pela libertação do Battisti.
Quando de repente chegou, nas palavras de um dos caras do Crítica, “a manifestação do holocausto”, um povo guiado pelo SINDJUS [Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público] com umas buzinas e apitos ensurdecedores, uma bateria contratada (que estava até com o uniforme próprio da escola de samba, mas que não deu pra ver qual era) que simplesmente abafou nosso barulho. Ainda chamamos para se unirem, algumas pessoas fizeram menção em entrar no meio de uma ciranda, mas logo vieram outros tentando dissuadir esses “assimilacionistas” chamando a atenção ao fato de que “aquela luta não era a deles”. A impressão que eu tive era que se tivéssemos nos juntado ali sairia a reivindicação deles, além do Battisti da prisão.
Fiquei com aquela sensação de mesquinharia gratuita. Enquanto o que a gente fazia procurava estabelecer alguma comunicação com as pessoas e com o STF, aqueles se preocupavam tão somente em mostrar que estiveram ali, e como zumbis assoprando apitos, passaram e não disseram absolutamente nada do porquê de estarem ali. Se não fosse uma garota que se destacou do bloco e se juntou a nós, jamais saberíamos do que se tratava.
Depois disso, já extremamente cansados, sentamos todos, e o povo da Crítica arrumou uma gambiarra [engenhoca], onde se ligou um celular [telemóvel] na carriola de som, e ficamos ouvindo o julgamento, ali, na frente do supremo. Todos atentos e… Chega a manifestação do holocausto de novo! Daí o companheiro de São Paulo foi conversar com um dos dirigentes para ver se eles davam um tempo, pois estávamos tentando ouvir o julgamento, e nisso começaram a discutir feio. Parece que nosso companheiro, argumentando a importância de acompanharmos o julgamento, perguntou o que o cara [gajo] achava da Dilma, a resposta foi que ela era sua ídola. Então, nosso companheiro falou que o que o Battisti tinha feito na Itália era parecido com o que a Dilma tinha feito aqui no Brasil… O cara ficou muito macho [zangado], achei que fossem para as vias de fato. Não contente, o cara começou a gritar para o nosso lado, falando que estávamos acobertando um assassino e que ele merecia mesmo era a forca! O cara estava descontrolado, mas acabou indo embora e nos deixou em paz.
Depois voltamos a ouvir o julgamento e escutamos a pérola do Gilmar Mendes, argumentando (de forma quase interminável) sobre a função do STF no caso, ele dizia que se eles não interviessem a instituição corria o risco de se tornar um “clube literário”. Aquilo foi a nossa deixa, ficamos martelando nisto o resto da já então noite, gritávamos palavras como “Seu Gilmar, seu salafrário, vai aprender o que é um clube literário”, ou “Gilmar, Gilmar, é só no blá blá blá, blá blá blá” (com variações do funk ao maracatu e samba), com direito a imitações das desafinadas na voz do ministro. À noite ficou ainda mais legal, porque tínhamos certeza que o nosso som ecoava por todos os lados.
Nesse meio tempo vinha um cara da Carta Capital falar conosco, passar as informações, veio um outro repórter da Época, e uns outros caras que não consegui saber quem eram. Fomos escutando os votos e quando chegou no 6×3 começou a festa. Nesse momento já estávamos completamente destruídos, cansados, famintos… Resolvemos ir embora, já estávamos no nosso limite, apesar de só algum tempo depois termos conseguido a notícia quente, que o Cesare iria sair no mesmo dia. Ainda restaria cerca de 3 horas de estrada, que correu bem.
Gostei mesmo desta prosa, colorida, arguta e sem trocadilhos.
FORÇA PARA VOCÊS!