Depois da onda de greves operárias de 1966-1973, os trabalhadores dos Estados Unidos passaram por décadas de recuos, perdendo luta defensiva atrás de luta defensiva. Como e quando este processo pode ser revertido, essa continua a ser uma questão totalmente em aberto. Por Loren Goldner
Outras lutas de menor dimensão ocorridas nos EUA também acabaram com derrotas, parciais ou totais. Em Novembro de 2008, os trabalhadores da fábrica Republic Doors and Windows, em Chicago, começaram a reparar que as máquinas estavam a desaparecer da fábrica durante a noite, sinal mais que certo de fecho iminente. Em 2 de Dezembro de 2008, a direcção da fábrica anunciou que iriam fechar dentro de três dias. No dia aprazado para o fecho, 5 de Dezembro, os 240 trabalhadores, quase todos negros ou latino-americanos, membros do United Electrical Workers (UE, sindicato do sector da electricidade), um sindicato com um pouco mais de fama de militância do que os outros, ocuparam a fábrica exigindo indemnizações de despedimento e regalias de saúde, e em 10 de Dezembro os trabalhadores aceitaram um pacote indemnizatório de 7.000 dólares por trabalhador e dois meses de cuidados de saúde. A administração da empresa acusou o Bank of América de lhe ter cortado o crédito, mas já tinha comprado recentemente uma fábrica de janelas não sindicalizada no vizinho estado do Iowa. Os trabalhadores fizeram piquetes no banco e trabalhadores de outras empresas levaram comida, mantas e sacos de dormir durante a ocupação.
Embora os trabalhadores da Republic tenham de facto conseguido ganhar qualquer coisa, a verdade é que perderam os empregos, facto este ignorado em muita da propaganda “progressista” dos sindicatos e da esquerda acerca da luta.
Outra luta com um desfecho ainda pior para os trabalhadores foi a greve da Stella d’Oro, uma empresa de bolachas da cidade de Nova Iorque. Em 13 de Agosto de 2008, 135 trabalhadores do Sindicato dos Padeiros abandonaram as negociações salariais. Na origem uma empresa familiar, a Stella d’Oro fora adquirida por um fundo de investimento que exigiu uma redução salarial de 28%, o fim do pagamento de horas extraordinárias aos sábados e um desconto de 20% nos salários para o plano de saúde. O sindicato insistiu numa estratégia legalista, nada fazendo para impedir a entrada de fura-greves [pelegos] na fábrica ou a entrega de farinha pelos camionistas, nem para alastrar a greve a outras empresas do ramo. Em Maio de 2009, os trabalhadores propuseram voltar ao trabalho sem um contrato, o que foi recusado. O sindicato também os convenceu a confiarem numa arbitragem favorável do National Labor Relations Board (NLRB), o organismo de “mediação” do governo dos EUA. A greve continuou até ao fim de Junho de 2009, altura em que o NLRB estabeleceu que o fundo de investimento estava a cometer “práticas trabalhistas desleais” ao recusar-se a negociar com o sindicato. No princípio de Julho, no dia em que os trabalhadores da Stella d’Oro regressaram ao trabalho, a direcção da empresa anunciou que a ia encerrar e deu início aos trâmites nesse sentido.
Em Boron, Califórnia, nos fins de Janeiro de 2010, quinhentos mineiros trabalhando para a Rio Tinto (a terceira maior empresa de mineração do mundo) foram alvo de lock out por terem rejeitado um contrato que eliminaria pensões, reduziria salários e introduziria a “flexibilidade” do trabalho – tudo justificado com a “concorrência global”.
Em meados de Maio, a Secção nº 30 do ILWU (International Longshore Workers Union, Sindicato Internacional dos Estivadores) aceitou um novo contrato, aprovado por três quartos dos trabalhadores. O novo contrato incluía um aumento salarial anual de 2,5%; para os novos contratados, as pensões pagas pela empresa serão substituídas por planos “401 k” financiados pelo empregado (como explicado no artigo anterior), com 4% a cargo da empresa. Os dias de doença pagos baixaram de 14 para 10 por ano.
O ILWU, mais uma vez, conduziu a greve numa base completamente legalista e corporativa. Os fura-greves e os gestores, protegidos por forte contingente policial, trabalharam durante toda a greve apesar dos esforços dos trabalhadores da Boron para os impedirem. Nunca foi mobilizado um apoio alargado a toda a zona e à vizinha Los Angeles. Em vez disso, o sindicato lançou apelos impotentes às assembleias de accionistas da Rio Tinto e realizou comícios nacionalistas junto ao consulado britânico.
Tal como no caso da Republic, o sindicato e os meios da esquerda “progressista” cantaram vitória.
(No momento em que escrevo, 45.000 trabalhadores dos telefones do nordeste dos EUA acabam de entrar em greve contra a Verizon, organizados no CWA (Communication Workers of America, Trabalhadores de Comunicações da América) e na IBEW (International Brotherhood of Electrical Workers, Confraria Internacional dos Trabalhadores da Electricidade). A Verizon quer “adaptar” o contrato para cortar pensões, mudar as normas de trabalho e aumentar a parte dos empregados no pagamento do sistema de saúde, argumentando com o declínio dos serviços de rede fixa e com o crescimento dos telemóveis [celulares] e da internet).
Ataques contra a educação pública e mobilização dos estudantes
A educação é outro plano da reprodução social em que a as medidas estatais de austeridade levaram a mobilizações de massa. Vamos de momento deixar de lado a natureza da educação em todos os níveis enquanto enorme aparelho credenciador concebido para manter as distinções de classe e a hierarquia, e para preparar as pessoas para se submeterem à disciplina do local de trabalho e da sociedade nas dezenas de milhões de empregos que só existem porque a sociedade é capitalista (como é o caso dos sectores financeiro, segurador e imobiliário). Uma sociedade comunista irá revolucionar a educação, e o “trabalho”, muito para além do que possamos prever. Seja como for, para além das escolas de elite (sobretudo privadas) cujas propinas [matrícula e mensalidades] custam tipicamente cerca de 40.000 dólares anuais, na sequência da desindustrialização o “bloco sobrevivente” das escolas secundárias estaduais ou locais continua a ser o acesso principal da juventude trabalhadora aos empregos acima do nível McDonalds.
Na Califórnia, onde ainda nos anos 1970 a educação era quase gratuita, a instrução em todos os seus níveis (universitário e secundário estadual ou local) subiu para milhares de dólares ao ano, e a maior parte dos estudantes tem de ter empregos, pelo menos a tempo parcial, para se manter na escola, além de acumular dívidas de empréstimos à educação que podem chegar aos 100.000 dólares no fim do curso. Devido aos cortes orçamentais nas escolas primárias e secundárias, em parte resultantes da “revolta contra os impostos”, populista e de direita, iniciada em 1978, a qualidade das escolas públicas da Califórnia (primárias e secundárias) passou em várias décadas do primeiro lugar no país para quase o último lugar, ao mesmo nível das do Mississipi ou da Luisiana. As escolas enfrentam um sempre crescente número de alunos por turma, a inadequação dos materiais (livros escolares, etc.), ataques contra os sindicatos de professores e o mais baixo financiamento por aluno de todos os EUA. Combinando estes factos com a grande subida da percentagem de pessoas presas (uma das mais altas do país), tornou-se escandaloso nos anos 1990 que a Califórnia tem mais negros nas prisões do que nas escolas. Tanto o governo de Bush como o de Obama tentaram lidar com esta crise a longo-prazo, impondo cada vez mais regulamentações dos curricula e reduzindo os professores à função de prepararem os alunos, a todos os níveis, para testes de avaliação estandardizados. (Os estudantes estadunidenses aparecem no fundo da escala nos testes comparativos do secundário ao nível mundial).
Assim, no Outono de 2009 os estudantes dos campi de Los Angeles e de Berkeley da Universidade da Califórnia (UC) mobilizaram-se contra novas subidas das propinas [inscrições e mensalidades], e em Berkeley milhares deles confrontaram-se com a polícia. Isto foi um prelúdio da mobilização nacional de 4 de Março de 2010, na qual a Califórnia esteve de novo na vanguarda. Desta vez o movimento alastrou muito para além do sistema relativamente elitista da UC, até às escolas e faculdades do Estado, onde professores e alunos entraram subitamente em greve. Em Oakland, Califórnia, centenas de estudantes bloquearam durante várias horas uma importante auto-estrada.
As acções na Califórnia foram as maiores mobilizações das que tiveram lugar em mais de 20 estados a 4 de Março, não tendo nenhuma delas conseguido a anulação dos cortes orçamentais.
Greve de fome nas prisões da Califórnia
Todas as tendências de contracção da reprodução social – desemprego massivo, sindicatos públicos de polícias e guardas prisionais [14], a juventude negra e latino-americana amontoada no sistema prisional – culminaram numa importante revolta nas prisões da Califórnia em Julho deste ano [15].
Durante anos, a Califórnia esteve na “vanguarda” dos EUA na construção de prisões de segurança máxima “supermax”. Uma das mais notórias construções do género é em Pelican Bay. Durante as três primeiras semanas de Julho, os presos detidos nas celas de isolamento de cimento da “Security Housing Unit” (SHU) de Pelican Bay entraram em greve de fome, exigindo o fim dos castigos colectivos e da delação [16] promovida pelas autoridades prisionais, programas educacionais, contacto humano, acesso semanal ao telefone, acesso à luz solar e melhor alimentação. A greve de fome espalhou-se a treze prisões acabando por mobilizar 6.600 presos. Os presos duma SHU são fechados em celas sem janelas 22 ½ horas por dia, sempre com luz fluorescente.
A greve terminou em 21 de Julho, quando as autoridades prisionais aceitaram autorizar os detidos das SHU a terem calendários de parede e gorros de lã no inverno (as celas não têm aquecimento) e prometeram “rever” a delação imposta.
As condições nas prisões californianas (sobrelotadas a 200% da sua capacidade) são tão ultrajantes que até o reaccionário Supremo Tribunal dos EUA considerou estar a ser violada a emenda constitucional contra “os castigos cruéis e inusitados”.
Conclusão
No momento em que escrevo, os médias [a mídia] dominantes falam cada vez mais de “recessão de queda dupla” [recessão – curto período de crescimento – nova recessão] nos Estados Unidos. Com base na análise anterior, podemos concluir com segurança que, para a maior parte dos trabalhadores, a “recessão” nunca acabou e ainda vai piorar. A resposta oficial à crise de 2007-2008 não foi mais do que uma tentativa para restabelecer o status quo ante para o capital, garantindo biliões [trilhões] de dívida bancária e imobiliária. As empresas estadunidenses empilharam mas não os investem; ao mesmo tempo, lançaram um ataque em todas as frentes contra os salários totais, seja na folha de pagamentos, nos sistemas de saúde, nas pensões, nas execuções de hipotecas ou na educação.
Calcula-se que as degradadas infra-estruturas dos EUA precisam de 2,3 biliões [trilhões] de dólares em reparações e substituições. Os “indicadores sociais” [17] do “país mais rico do mundo” mostram uma sociedade mais polarizada agora do que era antes da depressão mundial dos anos 1930. Depois da onda de greves operárias de 1966-1973, os trabalhadores dos Estados Unidos passaram por décadas de recuos, perdendo luta defensiva atrás de luta defensiva. Nesta “aterragem de crash lento”, e em particular desde o desastre de 2007-2008, toda a estrutura da sociedade estadunidense pós-1945 se desmantelou. Como e quando este processo pode ser revertido, essa continua a ser uma questão totalmente em aberto.
Notas
[14] Acerca da relação entre a educação, os guardas prisionais e os sindicatos da função pública, cf. John Garvey “From Iron Mines to Iron Bars”, in Insurgent Notes No. 1. No Estabelecimento Estadual de Corcoran, na Califórnia, os guardas organizaram combates de gladiadores entre os presos. Quando isto foi revelado com vídeos, o movimento sindical parou a investigação porque os guardas eram membros do [sindicato] AFSCME (American Federal, State, County and Municipal Employees, Empregados Federais, Estaduais, Distritais e Municipais Americanos).
[15] As informações seguintes acerca da greve de fome e das condições prisionais na Califórnia vêm do jornal troskista Workers Vanguard (5 de Agosto de 2011). Para uma visão geral sobre as prisões e as medidas de coerção nos Estados Unidos desde os anos 1970, ver o livro de Christian Parenti, Lockdown America (1999).
[16] Snitching significa dar informações sobre os outros presos aos guardas e funcionários da prisão.
[17] Por exemplo, a nível mundial, os EUA estão em 42º lugar quanto à esperança de vida, abaixo de numerosos países em vias de desenvolvimento, e têm a mais alta taxa de mortalidade infantil de todos os países “capitalistas avançados”.
[Fim da 3ª e última parte do artigo]
Muito bom os textos. É muito importante essa análise para entender talvez as ocupas de wall street. Parabens!!!!