Por Passa Palavra

Em São Paulo, para além da espetacularização do Carnaval, simbolizada pelos desfiles das Escolas de Samba, à qual a paulicéia sempre se constitui como cópia da carioca, as ruas da cidade têm sido palco, nos últimos anos, de blocos, bandas e escolas que desfilam sem a preocupação de competir ou converter-se num mega-evento empresarial.

Inclusive, parte destas experiências insere-se num contexto de politização do Carnaval.

Pula Saci

O Bloco do Saci da Bixiga, com a proposta de resgatar os blocos populares de rua, criado e idealizado no ECLA – Espaço Cultural Latino-Americano, saiu às ruas com o tema “Democratização da comunicação – contestação e diversão”. Não faltaram marchinhas contra a gestão do prefeito Gilberto Kassab, pela igualdade de gênero e contra o monopólio das comunicações (que criminaliza as lutas sociais). O Bloco do Saci chegou a ser proibido pela Prefeitura de sair pelas ruas do Bixiga, mas após uma mobilização que envolveu abaixo-assinados, sindicatos, artigos em jornais, entre outras formas de mobilização, conseguiu a autorização para sair pulando no dia 18 de fevereiro.

Curiosamente, o Bloco foi acompanhado de perto pela presença ostensiva de grande contingente da Polícia Militar.

Carnaval Contra-hegemônico

 

Com a proposta de construir uma festa sem espetáculo, ocorreu a batucada do Carnaval Contra-hegemônico, constituído pela Escola de Samba Unidos da Lona Preta (do MST), Boca de Serebesque (do bairro de Guaianazes) e pela Unidos da Madrugada (do coletivo teatral Dolores Boca Aberta). As Baterias, além de saírem às ruas em suas regiões, também se juntaram para um cortejo na Zona Leste da capital paulista, no CDC Patriarca, sede do Dolores.

Nos sambas construídos pelas Escolas, pôde-se escutar pelas ruas dos bairros:
“A vida muda a luta, a luta muda a vida”.
Bem como referências às lutas territoriais, como do Pinheirinho:
“Chacoalha pinheirinho
Balança mas não cai
A madeira do seu galho
Vira porrete em outras
Lutas mais”

Ou que o
“Trabalhador
Quando faz sua canção
Chuta a bunda do patrão
Aconteça o que aconteça”

Procurando combater a alienação e mercantilização imperantes na cultura hegemônica capitalista, essas Escolas procuram afirmar
“A Luta fazendo o Samba, o Samba fazendo a Luta!”.

Nenhum policial esteve presente neste desfile.

Tradicional bloco dos Esfarrapados

O Bloco dos Esfarrapados desfila tradicionalmente na região do Bixiga, no mesmo local da famosa Festa da Achiropita, e mantém, destilando as velhas marchinhas, a tradição do popular carnaval de rua. Isso tudo sem maiores pretensões políticas.

Nesta “festa para a família”, em que se reúnem crianças com espumas e confetes, moradores da região, pessoas fantasiadas e até os deslumbrados turistas de circuitos populares que induzem as redes televisivas a cobrirem o evento, um bloco indigesto também apareceu: a comissão de frente da Polícia Militar. Incontinente, a PM resolveu ser protagonista e acabou com a festa, pois esta se prolongava por 15 minutos além do permitido, atrapalhando assim o direito de ir-e-vir dos carros.

Bombas de “efeito moral” dispersaram os foliões, que aos cantos de “Ei Kassab vai tomar no cu” esboçaram a mínima reação possível, lançando contra a polícia o que tinham à mão: copos, cadeiras e garrafas. Para completar a limpeza social das ruas, tão logo os policiais varreram dali as famílias e os demais foliões presentes, um caminhão-pipa tratou de lavar rua e calçada. E foi imediatamente sucedido pela ala dos trabalhadores da limpeza, que retiraram qualquer vestígio do que – para a grande mídia – nunca ocorrera.

Para rematar, os próprios foliões, indignados com a ação truculenta da polícia, passaram a se dividir e se agredir, uns querendo novamente parar o trânsito em forma de protesto, outros, fazendo agora a função dos policiais, desejando que aqueles deixassem os carros seguir seu trajeto.

Em um dos maiores destinos turísticos brasileiros, e justamente pelo Carnaval (sobretudo de rua) ser menor e ainda não caracterizado como empreendimento comercial com cobertura midiática e patrocinado por grandes empresas, a cidade de São Paulo é palco da tentativa de um Carnaval não-oficial, que, apesar da presença democrática do bloco da polícia (que se faz presente nas Universidades e também nos blocos tradicionais), tenta construir uma perspectiva política cultural contra-hegemônica.

Fotos (com exceção da referente ao Bloco do Saci) por Passa Palavra.

18 COMENTÁRIOS

  1. Na página do Facebook do Bloco Agora Vai (que sai na Barra Funda às terças de carnaval), que parece ter alguma relação com a esquerda como a Marcha das Mulheres (apesar da letra da marchinha não indicar nada) estava a seguinte mensagem oficial, logo mais abaixo. Já estão tucanando o preconceito aos pobres, às pessoas “diferenciadas”, agora o termo é “bloco sustentável”.
    E a luta entre qual a direção será tomada por estes blocos em SP já começou. Popular e à esquerda, com conteúdo de fato político, ou elitista e patrocinado por empresas e políticos?

    “Bloco Agora Vai
    O Agora Vai é um bloco sustentável por esse motivo, convide apenas pessoas especiais para você, o melhor amigo, o marido/esposa se ele (a) merecer, a namorada (o) se considerar interessante levar bolo pra festa, o amante se for bom mesmo e a sogra se ela jamais na vida, falou mal de você. Reduza, Recicle, Reutilize e não divulgue de forma indiscriminada o Bloco Agora Vai nas redes sociais. Salve Comunidade Agora Vaiana!”

  2. Nossa! Só faltou falar q só pode convidar gente “diferenciada”. “REDUZA”… Um pé no fascismo…

  3. Nada disso adianta. As pessoas temem se descaracterizar com a demanda passiva de carnaval de sampa em relação àquilo que é o gosto atual das pessoas, como o funk e outras manifestações que distoam das marchinhas que estes blocos tentam construir.
    Entendo essa preocupação, mas isso é errado. Só há uma solução para a construção da mobilização da esquerda dionisíaca: a explosão de milhares de blocos, pois qualquer coisa na rua e divulgada vai bombar de gente. E se na cidade toda, não há PM que segure.

  4. É isso aí. Contra o carnaval burocratizado, competitivo e mercantilizado; o carnaval de rua, alegre, descontraído e subversivo. Que a polícia reprima não há nada de novo, como o autor deixa claro, é mais do mesmo…

  5. Parabéns ao PassaPalavra pela cobertura do carnaval popular e contra-hegemonico organizado por algumas escolas de samba, blocos e cordões populares de São Paulo.

    No ano de 2012 a Unidos da Lona Preta, a escola de samba do MST, desfilou pelo seu oitavo ano consecutivo.
    Durante todos estes anos, os pressupostos que têm guiado o trabalho têm sido a luta ideológica por meio da produção artística; a formação política-cultural e musical, o fortalecimento das atividades internas aos espaços do movimento, a relação com diversos setores da sociedade e a valorização do caráter popular do samba.

    Todos estes pressupostos foram sintetizados no lema:
    “Batucada do Povo Brasileiro –
    A luta fazendo o samba; o samba fazendo a luta”.

    Neste ano de 2012, ocorreu o primeiro 1 Encontro das Batucadas do Povo Brasileiro, no qual se reuniram a Unidos da Lona Preta, o Bloco da Abolição, o Cordão Boca de Serebesque, o Bloco Unidos da Madrugada e o Bloco Saci do Bixiga.

    Sentindo-se parte de um mesmo processo, estes grupos pensam sua atuação no mundo e a proposição e a luta por uma nova sociedade, onde produções artísticas como o carnaval devem ser diferentes das hegemônicas atualmente.

    É o começo de um processo, e a unidade é imprescindível para nossa longa caminhada.

    Mais uma vez parabenizo o Passa Palavra pelo trabalho e a todos que entendem que carnaval também é luta.

    Um abraço forte

    Tiarajú Pablo
    Unidos da Lona Preta/MST
    “a luta fazendo o samba; o samba fazendo a luta”

  6. parabens por ter destacado a luta dos Blocos não antigos e patrocinados pela SPTUR e Associação. Sou do Bloco do Saci bloco que teve negado o direito de sair e bem lembrado pelo autor desta entrevista. Enquanto no RJ tem bloco que sai até domingo proximo 26/02 e que chega a ter 2.500.000 de pessoas nas ruas – Em SP que á maior cidade do pais tem que viver enclausurada diante da tamanha falta de censo. Eu espero que tanto Governo e prefeitura estejam cientes dos desastres que estão causando em São Paulo. De resto é isso temos criticos, temos apoiadores e seguimos concordando e discordando, sendo apáticos. Saindo a rua pra se divertir e tomar porrada da Policia. Quero ver os resultados nas urnas, tenho dito

  7. Verdade…estava no Bloco Esfarrapados, onde saio há mtos anos e nunca tiva visto uma ação policial dessse porte. As pessoas que lá estavam ficaram assustadas, havia mtos policiais impedindo as pessoas de transitar, isso ocorreu comigo tb…fiquei indignada e disse que queria passar e que esta ação era ilegal,foi qdo outro policial se aproximou e permitiu minha passagem, logo após ouvimos bombas e gas que eram jogados pra dispersão dos foliõesNão havia mais clima para permanecer por lá.Este é mais um episódio lamentável que se verifica em nossa cidade,como os que vem acontecendo sucessivamente. Uma polícia facista, de um governo facista.

  8. Lamentavel o carnaval e toda expressao cultural ser vista por muitos como mero campo de embate ideológico. Muitos esquerdistas perderam a capacidade de apreciar a propria cultura popular, que deve crescer e se dar no seio do povo, autenticamente, e nao como fruto de militancia afetada e enviesada.
    Engraçado é que de todos esses blocos, grupos, etc., as pessoas efetivamente pobres, trabalhadoras, tem participação ínfima, alem de não ter representatividade em nenhum deles.

    É louvável a organização de festas efetivamente populares, contudo lamentavel a afetação mental a que a ideologia de esquerda leva alguns.

  9. “Autêntica cultura popular, surgida e crescida no seio do povo, das pessoas pobres’. Pobre, povo.
    E por aí perde-se totalmente a noção histórica de cultura, recaindo numa limitação ao que é consumido pelos pobres e produzido pela indústria cultural (olha a ideologia aí), independente que se tenha consciência ou não disso.
    O que muitos destes grupos militantes estão tentando fazer não pode ser limitado a um mero campo “afetado” de embate ideológico, pois procuram a construção de uma cultura na qual as pessoas que participam sejam protagonistas e não reprodutores/espectadores, buscam fugir do simples espetáculo para criar ambientes coletivos de participação popular, e muitos destes militantes, são eles próprios, pobres e da periferia, bem como trabalhadores, que buscam a partir de uma perspectiva de classe (e não de pobre), fazer (aí sim) uma luta ideológica, mas que já contenha as iniciativas de novas bases de apropriação e produção cultural.

  10. Sr. Articulista: É equivocada e irresponsável a afirmação de que a ação policial ocorreu no desfile do bloco esfarrapado.O desfile do bloco encerrou-se exatamente às 19,00 horas(horário acordado entre a agremiação e as autoridades). Houve completa dispersão dos foliões, A quadra ( via local ) onde reuniram-se os foliões ficou completamente vazia.Seria de cautela que o autor do artigo consultasse as autoridades policiais para se inteirar do ocorrido e não acusar e lançar o nome da agremiação ao chão. È de se lamentar.Assim, peço correção quanto ao afirmado.Rubens Machioni – Presidente do Bloco Esfarrapado.

  11. eu desisti de ir no Agora Vai por causa deste Post ridiculo que eles fizeram no facebook..

    Quanto a treta do bexiga, fiquei sabendo que a folha de são paulo se recusou a publicar imagens das confusoes… afinal.. segundo eles.. essas fotos iriam estragar a imagem do carnaval de são paulo…

    mas sao as fotos mesmo que estragariam? ou a policia que esta sempre estragando?

  12. Sr. Presidente,
    Se a rua tivesse ficado completamente vazia, então todo aquele relato não teria ocorrido. A completa dispersão dos foliões só se deu mediante o uso daquelas bombas de efeito moral — aliás foi este o único diálogo que tivemos com a autoridade policial.

  13. O Sr. Presidente se incomodou com o fato de poderem associar a baderna feita pela polícia com o seu bloco de rua. Mas o texto indica que o ocorrido se passou 15 minutos após o acordado, e lá pelos 25 minutos, de fato, a polícia já havia dispersado todos, com bombas e violência.
    Isento da responsabilidade da ação da polícia ter ocorrido no horário acordado, o Presidente se cala sobre a própria ação e o que ocorreu com os foliões que lá estavam e pularam no seu bloco, pedindo então que se consulte as autoridades policiais! para confirmar o horário.
    E, então, fica a pergunta, quem é que jogou o “nome da agremiação no chão”? Um relato, a polícia, ou dadas atitudes?

  14. Eu estava lá no dia e a festa estava linda. O bloco já havia acabado, mas as pessoas continuaram na rua, que estava lotada, tomada, todo um cruzamento. Mais de meia hora depois que o bloco parou de tocar foi que a polícia chegou jogando bomba, sem nem antes pedir ou comunicar alguém que queria o fim da festa.

    Me refugiei num canto…

  15. Eu tb estava lá, no bixiga, bairro tradicional, em uma linda roda de samba na rua ao lado, próximo ao bloco, quando vi a barreira policial chegou, chegaram botando banca, nem deram nenhum tipo de orientação pra ninguem, chegaram metendo bala de borracha, e bomba de gás lacrimogêneo, uma explodiu perto de mim. Muita gente de idade e crianças, total maltrato!!!

    numa situação dessas, se alguem armado revida e acerta um policial, aquilo virava uma chacina de povo de bem!

  16. Resposta a: Rubens Machioni Silva – Presidente do Bloco Esfarrapado.

    O bloco pode ter acabado, mas o movimento das pessoas continuou naquele local, a festa continuava, parte do público que acompanhou o bloco, como eu, ainda estava se divertindo naquela festa… nós que fomos espantados a bomba pela polícia! sem nenhum tipo de diálogo!

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