Por João Valente Aguiar

Uma das imagens mais impactantes em várias manifestações gregas de protesto dos últimos dois anos tem sido o queimar de bandeiras nacionais alemãs em público. O regresso das equiparações da Alemanha actual ao III Reich tem sido recorrente nos meios de esquerda, com maior incidência na Grécia. A visão nacionalista de avaliação da política europeia tem sido largamente travejada pela insistência no argumento de que a Alemanha e a União Europeia (UE) estariam a reduzir a soberania dos países periféricos a cacos. E que as investidas federalistas seriam uma invasão dissimulada das nações europeias mais pequenas e mais vulneráveis. Os ecos de que a Alemanha estaria a conseguir com a UE o que Hitler não teria conseguido com a Wehrmacht encontram-se na tónica que a esquerda nacionalista tem colocado na soberania nacional. O problema desta visão reside no facto de ver a economia europeia como um somatório de nações e no facto de que seria a ausência de soberania nacional a raiz tanto da crise das dívidas públicas europeias como da austeridade. Como se o capitalismo e os mecanismos de extracção de mais-valia e sua dispersão pelas classes dominantes fosse um detalhe. Mas se esse somatório ainda vai persistindo um tanto ou quanto residualmente no plano político, o mesmo não se pode dizer da economia da zona euro. De facto, a zona euro constitui-se como um espaço transnacional com o seu centro e a sua periferia, o que não significa que as suas dinâmicas económicas operem somente ou preferencialmente no plano dos Estados nacionais.

Por conseguinte, as alternativas que têm sido colocadas face à actual crise no capitalismo [1] (que não é o mesmo de uma crise do capitalismo) têm sido fundamentalmente duas: a) ou o caminho da austeridade que tem vindo a ser concretizado dentro do quadro do euro; b) ou, simplesmente, a saída do euro. Vou focar sobretudo a questão da saída do euro. Algumas organizações e algumas personalidades de esquerda têm apontado esta última via como a solução a empreender logo que possível para romper com a austeridade neoliberal. Mas será a saída do euro possível e desejável?

Antes de avançar, algumas notas muito breves. Este artigo corresponde a uma ampliação de uma sua versão mais reduzida e publicada anteriormente noutro espaço [2]. Neste artigo procurei incluir mais uma secção relacionada especificamente com o facto de a zona euro se ter tornado num espaço económico transnacional e não como um agregado de economias nacionais. Que a UE não seja uma entidade plenamente transnacional, isso só demonstra uma das raízes da actual crise económica europeia. Por conseguinte, esta contradição (ou se se preferir, este desfasamento) entre a transnacionalização económica e o “meio caminho” entre a nacionalização e a internacionalização da política europeia contribui para o capitalismo europeu perder espaço na competição mundial e está na base dos argumentos nacionalistas de esquerda sobre as putativas saídas da crise.

Entretanto, a partir da leitura de uma versão anterior deste artigo um amigo disse-me que achava pouco provável o triunfo de ideias nacionalistas na Europa: «acho que apesar de tudo as respostas nacionalistas não são tão expectáveis quanto isso. Em França e na Holanda, talvez. Cá em Portugal, dificilmente. Em Espanha também não creio…». Militante de esquerda, este camarada evocou o lado mais temível do nacionalismo para a esquerda: a equivalência entre fascismo e nacionalismo, confundindo ambos e insistindo numa cisão fictícia entre patriotismo e nacionalismo. Se o fascismo é sempre nacionalista, o inverso não é rigorosamente idêntico. Ou melhor, o nacionalismo leva a água ao moinho do fascismo mas ele pode estar presente em áreas políticas que se reivindicam de esquerda. E, pelos vistos, a análise histórica mostra que o mais comum tem sido a penetração do nacionalismo na esquerda, inclusive na esquerda anticapitalista. Não vou entrar em grandes considerações sobre o que distingue o fascismo do nacionalismo, apenas adianto uma definição minimalista de nacionalismo que abarca o que é transversal entre ambos: o nacionalismo consiste fundamentalmente na percepção política do mundo a partir de categorias nacionais e secundarizando a classe. Isto significa que o nacionalismo não tem necessariamente de descartar a existência das classes sociais, mas subordina a luta de classes a uma comunidade cultural e política inserida num determinado território. Comunidade cultural e política transclassista e que pode albergar perfeitamente a mobilização da classe trabalhadora e a luta de massas, desde que isso desemboque na soberania nacional… A (luta contra a) exploração capitalista é, assim, substituída pela harmonia inter-classista dentro da nação. O pior de tudo é que a “salvação” da nação e da “economia nacional” se sobrepõe ao terreno específico do antagonismo classista e a própria orientação das mobilizações populares decorre no sentido de contrariar as “traições” da burguesia à “soberania nacional”. Portanto, quando, como em Portugal, se assiste ao lançamento de palavras de ordem do género “eles roubam o país”, fico sem saber o que é pior: a equiparação dos problemas sociais a actos de extorsão (transformando as relações sociais de exploração e de dominação no capitalismo num conjunto de furtos) ou a vitimização dessa entidade amálgama e confusa de seu nome “país”… De facto, onde ficam os trabalhadores? No melhor dos casos fala-se de “trabalhadores portugueses”, como se fosse algo muito classista dividir os trabalhadores entre “nativos” e migrantes. Ou como se fosse possível pensar uma mobilização social e política anticapitalista sem a participação de milhões de trabalhadores imigrantes. De facto, muito disto não opera necessariamente no plano racionalmente trabalhado das organizações de esquerda. Todavia, esse não deixa de ser um problema já mencionado: a absorção inconsciente de categorias e enunciados nacionalistas por parte de militantes da esquerda anticapitalista.

Este texto está dividido em cinco partes. A primeira apresenta as teses nacionalistas de esquerda defensoras de uma saída do euro. Focando o caso paradigmático do economista Costas Lapavitsas, procurarei demonstrar a sua inconsistência prática. O nacionalismo embebe-se nos lençóis do irracionalismo pelo que uma discussão no terreno político, teórico e ideológico redundaria num esgrimir de discursos sobre quem seria “mais revolucionário” ou “mais marxista”. Por este motivo, as secções II e III foram escritas tendo em mente a rejeição de dois argumentos nacionalistas fundamentais. Em primeiro lugar, os processos económicos europeus não decorrem dentro de unidades nacionais mas numa estrutura transnacional mutuamente dependente e condicionadora. Em segundo lugar, a defesa da soberania nacional pela esquerda não apenas não tem nenhum sentido político à luz do internacionalismo como, do ponto de vista económico e objectivo, resultaria numa catástrofe para os trabalhadores desses países. Na última secção faço uma discussão política a partir da encruzilhada histórica em que nos situamos.

I. O exemplo de Lapavitsas e as teses da saída do euro

Costas Lapavitsas é um dos nomes mais representativos de uma corrente nacionalista de esquerda. Economista conceituado, professor na School of Oriental and African Studies (SOAS) da Universidade de Londres, colaborador regular no jornal Guardian, este grego foi também um dos rostos mais visíveis do documentário Debtocracy, que correu o mundo. Lapavitsas tem exposto propostas que são representativas do modo como a esquerda nacionalista tem pensado o mundo. Da esquerda nacionalista grega, mas que não creio exagerado afirmar que a sua linha de pensamento se aplica vários outros países. Numa entrevista concedida ao jornal Brasil de Fato Lapavitsas analisa, a meu ver correctamente, uma das raízes das actuais dificuldades que a União Económica e Monetária europeia tem sentido. Aliás, no ponto específico deste diagnóstico a minha análise não se distinguirá substancialmente da avaliação de Lapavitsas.

«Posso ser mais preciso: a zona do euro criou dentro dela mesma uma oposição entre um centro e uma periferia. A periferia é provavelmente a Grécia, a Espanha, o Portugal, a Irlanda; a Itália está na fronteira. A periferia se tornou periferia porque perdeu competitividade em relação ao centro, desenvolvendo enormes déficits, tanto em transações quanto no saldo comercial, o que levou a uma multiplicação de suas dívidas. Ou seja, à medida que a periferia foi perdendo poder econômico, gerou-se uma dívida, interna e externa, privada e pública. Quando a crise atinge a zona do euro, a dívida que havia sido acumulada na periferia se tornou a principal causa de sua fragilidade, colocando a zona do euro em uma situação muito problemática» (Lapavitsas 2012).

Apesar de Lapavitsas não desenvolver as razões da «perda de competividade em relação ao centro», parece-me relativamente consensual a defesa da tese de que o modelo da eurozona que vigorou até hoje assentou no reforço de um centro e uma periferia largamente consumidora de produtos provindos da Alemanha e da Europa do Norte. Na próxima secção abordarei esta questão mais detidamente, relacionando este lado mais facial da competitividade com os mecanismos da mais-valia relativa. Para já, retomemos os argumentos de Lapavitsas [3]. Tendo percepcionado as dificuldades da zona euro a partir do modelo transnacional polarizado que a constituiu –

«há uma interdependência da crise, clara desde os primeiros sinais de vulnerabilidade, que, além do mais, não tem como ser resolvida. E é um problema muito sério: se os bancos começarem a entrar em colapso, a própria zona do euro vai desaparecer. Isso não é algo que a classe dominante alemã e francesa quer. Mas, ao mesmo tempo, não quer dar dinheiro para a periferia para salvar o sistema e não quer transformar a zona do euro de maneira drástica, pois o modelo europeu atual, por mais contraditório que seja, é positivo para as grandes corporações» (idem).

Portanto, em vez de verificar que o desequilíbrio transnacional da zona euro só pode ser resolvido nesse mesmo plano, Lapavitsas prefere refugiar-se no espaço nacional, passando a equivaler a soberania grega com a participação dos trabalhadores.

«Antes, os credores eram bancos, agora são instituições internacionais. A natureza da dívida se modificou, a natureza da moratória grega será diferente, quando vier, porque virá. A dívida é insustentável. Mas será mais difícil nessas condições declarar moratória, levando a mais tensões interestatais. Isso é culpa dos políticos europeus, que têm administrado o controle dessa crise desde 2010. A moratória da dívida é necessária e tem de ser soberana, iniciada pela Grécia, não pelos credores, e democrática, com uma comissão auditora, examinando a legitimidade dos empréstimos, prestando contas de maneira democrática, para que se possa descobrir como e por que o país se endividou tanto. Toda dívida é uma questão de classe e tem de ser examinada dessa maneira, ou seja, com participação da sociedade civil, dos trabalhadores, para que se chegue a uma solução de defesa da soberania popular. A moratória é necessária agora e a saída da zona do euro deveria acontecer ao mesmo tempo. Isso será um choque enorme, maior agora do que teria sido há dois anos, porque a economia está mais enfraquecida, após dois anos do que chamaram de resgate da Grécia. Mas não há escolha» (idem).

Em suma, como a dívida é insustentável, a luta contra esta não se deveria expressar no plano económico e social onde esta radica – as relações de exploração e os mecanismos de conversão da mais-valia extraída ao conjunto dos trabalhadores em capital financeiro – mas no plano territorial nacional. Ou seja, a luta operária subordina-se ao processo de autonomização nacional, pois só os trabalhadores poderiam salvar a Grécia. A classe trabalhadora é, assim, o aríete pela construção de uma Grécia independente e soberana. Ora, se a origem da crise se encontra no plano transnacional do modo como a articulação das relações capitalistas opera na zona euro, como aliás o próprio Lapavitsas reconhece, é inusitada a incoerência da conclusão com a premissa de partida… Transferindo a reflexão do plano socioeconómico para o plano territorial e ideológico do resgate da nação (grega) invadida pelos agiotas (alemães e franceses), Lapavitsas não faz mais do que repetir as ambiguidades com que várias correntes marxistas lidaram com as questões do desenvolvimento económico, nomeadamente a partir da análise dos processos de descolonização. Por isso, arrisco-me a dizer que boa parte da esquerda europeia está hoje a reciclar e a reproduzir mecanicamente o princípio soberanista, identitário e de construção de uma nação presente em muitos dos movimentos de libertação nacional da segunda metade do século passado. Com a agravante de que a sua aplicação no contexto de uma transnacionalização acentuada do capitalismo soa mais a desorientação do que qualquer outra coisa. Consequentemente, a esquerda nacionalista europeia prefere orientar a sua acção política em função de princípios soberanistas (subordinando a luta da classe à construção da nação). É à luz desta arquitectura ideológica que se pode compreender a defesa (economicamente inviável) de uma saída unilateral do euro.

«As condições que serão estabelecidas [dessa saída] serão de emergência. A melhor forma de lidar com elas é com mobilização social e política. Os trabalhadores têm de ter o controle e administrar essas condições de emergência, de maneira coletiva, coerente e organizada. Haverá problemas monetários, já que tem de se criar um sistema para a circulação de uma nova moeda, que tem de ter câmbio e outros mecanismos para funcionar. A intervenção do Estado é necessária para controlar os problemas monetários e assegurar que a nova moeda se torne viável e dominante. Haverá problemas com bancos, que não conseguirão lidar com a confusão de ter obrigações em euro e atender aos requisitos para a circulação da nova moeda. Os bancos terão de ser nacionalizados, colocados sob um sistema de propriedade pública. Haverá um período sem funcionamento bancário. O controle de capital tem de ser imposto imediatamente. Tem de se iniciar um processo de reestruturação dos bancos, criando instituições que possam estimular o desenvolvimento com preocupação social. Haverá problemas comerciais, de acesso a mercadorias» (idem).

Apesar das dificuldades que Lapavitsas apenas tangencialmente evoca – resumindo-as a problemas bancários – o economista vai endereçar a sua resolução a uma combinação dum estatismo nacional, mobilizando a classe trabalhadora para esse objectivo. Apesar de tudo, haja optimismo…

«No médio prazo, a saída da zona do euro será positiva, porque a nova moeda será desvalorizada e, portanto, haverá mais produção interna e um mercado interno revigorado. Isso pode levar ao renascimento do emprego. A dependência atual da Grécia em relação aos produtos de fora é ridícula e isso poderá reverter essa situação. As exportações também podem ser beneficiadas. Os efeitos positivos serão vistos em um ano. Mas no curto prazo haverá problemas de acesso a mercadorias básicas, em relação às quais o país tem um déficit, o que inclui alimentos, medicamentos e petróleo. Para lidar com isso, será preciso adotar medidas administrativas, condições de guerra para falar francamente, com intervenção do Estado, nacionalização e direção do consumo, para garantir que os mais vulneráveis estejam protegidos, que haja justiça em como as mercadorias são distribuídas, que crianças tenham acesso ao que precisam, até que a situação seja normalizada, o que é uma questão de tempo. (…) A Grécia precisa de reformas profundas, colocando sua economia em outro rumo, reforçando o Estado, adotando uma nova política industrial» (idem).

A prazo, o estatismo nacional redundará num desenvolvimentismo simultaneamente direccionado para a substituição de importações e para o incremento das exportações. O problema de tudo isto é, como sempre para as elucubrações construídas no plano estritamente ideológico, o facto de serem irrealizáveis no plano prático. Do meu ponto de vista, o afã nacional(ista) em querer cortar países periféricos do euro não responde a questões fundamentais. Com a saída do euro, dizem, a moeda nacional desvalorizaria, o que, para efeitos de competitividade, facilitaria as exportações, logo, relançar-se-ia a economia. Este é, de modo muito simples e sucinto, o argumento central dos defensores da saída (logo que possível) do euro. Todavia, este raciocínio parte do ponto de chegada e inverte os termos da equação. É inquestionável que a cotação do euro dificulta as exportações desses países. Mas quando as moedas nacionais imperavam não se pode dizer que a performance económica desses países fosse propriamente melhor ou sequer diferente do ponto de vista qualitativo. A montante desta questão está a organização do aparelho produtivo. E, a este propósito, qualquer observador de esquerda facilmente constata a sua desarticulação profunda dos anos 80 em diante e a inexistência de uma aposta em sectores tecnologicamente avançados. Por conseguinte, em caso de saída voluntária do euro, como reconstituir o tecido produtivo – e este baseado em sectores com elevado investimento em tecnologia avançada – e como se adquiririam as matérias-primas (nomeadamente energéticas) e a maquinaria para esse propósito? É bom lembrar que se é possível recorrer a crédito de países emergentes, é bom lembrar-se com ainda maior nitidez que a moeda desvalorizada funciona para os dois lados.

Alguns activistas que se inserem nesta corrente defendem que estes países periféricos poderiam recorrer ao apoio financeiro dos países emergentes. Porém, esquece-se ou omite-se o detalhe de que o recurso a crédito de países emergentes teria de ser realizado maioritariamente em dólares e o recurso a crédito para reerguer uma base produtiva não deixaria de endividar o Estado. Pode-se argumentar que um país emergente (China, Rússia, Brasil, etc.) poderia investir em Portugal ou na Grécia, mas seria esse investimento suficiente? Qual o interesse para um país como a China de transformar Portugal num Cantão europeu, se tem investimentos próprios e com muito menos custos, com transferências tecnológicas de alta densidade e com forte investimento estrangeiro directo nas suas Zonas Económicas Especiais? Por que a China e os restantes países emergentes investiriam fortemente em Portugal quando os seus investimentos têm crescido precisamente entre as economias dos BRIC? E, para finalizar o rol das questões sem resposta, a dependência do capitalismo português ou grego em relação à burguesia alemã que controla o euro seria transformada numa nova dependência relativamente às transnacionais chinesas.

Ao mesmo tempo, uma reconfiguração radical do aparelho produtivo só é possível na decorrência de uma dinâmica fortíssima da classe trabalhadora numa situação revolucionária. Mas, como este não é o caso, uma tal dinâmica levaria imenso tempo a ocorrer, desde o incremento em % do PIB em actividades de I&D [Pesquisa e Desenvolvimento] e em formação técnica e científica de um público muito mais alargado, até à própria incerteza da conjuntura económica a curto/médio prazo, factor não despiciendo para que a Grécia ou Portugal pudessem utilizar as exportações no quadro de uma moeda nacional. Com a agravante de que a saída de um, dois ou três países do euro levaria os estados europeus mais desenvolvidos a enveredar por um proteccionismo relativamente aos países periféricos e, em simultâneo, as perspectivas de instabilidade económica europeia aumentariam. Retomando o exemplo de um putativo acordo com a China, importa referir que mesmo que este país, o maior detentor mundial de dólares e euros, financiasse projectos de reconstrução económica, dois óbices se levantam. Em primeiro lugar, esse financiamento naturalmente depende da concessão de um novo empréstimo… Em euros ou em dólares, mas com juros, mesmo que fossem inferiores aos praticados pelo Banco Central Europeu (BCE). Em segundo lugar, mesmo que esse conjunto de empréstimos ocorresse com um juro baixo, no capitalismo quem detém o poder de conceder crédito acaba por determinar a condução da política económica. Se tal ajuda financeira sucedesse nestes moldes, mais cedo do que tarde, o projecto de (busca de) uma autonomia nacional cederia o lugar a uma filial europeia. Então em que ficamos? Apesar de ser economicamente impraticável, o nacionalismo é, acima de tudo, uma realidade ideológica.

Notas

[1] Vd. (Bernardo, 2009b).

[2] http://5dias.net/2012/05/09/a-via-nacionalista-de-saida-do-euro/

[3] Não deixa de ser curiosa a similitude entre a esquerda nacionalista e a direita nacionalista alemã e nórdica no que toca especificamente às questões económicas e à saída dos países periféricos do euro. A este propósito penso que vale a pena confrontar as teses da esquerda nacionalista com as asserções económicas do partido direitista alemão CSU e que a revista alemã Der Spiegel tem dado cobertura. Para estes a saída do euro pela Grécia teria duas assunções favoráveis. A primeira passaria por um facto de «tornar as importações mais caras, o que levaria os gregos a comprar mais produtos domésticos, comendo tomates gregos em vez de tomates holandeses, por exemplo. Ao mesmo tempo, as exportações do país tornar-se-iam mais baratas, tornado o país mais competitivo. O resultado: o azeite grego substituiria o azeite espanhol nos supermercados alemães» (Spiegel 2012). Lapavitsas e a esquerda nacionalista grega e portuguesa não diriam melhor. Não vou mencionar a especialização produtiva problemática, pois, como se apresentará mais abaixo, nem sequer esta seria uma derivação automática de uma saída grega do euro. O delírio nacionalista acerca deste assunto chega a dizer que «os danos económicos para a Alemanha de uma saída grega do euro iriam ficar dentro de limites», pois a «economia grega é simplesmente insignificante para isso», de acordo com as palavras de um economista alemão estabelecido em Oxford. Para o pensamento nacionalista, a aporia entre austeridade e a saída do euro seria o único cenário em cima da mesa, e em que a segunda até teria menos desvantagens. Haja soberania e a primeira iria progressivamente desaparecer… Para os nacionalistas alemães, «a actual estratégia de salvar a Grécia falhou e os riscos de uma saída têm encolhido». Depois do recurso aos galões académicos de um economista nacionalista de direita, a reportagem da Der Spiegel entrevista Horst Seehofer, líder da CSU (União Social Cristã, em português), mencionando de permeio a intenção sempre manifestada por este partido em expulsar a Grécia da zona euro. «Devemos preservar a força económica da Alemanha. Isso é mais importante do que a Grécia manter-se na zona euro». O artigo do Der Spiegel encerra com o jornalista a afirmar que «uma coisa é clara: se a Grécia regressa ao dracma, esse será o ponto em que a construção europeia realmente começa» (idem). A simetria entre os dois pólos do nacionalismo ilustra ainda melhor o seu terreno comum: a divisão dos trabalhadores em diferentes, opostas e rivais nações. E a culpabilização mútua a partir das categorias nacionais certamente só levará a decisões económicas sem fundamento.

Bibliografia

BERNARDO, João (2009b) – Perspectivas do capitalismo na actual crise económica. Passa Palavra.

DER SPIEGEL (2012) – Time to Admit Defeat. Greece Can No Longer Delay Euro Zone Exit. Der Spiegel. Edição de 14 de Maio de 2012.

LAPAVITSAS, Costas (2012) – A Grécia tem de sair do euro e declarar a moratória da dívida. Entrevista ao jornal “Brasil de Fato”.

Leia aqui a 2ª parte, a 3ª parte e a 4ª parte deste artigo.

9 COMENTÁRIOS

  1. O texto não leva em conta que o endividamento através de titulos nacionais voltaria a ser uma opção à Grécia. Venda desses titulos à bancos europeus, norte-americanos ou emergentes.

    Quando pergunta: QUEM iria apostar e financiar a Grécio e Portugal? A resposta, num contexto de liberal desenvolvimentismo é: o capitalista, que vive de juros e precisa guardar parte do seu dinheiro fora do mercado de ações. Como ocorre em todo o mundo.

    A taxa seria maior e cairia, certamente, ao longo do tempo. Como o Brasil faz hoje, a Grécia faria a gestão de sua propria divida. Alavancaria, de imediato, sua industria do turismo com um câmbio desvalorizado. E no médio e longo prazo, retomaria investimento produtivo. Não no horizonte de completar a industrialização do pais em 1 década, mas de acompanhar os paises emergentes.

    Em certos momentos, o texto fez afirmações baseadas na “certeza” do autor, mas sem lastro argumentativo convincente, como por ex.:

    “(…)Com a saída do euro, dizem, a moeda nacional desvalorizaria, o que, para efeitos de competitividade, facilitaria as exportações, logo, relançar-se-ia a economia. Este é, de modo muito simples e sucinto, o argumento central dos defensores da saída (logo que possível) do euro. Todavia, este raciocínio parte do ponto de chegada e inverte os termos da equação. É inquestionável que a cotação do euro dificulta as exportações desses países. Mas quando as moedas nacionais imperavam não se pode dizer que a performance económica desses países fosse propriamente melhor ou sequer diferente do ponto de vista qualitativo. A montante desta questão está a organização do aparelho produtivo. E, a este propósito, qualquer observador de esquerda facilmente constata a sua desarticulação profunda dos anos 80 em diante e a inexistência de uma aposta em sectores tecnologicamente avançados.(…)”

    Até a instituição do Euro, o cambio desvalorizado era a plataforma que viabilizou a industrialização pos-guerra européia em 9 de cada 10 paises, incluindo a França. Apesar de efetivamente ter havido uma desarticulação no continente. Mas essa desarticulação não foi suprimida pela instituição do Euro – pelo contrario, agravou-se através de outros pontos da economia, como a desindustrialização da Grécia e sua dependencia dos euro-bonds para financiar sua economia.

    Mas acho, sobretudo, que o texto peca por uma definição parcial de nacionalismo, levando em conta apenas sua face mais européia, que remonta ao facismo.

    O nacionalismo moderado, presente na direita francesa pos-guerra, assim como em governos de esquerda liberal desenvolvimentistas, como Argentina e Brasil nos dias presentes, é uma face do nacionalismo “saudavel”. Eh uma face do nacionalismo que prima pelos interesses nacionais face à uma proposta neoliberal, emblematizada pela busca de austeridade na Europa.

    Esse nacionalismo moderado não pode, de forma alguma ser confundido com o nacionalismo facista.

    Finalmente, o que pode parecer solução para Europa, é se inspirar desse nacionalismo moderado, na verdade, do Liberal Desenvolvimentismo, que outrora era revindicado pela direita e hoje pela esquerda, para construir uma Europa articulada. Mas isso ja é um assunto mais longo, que nao cabe nesse comentario.

  2. Marcelo,

    «O texto não leva em conta que o endividamento através de titulos nacionais voltaria a ser uma opção à Grécia. Venda desses titulos à bancos europeus, norte-americanos ou emergentes.»

    Mas então como se conseguiria a “autonomia nacional”, o grande argumento do nacionalismo? Noutro plano, porque os bancos europeus ou outros comprariam títulos de um país que iria falir? Ou seja, onde o Estado grego teria capital para pagar o empréstimo? Se o Estado grego na actual situação (e que está aparado pelo BCE) já paga taxas de juro elevadíssimas, imaginemos numa situação que sabe que não terá qualquer cobertura financeira de credores internacionais (FMI, BCE, etc.).

    «QUEM iria apostar e financiar a Grécio e Portugal? A resposta, num contexto de liberal desenvolvimentismo é: o capitalista, que vive de juros e precisa guardar parte do seu dinheiro fora do mercado de ações. Como ocorre em todo o mundo.»

    Claro que nunca deixariam de existir investimentos capitalistas se Portugal ou a Grécia saíssem do euro. Enquanto houver capitalismo… Mas indo ao concreto da sua questão. 1) o capitalista não vive do juro, mas do lucro. O próprio juro é uma componente da mais-valia. Esquecer esta conexão equivale a esquecer a ligação entre o que alguns economistas e organizações chamam de “economia real” (a esfera da produção) e a “economia de casino”. 2) não sei se percebi completamente a questão que coloca no final da sua frase mas onde o capital “guarda” o seu dinheiro?? O entesouramento no capitalismo é um procedimento claramente secundário porque a mecânica do sistema é precisamente centralizar massas de capital-dinheiro (proveniente da realização da mais-valia) e depois aplicá-lo em diversos investimentos que elevem essa massa inicial de capital. 3) claro que os capitalistas investiriam em Portugal ou na Grécia. Se houvesse condições de terem um retorno… A questão fundamental é que uma saída do euro levaria a uma tão elevada fuga de capitais e a medidas proteccionistas de outros países que uma reconstrução do aparelho produtivo é quase impossível. Já para não falar que mais abaixo você coloca um país com um desenvolvimento capitalista auto-centrado como o Brasil com dois países cada um do tamanho da Paraíba. Nem é só o tamanho e o volume de recursos mas a própria inserção das economias daqueles países na economia europeia. Considerar aqueles dois pequenos países como entidades económicas nacionais é um erro fundamental em toda esta problemática. Na verdade, como as duas partes seguintes do artigo procurarão mostrar, Portugal e Grécia são duas componentes da economia da zona euro e não simplesmente dois estados ou duas economias com relações internacionais. A economia capitalista deve ser vista nas últimas décadas no nível transnacional.

    «o texto fez afirmações baseadas na “certeza” do autor, mas sem lastro argumentativo convincente».

    Como disse imediatamente acima, as duas partes seguintes constituem a análise factual fundamental do artigo. Se tivesse esperado pelas partes seguintes certamente concordaria que esta sua frase – essa desarticulação não foi suprimida pela instituição do Euro – «pelo contrario, agravou-se através de outros pontos da economia, como a desindustrialização da Grécia». Neste ponto em específico só não percebo a ligação entre a Grécia e as eurobonds, que é algo que ainda nem sequer existe… A não ser que esteja a referir-se aos títulos da dívida pública grega.

    Sobre as suas questões sobre a natureza do nacionalismo… Claro que o nacionalismo fascista não é igual ao nacionalismo de esquerda que eu critico neste texto… Mas eles partilham um fundo comum: a centralidade da nação (seja lá o que isso for para cada abordagem nacionalista) em relação às classes, como se trabalhadores e patrões pudessem viver em comunhão eterna dentro de um mesmo espaço geográfico, cultural, político, administrativo, whatever… Que o fascismo é nacionalista não me surpreende nem me apoquenta que exista esta ligação. O problema é que muita da esquerda (sobretudo a que se reclama do anticapitalismo) prefere a “salvação nacional” à luta internacional da classe trabalhadora. E acaba por ser este espaço comum que permite o fascismo retirar dividendos dos contributos que a esquerda nacionalista dá para a inserção dos trabalhadores na nação… A esquerda se quer contribuir para a emancipação da classe trabalhadora tem de colocar toda a sua acção em torno das relações de exploração e nunca em torno da nação.

  3. João Valente,

    Vamos por partes então.

    Acho que uma questão fundamental da minha discordia, reside no fato da compreensão do nacionalismo como projeto de afirmação dos interesses sociais e econômicos de um pais.

    Aqui parto do principio que, uma coisa é o nacionalismo como projeto de politica interna e outro como um projeto de politica externa. No primeiro caso, junto-me aos seus argumentos face a pluralidade econômica, social e cultural. No segundo, de forma pragmatica, junto-me a esquerda desenvolvimentista. Para manter o foco da discussão, eu creio que esse é, na verdade, o entendimento mais difundido de nacionalismo pela esquerda, mas sem ignorar o fato de que a esquerda e bem mais plural (ou fragmentada) do que a direita. O que abre margem para outros entendimentos sobre o assunto.

    É por isso que, boa parte da esquerda reivindica um discurso de natureza nacionalista não para tratar do assuntos internos. Mas para orientar as relações exteriores do pais. Em outras palavras, o nacionalismo em matéria de politica externa serve sobretudo como uma estratégia no cenario global para reivindicar a soberania de um Estado-nação, face aos interesses transversais de diversos setores econômicos, sobretudo o mercado financeiro (mercado de ações e grandes empresas assim como os bancos), mas também face a disputa por espaço nas disputas politicas entre Estados.

    Para melhorar ainda o que quero dizer, o discurso nacionalista em matéria de politica externa é a afirmação da importância do territorio no processo produtivo econômico. Uma vez que as estruturas produtivas têm migrado de forma rapida entre paises. A afirmação de um projeto nacional tem por objetivo impor regras que coloquem o interesse do territorio acima da volatilidade com que o capital cruza as fronteiras (capital esse que tem lastro na economia real, como a remessa oriunda dos ganhos na venda de produtos e serviçosde, ou lucros e dividendos ou mesmo de juros advindos dessa mesma economia real – quando não, fruto de processo especulativo).

    Posto essa diferença entre o nacionalismo reivindicado pela esquerda, e aquele reivindicado pela extrema-direita, vamos ao caso da Grécia.

    Essa afirmação dos interesses nacionais face aos interesses privados na esfera internacional, não é de forma alguma incoerente com a afirmação de um projeto de integração regional, como a UE nesse caso. Na pratica, ao mesmo tempo que um chefe de Estado e sua ‘entourage’ colocam em pratica uma politica de desenvolvimento territorial, nada o impede de negociar termos de facilitação de trocas entre as nações do bloco (trocas econômicas e de circulação de trabalhadores).

    Mas no caso da Grécia, foi a troca de uma moeda desvalorizada, que mantinha uma certa competitividade, que levou o pais a bancarrota.

    Mas a crise grega e a consequente saida do Euro, podem trazer beneficios similares aqueles paises que tinham cambio dolarizado nos anos ’80 e ’90 e tiveram que desindexar suas moedas – muitas vezes acompanhado de moratoria – como o Equador e a Argentina.

    Com uma moeda desvalorizada (a volta do Dracma), a Grécia vai poder voltar a emitir titulos da divida publica, inicialmente a juros elevados (para que se tornem atraentes), ao mesmo tempo que vai voltar a reinvestir na industria.

    Achar que a Grécia não conseguiria vender titulos proprios (em Dracma) por uma boa remuneração é subestimar o sistema capitalista. O dinheiro não aceita desaforo. Quem pagar melhor, leva. Em outras palavras : um capitalista, entre investir seu dinheiro à juros ou na « economia real », ele vai ficar com aquele que oferecer a melhor recompensa.

    Como você disse, a banca tem que girar. Esses juros têm que ser lastreados na « economia real ». Mas com toda a perda de poder de compra das familias gregas nos ultimos anos, aliado à toda retração econômica de uma forma mais ampla, o potencial de crescimento da Grécia é grande. Uma vez retomada sua condição vital de competitividade econômica, o cambio desvalorizado, o investimento estatal vai ser fundamental para recuperação do mercado industrial e de serviços do pais, mas sobretudo de turismo.

    E se a Europa não estivesse tão cega no seu fundamentalismo de direita, certamente poderia usar esse dinheiro do pacote de ajuda aos gregos, para ajudar a recuperar a economia sem o Euro e com o Dracma. Seria muito mais util e inteligente.

    Pois hoje, a condição da Grécia como membro da zona do Euro não se justifica. Não ha mais o que fazer. Cedo ou tarde, com menos ou mais traumas, ela vai ser obrigada a sair. E depois de sair, à exemplo dos paises que tinham cambio dolarizado nos anos ’80, vai levar alguns poucos anos « organizando a casa » e voltar a crescer. Desenvolvendo a industria e comprando e vendendo titulos da divida publica, como fazem todos os outros paises inseridos perifericamente ou centralmente no sistema capitalista.

  4. Marcelo,

    «uma coisa é o nacionalismo como projeto de politica interna e outro como um projeto de politica externa».

    Não é possível pensar uma componente como separável da outra. Nem sequer vou aos casos extremos dos fascismos italiano, alemão, etc. onde a política interna de coesão nacional (e de desenvolvimentismo económico intramuros) articula-se perfeitamente com os desígnios de expansão dos negócios (militares e/ou económicos) das suas classes dominantes.

    Creio que você tenta aplicar em demasia os postulados desenvolvimentistas que têm permitido um desenvolvimento e um crescimento económico no Brasil ao caso de um país como a Grécia. E não se tratam, de maneira nenhuma, de casos idênticos. Do mesmo jeito que você dificilmente poderia advogar a saída de um estado como o Rio Grande do Norte do espaço nacional e económico brasileiro, a Grécia encontra-se na mesma situação de inserção económica, repito económica e não política, na zona euro. Que politicamente a Grécia ainda seja um estado nacional, isso não significa que o mesmo ocorra no plano económico. Aliás, é deste desfasamento que decorre muita da incapacidade da UE em resolver a actual crise económica europeia.

    Por outro lado, creio que você tem demasiadas esperanças na compra de títulos da dívida pública grega. Formalmente eu concordo consigo. Mas só no plano formal. Porque no plano concreto, capitalista investe em produtos ou soluções que tenham alguma viabilidade e lucratividade possível. No caso de uma saída grega, de contrário, ocorreria uma sangria enorme de capitais o que tornaria ainda mais impossível a reconstrução de um aparelho industrial moderno, qualificado e capaz de competir internacionalmente. Em segundo lugar, o estado grego ver-se-ia confrontado com represálias de acordos comerciais mto fortes da parte dos outros países da zona euro. Aquela visão um tanto ou quanto delicodoce com que alguns comentadores (de esquerda ou de direita) procuram apresentar a possibilidade de a Grécia exportar azeite e vinho para a Alemanha, França, etc. esbarra com o facto incontornável e assumido (vd. 3ª parte deste artigo a publicar em breve) de que a UE ripostaria com forte proteccionismo económico a qualquer tipo de exportações gregas. Em terceiro lugar, e como disse em comentário anterior, se os juros que a burguesia hoje coloca aos títulos da dívida pública grega já são elevadíssimos (e o valor desses títulos está simultaneamente salvaguardado pelos CDS’s – uma espécie de apólice de seguros do valor desses títulos – e pelo capital injectado pelo BCE, etc.), então sem toda essa rectaguarda e com uma economia devastada porque o capitalista compraria títulos da dívida pública massivamente se ele sabe de antemão que as possibilidades de pagamento do estado grego são diminutas. Você pode obstar a isso que o Estado grego pode emitir moeda. contudo, o volume dos meios de pagamento nunca pode ser demasiadamente superior ao volume de mais-valia acumulada sob a forma monetária sob pena de a inflação disparar. Ora, de que serviria ao Estado grego emitir títulos da dívida pública à custa de uma inflação que colocaria em causa a própria sobrevivência política do regime? sobrevivência política de um regime democrático que tanto poderia desembocar em mobilizações de trabalhadores como poderia dar origem a experiências de recorte fascista de modo a colocar “tudo na ordem”. Ora, em qualquer um dos cenários, o capitalismo liberal conforme o conhecemos não poderia sobreviver. No primeiro caso, se a classe trabalhadora conseguisse internacionalizar o seu protesto e conseguisse modificar as relações de produção, então nenhuma forma de capitalismo seria possível. No segundo caso, os gestores e os políticos fascistas salvariam o capitalismo com novas roupagens, conforme o fizeram no passado.

  5. João Valente,

    O caso grego é bastante dificil juestamente pela postura adotada pela UE (vou aguardar a terceira parte deste artigo para tecer mais comentarios). Mas como ja dito, a postura intransigente da doutrina conservadora adotada por Bruxelas, Paris, Berlim e Roma não permitem aos gregos levar a frente e sem trauma uma ruptura com o Euro.

    Quanto ao fato de assimilar a Grécia ao Rio Grande do Norte, é um tanto comparar os incomparaveis, uma vez que toda relação entre politica fiscal, monetaria, de financiamento publico, além da trajetoria particular do “choque” pela entrada na Euro zona não permitem fazer esse paralelo.

    Se tivesse que mal-comparar a Grécia com outro ente territorial, utilizaria o Equador e sua economia dolarizada dos anos ’90. Mas isso não é de fato o mais importante.

    Finalmente, atribuo ao comércio de titulos muito mais um papel de indicador econômico num determinado contexto, do que exatamente o papel de responsavel por grandes mudanças – muito longe disso, na verdade. Mas fato é que, na atual conjuntura mesmo amparado pelo BCE, a Grécia é simbolo de grande desconfiança. Até porquê a propria Europa gera desconfiança no atual cenario. Uma moratoria grega hoje seja talvez o que o pais precisa justamente para ter tempo em organizar a sua economia. E além do mais, para acabar de vez com a desconfiança do capitalista: ele vai ter a certeza de que o pais quebrou e que à diante um novo tempo se abre – certamente sombrio no inicio (mas sombrio ele ja é hoje, sem perspectivas de melhora!).

    Vou aguardar as proximas partes do artigo.

    Sds

  6. “Mas eles partilham um fundo comum: a centralidade da nação (seja lá o que isso for para cada abordagem nacionalista) em relação às classes, como se trabalhadores e patrões pudessem viver em comunhão eterna dentro de um mesmo espaço geográfico”.

    Discordo, existe a necessidade em “proteger” a nação pela necessidade de se proteger os direitos dos trabalhadores desta nação, que estão sendo atacados mais austeramente. No caso, os gregos. Não discordo dos comunistas e não acho que isso vá interfir no internacionalismo dos mesmos.

    Não vejo como acatar as medidas de austeridade e continuar na proposta da burguesia possa ser muito mais vantajoso à classe trabalhadora do que garantir os direitos desta classe em si, “protegendo” sua nação. A nação, aliás, fica bem à margem nessa história. Até porque para os interesses da burguesia grega, proteger a nação significa continuar no Euro.

    Perdão, mas me parece um sectarismo ingênuo, até.

  7. «existe a necessidade em “proteger” a nação pela necessidade de se proteger os direitos dos trabalhadores desta nação, que estão sendo atacados mais austeramente».

    Eu não tenho nada contra os direitos dos trabalhadores de cada país. Bem pelo contrário. O que não confundo são os direitos circunstanciais num país com o objectivo de internacionalizar as lutas e de que só a partir do plano internacional(ista) é possível, por um lado, forjar a solidariedade de classe por cima de todas outras divisões ideológicas (nacionalismo, racismo, divisão entre trabalhadores precários e trabalhadores efectivos, divisão entre trabalhadores empregados e trabalhadores desempregados, etc.) e, por outro lado, todas as ondas revolucionárias (1917-23; 1968-75) operaram sempre numa via transnacional.

    «Não vejo como acatar as medidas de austeridade e continuar na proposta da burguesia possa ser muito mais vantajoso à classe trabalhadora do que garantir os direitos desta classe em si, “protegendo” sua nação.»

    A luta contra as medidas de austeridade não tem de estar ligada à saída do euro. Afirmar o contrário é colocar variáveis geoestratégicas à frente da luta contra a exploração. Por outro lado, como diz um amigo meu, quando o nacionalismo ronda e penetra a classe trabalhadora o fascismo não costuma andar por muito longe.

  8. Não deixo de concordar com você. Não sei se devo comentar aqui sobre o texto que você publicou sobre Syriza e KKE no site 5dias.net, mas gostaria de deixar minha observação pelo o que acomopanhei das eleições: eu não não me lembro do KKE se expressando “pela Grécia contra a Alemanha”. Até porque isso não é típico de um partido comunista, a um comunista o inimigo não é uma nação, e sim o capitalismo/imperialismo, e a luta não é pela nação, mas pelos trabalhadores… Se isso aconteceu, aí eu seria obrigada a concordar contigo em relação ao ‘nacionalismo de esquerda.’.

    Mas confesso que ainda devo ler as duas outras partes deste artigo para, quem sabe, compreender melhor seu ponto.

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