Por TPTG (Os Rapazes da Geral) [*]

Leia aqui a 1ª parte deste artigo.

Cronologia

Em agosto de 1997 a lei 2525 foi aprovada, introduzindo reformas significativas em todos os níveis da educação. No que diz respeito à educação secundária todos os tipos existentes de escolas de ensino médio foram abolidas e unificadas em um tipo: a assim-chamada “Escola Unificada de Ensino Médio”. Até agora o papel das escolas estatais de ensino médio tem consistido em fornecer um certificado de três anos de presença necessário para entrada na universidade. Era apenas um estágio preparatório, e realmente um estágio “relaxado”, uma vez que as notas não faziam nenhuma diferença para a universidade: havia provas nacionais em 4 assuntos no fim do terceiro ano. A nova lei “aumenta” o statusda escola estatal introduzindo uma avaliação constante dos alunos por meio de múltiplas provas, testes diários (alguns tratando do comportamento do aluno e de sua personalidade) e um certificado nacional de estudos com notas de todas as matérias dos últimos 2 anos determinante para entrada na universidade. Provas nacionais com 14 assuntos no fim do segundo e terceiro anos correspondentes iriam, por sua vez, determinar as notas. Além das provas, novos livros foram dados baseados num modelo predominantemente formalístico, de origem tipicamente norte-americana (por exemplo, questões de múltipla escolha), fazendo o significado do ensino difícil de perceber ou desaparecer totalmente.

No entanto, demorou quase um ano para os estudantes sentirem o efeito das novas reformas propagandeadas como “Abrir Horizontes” e “Acesso Livre às Universidades”, pois foi nesse ano escolar (1998-99) que a lei entrou em funcionamento na escola secundária.

A primeira ocupação de escola começou no meio de outubro na cidade de Tessalônica e pelo meio de novembro 300 escolas de ensino médio haviam sido ocupadas em um total de 1200 escolas (escolas ginasiais são mais ou menos 1800). No começo houve mais ocupações espalhadas pelo país, nas cidades provinciais e vilarejos, do que em Atenas – uma situação que mudou depois.

O ministro da Educação, que construiu uma imagem de si mesmo como um político intransigente, responsabilizou o Sindicato dos Professores pelo movimento estudantil e apenas para manter um espetáculo de negociação o convidou para discutir questões tão irrelevantes que até a facção do Partido Socialista no Sindicato o desaprovou. O movimento foi se tornando gradualmente uma rebelião: até o meio de dezembro 1/3 das escolas ginasiais e de ensino médio (cerca de 1000) foram fechadas. Grandes manifestações foram organizadas em Atenas e vários outros lugares em todo o país, praticamente uma toda semana, cada vez mais animadas e violentas. Os principais alvos eram Prefeituras [Câmaras Municipais] ou prédios governamentais em geral, jornalistas, policiais e delegacias [esquadras] (especialmente em lugares onde conflitos com a polícia e prisões já haviam ocorrido). Quase todo dia as avenidas de Atenas e outros lugares eram bloqueadas, uma prática iniciada pelos comitês de coordenação das escolas ocupadas (controlados pelo Partido Comunista) que pretendia apenas ser simbólica e de curta duração; no entanto os estudantes transformaram esses bloqueios em explosões de raiva e campos de jogo.

Contrabalanceando o comitê estudantil do PC que, apesar de não representar ninguém além dos membros do partido, estava tentando se estabelecer como órgão institucional e parceiro de negociação através de conferências de imprensa, uma Iniciativa Estudantil foi formada por estudantes de mais ou menos 20 escolas ocupadas em Atenas. Foi um esforço honesto de jovens para se auto-organizarem, apesar de esquerdistas de várias organizações se precipitarem para os dirigir, embora sem grande sucesso.

Pouco antes dos feriados natalinos o ministro anunciou algumas alterações na lei, que se mostraram quase insignificantes mesmo em comparação com as propostas conservadoras feitas por partidários do governo. Este apostou na fatiga estudantil e nas ações realizadas por membros do Partido [Socialista] disfarçados de “pais indignados” para colocar um fim na rebelião. Durante o Natal a maioria das escolas ficou sem ninguém e muitas voltaram ao normal no começo de janeiro. No entanto, um número grande permaneceu ocupado. Foi nestas que ocorreram tentativas de invasão por parte de pais brutamontes para tentar evitar que os estudantes fizessem assembleias e votassem pela ocupação. Promotores públicos começaram procedimentos legais aqui e ali respondendo a denúncias ou exigências anônimas feitas por administradores de escolas secundárias locais.

O governo ameaçou os estudantes com a perda do ano escolar e pediu aos diretores para chamar por procuração pública na hora [de imediato]. Os diretores não obedeceram, com a exceção de alguns (geralmente membros do Partido Socialista), que aterrorizaram tanto estudantes como professores simpáticos ao movimento. O Sindicato de Professores denunciou a repressão estatal e convocou uma greve de dois dias. Na primeira semana após os feriados a tensão nas escolas estava pesada. Onde quer que os pais impedissem as assembleias os estudantes respondiam com faltas de aula. Cenas de violência e ridicularização se tornaram um fenômeno cotidiano: um estudante perseguido por um professor e pelo diretor e ameaçado de entrega aos policiais e ao promotor público pulou do primeiro andar da sua escola ocupada e ficou ferido. Pais ocuparam uma escola, eles mesmos, de noite tomando vantagem do pequeno número de estudantes em guarda; depois contrataram seguranças privados para vigiá-la. Um diretor e alguns pais dormiram na escola com pitbulls perto deles de forma a prevenir uma ocupação pelos estudantes. Um prefeito e alguns pais pegaram um grupo de funcionários municipais e ocuparam a escola da sua área, mas os estudantes selaram as portas enquanto os professores fizeram greve de um dia em protesto.

Nos bloqueios de rua as coisas não foram mais calmas: “motoristas indignados”, frequentemente quadros do Partido Socialista, atropelavam estudantes e fugiam ou os ameaçavam com bastões, apenas para serem enterrados sob montanhas de ovos, iogurte ou pedras.

No meio de janeiro o número de ocupações de escola tinha estabilizado em mais ou menos 700, com metade delas em Atenas. Nas manifestações, um novo método policial foi lançado: no fim delas, enquanto as pessoas dispersavam em pequenos grupos a tropa de choque prendia principalmente estudantes jovens, julgando apenas pela aparência. Alguns desses estudantes sofreram processos criminais.

Uma coisa nova foi a presença dinâmica dos estudantes albaneses. Aqueles que foram presos acabaram sendo espancados por policiais racistas ou ganharam um corte de cabelo grátis, como foi o caso de uma estudante albanesa jovem. Uma grande publicidade foi dada ao incidente, com grande clamor hipócrita contra o policial (que foi suspenso) tanto por parte do governo quanto dos meios de comunicação, num esforço espetacular de tentar passar por alto as várias prisões e acusações criminais pesadas – apenas em Atenas o número de presos foi mais de 50. O caso mais sério foi o de um estudante albanês processado com duas acusações graves (uma delas sendo incêndio premeditado por jogar um coquetel molotov contra a tropa de choque). Ele foi espancado de forma selvagem pelos policiais e preso por algum tempo. Apenas depois dos seus companheiros se manifestarem contra a sua detenção (e da mediação de alguns políticos “sensíveis”) ele foi liberado, à espera de julgamento. Essa manifestação estudantil de noite com isqueiros, embora não tão grande quanto poderia ser, uma vez que os políticos profissionais eram iguais em número aos estudantes, foi um dos mais importantes acontecimentos não só da rebelião estudantil mas dessa década, pela solidariedade mostrada num país caracterizado por atitudes racistas contra albaneses.

No final de janeiro o ministro convidou pra uma “troca de ideias” 50 estudantes selecionados, cabeças dos conselhos estudantis – um órgão formal dos estudantes, geralmente ultrapassado e caído em descrédito durante movimentos radicais – numa manobra espetacular para parecer conciliatório e legitimar as mudanças insignificantes feitas na lei, relacionadas às provas. Pouco depois os comitês controlados pelo PC recuaram da sua exigência inicial de derrubada da lei e aceitaram a abolição ou mesmo suspensão das provas desse ano para o segundo ano. Eles insistiram numa reunião com o ministro, que recusou, e dessa forma provaram o quanto era muito mais importante para o PC o reconhecimento do seu comitê como um parceiro de negociação oficial do que a derrubada da lei.

Apesar dos desacordos entre as várias facções partidárias no seu interior, o Sindicato dos Professores concentrou-se claramente na questão das provas do segundo ano e não na lei como um todo. No fim de semana de 30-31 de janeiro o Sindicato estava prestes a ter uma reunião para decidir algumas propostas definitivas com o ministro e dessa forma ajudá-lo a salvar lei, exceto alguns detalhes. Estava também tentando mostrar aos estudantes que podia representá-los e indiretamente guiá-los. No entanto, a iniciativa estudantil pensava de maneira diferente: algumas dúzias de estudantes “invadiram” os escritórios sindicais, exigindo participar da reunião. Esta foi interrompida e a facção do Partido Socialista denunciou a intervenção estudantil. No outro dia os estudantes estavam presentes de novo, apenas para enfrentar professores esquerdistas (principalmente maoístas) que se concentraram lá para proteger a reunião que qualquer interrupção e defender o sindicato. De qualquer forma, ela aconteceu e não conseguiu chegar a nenhuma proposta concreta. Praticamente, a ação dinâmica dessa minoria de estudantes apenas prolongou o fim do movimento por algumas semanas.

Gradualmente, cada vez mais escolas voltaram às aulas num clima de tensão, fatiga e desapontamento. Pelo meio de fevereiro as últimas fortalezas (as escolas que estavam ocupadas por quase 3 meses) caíram. A festa tinha acabado (?).

Maio de 1999

[*] Ta Paidia Tis Galarias (TPTG) [O nome deste grupo faz referência ao filme do cineasta francês Marcel Carné, Les Enfants du Paradis, traduzido em português como Os Rapazes da Geral e em grego como Ta Paidia Tis Galarias.]

P.O. Caixa 76149
N. Smirni
17110
Atenas, Grécia
E-mail: [email protected]

Traduzido por L.M. em junho de 2010.
Versão em inglês aqui

Todas as ilustrações reproduzem graffiti gregos.

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1 COMENTÁRIO

  1. Vocês escrevem igualzinho às Senhoras de Santana. Esse papim de ‘estudantes-q-estudam-e-criam’ e não querem saber de ‘esquerdistas’ é de dar náusea até na D. Dora Kramer do Estadão. Cá entre nós: pensei que esse papim fraco, que já era velho e reacionário, em 1964, já não existisse.

    Lerdo engano: nada mais duro de matar q esse conversê fraco, metido a ‘ético’ e metido a ‘ecológico’, mas sempre ‘sem política’. Desses papins se fazem todos os fascismos (éticos, transparentes, verdes, que sejam, mas nem por isso menos fascistas)

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