Por Passa Palavra

 

Veja um vídeo sobre esta manifestação aqui.

Em dia de greve geral convocada pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), vários movimentos sociais e alguns milhares de trabalhadores também participaram espontaneamente numa manifestação contra as políticas de austeridade. Face ao ataque sem paralelo aos salários, aos empregos e às condições de vida, vários manifestantes atiraram pedras à polícia ao mesmo tempo que vários petardos foram rebentados ao longo de algumas horas de concentração.

Perante este cenário, e já depois de as fileiras da CGTP terem desmobilizado do local, a polícia de intervenção actuou com uma bárbara e absolutamente desproporcionada carga sobre os manifestantes que ocupavam a praça em frente à Assembleia da República. A violência da repressão policial foi tal que perseguiram manifestantes pelas ruas de Lisboa. Dezenas de ambulâncias foram chamadas para socorrer manifestantes feridos. Os meios de comunicação social falam em sete detidos e algumas dezenas de feridos. Nas redes sociais circula a informação de que cerca de 30 pessoas estariam presas num tribunal de Lisboa já desactivado.

Face à violência e à repressão da polícia importa lembrar as palavras do secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, quando há duas semanas atrás disse que “a polícia não nos faz mal”. Certamente estaria a referir-se apenas à CGTP, pois hoje reiterou que a sua organização era “contra todas as formas de violência”. Ao colocar no mesmo patamar a indignação e o desespero dos trabalhadores precários e a repressão policial, a CGTP indica o caminho que parece querer trilhar. Este exemplo concreto demonstra claramente o motivo das apreensões do colectivo Passa Palavra relativamente aos perigos que o nacionalismo transporta consigo: a manutenção de uma “polícia do povo” como pilar estruturante de um projecto político típico de um capitalismo de Estado dirigido por uma tecnocracia de origem sindical.

No dia seguinte a esta brutal perseguição policial, o economista Sérgio Ribeiro, membro do Comité Central do Partido Comunista Português e ex-eurodeputado por esse Partido, escreveu o seguinte:

«Será o papel da “polícia de segurança pública” (que há dias teve tantos elementos seus usando a sua “farda” de povo que se manifesta), ser alvo passivo de pedras arrancadas do chão e pára-raios de raivas e revoltas inconsequentes?»

Quem não acreditar, pode certificar-se aqui.

A gravidade destas declarações mede-se melhor se as confrontarmos com as imagens de um vídeo, para o qual um leitor nos chamou a atenção.

8 COMENTÁRIOS

  1. Acredito que seja falta de conhecimento politico da minha parte, mas não consigo compreender a relação entre “nacionalismo” e “”a manutenção de uma “polícia do povo” como pilar estruturante de um projecto político típico de um capitalismo de Estado dirigido por uma tecnocracia de origem sindical.””
    Entendo “nacionalismo” e o “projecto politico”*, mas a relação entre ambos não consigo.
    *A mesma tactica quando dos ficheiros da PIDE no golpe de 25 de Abril?!?!???!??!

  2. Luís Pereira,
    A relação entre o capitalismo de Estado e o nacionalismo — a que alguns também chamam patriotismo — estabelece-se através do Estado. Por um lado, o Estado é necessário à constituição de uma nação, no sentido moderno da palavra. Por outro lado, o Estado assume-se como a instituição económica hegemónica no capitalismo de Estado. Não existe nenhum capitalismo de Estado que não tenha vocação nacionalista.
    O Partido Comunista Português tem sido, neste país, o mais coerente promotor de um projecto de capitalismo de Estado. E a burocracia sindical é um elemento indispensável à regulação do mercado de trabalho num capitalismo de Estado.
    Para se efectivar, um projecto desse tipo precisa do apoio das forças repressivas. Isto explica, na nossa opinião, a simpatia que o PCP e a CGTP têm expressado pela polícia sempre que ela enfrenta manifestantes que não pertencem à área destas duas organizações. As palavras do secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, em 31 de Outubro, a propósito de uma das acções dos estivadores, são bem conhecidas, mas quem ainda as não conhece pode ouvi-las aqui:
    http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=599761&tm=9&layout=123&visual=61
    Interpretamos do mesmo modo as declarações de Arménio Carlos proferidas ontem e citadas neste artigo. Como se isto não fosse suficiente, uma figura da estatura intelectual e política de Sérgio Ribeiro escreveu aquilo que transcrevemos em caixa.
    Arménio Carlos prometeu que «a polícia não faz mal à gente» e Sérgio Ribeiro afirmou que a polícia fora vítima de «raivas e revoltas inconsequentes». Por isso o Passa Palavra considera que uma polícia que não faz mal à gente do PCP e da CGTP, mas faz mal aos raivosos e revoltosos inconsequentes, é um «pilar estruturante de um projecto político típico de um capitalismo de Estado dirigido por uma tecnocracia de origem sindical».

  3. Também há de se comentar da atuação do Bloco de Esquerda nesse momento!
    Catarina Martins, Daniel Oliveira, Fernando Rosas, João Semedo e Francisco Louçã são figuras presentes constantemente nos meios de comunicação. As ruas de várias cidades portuguesas estão repletas de cartazes do BE e chamados para debates.
    A grande convenção deles teve cobertura midiática e foram claros nos projetos de “unidade”, “derrubar o governo Passos Coelho”, “chamar novas eleições” e “constituir um governo de esquerda em Portugal”.

    O que querem dizer com “governo de esquerda”? Há de se ficar de olho nessa tecnocracia do BE…

  4. André Luiz,
    Acerca das teses defendidas por Daniel Oliveira, o Passa Palavra publicou em Agosto deste ano um artigo de João Valente Aguiar, «O especulador e o industrial. A esquerda do lado do mito contra a realidade»:
    http://passapalavra.info/?p=62764

  5. “Não existe nenhum capitalismo de Estado que não tenha vocação nacionalista” era o elemento que eu desconhecia.
    Obrigado!

  6. Acompanhando daqui do Brasil…

    Parece que o capital necessita de novas formas para continuar seu ciclo de acumulação e que, sem nenhum prejuizo, abandona formas e aparências anteriores e adota novas, aparentemente contrárias aquelas antigas. Adota formas que parecem inconcebíveis, como o meio sindical e partidos de esquerda. Isso tem sido amplamente debatido no PassaPalavra em várias séries de artigos e pelo que li em algum lugar parece mesmo que rasgar as contradições nas aparências e iluminar a sua essência é mesmo uma vocação deste coletivo-sitio.
    Agora, em face aos acontecimentos desta quarta-feira – pois foi uma greve geral não somente em Portugal, como também Itália, Bélgica e Grécia. Não creem que aí há elementos de uma nova qualidade no movimento real dos trabalhadores contra as formas que começam a se mostrar do lado do capital? Ou seja, a possibilidade de um internacionalismo classista (ainda sem cara) capaz de superar os nacionalismos das pricipais direções.

  7. Bruno Rampone,
    Analisámos mais detalhadamente a greve geral do dia 14 em outro artigo:
    http://passapalavra.info/?p=67566
    Logicamente você teria razão e a coincidência daquelas greves deveria representar um «internacionalismo classista». Mas infelizmente não é o que se passa. Foram greves nacionais simultâneas, mas sem nenhuma relação entre elas ao nível dos trabalhadores. Mesmo a Espanha, que está tão perto, parece estar muito longe. Como o internacionalismo não é uma soma de nacionalismos isolados, a luta apresenta-se muito difícil.

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