Não é excluindo e combatendo os homens que se podem superar diferenças construídas historicamente. Por Passa Palavra
Nos últimos anos tem crescido o debate acerca do feminismo dentro da esquerda brasileira e nos parece importante analisar os diferentes caminhos que essa luta tem tomado.
A opressão das mulheres nas lutas periféricas
Nos espaços de periferia de uma cidade como São Paulo, é possível notar que cada vez mais a participação das mulheres nas lutas comunitárias é central e, muitas vezes, majoritária. Além dos desafios próprios das articulações político-sociais em que estão presentes – na luta por creches, moradia, postos de saúde, pelos direitos de seus familiares (normalmente homens) presos e outras tantas questões – um grande desafio das mulheres militantes tem sido fazer com que os homens também participem das discussões e lutas sociais de suas comunidades. Pesa sobre elas o fato de não encontrarem apoio às suas iniciativas, uma vez que não é raro que seus familiares homens consumam suas horas fora do trabalho nos bares, vivenciando problemas de dependência química e, às vezes, envolvidos com atividades do tráfico. Muitas vezes a luta das mulheres continua em suas próprias casas contra os ciúmes e/ou a violência dos homens que desaprovam o protagonismo político delas e as novas relações estabelecidas com outros homens e mulheres a partir das experiências de luta e militância que travam em comum. Entretanto, dentro das quatro paredes, a luta dessas mulheres é solitária e a relação de poder frequentemente é ganhada na força. Os casos de agressões físicas, ameaças e outras formas de opressão retiram, costumeiramente, várias militantes das lutas.
Esse quadro, não raro em diversas periferias, lança inúmeros desafios aos movimentos sociais e às organizações políticas. Combater a violência sofrida pelas mulheres dentro de suas estruturas familiares também passa pelo desafio de politizar, mobilizar e ampliar a participação de homens e mulheres nas lutas sociais que lhes são comuns. Quer dizer, passa pela necessidade de encontrar formas organizativas e maneiras de problematizar e trabalhar com a construção de relações de igualdade entre ambos. Nesse caso, questões como o encarceramento em massa de homens e mulheres, o alcoolismo, o tráfico, a Igreja, as relações machistas e sexistas também precisariam ser combatidas conjuntamente.
Por isso, acreditamos que a questão do feminismo estaria muito mais relacionada a uma luta conjunta da classe do que à necessidade de se criarem coletivos feministas em que apenas as mulheres possam discutir suas questões e revidarem as agressões. Pois entendemos o feminismo como uma luta inserida nos movimentos sociais, que contribui para a superação das relações opressivas de gênero, tendo como objetivo a inclusão das mulheres na luta pela superação dos problemas tanto dos homens quanto das mulheres.
Mesmo em um movimento ainda em formação, sem uma estrutura organizacional consolidada e/ou sem uma frente pré-determinada de atuação exclusiva de mulheres ou homens, é possível perceber a constituição desses espaços excludentes, estabelecendo os limites onde elementos de cada sexo devem atuar, sem a procura pela superação da desigualdade de gênero. Nesse sentido, é interessante o exemplo recente de uma ocupação urbana localizada em uma outra capital brasileira. Os moradores dessa ocupação dispunham, como único espaço de reunião e debate, de um grupo de estudos que tinha encontros semanais, cuja motivação teria surgido a partir de conversas entre um grupo de apoio e algumas mulheres da ocupação. O objetivo desses encontros era promover um reforço da luta, que estava em declínio devido ao período eleitoral. Assim, uma moradora conversou com outras pessoas com quem tinha mais afinidade e cedeu o seu quintal para iniciar os trabalhos.
Nesse caso concreto, não eram só mulheres a participar desses encontros, mas é importante destacar que os esposos das moradoras que tomaram a iniciativa e que cederam o espaço não participavam das reuniões, embora ficassem rodeando e observando tudo. Ao término dos encontros, quando a maioria dispersava, acontecia de eles se aproximarem e procurarem conversar e expor o que pensavam sobre o assunto ou como acreditavam ser a melhor forma de ação. Mas afinal, por que esses homens não participavam diretamente do espaço? Será que as esposas dos demais homens que participavam dos encontros tinham postura semelhante? Qual seria o peso dessa estrutura familiar na organização dos movimentos sociais? Posteriormente ficou evidente aos apoiadores que os homens não participavam das discussões pois isso implicaria estarem de igual para igual com suas respectivas esposas e outras mulheres. Estava exposta, portanto, uma clivagem que dificilmente seria solucionada com a criação de espaços exclusivos para mulheres. Tais espaços exclusivos só agravariam o problema, consolidando-o organizacionalmente. Em sentido contrário, o fortalecimento do espaço de luta tinha como condição principal a integração de ambos os sexos na condução política do processo.
O feminismo como uma renovação nos movimentos sociais
Um outro exemplo que pode ser indicado como contraponto ao tipo de feminismo excludente foi a atuação das mulheres organizadas no interior da Via Campesina na metade da década passada. A partir da organização das mulheres dos assentamentos, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no Rio Grande do Sul passou por uma transformação significativa. O campo gaúcho é marcado por um intenso grau de produtividade agropecuária e pela instalação de plantações com alto investimento de multinacionais. Por isso o projeto de transformação pautado a partir das organizações de mulheres não se restringia a uma reivindicação da reforma agrária contra o latifúndio improdutivo, mas visava as ações impetradas por grandes empresas, que ao mesmo tempo submetiam trabalhadores rurais a condições degradantes e concentravam a propriedade de terra. Ora, entre esses trabalhadores estão mulheres e homens, As grandes empresas capitalistas identificadas nesse processo específico do Rio Grande do Sul foram a Syngenta, a Stora Enso e a Aracruz.
Esse espaço da organização de mulheres escapava em parte do controle das direções nacionais e estaduais do MST, hegemonicamente masculinas, pois, diferentemente das ações decididas nos assentamentos ou regionalmente, as ações vinculadas à mobilização do 8 de março eram consideradas como autodeterminadas. A partir desse espaço as mulheres se organizaram junto a homens alinhados com um projeto político mais radical, para planejar ações diretas contra as multinacionais citadas. Conseguiram articular demandas concretas da luta de homens e mulheres, de maneira a escapar da política implementada pela direção nacional do MST, e com isso protagonizaram iniciativas como a destruição de campos experimentais e de plantações em terras ilegalmente ocupadas.
Um exemplo claro dos resultados dessa organização foi a ação contra a Aracruz no dia 8 de março de 2006. Já em 2007, também em razão das comemorações do Dia Internacional da Mulher, a ação das mulheres da Via Campesina ocorreu em Santa Cruz das Palmeiras, estado de São Paulo, e se voltou contra um centro de pesquisas da Monsanto. Elas destruíram um viveiro e um campo experimental de milho transgênico.
A partir dessas ações diretas e do nível de radicalidade assumido por aquelas mulheres, começaram as reações das burocracias partidárias, do governo e do Movimento. Externamente, o então ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, foi a público repudiar a ação realizada pelas mulheres. Internamente, coube ao MST iniciar pressões para que elas abandonassem essa linha de confronto por meio da ação direta, assumindo como prioridade a “linha de diálogo” com o governo. Contudo, as tentativas de controle não conseguiram minar a organização daquelas mulheres, que avisavam sobre os planos de suas ações apenas a homens de sua inteira confiança e não alinhados com o governo federal. A direção nacional procurou isolar politicamente esse grupo de mulheres, taxando-as de irresponsáveis e reduzindo os repasses financeiros para a região. O processo de tensionamento interno produzido a partir dessa atuação contribuiu para o desgaste dessas militantes dentro do MST. Essas ações e outros embates protagonizados pelas militantes que não aceitavam a postura da direção nacional do movimento constituíram um fator importante na recente ruptura com o MST, expressa na Carta dos 51.
Evidenciou-se aí a possibilidade de renovação das práticas de movimentos sociais a partir da organização de mulheres, o que despertou a atenção dos mais diversos agrupamentos políticos. Não por coincidência, de lá para cá ampliaram-se os setores de mulheres dos movimentos e partidos políticos e novos grupos surgiram em universidades. Analisemos, entretanto, um exemplo para compreender melhor como esse feminismo está se renovando.
Uma tentativa de controle
A Consulta Popular, que devido à sua inserção no MST ficou ciente do potencial de mobilização presente nas divisões de sexo, percebeu que a articulação das mulheres foi protagonista na criação de um espaço crítico à burocracia e não controlado pela direção do Movimento. Mostrava-se ser importante valorizar a temática da opressão da mulher e ao mesmo tempo inseri-la dentro das estruturas formais controladas pelo Movimento. Nesse sentido, a organização criada para direcionar a atuação da juventude urbana (o Levante Popular) teve como primeira deliberação de seu documento organizativo a criação de coletivos de mulheres em todas as instâncias de atuação. O mesmo documento elabora qual deve ser a perspectiva adotada para o trabalho feminista desenvolvido pelo Levante, que citamos aqui: “convidaremos as jovens das frentes de trabalho de base para as atividades e outras jovens que ainda não acessamos, ou seja, as atividades das datas podem servir como ‘porta de entrada’ para outras jovens”. O documento não apresenta uma discussão da opressão das mulheres e homens dentro dos movimentos sociais, tampouco pensa nessa inserção como um meio de potencializar a luta na emancipação de ambos os sexos; mas apresenta o feminismo como uma “porta de entrada” para jovens, ou seja, uma bandeira para aproximar as pessoas da militância da Consulta Popular.
Diferentemente do potencial demonstrado pelas ações das mulheres da Via Campesina, propõe-se a criação de organizações de mulheres em torno de um calendário pré-estabelecido. Para essas organizações são previstos espaços de formação reservados para “estudo prévio sobre as datas: seu significado histórico, dados, história e conjuntura dos respectivos temas: saúde, violência, etnia, com um claro recorte de classe e gênero”. Portanto, não se trata de um espaço para discutir as relações desiguais estabelecidas entre mulheres e homens dentro do Movimento, mas de um espaço determinado como exclusivo das mulheres para desenvolver uma ação política já direcionada. Ainda segundo o documento, o objetivo dessa organização seria o de fortalecer a identidade delas enquanto mulheres do Levante, reforçando os laços de identidade militante com a organização, ao invés de incentivar o espaço de reflexão crítica sobre a militância.
Acentuar a divisão ou superá-la?
Essa apropriação da auto-organização e da identidade das mulheres como um valor em si nos parece contraditória com o feminismo como uma luta de superação da desigualdade entre os sexos, posto que, como afirmamos no início desse artigo, o feminismo deve inserir-se na luta pela superação das contradições inerentes ao conjunto da estrutura social capitalista.
Com base nisso, é importante compreender a questão da opressão de gênero inserida no contexto das relações sociais marcadas pela divisão de classes, em que as identidades do feminino e do masculino são assimiladas pela estrutura social para manter um dado equilíbrio de dominação, da mesma forma que o são as identidades étnicas, de cor de pele, linguísticas, religiosas e nacionais. Pois, como explica Heleieth Saffioti, “fatores de ordem natural, tais como sexo e etnia, operam como válvulas de escape no sentido de um aliviamento simulado de tensões sociais geradas pelo modo capitalista de produção; no sentido, ainda, de desviar da estrutura de classes a atenção dos membros da sociedade, centrando-a nas características físicas que, involuntariamente, certas categorias sociais possuem”. Dessa forma, as identidades de sexo não devem ser analisadas como entidades autônomas, capazes de suplantar, por si próprias, a estrutura social vigente, pois “operam segundo as necessidades e conveniências do sistema produtivo de bens e serviços, assumindo diferentes feições de acordo com a fase de desenvolvimento do tipo estrutural da sociedade” (SAFFIOTI, 1979: 29, 30).
Assim, é possível perguntar: que tipo social tem pautado a questão do feminismo sob a perspectiva que acentua a divisão entre o feminino e o masculino?
O “novo” feminismo urbano
Nos centros urbanos tem se ampliado a existência de grupos de jovens mulheres feministas. Elas se organizam através de coletivos, núcleos no interior das universidades, sites ou blogs. Escrevem textos, promovem encontros, organizam eventos, fazem atos denunciando o sexismo veiculado nas propagandas, realizam marchas pela diversidade sexual, pela ocupação de postos de poder, pela descriminalização do aborto, entre outros. Todas essas lutas são legítimas e necessárias na medida em que denunciam a captura de bandeiras históricas do movimento feminista pelo capitalismo atual, em favor da mercantilização do corpo das mulheres, do sexo e da subjetividade humana.
É possível observar que vem aumentando o número das jovens militantes que denunciam assédios e agressões vividos no interior dos coletivos e movimentos e que insistem na necessidade de se discutir o machismo na sociedade em geral e na esquerda em particular. Por essa razão, em novembro de 2012, na cidade de São Paulo, ocorreu o Seminário-Debate Há machismo na Esquerda?, congregando pessoas de vários coletivos, militantes universitárias e independentes e de movimentos sociais em geral.
Nesse espaço de discussão, criado por mulheres de alguns coletivos feministas, as jovens militantes relataram as dificuldades para debater e enfrentar os diferentes casos de opressão contra as mulheres nos próprios movimentos e coletivos mistos. Afirmam que, embora tenham aumentado os casos de agressões vivenciados por militantes, o assunto não estaria sendo debatido satisfatoriamente pelos militantes anticapitalistas, no sentido de almejar a superação da reprodução do machismo nos seus espaços de atuação. Portanto, com base na questão norteadora, “Quais formas / estratégias de enfrentamento ao machismo nos movimentos?”, as participantes e os participantes, divididos em grupos de discussão, manifestaram suas opiniões e relataram experiências.
Ao longo das discussões, foi possível perceber o aparecimento de duas tendências político-ideológicas claras, revindicadas para subsidiar a reflexão visando ao enfrentamento do machismo nos espaços de atuação: a primeira insiste na adoção do escracho, que consiste em identificar, denunciar e punir publicamente o autor da agressão, como a única forma possível para fazer o agressor se retratar; já a segunda entende ser possível que a organização ou o movimento enfrente a questão com debates abertos, reconhecendo a agressão enquanto uma reprodução do machismo na sociedade e permitindo a construção de espaços que problematizem essa reprodução por militantes do movimento, de forma a reestabelecer os laços de confiança rompidos.
Como consequência prática da primeira tendência, têm surgido diversos coletivos e grupos exclusivamente de mulheres, formados sob o pretexto de que nos coletivos mistos as mulheres não teriam suas demandas acolhidas pelos companheiros e poderiam sofrer opressão pelo seu protagonismo; que não encontrariam solidariedade dos companheiros para o enfrentamento das questões; e, por isso, que se tornaria necessário criar espaços exclusivos de mulheres para se fortalecerem e se sentirem confortáveis para construir uma cultura do direito à autodefesa física e psicológica.
Por outro lado, houve a posição daquelas e daqueles militantes e de coletivos cujo entendimento é de que a presença ativa de mulheres no interior de coletivos mistos, bem como nos movimentos sociais, pressiona na direção da criação de relações sociais igualitárias, na medida em que suas ações, articuladas com demandas concretas que incidem diretamente sobre a vida material das pessoas, provocam a remodelação material e simbólica da estrutura de poder vigente. As lutas travadas em favor do direito à moradia, à educação e à saúde, pela reforma agrária, contra o aumento da tarifa, pelo acesso ao transporte público e pelo direito à cidade são alguns exemplos corriqueiros de ações que abarcam perfeitamente o protagonismo feminino e as ações radicais levadas adiante por elas.
Para nós, a simples afirmação de espaços exclusivos para mulheres reforça um certo tipo de feminismo de gênero que finca sua luta na divisão entre o masculino e o feminino, colocando a necessidade abstrata de se ter reuniões separadas das dos homens para discutir os problemas da opressão. Mas será esse o melhor caminho para a superação desses problemas dentro dos movimentos sociais?
Não enxergamos o escracho inserido nesse contexto como uma forma pedagógica possível de ser empregue na superação da dicotomia entre homens e mulheres nem aplicável ao contexto dos movimentos sociais que intentam acabar com a exploração, com os vários tipos de dominação e opressão. A nosso ver, é um recurso de violência comparável àqueles utilizados pelo Estado capitalista para individualizar e punir. Além disso, esse tipo de escracho tende a instaurar uma situação de irracionalidade e animosidade entre os indivíduos, a recuperar práticas persecutórias, policialescas e de anulação política e social dos sujeitos masculinos envolvidos.
Têm crescido também situações em que homens são banidos de espaços sociais ou de militância pelo fato de serem acusados de machismo. Quando militantes mulheres afirmam ser aquele um agressor, agem imediatamente no sentido de expulsar e/ou boicotar as ações que venham a ser desenvolvidas por homens e pelos coletivos por esse motivo. Mas será que o contrário teria o mesmo tratamento? No caso de ser uma mulher a agressora — mesmo que não fisicamente, agressora psicológica — o escracho ou a expulsão seriam utilizados como medidas?
Parece-nos justificável a hipótese de que esse tipo de feminismo, que aqui definimos claramente como excludente, tende a crescer sobretudo no meio universitário, por possuir um caráter corporativo e proporcionar uma reserva de mercado de trabalho. Quando se fundam departamentos de estudos femininos e se considera que só as mulheres estão habilitadas a pertencer a esses departamentos e a presidi-los, a participar nos eventos organizados por tais departamentos e a escrever artigos para as revistas editadas por esses departamentos, é fácil calcular as enormes possibilidades de aumentar o curriculum que isso proporciona. Além do mais, na medida em que metade do gênero humano está impedida de participar nesses cargos, eventos e publicações, a concorrência é menor e os obstáculos à ascensão das senhoras e das meninas são menores também.
O que, talvez, essas militantes desconheçam é que essa situação reflete um processo de fragmentação das lutas sociais em movimentos de diversas identidades, o que vem a ser uma orientação incentivada pelos organismos internacionais de financiamento e também de influência nas políticas públicas, como forma de neutralizar as lutas de cunho radical e classista. E que, atualmente, tem encontrado legitimidade ideológica dentro dos muros das universidades.
Não é excluindo e combatendo os homens que se pode superar aquelas diferenças construídas historicamente. Os desafios de pensar as lutas sociais passam, necessariamente, por encontrar formas organizativas e maneiras de problematizar e trabalhar com a participação de homens e mulheres num mesmo espaço, estabelecendo relações de igualdade.
Referência
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis. Vozes, 1979.
As 5ª, 6ª e 7ª ilustrações, juntamente com a imagem de destaque, são de autoria de Mary Beth Edelson .
Bom texto! Uma questão que ficou apenas implícita, e talvez compense pensarmos, é que certo feminismo se manifesta como um machismo às avessas, ou um machismo feito por mulheres contra os homens, que tem por consequência a reprodução das relações hierárquicas e excludentes, e que entre outras coisas acabam prejudicando qualquer unificação das lutas “específicas”. Há quem defenda que tal forma de curvar a vara pro extremo oposto traria consequencias societais positivas, tal como a presença de mais negros ou indígenas nas faculdades traria. Eu vejo mais como uma espécie de revanchismo que só traz prejuízos pra “luta feminina”, já que leva a legitimar as relações de domínio pela via do “manda quem pode”. Aliás o texto me fez lembrar um facto que me aconteceu num debate sobre “a questão negra” em que o sujeito reprovou minha intervenção pelo fato de minha pele não ser negra e que “portanto” eu não sabia do que estava falando. Não é difícil imaginar esse caso ocorrendo também com respeito à “causa gay”, etc. O filósofo Mészáros defende uma posição interessante (e me parece que é muito próxima à posição do texto) quanto às “causas específicas”: que as políticas de esquerda devem centralizar as questões na busca comum pela “democracia substantiva”. Me parece uma boa chave.
Olá, boa noite, pessoal!!
Não estou inserida em nenhum movimento social específico, tampouco em coletivos feministas-femininos. Entretanto, participo do vasto conjunto de tentativas de compreender estas questões… e achei q devia contribuir para o debate…
Entendo que esta seja vossa opinião, claro. E considero válida a reflexão. Afinal, como mtos movimentos sociais, os movimentos e organizações de mulheres tem suas contradições. Aliás, as críticas que envolvem os movimentos feministas me lembram muito as críticas feitas aos movimentos negros…
Concordo com a defesa da união, da luta anticapitalista que deve ser mais ampla e contemplar estas questões. Tbm acho que no interior dos movimentos sociais deve haver este debate de forma compartilhada entre homens e mulheres sim!
Mas acho que vale ponderar alguns pontos… e, neste caso, trata-se da minha opinião também. Não sou profunda conhecedora do assunto, já adianto…
Em primeiro lugar, não vejo a criação de espaços exclusivamente femininos como que a favor desta desigualdade ou de um distanciamento entre homens e mulheres…
(Vale lembrar, é claro, que os movimentos feministas são bem diversos entre si, possuem pautas diferentes e formas de atuação diferentes!)
Mas grosso modo, penso que o que está em jogo é a luta contra a desigualdade de poder entre homens e mulheres…. relação na qual são os homens sim que exercem o poder, e são as mulheres sim que são vítimas de opressão.
Numa sociedade machista, numa sociedade que fortalece a todo momento uma cultura que oprime as mulheres, é importante sim que nós mulheres tenhamos espaços onde podemos ficar a vontade, onde nos sentimos livres para colocar nossas opiniões – espaços que servem para o auto conhecimento e para o reconhecimento (o q acho mais importante!!!).
Este ponto eu vejo que diverge de vossa opinião. O que eu quero dizer é que o movimento feminista (e aqui tento generalizar mesmo)deve se pautar justamente nessa desigualdade de poder, e para isso é preciso que as mulheres se reconheçam nesse bololô todo (sabem aquela história de se reconhecer como sujeito político? da tal consciência para a prática política?? então…mais ou menos parecido com isso…)
E não é a mesma coisa de ser contra homens, nem mesmo promover sua exclusão de tais debates.
Uma coisa não exclui a outra. Não acho (e não quero acreditar) que espaços exclusivamente femininos existam por acreditarem que suas demandas não são atendidas pelos homens (como vcs colocaram parece algum tipo de ressentimento… e acho que isso despolitiza a questão) e também não acho que isso exclui a defesa pela participação ativa das mulheres em movimentos sociais mistos… Não são questões antagônicas, entendem???
É preciso reconhecer que existe uma desigualdade de poder, e é preciso que as mulheres o façam! (e os homens precisam reconhecer isso tbm, para que as mulheres possam se reunir em paz).
Não para inverter a lógica de opressão, não para inverter os papéis de quem exerce o poder sobre o outro. Mas para combater essa desigualdade. Uma luta que está presente na nossa prática cotidiana de não reproduzir os valores aos quais somos contra.
Aí sim, quem sabe, conseguimos falar de igualdade.
“Não enxergamos o escracho inserido nesse contexto como uma forma pedagógica possível de ser empregue na superação da dicotomia entre homens e mulheres nem aplicável ao contexto dos movimentos sociais que intentam acabar com a exploração, com os vários tipos de dominação e opressão.(…)”
E como ação direta, é possível validar assim o escracho? Vejam bem, me parece cômodo à nós, homens, não gostarmos e escrevermos linhas e linhas sobre o quão inválido pode ser um escracho. Mas falta a reflexão de que resta outra opção, quando o individuo agressor escolhe não falar, escolhe não participar de discussões posteriores e não responder à vítima uma linha sobre o que ele fez? Ou, quando fala, expõe uma versão totalmente esdrúxula se eximindo de toda culpa? E ainda, quando o indivíduo após tudo isso, deseja continuar participando dos mesmos espaços que a vítima?
Achei o texto de certa forma desrespeitoso por praticamente ocultar que a sociedade é machista, que foi construída em bases patriarcais e que isso, nós querendo ou não, gera privilégios aos homens; privilégios que incluem o de não quererem “sofrer” com uma ação direta que as mulheres lhes façam? Acho que devemos prestar atenção à esse ponto e se formos dignos, sabermos responder, pois sinceramente, nunca fiquei sabendo de um escracho realizado em que o agressor não teve o direito de conversa prévia sobre o fato. Essa ação se faz como ultimo recurso, não como prática corriqueira e “normal”. Tanto é isso, pois também não se deve esquecer que um escracho fere também a vítima na sua exposição.
“Unámonos al grito: ‘Abajo los estafadores!’. Descubramos que nos hicieran creer que nos hacían independientes porque ellos dependían de que nosotros dependiésemos de la dependencia de las mujeres.” JOSEP VINCENT MARQUES – Un Manifiesto Frustrado a los Varones.
Quando falamos em luta pela desigualdade do poder, creio que devemos deixar as coisas mais claras…
De que PODER estamos falando?
1 – Poder econômico? Aqui teríamos que discutir o processo de integração da mulher no mercado de trabalho. Discutir o ritmo desigual em que isso historicamente ocorreu. As desvantagens salarias que esse “atraso” histórico acarreta para as mulheres bem ou mal sucedidas no mercado de trabalho. Também teríamos que discutir as profissões (o exemplo mais claro talvez seja o da empregada doméstica. Profissão majoritariamente exercida por mulheres, em que a trabalhadora fica exposta aos mandos e desmandos do patrão/patroa).
2 – Poder político. É preciso falar sobre a integração da mulher nos assuntos do Estado e da Sociedade Civil. Direito de participar do sufrágio universal, por exemplo.Por que, por exemplo, numa sociedade como a da Revolução Francesa, o voto feminino não foi aprovado? E, por que numa sociedade como a da Social Democracia do século XIX, isso já aparece como pauta (lembrem-se do libro de A. Bebel)? Por ironia da história, o voto feminino num país de origem colonial e patriarcalista como o Brasil (1932) se deu antes da França, país da Grande Revolução (1945).
3 – Poder imaterial (na falta de uma palavra melhor) Podemos falar de um poder muito mais sutil, entranhado na nossa história patriarcal, nas doutrinas e comportamentos religiosos, ou então, de uma sociabilidade que ficou na ordem do “impensado”. Aqui, se quisermos superar o problema, temos que identificá-lo e demonstrá-lo como ele historicamente aparece a ponto de se tornar um problema irrefletido. De nada nos serve tratar esse problema como um A PRIORI.
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Todos essas questões estão embaralhadas. O momento histórico complica a questão. Por exemplo, pensemos nos poderes estatais. Hoje temos Ângela Merkel chefiando a grande potência da Europa. Temos duas mulheres chefiando as maiores economias da América do Sul. Pensemos nos organismos internacionais, uma mulher comandando o FMI, depois de um escândalo sexual do Strauss-Kahn. Pensemos que quem preside a grande transnacional brasileira é uma mulher: Maria das Graças Foster.
Pensemos que o grande grupo midiático e internacional feminista fez uma homenagem a Margareth Thatcher (Diz o cartaz delas: Lute! Homenagem da Femen Brazil a Thatcher). Esqueceram de dizer que a Thatcher lutou contra os direitos trabalhistas e todas as conquistas do Estado de Bem Estar. O nome da lider fictício da lider desse grupo é Sarah WInter, ou seja, ela escolheu o nome de uma nazista membro do British Union of Fascists.
O problema de classe me parece central para explicar tudo isso…
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Passapalavra, parabéns pelo texto. Em momentos de miséria do pensamento, em momentos de perseguições policialescas, um texto que coloque o problema de forma séria e sem rebaixar as pautas específicas da militância em torno do problema de gênero é muito bem vindo! Principalmente quando trás exemplos de lutas concretas de movimentos sociais anticapitalistas.
O coletivo do Passa Palavra é composto por pessoas de ambos os sexos e este artigo foi escrito conjuntamente por mulheres e homens.
Primeiramente, para mim, o texto parece que se perde na medida em que considera – se é que entendi corretamente – que o machismo teria seu fim concomitante ao colapso do capitalismo e que, portanto, a luta das mulheres deveria ser A MESMA dos homens. Seria lindo… se ambos tivessem a mesma origem. A meu ver, entretanto, o primeiro, ainda que seja sistematicamente reforçado pelo segundo, tem uma existência anterior. O capitalismo precisa ainda do machismo, o contrário não é verdade. As questões de classe e de gênero, embora se toquem, não são a mesma.
Segundo: A luta das mulheres deve ser separada – em um primeiro momento – porque, como expus, é de outra natureza, mas principalmente porque é a mulher que sente a opressão hegemônica da lógica machista. Não está na pauta dos homens acabar com a opressão por eles exercida, seja de forma não intencional, seja violenta/apaixonada. Neste sentido – e somente neste -, o escracho TEM SIM um papel pedagógico de mostrar o que as mulheres abdicarão de suportar.
Há de se pensar outras ações que tenham como fim expôr e discutir as atitudes machistas, neste ponto, concordo.
Compañerxs,
Primeiro parabenizar ao coletivo PP pelo visível esforço de diálogo. Vamo que vamo!
Bom, nao sei bem o tipo de leitor(a) que queriam para esse texto, não sei se era um diálogo com todo mundo ou um diálogo com feministas… mas vendo que pensam algumas coisas (não todas) parecidas a mim, comento. Tamo de acordo com a participação das mulheres nas lutas sociais mais amplas. Nisso, tamo juntxs. Agora, acho uma peninha vcs qualificarem de “exclusão” o que eu qualificaria de “separatismo”. Uma coisa não tem nada a ver com outra. Inclusive, isso tem uma trajetória bastante importante na “esquerda”, quem não se lembra dxs Panteras Negras? E seu conceito de quem vai ser o sujeitx da luta e “xs aliadxs”? Mas nesse ponto o comentário anterior da Pat é bastante claro. Interessante o exemplo das mulheres da Via Campesina. Mas como galera autônoma, devemos dar uma olhadinha no “manual da via campesina contra a violência em relação as mulheres”. É muito interessante esse manual, incluso serve pra ser usado em outras latitudes geográficas que estão em outros momentos da luta por práticas feministas em movimentos sociais. Mas nesse manual dá pra ver direitinho alguns dos limites das propostas da via campesina (MST incluído). Convido vcs a buscá-lo na interneutica. Mas pra adiantar um ponto: a luta da via campesina é por “políticas públicas” e a nossa luta aqui autônoma não é por isso. Aí dá pra pensar porque na verdade a autonomia é a utopia pra construir o aqui e o agora! Essa é uma tarefa nossa, de ter claridades políticas pra gente ir avançando na nossa formação e num trabalho bem concreto de associação das propostas autônomas com os movimentos sociais. Fica aqui o convite pra dar uma olhada com esse outro angulo -o foco é outro-, com certeza vamo encontrar gente autônoma e gente muito valiosa dos outros movimentos sociais que tão pensando essas coisas. Até lá, só diria que se o Che Guevara fosse vivo ele com certeza seria autônomo e feminista!
Fitz, não entendi bem o que você quis dizer com “não está na pauta dos homens acabar com a opressão por eles exercida”. Existe um “partido dos homens”, por acaso? Qual é a pauta “dos homens”? Onde se reúnem, como se organizam?
É engraçado pois faz entrever os riscos potenciais de organizações exclusivamente feministas que ao se entenderem como grupo autônomo e antagônico “Mulheres” concebem suas pautas próprias e tudo o mais, pois podem acabar incorrendo na idéia de que existem então grupos autônomos e antagônicos “Homens”, que também bolam suas pautas internas, secretamente conspirando contra as mulheres por milênios.
Que fique claro: em nenhum momento, no texto e nos comentários até o momento, alguém defende a proibição de reuniões de mulheres, assim como os companheiros podem muito bem se juntar entre homens para debater temas de homens sem que as mulheres achem que isso seja uma conspiração. Creio que o foco está mais nas idéias que animam e nos potenciais que cada tipo de organização feminista trás.
Acho que existem alguns problemas bem sérios a colocar.
1- Espaços para que as mulheres se encontrem e se sintam a vontade para discutir suas questões e articular ações para que suas demandas sejam atendidas são otimas formas para resolver N problemas que surgem, mas esses espaços não podem ser centros em que decisões são tomadas e levadas em bloco para dentro de uma organização. Principalmente se essas decisões não forem acordo entre todas as companheiras, coisa que acontece muitas vezes, e as discordantes, em geral, são tiradas de machistas e excluidas dos ambiêntes informais de socialização (festas, bares, etc). Em, geral o que vejo é que a mulher NUNCA pode ser sujeito de sua autonômia, nem que seja outra mulher que diga o que ela tem que fazer.
2- Não existe espaço para a re-educação dos homens no movimento, e qualquer tentativa de falar disso é execrada. Todos, veja bem, TODOS somos machistas, homens e mulheres, mas quem exerce opressão são os homens e pelo o que eu entendendo para deixar de fazer isso esse ser humano tem que passar por uma reformatação psico-somatica para exercer, com o passar do tempo, menos e menos opressão para com as companheiras. E sempre vem com aquela conversa: MAs existe o jogo de futebol ou o bar para os homens conversarem sobre as suas questões. A resposta é não. Pq 1- em um jogo de futebol mto raramente uma conversa de genero vai aparecer (ja com a opressão de genero é outra história) e 2- no meu caso, em geral saio para beber com homens e mulheres então acho que n é esse o espaço certo. As pessoas tem que ir se encontrar para debater exatamente isso, levando suas questões pessoais, textos, filmes etc
3- Questões de genero são colocadas qdo o debate é outro. Inumeras vezes companheiros são acusados de machistas por discordarem de uma companheira. E pasmem, existem mulheres que também discordam, da msm forma. Não é a violência machista que ta fazendo o cara discordar da moça, são pontos de vista diferentes. Mtas vezes, o carimbo de machista é usado para passar por cima de algum debate, sabe aquele desejo louco de ganhar, então as vezes as pessoas jogam baixo, acontece também no movimento autonomo. todos e todas queremos viver em um mundo onde se possa discordar, e discordar é bom.
4- Concordo com a pat, tem que existir um espaço para a mulher se conhecer e ter um processo de empoderamento, mas também precisamos de um espaço onde as questões dos dois lados sejam colocadas, uma mistica, dinâmica, sei lá. Sei que as formas como a gente controi os debates são teoricas de mais, e não contribuim para as pessoas se repensarem. A questão do machismo é anterior ao capitalismo e qdo tocamos nisso ficamos mto abalados e sentimentos muito profundos eclodem, não é no espaço de militância que isso tem que vir e sim em um espaço terapeutico. No espaço político tem que surgir estretégias para que a questão seja pautada na sociedade de forma eficiênte e infelizmente o que eu vejo é uma terapia coletiva no meio de reunião de grupos e francamente isso afasta as pessoas, as reuniões não vão pra frente e as pessoas começam a brigar umas com as outras.
5- Estou falando isso pq uma companheira me disse: Não da pra ficar vitimizando as pessoas, todas as mulheres sofrem violência não tem uma que não tenha sofrido. Em todos os conflitos qdo mulheres assumem uma postura de querer conversar, ou só entender melhor o que aconteceu, são taxadas de machistas e excluidas, é como se não sofressem na pele, como qualquer outra mulher, violência sitemática. No limite, o que acontece quando um caso de machismo rola dentro do movimento é uma crise entre as mulheres que discordam sobre o que fazer e soma-se a isso a opinião dos homens que também pensam no que deve ser feito nos casos de agressão e é ai que a discordia mora, pq para vencer o debate fica MTO, mas MTO mais facil, chamar a pessoa de machista e condenar essa msm pessoa por suas relações pessoais.
6- escracho não funciona. O camarada ai que tomou um escracho famoso continua seguindo a sua vida, não se retratou e segue frequentando os espaços, a sobrevivente não frequenta mais alguns espaço pq o cara ainda ta lá. Os partidos usaram o ocorrido para atacar o passe livre que tinha destaque na luta contra o aumento de 2011. Alias, falaram nos comentários como se os grupos que articulassem os escrachos estivessem dispotos ao diálogo, e eles não estão. Nunca debatem, nem com as mulheres, partem sempre para a tática do ” se vc discorda de mim vc é machista” ou “vc vai pagar por suas opiniões dentro do movimento feministas” Isso é exigir/controlar comportamento pela via do medo e não tem outro nome pra isso a não ser fascismo.
7- mulheres também batem, tem vários casos e o que vc escuta por parte das pessoas qdo a coisa é relata é: ele mereceu ou isso não tem nda haver. Seguido de risos. Além do mais existe casos de violência machista de mulhres contra mulheres (sim, existem!) e esse são os que menos são falados. Por ex quando alguma companheira quer impedir outra de ficar com alguem e usa de violência simbolica. Ou casos de notorias feministas chamando alguma companheira de “vadia ou vagadunda”… tem aos montes, mas assumir contradição ninguem quer né?
Penso que devemos contruir uma terapeutica para que os companheiros possam se reformatar e parar de praticar esse tipo de ação estupida que a sociedade nos condicionou a fazer. Mas preciso deixar bem claro que eu duvido muito que isso aconteça dado as formas policiais que o feminismo burguês univesitário leitinho com pera tem tomado ao mesmo tempo que exige virilidade de inumeras formas dos mesmos homens que atacam. As mulheres tem que ser protagonistas de suas lutas e pautas, se organizarem para tal é fundamental, se as mulheres não tiverem seu espaço dentro a superação das contradições de gênero nunca ocorrerá, mas essa superação começa por uma re-educação geral, e isso não vai acontecer até o momento em que essa questão seja tão importante quanto a questão da denuncia da agressão que sempre deve ser feita.
Termino com uma frase de uma companheira:
“estou em luta contra o machismo, não vou deixar nenhum homem ou mulher me falar como devo agir, se sou sujeito de minha autonomia e do meu corpo, que respeitem o que eu penso e o que eu faço, mantenho relações politicas, pessoais e sexuais com quem quizer.”
Compañerx Cris,
utilizo o seu comentário pra pensar uma coisa: x capitalista pode falar que xs operárixs tëm a liberdade de se reunir, nao é mesmo? E a gente pode falar: quando é que xs capitalistas proibiram reuniao de operárixs? A absurda situacao pressupoe “liberdade” sendo que o que existe é LUTA DE CLASSES. E ao falar que xs homens tëm a “liberdade” de se reunir como também as mulheres, nós esquecemos que existe a LUTA DO PATRIARCADO. Agora, que a luta do patriarcado nao esteja de “moda” nao anula a sua existencia, né? Axé!
Curiosamente o artigo que defende a superação das divisões estabelece uma divisão entre “boas” e “más” feministas.
…curioso tb que o artigo critica o separativo sem conhecer seus fundamentos filosóficos y políticos, descarta apriori a legitimidade de espaços proprios de mulheres sem nunca chegar a entender a necessidade desses espaços…nem como possibilidades paralelas, ou seja, que um grupo de mulheres tenha espaços proprios e otros mixtos/compartilhados, mas pra mim o que me deixa latente em um artigo como esse é a necessidade de espaços separados, se atualiza com essas linhas…por essa dificuldade de entender ou de legitima-lxs, apesar de que nao seja novo o assunto, que espaços de mulheres, sim, exclusivo, ameaçam a hegemonia masculina, sempre querem entrar, invadir… incomoda, né? alías, convido a todxs a pensar na relaçao entre estupro e a leslegitimaçao de espaços proprios ou que pelo se perguntem “por que incomoda tanto?”, “por que me sinto ameaçado”? uma relaçao proporcional: lesgetimaçao e urgencia, enquanto incomodar, serao necessarios! talvez chegue um momento que os tais companheiros façam seu trabalho de des-masculinizaçao, que é muito diferente de usar um discurso politicamente correto de genero ein, e possam legitimar os espaços feministas proprios, como alguns poucos companheiros o fazem, talvez nesse momento histórico, esses espaços deixem de ser necessarios…mas vejo nesse artigo que estamos muito longe disso ainda! que viva o separatismo! e confesso que fico feliz em perceber que seus sexismos discretos, micro machismos fantasiados de igualdade de genero, se afetam tanto com a existencia de espaços proprios, nao passarao!
Interessante apenas pelo ponto de vista que demonstra claramente como se dá a opressão: aquele que tira vantagem dela, critica qualquer movimento contra a mesma, e se diz vitimado, com medo de uma possível “revanche”. Não percebem que o discurso que adotam é o mesmo do que aqueles que sempre têm tido o capital: medo de que as mulheres consigam igualdade, medo da organização delas, medo de não poder mais explorá-las enquanto escravas, mães e objetos sexuais… Medo de sua organização sozinha, medo de quem tenham sua própria voz sem depender da sua. O machismo arraigado aí é enorme… Só que lembrem-se: toda relação de opressão teve início com a relação de opressão homem x mulher. O feminismo é a maior e a última revolução, a única capaz de derrubar todas as outras opressões. Agora analisem bem o discurso e o mimimi, que para mim, enquanto mulher, se assemelha às reclamações infundadas dos detentores de capital, dos exploradores, dos banqueiros, dos negacionistas do racismo, dos homofóbicos… cria-se uma falsa “perseguição” contra um opressor, como se existisse “sexismo reverso”. É pura desonestidade intelectual para manter privilégios e continuar oprimindo.
Repetimos que o coletivo do Passa Palavra é composto por pessoas de ambos os sexos e que este artigo foi escrito conjuntamente por mulheres e homens.
Galera, o capitalismo é um sistema. Nao precisa ser capitalista pra “pensar” como capitalista, tem muitx operárix aí sem consciencia de classe. Com o patriarcado é o mesmo, nao precisa ser “homem” pra pensar como tal, tem muita mulher “patriarca” por aí, assim que um artigo escrito por mulheres e homens nao significa que nao seja um artigo patriarcal
Paula escreveu: “O feminismo é a maior e a última revolução, a única capaz de derrubar todas as outras opressões”.
Legal, o feminismo então, seja lá o que isso signifique, vai acabar com o racismo e o capitalismo por exemplo.
E as feministas brasileiras do Femem, que são explicitamente de direita e apoiam o capitalismo quando naão o nazismo, como fica? Elas não fazem parte do feminismo então?
Bem, nem deveria estar gastando tempo argumentando contra uma afirmação tão irracional (que inclusive já antecipa toda a história da humanidade).
Bem, pelo jeito então ainda está para surgir o feminismo, já que ainda vivemos num mundo cheio de opressões.
Outra comentarista afirmou que: “O capitalismo precisa ainda do machismo, o contrário não é verdade”.
Um não precisa do outro necessariamente para existir. Achar que o capitalismo “precisa” do machismo é apenas uma forma fácil de tentar racionalizar um engajamento “feminista” como se ele fosse automaticamente e necessariamente “anticapitalista”. Qual o nexo de necessidade entre capitalismo e machismo? Por que a exploração do homem pelo homem está necessariamente vinculada a uma desigualdade de poder de gênero? Por que então o avanço histórico dos direitos e liberdades das mulheres nunca significou nenhuma crise ou abalo à exploração do homem pelo homem? O que essa diferenciação de gênero tem a ver com a propriedade privada dos meios de produção?
Da mesma forma, o fim do capitalismo evidentemente não significa o fim de todas as opressões. Enfim, essas são banalidades que nem deveria escrever.
A questão que o texto levanta me parece simples de ser compreendida: Como devem ser articuladas, em termos de espaços e momentos, as lutas contra todas as formas de desigualdade e opressão para aqueles que querem acabar com todas as formas de desigualdade e opressão?
Camila,
a luta de classes tem por pressuposto uma relação dialética entre explorador e explorado. Um define o outro de maneira recíproca. Da proibição das reuniões classistas temos vários exemplos na história. No patriarcado atual felizmente não há uma tão proibição.
Eu pergunto: a relação homem-mulher é uma relação propriamente dialética? Para não ficar no diletantismo: o machismo é superado pela “revolução feminina”, ou pela revolução de homens e mulheres (e gays, e trans, e qualquer outro gênero que venha aparecer no futuro biotecnológico)?
Esse debate me faz pensar um pouco na igualdade das inteligências, na obra “O mestre ignorante”, de J. Rancière. Não seria a igualdade entre o homens e mulheres o produto de um ideal, uma força da razão conjunta de um coletivo, muito mais do que a constatação métrica dos corpos?
Alguns comentários parecem apontar para um escamoteamento da questão no texto e no debate, como se ele fosse um ocultamento de problemas sofridos por mulheres (essa opressão difusa e cotidiana, dificil de se debater em termos generalistas). Correm o risco de exigirem uma verborragia panfletária ao invés de colaborarem para o debate de idéias.
Logo, todo artigo que diz algo com que eu não concordo é patriarcal, e ponto final.
Sim, Léo, só o feminismo pode acabar com o racismo, homofobia, xenofobia e capitalismo e guerra. Porque estas são todas criações do patriarcalismo, todas estas opressões, sem exceção. Esta teoria não é minha, o próprio Marx havia observado que toda opressão se origina da opressão da mulher. Passar bem.
Detalhe: Femen não é feminista, não se diz feminista. O Femen é uma infiltração da extrema-direita na tentativa de tomar um movimento que é de fato revolucionário. Não confundir.
E quanto ao “o coletivo é composto de pessoas do mesmo sexo”, fica parecido com “eu tenho amigo negro e ele não se importou com a minha piada”. Irrelevante. O patriarcalismo é a origem de todas as opressões e o patriarcalismo é a lógica dominante do capitalismo. Enquanto não perceberem isso, fica impossível pensar em revolução.
ai essas jovens militantes… não sabem de nada mesmo!
ai essas feministas, só vem pra causar a descórdia!
gente, na boa, esse texto tá super ultrapassado.
Sinceramente? É a mesma ladainha de sempre. Homens “revolucionários” acusando as mulheres de atravancar a “revolução”.
A existência de grupos só de mulheres não exclui a existência de grupos mistos, mas é uma forma delas terem um espaço onde possam se sentir seguras para discutir os seus problemas enquanto classe. Não parece justo que os trabalhadores possam discutir, eles mesmos, os seus problemas e o que deve ser feito? Seria possível que eles discutissem sobre isso na presença dos patrões? Por que será que é tão difícil entender que uma mulher NÃO PODE discutir sobre a violência física e simbólica que sofre perante seu companheiro com ele próximo? As mulheres historicamente lidam com o problema da dificuldade de se reunirem enquanto classe porque desde que nascem estão em ambientes vigiados por seus opressores. A criação desses espaços só de mulheres é fundamental para sua autonomia.
Começou a reinar nestes comentários a mesma histeria que caracterizou os comentários de crítica à série de artigos MST S.A.. Nesses sobre o MST e as empresas houve poucos comentadores que adiantaram críticas fundamentadas. Não quero ser injusto, mas só me lembro de Felipe e Manoo e, mais recentemente, José Soares Melo. Agora sucede o mesmo com a questão do feminismo excludente. O mais engraçado é o argumento de que as mulheres precisam de se reunir sozinhas para se fortalecerem, quando esta incapacidade de enfrentarem os meios mistos da sociedade em geral é o sintoma mais cabal da fragilidade dessas pessoas. De resto, e como sempre sucede com as tentativas de transpor para o nível biológico fenómenos estritamente culturais, dança-se ora num pé ora no outro, conforme convenha. Os homens são machistas porque são biologicamente homens (argumento biológico), mas as mulheres que não concordem com o feminismo excludente são machistas pelo facto dessa discordância (argumento cultural). Este círculo vicioso é totalmente ilógico e a histeria da argumentação serve para tentar iludir a falta de lógica. Mas como o feminismo excludente só existe para a conquista de departamentos universitários e nos meios que circulam em redor das universidades, tudo somado é pouco e não merece talvez que se perca muito tempo.
Alguns comentários acima demonstram ser possível discordar de uma opinião sem para isto desqualificá-la ou rotulá-la. Ainda que não concordem com a opinião expressa no texto do Passa Palavra, seriam muito bem vindos comentários que tentassem refletir a simples questão apresentada nele, a saber, de que forma poderemos enfrentar o machismo sem cair na armadilha de transformar a bandeira feminista num combate entre mulheres e homens? Se os exemplos contidos no texto apresentam limites, e considerando que não existe uma única maneira de lutar para combater a discriminação de gênero, que outros exemplos conhecemos e podem ser citados como possibilidades para o enfrentamento da questão?
Abraços,
Ana,
acho que você tocou o ponto: os espaços próprios das mulheres é essencial para tratar de temas graves como violência física e simbólica entre as mulheres. Devem ser respeitados!
No entanto, acho que o texto aponta o erro de se tentar transformar este auto-cuidado do coletivo para uma célula sectarista de um coletivo maior.
Homens versus mulheres versus homens versus mulheres, até a náusea…
Concretamente, eis a questão: Quem são, a que classe social ‘pertencem’ e quais os escopos (intenções, desejos, visões de mundo, concepções programáticas e/ou opções táticas) dess*s mulhomens & homulheres que sentem medo, vão ao banheiro e – last but not least – passam palavra, aqui e alhures…
Companheirxs do Passa Palavra,
Por falar no outro texto sobre o MST. Lá vcs fizeram uma crítica ao MST. Agora utilizam o próprio MST (via Campesina) pra fazer uma crítica ao que vcs consideram “feminismo excluente”, sendo que o que vcs presumem como “feminismo incluente” são práticas políticas que as vezes a única demanda pra resolver o problema da violência em relação as mulheres é por políticas públicas. Isso pra um movimento autônomo é um tiro no pé, né? Vamo assumir a coisa. Sem sacanagem, pensem um pouco a lógica política do argumento. Assim a gente nao avança, inclusive as vezes fica muito mais fácil, nem sempre infelizmente, discutir com os companheiros do MST justamente pela sinceridade deles em pelo menos visibilizar os próprios privilégios como homens. Mas como sou uma otimista-cética espero que aproveitem a oportunidade pra se autocriticar aqui porque as críticas postadas anteriormente tão bem clarinhas. Fica aqui o convite pra autoreflexao. Fui!
Minas e manos,
outro dia tava na escola e minha colega disse que viu um colega nosso no rolê, todo arrumado, usando uma calça tipo-de-vovô, que ficou mó bonito e com a bunda empinada. Daí ela foi lá e passou a mão na bunda dele… ele parece que não gostou, olhou feio, mas não fez nada. Eu fiquei pensando comigo: se um menino fizesse isso comigo eu metia era mão na cara dele!
Mas o papo reto que quero mandar é o seguinte:
ouvi gente dizer que era solidária a Elize Matsunaga, aquela que matou o dono da Yoki, só porque é mulher…
outra, disse que a Margarete, aquela (da mão de ferro ou dama de ferro?) da Inglaterra, significou um avanço na luta das mulheres, pois comandou uma potência…
Mas sabe o que é mais importante pra mim é seguinte: quem são as minas que fortalecem o rolê daquelas que tentam ajudar as mulheres encarceradas das periferias? Quem colabora com a campanha de solidariedade, doando sabonetes, absorventes, produtos higiênicos, roupas íntimas pras detentas que são abandonadas pelos seus parceiros e familiares? Será que se os manos colassem também e representassem na ação, as minas íam dizer pra eles saírem fora, pra não somar na luta? quem são as minas que vão pro extremo da zona sul fortalecer os rolês da Rede contra os despejos e por escola e postinhos de saúde? Galera, pra mim é isso que é importante… porque eu acho absurdo ser solidária com a Elize e a Margarete e não ser solidária com as minas nas penitenciárias…colar junto nessas ações pra fortalecer, sabe como é? Daí, eu acho que quando chega junto nesses rolês, a gente pode discutir um monte de coisa, sobre discriminação de cor, sexo e tal…Tô fora de pagar de solidária só porque é mulher e pronto.
Camila,
Eu não considero equivocado ter tomado o exemplo da Via Campesina como um possível contraponto ao feminismo excludente, ainda que conscientes da existência de fortes contradições no interior de um dos maiores movimentos sociais do mundo; nem seria isto a invalidar a reflexão proposta pelo texto. Pelo contrário, estamos no campo da Esquerda, e precisamos conhecer e aprender com os nossos limites e nossas derrotas. E você levantou acertadamente um dos limites deste importante movimento, no que diz respeito ao tratamento da violência em seu interior. Mas isso é só um aspecto, teriam outros? Lá nos artigos sobre o MST especificamente, o Passa Palavra apontou outros aspectos. Mas, te pergunto, por que é limitada a forma como a Via Campesina lida com a violência, o MST não serviria de maneira alguma como referência para se pensar o enfrentamento da discriminação de gênero? Seria valiosa centrar nossa reflexão no problema apontado pelo texto…
Axé!
Paula,
que inconsequência tinha então Marx, pois em vez te fomentar as lutas dos trabalhadores ele deveria fomentar a luta das mulheres para se chegar ao comunismo.
Não responderei mais porque não vale a pena discutir quando está explícito um dogmatismo de tal nível. Dogmatismo de tal nível de dizer que o Femem não é ‘feminista’ e é apenas uma infiltração de direita.
A propósito, para se consequente com sua crença, não deveria importar para você de tal grupo feminista é de direita ou de esquerda, pois uma vez o feminismo sendo a revolução que acaba cm todas as opressões (inclusa a exploração do homem sobre o homem), o que importa é o feminismo, o combate à dominação masculina, não importando se se é de direita ou esquerda. Nesse sentido as feministas direitistas estariam fazendo um trabalho em direção ao comunismo, seguindo a conclusão lógica da sua crença. Já os trabalhadores machistas anticapitalistas estariam fortalecendo o capitalismo.
Apenas uma observação paralela:
Eu conheço e convivo com feministas há 15 anos e acho curioso que embora todo o discurso a respeito do patriarcado, do machismo, nunca as vi, nenhuma delas, tomarem os próprios pais, irmãos e namorados como alvo. Nunca ouvi falar de um escracho contra o próprio pai, contra o irmão, contra o namorado. E, claro, muitos pais destas feministas são machistas, o irmão é machista, em muitos casos o namorado. Mas eles nunca são tomados como alvo. Os namorados só o são quando viram ex.
Não entendo isso. Uma demonização dos homens, exceto os de casa. Uma luta contra o machismo, exceto o praticado pelos da família. E chegamos a um contexto em que todo mundo é machista, exceto o pai, o irmão e o namorado da feminista. Tem algo estranho nisso.
João Bernardo, entendeu perfeitamente: começou a HISTERIA.
Que bom que HISTERIA é um problema somente pra quem é machista e acha que manifestação de opiniões fortes por parte de mulheres (entendidas rasamente como pessoas com útero) precisa ser considerado uma doença psiquiátrica.
Adoro histéricas.
Ana,
embora filologicamente a palavra histeria tenha essa conotação destacada, mesmo em tempos de Freud ela não é considerada um quadro excludentemente feminino.
Acaso a histeria nos comentários sobre o MST foram feitos excludentemente por mulheres?
Não adianta forçar a barra do conceito, como algumas companheiras e companheiros tem feito com a noção de “classe” sendo aplicada para mulheres.
É salutar que tenhamos vozes discordantes femeninas a respeito deste texto, mas é melhor ainda quando a discordância é baseada em argumentos e não em dicotomias.
Muito bom ver o coletivo do Passa Palavra dedicar-se ao tema das lutas feministas e como o assunto provoca comentários. Como velha feminista (orgulhosamente histérica), hoje fora de grupos organizados, queria contribuir com algumas perguntas sobre aspectos que me parecem frágeis no texto: 1) A participação majoritária de mulheres em movimentos sociais como os de bairro não é novidade e há muita discussão acumulada sobre seus limites e potencialidades: que tal retomar o que já foi acumulado?; 2) O próprio movimento feminista vem se debatendo com a questão central do texto – grupos mistos ou não? – há décadas e tem também muita reflexão que poderia ajudar a avançar; 3) Que tal retomar a contribuição do movimento feminista no debate sobre a construção de coletivos e movimentos autônomos e no combate às hierarquias que penetram neles sem nem percebermos?; 4) Também haveria muita coisa a retomar sobre a articulação entre exploração de classe e opressão de gênero, a citação de Safitotti é insuficiente (no Brasil, pensemos em Beth Lobo, Helena Hirata entre tantas…); 5) Há muitos feminismos, o titulo foi infeliz. Nem todo grupo só de mulheres defende o escracho; 6) Finalmente, a parte sobre “Estudos Feministas” nas universidades não tem base na realidade brasileira, não temos departamentos nem cursos exclusivos para mulheres, nem mesmo sobre mulheres. Temos Estudos de Gênero, com professores de ambos os sexos e que se dedicam também aos estudos sobre masculinidades. Saudações revolucionárias!
Marilia Carvalho, existe sim, pelo menos um apesar de recente, curso sobre gênero, que também abarca a diversidade: https://www.ufba.br/cursos/estudos-de-genero-e-diversidade-bach
O curso é originado a partir do processo de expansão das universidades e dos acúmulos do NEIM, um órgão suplementar também da UFBA, algo menor que um instituto, porém bem mais amplo que um departamento: http://www.neim.ufba.br/site/
Não sou feminista, nem estudo gênero, e não conheço este acúmulo de discussões do qual fala Marília Carvalho, mas seria importante indicar onde encontrar tais debates que contribuam para nossa prática atual. Quero dizer, ser mulher, militante e não ser feminista poderia ser uma contradição em termos, se o termo não fosse tão ligado hoje à práticas políticas não populares, ao contrário, me parece abarcar um conjunto de práticas sectárias, lugar de disputas partidárias e uma luta desprendida da luta pela moradia, saúde, etc. No entanto, é justamente nestas lutas pelas condições materiais de vida, onde somos, de fato, a maioria mulheres, que sabemos que as formas de dominação contra nós não tem deixado de se renovar. No interior destes processos de organização que nos encontramos e falamos do aumento absurdo de mulheres espancadas, violentadas, estupradas, mortas, etc., entre nós, nos últimos tempos, e tentamos nos organizar contra isso também. O fato é que vivemos uma nova situação de violência na periferia, no interior da qual um certo tipo de patriarcalismo tem se manifestado de maneira mais cruel e rebaixada. Com isso, acho que o texto aponta para um antagonismo importante de nossa época: polariza entre duas formas de enfrentamento ao machismo, um que precisa dos homens para sair da situação, pois está inserido numa luta por melhores condições de vida, junto a eles; e a outra que enxerga o feminismo como algo que paira sobre a opressão geral (e as vezes até preside todas as outras), e atua sobre ele como se fosse uma luta extremamente radical, separada das outras lutas e dos homens.
Na primeira simplesmente não se poder fazer um ação como um escracho do agressor que vive em seu meio, e sabe-se que sem a presença e postura firmeza dos homens militantes, não vamos avançar. (Embora os espaços de encontros só de mulheres sejam importantes para falar da violência que sofremos).
O segundo, este, “feminismo-classe média” adora dizer, por exemplo, que uma luta de mulheres por creches na periferia é reformista, só por “políticas públicas” para mulheres. Enquanto escolhe no mercado as opções pedagógicas para educar seus filhos “democráticos”, “libertários”, etc., mas não vê que o significado da luta está na necessidade da imensa maioria das mulheres deixarem de serem as únicas cuidadoras das crianças para trabalharem e terem alguma autonomia financeira, poderem se organizar, lutar, etc. Também uma parte deste feminismo acha assistencialista fazer campanhas para arrecadar absorvente e levar nos presídios femininos, onde se usa miolo de pão para conter o sangramento da menstruação.
Acha tudo isso, e que o caminho é fazer escrachos contra os machistas: uma ação que não produz uma solução para a situação de opressão, mas faz uma exposição violenta e espetacular do agressor.
Com isso exclui os homens de sua classe, mas também se priva de olhar para a situação-limite das mulheres das quebradas. Vê o machismo “de cima” e apenas a partir de sua condição específica, de um jeito que nem consegue construir relações de solidariedade entre as mulheres, nem formas de luta que alterem as relações com os homens.
Isso não parece contribuir para acabar com o conservadorismo do nosso tempo. Antes, parece o alimentar e aprofundar a separação entre mulheres de classes distintas.
E o desafio de transformar a opressão em organização das mulheres na periferia só tem crescido…
(foi mal ter feito um comentário longo…)
Uma curiosidade: reivindicando a sua longa experiência militante, Marília Carvalho veio aqui para analisar o texto (em si?) e dizer o que deveria ter sido feito pelo coletivo do Passa Palavra…
Galera, se vamos dizer que o feminismo é classe média, temos que dizer também que a autonomia é bastante classe média também. A própria galera que frequenta esse blog. Se vamos pedir um feminismo popular, estou dentro total, mas também vamos pedir uma AUTONOMIA POPULAR também. É urgente nao só o feminismo trabalhar nas periferias, mas o próprio movimento autônomo. Vamos desemburguesar o feminismo e a autonomia também.
Antes de qualquer coisa, devo dizer que não sou a favor da exclusão de outras identidades na luta feminista, muito pelo contrário. Mas há uma diferença aí. Uma coisa é, dentro de um movimento anticapitalista, a luta em favor das mulheres ficar subalterna às estruturas do próprio movimento – estruturas pertencentes à lógica machista. Outra coisa é haver um movimento de mulheres no qual homens participem para discutir a questão das relações de poder entre gêneros e, a partir desta construção de um movimento igualitário, discutir-se o fim das relações capitalistas.
Percebe? Os movimentos devem mudar suas estruturas de poder primeiro. E os movimentos feministas devem ter importante papel nesta mudança.
Chris: quando disse que não está na pauta dos homens acabar com a opressão por eles exercida, posso ter feito um mau uso das palavras, se o fiz entender que há um “partido dos homens”. Quis dizer que os homens, enquanto detentores hegemônicos do poder político (a político, me refiro a todas as relações sociais), não querem – não porque odeiam as mulheres e fazem complôs contra elas, mas porque o machismo é tão naturalizado que não sabem reconhecer suas atitudes de hierarquia – e não vão lutar pela causa feminista por iniciativa própria. É neste sentido que afirmo que cabe às mulheres, indivíduos que sentem a opressão, fazer isso.
Leo Vinicius: o que têm a ver as questões de gênero com o capitalismo? Quando Marx discorre sobre o sistema, ele coloca em sua base a importância da produção como fundante para a criação da mais-valia, mas disso você já sabe. O interessante é que ele aborda como também fundante o papel da reprodução da força de trabalho. Esta reprodução se dá no ambiente da casa do operário, no qual ele se alimenta e descansa o necessário para retornar à sua função no dia seguinte. Acontece que quem é responsável por esta reprodução é a mulher, ainda hoje – ainda que haja exceções. O fato de a mulher exercer este trabalho não é nascente no capitalismo, mas o capitalismo se utiliza dele. Portanto, aí está a dependência que o capitalismo tem do machismo. Recomendo ler um artigo importantíssimo de Gayle Rubin, “O tráfico de mulheres: notas sobre a ‘economia política’ do sexo”.
A noção marxista de que as classes dominantes e exploradoras não podem renegar a sua condição de dominância e de exploração provém de uma análise no plano económico e social e não no plano biológico. Precisamente por isso os marxistas admitiram sempre que pessoas, indivudualmente consideradas, saídas das classes exploradoras podem renegar a sua origem de classe e adoptar os interesses da classe explorada. Aliás, este tem sido um dos factores mais importantes da história política. O mesmo se passou com o feminismo tradicional, decorrente do movimento operário, que reivindicava a igualdade de condições das mulheres e dos homens.
Pelo contrário, o feminismo recente, académico e circum-universitário, ao considerar que os homens são inerentemente autoritários, prossegue a sua argumentação num plano biológico e não social. Esta conversão dos sexos em quase-raças, para adoptar a feliz expressão de outro autor, leva a que este tipo de feminismo tenha afinidades com o pensamento eugenista da primeira metade do século passado.
Os ensaios de demonstração histórica de que teria existido uma constante de dominação masculina em todos os níveis da sociedade e em todos os modos de produção são desprovidos de uma base científica séria, por duas razões.
Em primeiro lugar, não existe documentação que permita analisar as relações de poder entre os sexos em muitas épocas e povos e em numerosas esferas sociais. Para me limitar à situação histórica que trabalhei mais profundamente e com mais detalhe, o regime senhorial europeu desde o século V até ao século XV, é praticamente impossível analisar as relações entre sexos nas estruturas familiares camponesas, tanto do campesinato independente como do campesinato servil. E é totalmente impossível — sempre relativamente àquela época — obter dados sobre os sistemas familiares e as relações entre os sexos na plebe urbana mais pobre, composta por mão-de-obra precária.
Em segundo lugar, mesmo na classe senhorial, para a qual existe abundante documentação, a posição das mulheres variava consideravelmente na mesma época de região para região. Basta considerar que em alguns casos a morte do chefe da família tinha como consequência que um dos filhos, geralmente o mais velho, assumisse o comando da família, enquanto noutros casos era a viúva quem assumia esse comando. As estruturas familiares e a posição relativa dos sexos eram muitíssimo mais complexas do que o feminismo biológico julga ou divulga.
É interessante também considerar outro exemplo. Para Balzac os conflitos entre os sexos eram o principal motor, embora não o único, da tensão dramática. Por isso, em La Comédie humaine ele renunciou a apresentar conflitos dramáticos no proletariado urbano mais miserável, onde a família não tinha limites rígidos e as mulheres gozavam de liberdade de actuação e de escolha. Estas diferenças não se observavam só em França. A situação das mulheres na família burguesa vitoriana e no proletariado vitoriano era muito diferente, se não oposta.
Finalmente, se a histeria já é grande nos comentários a este artigo — que, feitas as contas, me parece muito moderado nas suas afirmações — imagino o que sucederá se um dia o Passa Palavra se dispuser a analisar as relações de poder no inerior dos grupos feministas e dos departamentos universitários dedicados a essa questão.
Vamos embora dessa discusao companheiras e companheiros aliados? Nosso trabalho aqui já está feito. Nao vamos gastar energia política no momento em que a batalha já está ganha, deixemos eles mesmos se confrontando entre si. Saudações revolucionárias e feministas! Até a próxima. Nao passaram e nao passarao!
Querida Inês: não vim reivindicar nada, só tentei sugerir algumas coisas para continuar o debate, que me pareceu desconhecer a história da luta das mulheres no Brasil. Me referi, sim, ao texto como ponto de partida da conversa e, para não esticar demais o comentário, só formulei algumas questões. A ideia não era dizer o que ninguém deve ou não fazer.
Querido Dan: você tem razão, existem vários núcleos de estudos de gênero no Brasil: na Bahia, na UFSC, na USP, na UFRGS etc etc. Eu afirmei que não existem núcleos que excluem homens e nem que estudam só mulheres. Saudações a todxs!
A fala da Anita foi algo que me rondava a cabeça por esses dias após ler esse artigo. O feminismo acadêmico e de classe média impõe uma tipo de luta contra o machismo que pouco tem a ver com a realidade das mulheres e homens trabalhadores e da quebrada. Esses sujeitos que são extremamente explorados pelo capitalismo não podem se dar ao luxo de se excluírem das suas redes de sociabilidade tanto de casal como na comunidade, e essa solidariedade ocorre das formas que foram elencadas aqui, como o apoio à mulheres que tem seus familiares presos ou envolvidos com tráfico etc…e coisas mias sutis que certa classe nunca vai entender, como recorrer ao vizinho para o óleo ou café emprestado , afora a simples ajuda mútua que envolve desde angariar cesta básica para os necessitados até encher laje no fim de semana. As mulheres e seus maridos são responsáveis pela manutenção do aluguel e alimentação, a falta de um deles envolve passar por necessidades básicas e eles sabem disso muito bem.O que quero dizer enfim, é que me parece ser coerente trazer esses companheiros machistas para ajudar na luta e assim estabelecer uma relação nos espaços de luta onde ele terá que aprender a não oprimir sua companheira, encarar que no espaço público seu poder é igual ao da mulher e nesta prática aprender a reconhecer o devido direito e dignidade de suas companheiras. Pois ao menos o que entendi, é essa simples e importante prática que o artigo defende.
Sério que o texto afirma que a auto-organização feminista é vontade das mulheres garantirem espaço em departamentos de estudos de gênero??
Além do mais, se há violência dentro de um grupo misto, nada impede que seja feito um escracho E debates abertos. Uma coisa não está separada da outra.
Esse texto só mostra como nós, feministas, ainda precisamos conquistar muito espaço dentro dos movimentos mistos.
“Nos centros urbanos tem se ampliado a existência de grupos de jovens mulheres feministas. Elas se organizam através de coletivos, núcleos no interior das universidades, sites ou blogs. Escrevem textos, promovem encontros, organizam eventos, fazem atos denunciando o sexismo veiculado nas propagandas, realizam marchas pela diversidade sexual, pela ocupação de postos de poder, pela descriminalização do aborto, entre outros. Todas essas lutas são legítimas e necessárias na medida em que denunciam a captura de bandeiras históricas do movimento feminista pelo capitalismo atual, em favor da mercantilização do corpo das mulheres, do sexo e da subjetividade humana.” Lendo essa passagem do texto me recordei que na esquerda e na direita brasileira, e noutras esquerdas também, é comum vermos partidos, grupos de jovens mulheres feministas e grupos mistos denunciando a mercantilização dos corpos de crianças, jovens, homens, mulheres, transexuais, travestis, transgêros e etc., denunciando também a mercantilização do sexo praticados por crianças, jovens, homens, mulheres, transexuais, travestis, transgêros e etc., de forma a condenar todos os envolvidos, culparem o patriarcalismo e o machismo, conclamaram a sociedade a construir um amanhã livre dessas práticas, onde por exemplo uma nova moral irá afastar os homens do sexo por dinheiro. Deixemos as crianças de fora (estou radicalmente contra qualquer tipo de violência contra as crianças) já que normalmente quando elas estão envolvidas em casos concretos, nos dois exemplos que apontei -mercantilização do corpo e do sexo-, se trata de violência cometida e controlada por adultos, ou se trata de práticas contraladas por adultos (como a da venda da imagem dos corpos das crianças; coisa que muitos também classificam como violência contra a criança) e fiquemos com os adultos. Até hoje eu não encontrei adulto algum que vive da mercantilização do seu próprio corpo ou do sexo envolvidos em luta alguma pela erradicação destas práticas, e isso me chama muito a atenção. No máximo vi-os envolvidos em lutas por direitos humanos, civis e trabalhistas. Assim como também não se vê a mulher que lucra com a venda da imagem do corpo do próprio filho lutando pelo fim desta prática.
Fico pensando nos seguintes:
1- Por que será que isso tem acontecido tanto com as mães como com aqueles que vivem da mercantilização do corpo e do sexo?
2- Será que uma noção comum de que o lumpemproletário não está inserido no campo do trabalho produtivo, portando não pode ser ele sujeito privilegiado de nenhuma revolução, tem contribuído para afastar e até mesmo impossbilitar certa esquerda de se aproximar dos sujeitos que mercantilizam de diversas formas o corpo e o sexo, já que muitos os tomam como parte do lumpem?
3- Será que o futuro que parte da esquerda brasileira busca construir não faz sentido algum para estes sujeitos; futuros idealizados onde eles não terão lugar com estas práticas e por isso os mesmos não se fazem presentes ao lado desta esquerda? Sujeitos que buscam não darem tiros nos próprios pés? Sujeitos que não são consultados? Sujeitos para os quais se diz o que eles devem fazer na política, como devem viver, o que devem fazer para ganhar a vida, mas que de suas bocas quase nada ouvimos, de suas lutas sociais (se é que existem fora aquelas que já citei -direitos sociais, civis, trabalhistas) quase nada sabemos.
4- Será que é possível falarmos em feminismo moralista, portanto também excludente, seja ele classista ou não?
Não sou conhecedor de muitas lutas sociais. Estou apenas dividindo com vocês curiosidades, dúvidas e certezas. Tentando contribuir com o debate e me somar àqueles que dialogam tentando fazer o debate andar para a frente, se preocupam com a construção de novas relações sociais e gostam de ficar longe do feminismo excludente – tanto do que exclui homens como do que exclui mulheres, transexuais, travestis, trangênero e etc.
O comentário de Fernando Paz desencadeou-me uma série de associações de ideias e recordei-me de uma história que Margarete Buber-Neumann contou no livro em que comparou as suas experiências nos campos de concentração soviéticos e nazis. Uma das detidas no campo de concentração de Ravensbrück cometera qualquer violação disciplinar e os SS ordenaram que ela fosse castigada por outra detida, uma antiga prostituta de Berlim, especializada no sadomasoquismo, que havia sido reputada pela perícia no manejo do chicote. Mas ela recusou-se a chicotear a sua companheira de campo, dizendo que fora uma profissional e chicoteara com competência quem lhe pagava, mas não era uma torcionária. Submetida a sucessivos castigos para obedecer às ordens e recusando-se sempre, essa mulher acabou por morrer, sem nunca ter chicoteado a companheira. Se quiserem reflectir, é uma história que tem pano para mangas.
Fernando,
O que é mais importante no texto é que ele deixa claro que existe um feminismo popular, ligado às lutas do povo, ao lado de outro feminismo, de origem universitária, pró poder para mulheres de classe média e excludente. O feminismo universitário é o feminismo que forma promotoras, delegadas, secretárias, donas de ONG, ministras, chefes de departamento…enfim, é um feminismo de patroas, um projeto de poder distante da vida real das populares.
Nas quebradas existem muitas feministas orgânicas, gente sem formação universitária, mas que encaram tudo e todos e se impôem ante o meio misógino e segregacionista. Mas não escrevem sobre isso, não possuem páginas no face, não fazem mídia de si mesmas. Por isso, quando falamos de feminismo parece que só existem essas moças brancas de classe média, sustentadas pelo pais. É muito evidente que a possibilidade de ligação de umas com as outras é quase zero.
Um link interessante: http://www.ozildoalves.com.br/internas/read/?id=16056
É impressionante as voltas que o movimento libertário dá. Não há muito tempo fazia-se protestos contra o cárcere. Pelos comentários acima vemos que eles (elas, elxs,el@s, elis) mesmos implementaram o “vigiar e punir” (literatura básica desses grupos) dentro dos coletivos e querem estender isso aos movimentos sociais.
De todo modo, tenho muita concordância com o comentário de Anita.
José, onde está a falta de argumentos das pessoas que comentam?
Me desculpe, mas não deixam de ser argumentos aqueles não embasados pelos patriarcas da esquerda tradicional. Tanto existem outras teorias como existe argumentação extremamente válida que não se embasa em academicismo algum, e sim na luta diária.
Sabe, é engraçado, falam que o feminismo é coisa de classe média acadêmica e depois vêm desqualificar os comentários, dizendo que eles não têm argumentos válidos e que “alguém aplicou o conceito de classe de maneira errada”. Errada pra quem? Que conceito? (aliás, se queres teorias, existem textos de feministas que trabalham com “classe” dentro do feminismo, sim)
E tem outra, nunca vi nada mais dicotômico que esse texto. “Um feminismo que inclui e outro que exclui” não te parece demasiado maniqueísta?
E não, eu não acho que um grupo de redatores de classe média, que escreve para a classe média, fazendo análises sobre a classe baixa, embasados em teóricos marxistas e outros esquerdistas de academia possam apontar o dedo para o movimento feminista.
Que tal tentar superar o problema de classe? Se reclamam de falta de diálogo, que tal tentar abrir um diálogo sobre esse tema? Sinceramente, esse texto não abre diálogo algum, ele categoriza as feministas em boas e más, e alerta para o perigo das feministas que estão “do outro lado”. E, desculpa, mas nem original o texto foi, porque essa é uma estratégia antifeminista que tem pelo menos 4 décadas.
Se houvesse um concurso de epistemologia cómica, este comentário assinado por Ana ganharia decerto o primeiro lugar.
O rigor de pensamento é académico, e se é académico é mau. E a luta diária dispensa ou substitui o rigor de pensamento, o que é muito cómodo para as lutadoras diárias.
Um divisão biológica em mulheres e homens pode ser transmutada numa divisão social de classes, e de que maneira se opera este milagre? De uma maneira simples. Porque há feministas que raciocinam assim. Argumento mais cómodo não existe.
A adopção de uma dada posição sobre um assunto específico e a crítica a uma posição diferente sobre esse mesmo assunto é considerada dicotómica; e a dicotomia é assimilada ao maniqueísmo. E assim toda a vida quotidiana ficaria paralisada, porque é feita de opções que nos termos daquele comentário seriam maniqueístas. Aliás, essa feministíssima Ana deve ver-se em palpos de aranha para evitar a dicotomia maniqueísta de ser feminista e não patriarcal.
O facto de se basear em teorias não feministas retira a legitimidade a quaisquer críticas ao feminismo. E assim o feminismo só poderá ser legitimamente criticado pelo feminismo, ou seja, fica imune à crítica, o que é mais uma atitude muito confortável.
Mas comentários como os assinados por Ana têm uma lição séria, a de que o indefensável só pode ser defendido pela tautologia.
É claro que para Ana e congéneres o que acabei de escrever está errado por definição, porque foi escrito por um académico e por um homem, para mais eurocêntrico.
Sou militante do Levante Popular da Juventude e não acho correto, aliás extremamente anti-ético, vocês se basearam e ainda por cima PUBLICAREM um documento interno da organização. É no mínimo parcial (pobre, incompleto) fazer uma análise do feminismo da organização em cima de um planejamento inicial, de um documento voltado somente p/ aqueles que acompanharam a discussão ao vivo. Como conseguiram esse material, já que não foi publicado? Repito, isso não é ético e muito desrespeitoso!
Pensei em muitas coisas que apareceram no debate, mas me limitarei a comentar duas (e novamente de maneira extensa…).
Se a Raimunda não tivesse desistido do debate diria a ela que não se trata de “desemburguesar” um feminismo: o machismo de fato está em todo lugar e a luta contra ele deveria estar também, autodenominando-se ou não como feminismo. Trata aqui de uma discussão sobre as formas de luta das mulheres e da tendência destas lutas transformarem ou não as relações de gênero.
Para tanto, e este é o primeiro comentário, acho que o exemplo das lutas das mulheres da Via, em contraposição ao escracho, foi muito bom para o texto que está nos provocando estas reflexões. Isso porque naquelas ações produziu-se uma forma de luta de mulheres militantes em conjunto com homens, que carregava uma possibilidade de transformar as relações de gênero no interior de seu campo de luta. Quer dizer, diante de tarefas organizativas bastante ousadas, e que apenas excepcionalmente seriam tarefas femininas no interior de um movimento tradicional como o MST, elas não apenas fizeram uma ação direta cheia de consequências políticas, mexendo no bolso dos empresários. Também criaram a possibilidade de que essas ações se desdobrassem numa mudança de relações dentro de suas casas, em seus assentamentos e no próprio movimento, por colocarem-se em outra posição política. Não foram assim os desdobramentos, como o texto aponta, mas poderiam ter sido (e tiveram outros, como também está no texto…).
Mas este exemplo me parece uma boa fonte de reflexão sobre o desenvolvimento de formas de lutas das mulheres de movimentos populares. Como disse a Jenifer, talvez enquanto a gente vá lutando juntas contra a opressão capitalista nas periferias, vamos nos fortalecendo e desenvolvendo meios de lutar também contra o machismo. Oxalá a gente consiga que seja assim.
Mas para continuar o debate sobre a distância de práticas políticas entre as classes, queria fazer o segundo comentário, com mais um exemplo conservador e de falta de uma solidariedade entre mulheres (e talvez, de longe, toque no exemplo que deu João Bernardo, sobre as mulheres igualmente submetidas à violência num campo de concentração, exceto pelo fato daquela prostituta escolher a resistência e a não participar da agressão).
No ano passado entrei em contato com algumas organizações feministas porque precisávamos de orientações porque uma companheira que sofreu um estupro. Em algumas delas, conversando com as militantes, fomos novamente violentadas: não recebemos quase nenhuma orientação que não estivesse nas cartilhas, mas recebíamos sermões. Elas se importavam muito que fizéssemos o boletim de ocorrência e diziam que era importante que o caso entrasse nas estatísticas, que o agressor fosse enquadrado na lei Maria da Penha! Mas ninguém perguntou em que condições ela estava, se havia risco em fazer a denúncia, qual era a necessidade de proteger-se, se ela tinha para onde ir para não conviver com o agressor, ou se tínhamos conseguido fazer os exames de saúde, etc. Apesar de umas delas fazer questão de dizer que também tinha passado por agressões, os contatos foram absolutamente impessoais e nada acolhedores, e o fato de também se apresentar como vítima, parecia ser apenas para legitimar um procedimento padrão, mas não para provocar uma identificação. Enfim, digo tudo isso porque me parece que teríamos que ter ao menos uma rede de solidariedade (existe?), onde não importasse tanto as normas institucionais, legais, punitivas – e, diga-se de passagem, burguesas. E muito menos o preconceito. Sim, o preconceito, pois o fato de não poder oficializar a denúncia, fazia com que rondasse a dúvida de que ela teria se oferecido ao agressor, sabe? como fazem as mulheres pretas e pobres… Pois é. Certamente tivemos muito azar em nossa busca, mas é um exemplo tenebroso da incapacidade de ter uma prática política que vá além do umbigo e de sei lá quais outros interesses. Mas que está longe de mobilizar quem as busca para alguma forma de participação na luta contra o machismo. E tudo isso vindo de quem, justamente, tem alguma margem de escolha de não lutar somente para sobreviver (embora aquilo fosse uma militância profissional…). Mas, de todo modo, vinda de quem pode optar por apenas reproduzir a violência dominante ou se posicionar contra ela, a começar por não coisificar uma outra mulher, como mais um número da desgraceira a que estamos submetidas.
Novamente tentando mandar essa mensagem. É muito grave o comentário da Nicole, e mais grave e antiético ainda se for verdade. Por favor respondam ao e-mail dela.
Em resposta aos comentários de Nicole e de Luís temos a dizer o seguinte:
Uma das formas como o stalinismo se consolidou foi restringindo a discussão da estratégia ao interior dos partidos e, dentro deles, ao interior dos organismos dirigentes. Deste modo as vanguardas se tornaram independentes da classe e os dirigentes se converteram em burocratas e novos exploradores. Faremos tudo o que nos for possível para lutar contra este tipo de processos. As questões tácticas devem permanecer secretas e reservadas, por motivos de proteção óbvios. Mas a discussão das questões estratégicas deve ser levada a público, mesmo — ou sobretudo — quando isto incomoda. É o que fizemos em vários casos e continuaremos a fazer. As organizações não são proprietárias das lutas e tornar pública a discussão das estratégias é uma das formas de combater a burocratização.
Neste caso, salientamos que foi considerada “antiética” a publicação de um documento interno que demonstra uma manobra, mas sem que a manobra tivesse sido considerada antiética.
Coletivo do Passa Palavra.
nossa, vocês são sem noção! comparar ao stalinismo… fuchicar num documento interno e dizer que isso significa que a luta nao tem proprietarios. Concordo com nicole e luis, isso realmente é anti-ético, assumam e não usem de argumentos idiotas.
Isso que dá ser um grupinho de academicos, em que a atuação é escrever num blog… dá nisso: opiniões equivocadas de fora, sem uma prática coerente e ainda acham que estão fazendo o certo, “abrindo os olhos” dessas organizações, contribuindo p/ que o stalinismo e a burocratização nao aconteça… por favor!
obs.: espero que publiquem esse comentário, caso contrário, estarao sendo incoerentes com sua prática não stalinista.
Também concordo com o pedro. E publiquem isso. era só assumir que tinham cagado e pronto. Nossa, stalinismo libertário ou sectarismo libertário como preferir.
No ponto para onde derivou o debate, convém lembrar as leitoras e os leitores de que este é um artigo sobre o feminismo, em que se critica aquele tipo de feminismo que leva o biológico a prevalecer sobre o social. No decurso do raciocínio é citado um documento interno de uma organização política, a Consulta Popular, como exemplo de um caso em que o feminismo é usado como porta de entrada para a organização. Quando alguns membros da Consulta Popular se aperceberam de que o Passa Palavra divulgara um texto que eles pretendiam que permanecesse confidencial, reclamaram e fizeram um alarido. É compreensível. O proverbial gato não gosta de ter a cauda à mostra, sobretudo quando ela é posta de fora por outros. Ora, o colectivo do Passa Palavra declarou que considera como um dos seus objectivos tornar públicas as discussões estratégicas e que para isso já várias vezes divulgou factos que até então haviam permanecido confidenciais e continuará a adoptar este procedimento. Perante isto, o que podem fazer os membros da Consulta Popular? Muito pouco. Poderiam raciocinar sem fugir ao tema do artigo, não fosse um esforço grande demais, e tentar demontrar que o Passa Palavra interpretou mal o documento, que não se trata de usar o feminismo para manobras de cooptação mas de uma iniciativa cândida e de boa-fé. Não creio que neste plano pudessem ser convincentes, mas quem sabe? Os membros da Consulta Popular, porém, seguiram o pior caminho, o da invectiva. Para eles é mais cómodo, mas quando se trata de persuadir, fica em deficit. Creio que foi num dos comentários a este artigo que uma leitora citou uma frase muito difundida no Maio de 68 francês, a de que quando o dedo aponta a lua, o palerma olha para o dedo. Agora está a suceder uma coisa mais engraçada ainda — o palerma insulta o dedo.
A discussao que está rolando é uma discussao de ética. E a explicacao do Passa Palavra só confirma que nao foram éticos. Possivelmente nao com “má fé”, simplesmente porque quando nao se milita nao se entende como as coisao sao, simplesmente por querer estar na “vanguarda intelectual” se divulga coisas que sao internas e se desculpa por falar que as discussoes de coletivos “nao possuem donos”. Isso acontece também com as pessoas academicas que estao pesquisando “movimentos sociais” e nao sabem o que pode ser dito porque simplesmente nao se conta coisas a instituicao academica, isso aqui nao é a academia, mas o site é público e nem todos os debates internos de qualquer coletivo ou organizacao sao públicos, sacaram? Depois, uma desculpa do Passa Palavra seria excelente. Ou simplesmente, pouco a pouco as pessoas que militamos simplesmente vamos tratar o pessoal do Passa Palavra como “jornalistas” e nao como companheiros de luta. E pra jornalistas qualquer militante conta o que quer que eles saibam…assim funcionam as coisas, qualquer luta tem a galera que apoia e quem luta sabe exatamente quem apoia, iclusive pra criticar claro, e quem apoia por “voyerismo” e pra “destruir” a luta. Agora, se vcs quiserem, nao digo nem ser “militante”, pelo menos serem “intelectuais organicos”, por favor entendem isso. Putz, uma oficina de formacao política pro Passa Palavra ia muito bem! Espero que publiquem isso e espero que reflitam.
Já que a observação de Joana veio a seguir à minha e, além do Passa Palavra, me implica pessoalmente, respondo por mim. É fácil insultar, mas é melhor ter cuidado com os insultos, porque quando se acusa alguém de não ser militante, deve conhecer-se minimamente de quem se fala. No que me diz respeito, com uma longa experiência de militância e, depois, de direcção em várias organizações clandestinas num país fascista, considero-me perfeitamente habilitado a distinguir o que se deve preservar por razões de protecção e o que se pode difundir no interesse do debate político. Quanto à tal ética, transcrevo o que escrevi no prefácio de um livro publicado em São Paulo em 2000, hoje esgotado, e baseado numa série de cursos e palestras que ao longo de vários anos ministrei na CUT:
«É hoje moda no Brasil fazer apelos ao coração e dar a primazia à ética. Parece que nenhuma palestra pode terminar, por vezes não pode mesmo começar, sem invocar os sentimentos da assistência, e raramente se encontra seminário ou congresso que não inclua a ética entre os temas abordados com destaque. Para evitar desilusões, previno desde já que nem uma coisa nem a outra se encontrará neste livro, como aliás em nenhum que eu tenha escrito ou venha a escrever. O convite aos sentimentos, por oposição ao intelecto, é uma forma de estimular o irracionalismo, e o mundo conheceu já, nas décadas de 1920 e de 1930, o carácter político do irracionalismo e os seus resultados, quando os fascismos tomavam também o apelo ao coração e aos sentimentos como base da sua ideologia e da sua prática de mobilização das massas. Quanto à ética, abstracta e com e maiúsculo, ela é o que jamais deixou de ser, a pior das hipocrisias. O cínico tem ao menos a desculpa de saber o que faz. O ético nem isso, já que a moral geral e universal serve para encobrir os resultados das acções não tanto aos olhos alheios, mas sobretudo aos próprios que as praticam.»
Mas toda esta discussão está a ter como consequência, deliberada ou não, desviar o assunto principal, que é a questão dos vários tipos de feminismo. E, neste caso, a questão de avaliar o recurso ao feminismo como porta de entrada numa organização política.
Já que o Joao Bernardo me respondeu, comento brevemente as minhas ideias. Brevemente porque discussao política é discussao meio oral e nao lugar pra escrever “artigo” e tem muita gente que de tao pouca prática política em discussao política é tao “abstrata” que fica divagando em vastísssimas linhas. Pessoal do Passa Palavra, quem sou eu pra falar quem é militante ou nao. Mas entendo a necessidade de vcs terem um “guia”, um “mentor”, mas por favor nao entenderem quem milita, quem escreve artigo e quem faz as duas coisas é algo básico,nao é? Eu digo pra formacao política de voces, se a ficha nao cair nunca, nem intelectual organico vao ser… mas enfim, talvez a grande utopia aqui seja só escrever textos mesmos… abraço a todos do pp!
Acho que os comentários de Joana e cia. tem o enorme mérito de demonstrar a todos os desavisados como funciona a lógica de uma organização burocrática, de como as decisões que envolvem a todos devem ser feitas por uma minoria que se julga politicamente bem orientada e usando para isto as ambiguidades que os termos (feminismo, no caso) encerram em si para angariar militantes.
Não responder como é possível interpretar de uma maneira diferente como o feminismo é uma porta de entrada para a organização só reforça esta compreensão.
É triste ver como certa Esquerda brasileira tem se limitado a fazer da ética, do politicamente correto suas principais bandeiras!.. Lamentável verificar que ao invés da Joana se esforçar para contrapor ao problema apontado no texto ela fica esperneando como criança, fazendo EXIGÊNCIAS! Esse tipo de Esquerda considera como solução para acabar com a reprodução do machismo no interior de suas organizações a simples contemplação em seus estatutos da expulsão dos agressores, bem como da criação de setores de gênero. Mas não discutem de maneira alguma a reprodução da burocratização das lutas e da captura do feminismo para a retroalimentação de suas estruturas. Só não percebem que seus esperneios tendem à reivindicação do “punitivismo”, para o qual o texto claramente chama-nos a atenção.
Levando-se em conta certas justificativas (pois nem considero que são argumentos) caímos numa situação engraçada: se vc não faz parte de nenhum movimento ou se não é militante não pode fazer nenhum tipo de crítica e se faz parte de um movimento não pode criticá-lo de modo algum.
Acho que a situação engraçada não é a que o José Luiz comentou. A situação engraçada é que cada pessoa deve ter a mínima consciencia de que papel está desempenhando. Acho muito bacana quem só escreve texto ou é intelectual. Acho muito bacana quem é intelectual organico. E acho também bacana quem é ativista. São tres papéis importantes. O problema é não saber qual papel se faz. E a situação engraçada pelo que li anteriormente é que os autores do texto são intelectuais querendo fazer ativismo, mas que na verdade o ativismo não é só desejo, boa intenção e excelentes textos, ativismo é prática também.
Maurício,
Mas então na sua visão, as pessoas tem papéis ou os desempenham de acordo com suas ações? O que quero dizer é: quando o camarada está lá, por exemplo fazendo trabalho de base numa ocupação, está no papel de militante. Quando está escrevendo um texto para publicar aqui, está no papel de intelectual. Se for isso que está dizendo, até faz sentido, apesar de eu achar que a pessoa permanece sendo a mesma nas diferentes tarefas.
Agora, se você está dizendo que quem escreve e comenta neste site não é militante, aí é no mínimo apressado ou pretensioso da sua parte. Não conheço todos que aqui escrevem para poder fazer uma afirmação categórica assim, não dá pra descobrir isso só lendo os textos… Aliás, pra mim os textos transparecem muito mais que se trata de gente que milita… A não ser que pra você o militante não deva exercer atividade intelectual, escrever textos, autocrítica, etc.
Mas se for isso mesmo, começa a ficar mais claro também do que estamos chamando de militância, afinal em boa parte dos espaços de esquerda hoje interessa que as pessoas não reflitam muito sobre o que estão fazendo.
Mauricio e outros,
Nao faco parte do Passa Palavra mas conheco alguns dos seus integrantes ha anos. Dentre aqueles que conheco, todos sao ativistas/militantes.
Paro por aqui pois este meu post nao ‘e uma defesa da trajetoria ou “idoneidade revolucionaria” de ninguem, ‘e apenas uma tentativa de restabelecer o debate sobre o conteudo do texto e combater a resistencia atavica da esquerda brasileira a auto-critica e reflexao.
Que toskeira de texto ein galera do Passa-Palavra!
Decepcionaram!!!
Como disse uma feminista compa de militância: “Estes caras estão mais de 100 anos atrasados no debate de gênero… Ainda na discussão se pode ou não ter espaços auto-organizados”.
Sinto até vergonha alheia com trechos como estes: “Para nós, a simples afirmação de espaços exclusivos para mulheres reforça um certo tipo de feminismo de gênero que finca sua luta na divisão entre o masculino e o feminino, colocando a necessidade abstrata de se ter reuniões separadas das dos homens para discutir os problemas da opressão. Mas será esse o melhor caminho para a superação desses problemas dentro dos movimentos sociais?”
Enfim,
Estou participando dum grupo de minos pela desconstrução do gênero e da heteronormatividade (caso alguém tenha interesse, mande-me email). Escrevi um texto sobre o assunto, que sem dúvidas será classificado por vocês como defensor do feminismo “sectário” (seria este o feminismo das mulheres? Ou seja, o único feminismo possível). Gostaria de sugerir a leitura, ele é bem sintético e sucinto e se pauta em diversos textos sobre gênero e sexualidade.
https://hugoscabello.milharal.org/as-liberdades-negadas/textos/nem-machos-oprimidos-nem-pretensos-feministas/
hugo,
um grupo de minos é um grupo exclusivo de homens?
Acho que o texto não só pode como deve ser questionado, mas com argumentos, caso contrário não se avança em nada. Aproveitando então a menção às experiências com amigos, este comentário de Hugo me fez lembrar o que diziam uns colegas trotskistas quando eu entrava em debate com eles: quando eles não concordavam, saiam dizendo por aí que eu ainda “não tinha avançado no debate”. E o que eu não deixava de pensar é que entre estas e outras vão sendo construídas as seitas políticas.
Um leitor classificou como tosco este artigo e considerou que ao reflectir sobre o significado e as implicações políticas de espaços exclusivamente femininos o Passa Palavra revelava um atraso de mais de um século.
Talvez aquele leitor devesse ler este artigo
http://passapalavra.info/2013/05/76982
onde se relata o destino que a mítica geração de 68 deu aos espaços exclusivamente femininos.
caros passapalavrandos,
algum de vocês já leu esse livro? https://docs.google.com/file/d/0ByGeEL7VvSpmMDhWQWNHcmQwVWs/edit?usp=sharing
alguém se disporia a ler pra dar um parecer sobre, nem que a resposta seja “nada a acrescentar além do que já foi dito” ?
olá
sou do feminismo que exclui (também chamado de feminismo que passou dos limites aceitáveis pelos homens).
já que partem dessa premissa, já que sou a “excludente” (coitados de vocês, homens, sempre tão excluídos do cuidado das crianças, da limpeza dos banheiros, das surras dentro de casa… Sempre tão excluídos) e o texto só me prova a falta de diálogo, segue um vídeo em homenagem a quem escreveu o texto (porque não colocam os nomes?) http://www.youtube.com/watch?v=-MK1q9fZjeI
espero que vocês, homens, consigam se livrar dessas feministas bruxas, que ficam excluíndo-os, to morrendo de pena, sério. mas ó, aproveita que nenhuma companheira de militância sua vai te estuprar nem te bater ou perseguir, e tente seguir na luta contra o feminismo, ok? beijos
adoro ler esses textos que falam em “certos feminismos” sem nem saber ao que estão se referindo. seria bom, no mínimo, dar uma olhada no wikipedia que fosse pra saber onde estão pisando. não existem “certos feminismos” não existem “feminismo que exclui” x “feminismo que inclui”. o que existe é opnião desinformada como essa tentando dividir as feministas.
Combater a auto-organização das mulheres é ridículo.
“a simples afirmação de espaços exclusivos para mulheres reforça um certo tipo de feminismo de gênero que finca sua luta na divisão entre o masculino e o feminino, colocando a necessidade abstrata de se ter reuniões separadas das dos homens para discutir os problemas da opressão”
Vamos fazer reuniões sobre agressões machistas no meio popular com o agressor presente pra ver se dá resultado. Vocês vão ver o quanto é abstrata a necessidade da auto-organização das mulheres para romper com as agressões.
O texto é complicado por que (deliberadamente?) omite que os espaços de auto-organização das mulheres não são os únicos onde se tenta desconstruir o machismo nos movimentos sociais. Os espaços de mulheres não servem para “revidar” ou combater homens como o texto sugere, mas são um espaço importante para que as próprias mulheres possam reconhecer as agressões que costumam naturalizar (e ninguém pode meter a colher). Portanto não é uma tarefa revolucionária combater esses espaços, mas lutar para que esse debate não fique restrito às mulheres.
Combater o machismo e os machistas na esquerda é necessário quando pela via do diálogo e isso não se resolve. Combater o machismo e sobretudo os agressores é fundamental para a superação dos valores que mantém a sociedade desigual. Não há espaço entre nós lutadorXs para agressores machistas. Não defendo a exclusão sumária, mas a exclusão daqueles que não abrem mão de seu machismo.
Vcs não valem nem mais clic de mouse, nem cinco minutos de debate. Se é essa a “esquerda” pensante e atuante no Brasil, pois que morra essa “esquerda” doente, opressiva e retrograda para que outra nasça! Parabéns por terem dado à luz a essa linda categoria que é o “machismo de esquerda”. Lindo pra cara de vcs!
Não querem espaços feminninos de militância exclusivos? Não querem denuncia/punição/exclusão de agressores “flacidos” dentros dos movimentos? Sinto muitissimo mas argumentando essas asneiras e querendo atropelar o protagonismo feminino num movimento que é nosso, a consequência sera essa: são vcs que serão excluidos enquanto coletivo ideologicamente ultrapassado! O que falta agora? Colocar em questão se racismo existe ou não? se não é o movimento negro que esta sendo exagerado e excludente? Faça-me o favor!
Que papelão!
Cara MariaMariaMaria,
Tudo bem?
Seguinte: na minha humilde opinião, um site que nesta semana publicou um texto como o quê segue abaixo não pode ser considerado pura e simplesmente um site “doente, opressivo e retrógrado” no que se refere às lutas feministas.
Seguem trechos do artigo, para sua consideração e reflexão:
“O presente texto pretende, a partir desta polêmica, por um lado, contrapor-se àqueles que estão buscando deslegitimar o papel das vítimas (silenciando sobre elas; culpabilizando-as novamente; acusando-as de vitimização; e, pior, de “punitivistas” ou “misândricas” pura e simplesmente) – para os quais nós procuraremos mostrar que o punitivismo capitalista moderno nasce exatamente da negação à autonomia das vítimas poderem construir suas próprias formas de elaboração dos conflitos, autodefesa e proposição coletiva de novas formas horizontais/igualitárias de liberdade [confiscadas pelo Sistema Penal]. Por outro lado, pretendemos também problematizar a ênfase demasiada na denúncia do algoz machista (e seu possível escracho ou linchamento, mesmo que virtual), que pode ser parente da lógica de “estereotipia e extermínio do inimigo” – tão cara ao Estado Penal Patriarcal que se busca criticar.
(…)
Por isso soa mais do que patético, diante da reação legítima de vítimas que conseguem se levantar e denunciar agressões físicas, simbólicas ou ético-políticas, em nossa sociedade – como no caso dos abusos e da predação sexual público/privada em série do Idelber Avelar, recorrer à suposta “legalidade” daquilo que está sendo denunciado publicamente. “O quê o sujeito fez está ou não está prescrito no Código Penal?”, questionam supostos militantes de esquerda – inclusive feministas (como fizeram respectivamente Túlio Vianna e Cynthia Semíramis). Estando ou não dentro da legalidade – para estes cúmplices do Estado de Direito realmente existente: literalmente foda-se o testemunho, a condição e o papel das vítimas – atuais e potenciais! Como disse Godinho, “mais uma das muitas variantes da culpabilização (e silenciamento) das vítimas”, confiscando-as novamente a palavra – neste caso apoiado na suposta ilegalidade ou ilegitimidade de suas denúncias.
Da mesma forma que dizer, pura e simplesmente, que “essas feministas estão sendo punitivistas” (e até misândricas), ignora o fato de que a origem deste punitivismo moderno denunciado reside justamente na negação [o confisco por parte do Estado Penal] do protagonismo autônomo das vítimas, no caso mulheres que se sentem violentadas, para elaborar sua própria autodefesa, a reparação dos danos causados e a elaboração pública da situação de violência visando à construção horizontal de (novo) convívio – entre mulheres e homens. “Por todos os meios possíveis e necessários” (e legítimos).
De modo que é impensável construir uma verdadeira luta autônoma contra o Estado Penal e o punitivismo histórico (incluindo sua forma “Democrática”) que não passe, de alguma maneira, pela reparação e re-empoderamento autônomo das vítimas históricas no processo de construção direta de novas formas de justiça – entendendo “justiça” aqui como elaboração e superação autônoma das opressões, buscando a construção horizontal de um (novo) convívio, como já foi dito.
(…)
Mesmo diante de casos legítimos de denúncia pública de violência para a nossa própria autodefesa, nos casos de abusos (inclusive de menor) feito por Idelber de onde partimos para esta reflexão, como não temos autonomia sobre as formas, processos e dispositivos por meio dos quais disseminamos estas denúncias, a iniciativa pode ser facilmente recuperada pelo Sistema Penal e voltar-se novamente contra nós. Isso não significa condenar as denúncias, mas encarar todas as suas possíveis consequências (boas e também ruins).
Exemplo concreto de como a violência pode retornar? Ao terem sido obrigadas a expor massivamente conversas íntimas para se autodefenderem (e prevenirem outras mulheres) sobre os riscos reais de predação sexual implicados na postura privada de Avelar (em total oposição à sua também massificada imagem pública – que era um dos recursos manipulados por ele para sua predação em série), as vítimas necessariamente tiveram que vigiar e violar a intimidade não só dele, mas também delas próprias – algo caro a todo mundo, de esquerda inclusive, colocando-as juntas a outras mulheres sob novos riscos de vigilância/exposição massiva, e de retaliações afins por parte deste ou daquele outro agressor. Já se tornaram célebres casos de homens de esquerda escrachados que, ao sentirem que foram liquidados política e moralmente, voltam-se ainda mais violentos contra suas vítimas e contra toda a esquerda (inclusive às vezes passando a trabalhar diretamente para a Inteligência Policial do Estado). [8] Mas não só os agressores escrachados voltam-se contra a esquerda – o quê no final das contas poderia ser o menor dos problemas, pois personalizado. Tem sido recorrente nos últimos dias, por conta desta famigerada polêmica, manifestar-se entre feministas de esquerda uma série de comentários neste sentido, deslegitimando (e punindo preventivamente?) homens de esquerda por causa deste caso específico: “não dá para confiar mesmo em ‘homens feministas’, de esquerda então…”; “não dá para confiar em homens de forma geral…”. Mais uma vez a parte [o indivíduo agressor] pelo todo [a esquerda e os homens]. No caso dos comentários acima, aí sim, flertando com o biologismo e a misandria (existem feministas que flertam com essas concepções, devemos ser francxs e admitir). Homens não teriam legitimidade, sequer, para se manifestar sobre o assunto…
E outro saldo indiscutível desta polêmica, para o bem e para o mal: todxs aumentaremos a vigilância e o controle mútuo (pessoal e social) sobre nossas conversas íntimas em redes sociais. As vítimas talvez não pudessem encontrar, neste caso em questão, outra maneira de prevenir outras mulheres (vítimas em potencial) – demonstrando, assim, solidariedade prática de gênero – sem recorrer massivamente a este sempre perigoso e questionável recurso: a quebra do acordo tácito de confidencialidade (que a violenta abordagem de Idelber e sua ‘falsa simetria’, ademais, já havia feito implodir, tornando as mulheres reféns de um novo silêncio imposto só por ele). Para fazer este novo omelete julgaram ter sido necessária a quebra desses sagrados ovos (sem trocadilhos) para todxs nós, o quê ao mesmo tempo produziu novas consequências – repressivas e/ou emancipatórias?
Contexto ambivalente e necessidade de autocrítica permanente para a esquerda
Neste contexto ambivalente, como então valorizar a palavra direta das vítimas e o nosso protagonismo, (re)empoderando-nos contra a histórica lógica negacionista e punitivista deste Estado Penal, agora turbinado ciberneticamente [9], sem reproduzir nas nossas tão necessárias novas formas de autodefesa (de elaboração de conflitos, reparação e construção horizontal de novos convívios), os atuais padrões de disciplinarização, vigilância e violência punitiva – contra o outro, que pode ser inclusive nós mesmxs?”
O artigo completo (do qual sou uma das autoras) pode ser conferido aqui: http://passapalavra.info/2014/12/101252.
Sigamos esta reflexão e esta prosa, nos comentários dos textos do PP e para além deles, entre companheirxs!
Bjos,
Fran
Olá pessoas,
me senti muito acolhido por ler esse texto indicado por um amigo que se sensibilizou com o escracho que sofri por um grupo de feministas radicais que passou a me hostilizar, inclusive escrevendo uma carta de repúdio a minha pessoa, simplesmente porque discordei da premissa universalista/ essencialista de que todo homem é machista porque nasce em uma sociedade machista. Quando questionei se todo hetero seria homofóbico e todo branco racista porque nasce em uma sociedade assim, passei a ser hostilizado e agredido por um grupo inteiro, inclusive por homens. No meu modesto entendimento, esse tipo de conduta em movimentos de esquerda e, sobretudo, movimentos libertários é algo surreal porque mantém toda uma racionalidade punitivista, policialesca, vitimizadora e fascista porque nega qualquer possibilidade de diálogo. Se condena antes mesmo de julgar. Fui transformado em um monstro. Além disso, essa conduta do escracho é algo contraditório com a tradição abolicionista penal da qual me filio. O grande risco desse tipo de conduta nesses movimentos que militam em nome da liberdade é que paulatinamente tem transformado suas teorias em doutrinas, suas verdades em dogmas e suas bandeiras em religião, operando da mesma maneira que essas instituições que combatem, hostilizando, violentando, se vitimizando, culpando agredindo, criando monstros, enfim, matando!!
Um sim, um não; uma linha reta, uma meta: COMUNIDADE HUMANA MUNDIAL!
Associação dos produtores livres e Iguais: homulheres & mulhomens, transdivíduos plen*s em sua estidade-singularidade, qualquer que seja o gênero preferência opção etc. de saúde-alegria.
Camaradas do PP e comentadores\as,
Há alguma obra de referência, além do texto da Saffioti, com o debate sobre machismo e capitalismo? A respeito dos estudos históricos sobre patriarcado (ou sua inexsitência), alguma indicação?
B,
a editora Expressão Popular publicou um texto da Heleieth Saffioti, intitulado “Gênero, Patriarcado e Violência” (2015), no qual ela aborda brevemente o conceito polissêmico de patriarcado, baseado nas reflexões de Carole Pateman e Allan Jonhson. Como a abordagem do conceito recai sobre o tema da família e da divisão sexual do trabalho, pode ser que “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” de Engels dê algum elemento que possa inspirar a sua investigação.
E esse escavar exasperava as mais frágeis, que mal suportavam o excesso de autorreflexão e consideravam que, para tomar o caminho da liberdade, bastava simplesmente excluir os homens. Eram tempos agitados, movidos em onda. Muitas de nós temiam o retorno à calmaria plana e mantinham-se na crista, agarrando-se a fórmulas extremas e olhando para baixo com medo e com raiva. Quando se soube que o serviço de segurança da Lotta Continua havia atacado uma passeata separatista de mulheres, os ânimos se acirraram a tal ponto que, se alguma das mais radicais descobria que Mariarosa tinha um homem em casa – algo que ela não declarava, mas tampouco escondia – , a discussão se tornava feroz, e a rupturas, dramáticas.
(do meu livro ‘História de quem foge e de quem fica’, publicado no Brasil pela editora Azul, p. 347 – o trecho acima do romance se passa na Itália em 1976)