Um intelectual tanto pode se engajar no centro como na direita ou na esquerda. Haddad parece gostar de se pintar com todas essas cores. Por Carlos Henrique.

Esse texto é uma pequena interpretação das Teses sobre Karl Marx, escrito em 1998 pelo então professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Fernando Haddad. Essa leitura exigiu não só uma compreensão da lógica interna do texto como também do destino dessa inigualável obra “filosófica”, que, é sempre bom lembrar, foi escrita em pleno totalitarismo neoliberal dos sociais-democratas tucanos. Nesse sentido, foi preciso levar em conta a consequência prática que o autor deu ao seu marxismo diante de tamanho “fardo histórico”.

Haddad, o novo homem, está transformando a cidade de São Paulo. Nos últimos dias, como todos sabem, o atual prefeito de São Paulo tem protagonizado um papel “brilhante” no combate à autoritária greve dos professores municipais. Como “educador” e “intelectual responsável” que administra um “cenário” social de perder o fôlego, ele tem apresentado atitudes emancipadoras inéditas na história desse município, portanto, merece que todos o aplaudam de pé, principalmente, aqueles que concederam seu voto (por convicção ou utilidade) para elegê-lo.

Uma pequena comédia da atividade intelectual (ou introdução às teses do prefeito)

“I would prefer not to”- Herman Melville

O intelectual/ministro/prefeito Fernando Haddad é uma pessoa que ilustra perfeitamente a figura do chamado intelectual engajado. Como bem lembrou Roberto Schwarz em um artigo clássico sobre o tema, num sentido genérico a palavra “engajamento” não tem cor própria, pois um intelectual tanto pode se engajar no centro como na direita ou na esquerda. Haddad parece gostar de se pintar com todas essas cores.

Num breve histórico, podemos afirmar que a figura clássica do intelectual engajado na Europa foi desenhada nas frentes antifascistas do período entre guerras, na ascensão da classe operária do pós-guerra e no terceiro-mundismo dos anos 60. Aqui no Brasil – devido a uma má formação crônica – os “homens engajados” sempre tiveram que atuar como “homens políticos”. Assim sendo, Joaquim Nabuco e os abolicionistas, por exemplo, lutaram pelo fim da escravidão afirmando ter uma “procuração” para lutar pelos escravos e pelos “ingênuos”, que não tinham percebido a importância de integrar todos os brasileiros no projeto nacional de desenvolvimento. Celso Furtado, por seu turno, procurou apontar para as barreiras arcaicas de propriedade e poder, para a realização das aspirações progressistas de desenvolvimento da economia nacional. Como “homem político” esteve do lado dos “despossuídos”, mas a ditadura militar mostrou que tal projeto não passava de uma boa interpretação do país a ser mobilizada com sinais inversos.

Com a chamada redemocratização do país, os intelectuais perderam a “procuração” de representar os “ingênuos” e os “despossuídos”, pois os trabalhadores e toda uma massa de excluídos passaram a se auto-organizar em partidos, sindicatos, movimentos sociais, associações de bairros, organizações não governamentais etc. As ideias dos “intelectuais brilhantes” tinham perdido seu lugar. Mas como no Brasil a superação nunca foi completa, eis que a luta da população pela integração no mercado, por garantias sociais e por participação política coloriu um novo capítulo na história dos produtores de ideias. Os intelectuais, em busca de novas procurações, vão deixando de produzir grandes interpretações para passarem, com “responsabilidade” e “compromisso”, a formular políticas públicas, administrar departamentos universitários, ou ainda, empenhar-se numa redação de jornal, no ensino secundário ou nos serviços de uma organização não governamental.

Essa ficha caiu rapidamente para intelectuais com experiência no período anterior. Fernando Henrique Cardoso, sem titubear, pediu para todos esquecerem o que ele escreveu sobre o país, pois, dali em diante, o que passava a interessar era o “aperfeiçoamento” e a “modernização” dos resultados do “bolo econômico”, que a ditadura havia feito crescer de forma um pouco “autoritária”. Mobilizando a cultura que estava sendo produzida pelos novos intelectuais engajados, FHC, intelectual, e todos os outros gestores de Estado, militantes, que lhe sucederam, passaram a integrar e incluir a todos no “próspero mercado” trazido pelos ventos da conjuntura internacional. Com largos passos, transformaram a questão social numa questão neutra, ou melhor, uma questão técnico-administrativa.

Fernando Haddad, gestor-educador da maior cidade do país, seguiu por esse caminho histórico aberto pelo deslocamento do capital global e pelas “taras” de longa duração dos produtores de ideias no Brasil. Em sua novíssima administração, mobilizou o que existe de melhor no pensamento crítico universitário e, claro, reservou espaço para os quadros do movimento social e para jovens gestores de uma esquerda “pós-rancor”, que são capazes de mobilizar trabalho militante para fins lucrativos. Ao contrário do seu xará, Haddad não renegou seus escritos. Numa clara coerência, na sua tese O Sistema Soviético e sua decadência Haddad pode justificar na ocasião, “sem peso na consciência”, o desejo de ter o apoio dos ex-prefeitos Kassab e Maluf nas eleições de 2012, pois, diferente dos autoritários de esquerda, ele não acredita que seja possível mudar o mundo sozinho [*].

Teses sobre Karl Marx
(Texto de Fernando Haddad, o prefeito. Comentários de C. Henrique)

I

OS SOCIALISTAS, até hoje, incidiram no erro de acreditar que o desenvolvimento das forças produtivas, sob o capitalismo, faria explodir as relações de produção que o configuram, quando na verdade, ao contrário das antigas formações sociais, o capitalismo se vale desse desenvolvimento para se legitimar, sendo que a dialética entre as forças produtivas e as flexíveis relações capitalistas de produção se desdobra de uma maneira historicamente nova, a um só tempo dinâmica e estaticamente.

Comentário: A grande novidade da primeira tese é o abandono da ideia de ver o desenvolvimento das forças produtivas em contradição com as relações de produção. A tendência do capital de substituir o trabalhador pelas máquinas é – para o autor – “um erro”, uma “crença” dos socialistas mecanicistas de outrora. É certo que até Marx cometeu esse erro para Haddad. O que existe são as “flexíveis relações de produção” que aparecem como novidade histórica. É com esse “refinamento” teórico que o prefeito pode acabar praticamente com o direito de greve dos professores na greve em curso. Sendo rigoroso, ele não está desrespeitando a Constituição de 88, como acusam os grevistas, mas apenas demonstrando como esse documento anacrônico é um entrave para a dialética entre as forças produtivas e as “flexíveis relações capitalistas”, que estão paradas e em movimento no mesmo momento. Há um novo achado teórico aqui e uma complexidade incomparável desde as teses de Benjamin. Há relações, mas não há interação. Existe flexibilidade, mas não há elasticidade. As forças não são tão fortes assim e a produção deve estar sendo controlada por um grevista, pois está estática.

II

Os socialistas se valem das crises do capitalismo, expressão do seu caráter inerentemente contraditório e irracional, para afirmar seu ponto de vista. Não obstante, a questão sobre qual será a crise final desse sistema é uma questão político-prática e não econômico-teórica.

Comentário: Para Haddad, Karl Marx acertou em ver nas crises a expressão contraditória e irracional do capitalismo. O erro do filósofo alemão foi nunca ter se candidatado a prefeito. O capitalismo não se extinguirá com a arma da crítica (atividade econômico-teórica), mas com a atividade político-prática, ou seja, com a lenta ascensão de um jovem menino que ajudava o pai no comércio da Rua 25 de Março e soube entender o que é o capitalismo brasileiro. Só uma experiência como essa pode transformar um político profissional em um homem capaz de apontar para a crise final do capitalismo.

III

Os socialistas querem erradicar do mundo a pobreza de espírito. Tomam-na como produto direto das atuais condições materiais de existência. O movimento socialista funda-se no materialismo, mas entendido como crítica social, tendente à sua consumação.

Comentário: Aqui começa a aparecer o programa político que levou Haddad ao cargo de prefeito. Como erradicar do mundo a “pobreza de espírito”? Com o programa “São Paulo uma Cidade Educadora” é possível extinguir todas as formas de existência da pobreza de espírito, que é a pior pobreza “realmente existente” no capitalismo. Ao contrário do socialismo do século XIX, o prefeito não precisa ficar denunciando a chamada “situação da classe operária”, ou seja, a falta de moradia, de alimentação, de cultura e de direitos. A flexibilização das relações de produção, citada na primeira tese, acabou com o mecanicismo das forças produtivas e relações de produção. Nos dias de hoje, a tarefa do verdadeiro socialista é acabar com a pobreza de espírito que, por exemplo, levam os camelôs da Rua 25 de Março a venderem Kebabs, lanches muito tradicionais no Líbano, como se fossem churrasco grego.

IV

O socialismo não deve ser tomado como um fim, como telos, mas como um novo começo, como reconciliação entre homem e natureza que não reivindica um passado longínquo, pois essa reconciliação se dá num outro plano, num patamar jamais atingido.

Comentário: O passado longínquo nunca foi a satisfação plena das necessidades humanas. Tão pouco a realização de todas as potencialidades humanas. Quem nasceu nos anos 60 na Rua 25 de Março sabe que não é no passado longínquo que está a emancipação humana.

V

O socialismo não deve ser tomado como uma ordem fundada em valores por ele. O socialismo é o desentrave definitivo do processo de individuação, obstruído pela sociedade de classes. O socialismo é a exuberância dos indivíduos de uma vez por todas libertos de valores prescritos, unidos solidariamente pelos laços de justiça, exclusivamente.

Comentário: “O socialismo não deve ser tomado como uma ordem fundada em valores por ele”. Ele quem? − deve estar perguntando o leitor. José Serra, seu grande adversário político, é claro! Esse foi líder estudantil, exilado político, mas nunca um indivíduo exuberante. Verdadeiro indivíduo exuberante (devem existir outros, por isso ele escreve essa frase de forma lógica no plural), Haddad pôde exibir nos primeiros segundos desse vídeo o homem exuberante: https://www.youtube.com/watch?v=KVonaLj0PoA.

VI

O socialismo é igualmente o desentrave do processo de formação de uma comunidade internacional que preserva as diferenças entre os povos e que faz delas o testemunho da riqueza do enfim realizado gênero humano.

Comentário: “Formação de uma comunidade internacional com diferentes povos”. Que poesia! Diferente dos socialistas utópicos do século XIX, que jogavam a realização de uma sociedade livre para o futuro, Haddad aponta para a construção do socialismo no presente. Por mais que a Rua 25 de Março seja marcada pela pobreza de espírito nos dias de hoje, é lá que o socialismo está sendo construído. A 25 já é uma comunidade internacional de diferentes povos (brasileiros, chineses, bolivianos, libaneses, japoneses etc.). Lá também é possível testemunhar a riqueza do gênero humano, principalmente, quando a polícia federal solta Law Kin Chong, chinês que emigrou da China de Mao para espalhar a riqueza do gênero humano.

VII

O socialismo é o reino da justiça onde se exerce a liberdade.

Comentário: Aqui a greve dos professores novamente pode ser mobilizada para entender essa sintética e engenhosa frase. É no “reino da justiça” que Haddad tem a legitimidade de dizer que os acordos do governo anterior fazem parte de sua política de valorização da carreira de professor. E é reivindicando o exercício da liberdade que ele pode cortar o ponto (pagamento) dos professores grevistas. Os professores de uma forma autoritária falam em greve, salário, mobilização, sindicato, passeatas etc. Enfim, falam de palavras, que Haddad estudou no seu brilhante mestrado na Universidade de São Paulo. Essas palavras são expressão do socialismo real ou, para ficarmos nas metáforas filosóficas, são imagens de um “cachorro morto”. Assim como o cadáver, essas palavras também merecem ser chutadas.

VIII

Os socialistas pretenderam transformar o mundo; cabe, porém, transformar os homens, isto é, motivá-los para aquela transformação. O socialismo depende de um salto psicoterapêutico para além da dominação orquestrada democraticamente na esfera pública.

Comentário: O homem novo de Haddad é ele mesmo. Em sua campanha política “um novo homem para um novo tempo”, Haddad fala como o homem pode ser transformado. Ele detalha os lugares que precisam ser frequentados, as músicas boas para serem ouvidas, os filmes que tornam qualquer espectador inteligente e aponta para os heróis que devem ser seguidos. Num nível mais íntimo, aconselha sobre o tamanho razoável de uma família e sugere o melhor nome para dar para um cachorro. Veja atentamente essa descrição que Lênin foi incapaz de fazer sobre o “homem do socialismo realmente emancipador”: http://www.youtube.com/watch?v=OXFYvUF1x_A

IX

O socialismo não é um desdobramento lógico do capitalismo, embora seja uma possibilidade objetiva. O lógico é tão somente o histórico que se impôs, por vezes ilogicamente. O socialismo é a saída talvez ilógica de um mundo certamente irracional.

Comentário: “O socialismo não é um desdobramento lógico do capitalismo”. É lógico que não! − afirma Haddad. O capitalismo da Rua 25 de Março, que ele conhece desde a infância, tem os germes do socialismo, mas mesmo dali não podemos desdobrar uma sociedade realmente emancipada, pois além das condições objetivas que hoje só a 25 tem (tese VI), é preciso uma atitude prático-política (tese II). E essa atitude é irracional em todos os aspectos. Por quê? Porque é preciso eleger um intelectual para prefeito e com uma equipe refinada de uspianos, militantes de movimentos sociais e jovens empreendedores prontos para darem uma “virada” para “dentro do eixo”.

X

O socialismo é a superação prática da metafísica realmente existente. Como a dialética é tão somente o fruto do esforço mental de compreensão da fantasmagoria reinante, o advento do socialismo implicará sua obsolescência.

Comentário: Aqui as coisas começam a ficar claras. O socialismo é uma superação prática da metafísica realmente existente. Was ist Metaphysik wirklich existiert?, para falarmos no bom alemão exercitado na faculdade de filosofia. Metafísica realmente existente é tudo aquilo que habita a cabeça das pessoas depois do socialismo realmente existente. É lógico! Greve, direito trabalhista, sindicato, salário etc. É preciso um grande esforço mental para superar o fetiche objetivo daqueles que duvidam do programa “Cidade Educadora”. Haddad projeta, através de sua lei dialética estática/movimento, que depois dos quatro anos de mandato, até o mais empedernido dos esquerdistas terá essa dialética enfiada em suas cabeças.

XI

Até lá, os socialistas devem reinterpretar continuamente o mundo social para uma práxis transformadora sempre renovada.

Comentário: Por fim, a tese XI parece ser endereçada para os jovens intelectuais. É preciso reinterpretar o mundo continuamente. Em sua trajetória de sucessos pela Universidade de São Paulo, Haddad escreveu sobre a “decadência do mundo soviético”, “sobre o cooperativismo”, “sobre a superioridade do marxismo em relação à dialética positiva de Habermas”, ou seja, nunca abandonou o exercício da reflexão. Mas diferente de Marx que adoeceu na cadeira da biblioteca de Londres com sua atividade econômico-teórica, Haddad atualizou suas práticas, foi analista de investimento do Unibanco, subsecretário de Finanças e Desenvolvimento Econômico, ministro da Educação e, por fim, prefeito da maior cidade do país e futura “cidade educadora”.

São Paulo, 22 de maio de 2013
Carlos Henrique

Nota

[*] Ver: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,esquerda-autoritaria-achava-que-mudaria-o-mundo-sozinha-,834776,0.htm

Os leitores encontrarão aqui um glossário de gíria e de expressões idiomáticas,
tanto do Brasil como de Portugal.

14 COMENTÁRIOS

  1. O texto faz parte da série “textos sem pé nem cabeça” publicados no PassaPalavra.

    Uma crítica à gestão Haddad precisa ser feita com substância e o ponto central vai ser analisar se ele rompeu minimamente com a lógica de exclusão, segregação, guetificação que condena os trabalhadores das periferias à cultura da morte e à vida-como-humilhação.

    O que tem de bom no texto são obviedades, como saber que a base de apoio de um candidato ocupa cargos na gestão. Óbvio! E que a esquerda vai formando gestores. Óbvio!

    Eu proporia ao autor ir mais fundo, ir para as raízes. Como que um grupo de crítica radical como é o do professor Paulo Arantes tem, na verdade, se transformado num profícuo produtor de novos gestores? O que tem nesses seminários e encontros tão radicais que forma tanta gente não só aspirante mas apta ao poder?

  2. Você não acompanhou a greve dos professores, não é Sr. comentador Marcos?

    Não sabe que Haddad/Callegari/Paulani, essa triade de “notáveis” intelectuais, utilizaram acordos do Kassab para informar que estavam dando aumento para os professores. Veja o vídeo que o passapalavra publicou. Ai você fala da lógica de exclusão.

    Eu sou professor da rede e sei como estamos reproduzindo essa lógica no dia-a-dia das escolas, mesmo lutando para que isso não aconteça. Há uma estrutura, um sistema que funciona excluindo, segregando e guetificando nossa cidade. E toda a propaganda de Haddad é uma parafernália que só existe para reproduzir discursos como o seu.

    Discutir os seminários do Paulo Arantes? Onde chegaríamos? Vamos falar que Haddad e Christy Pato saíram de lá?

    Ou que Leda Paulani aprendeu a ser tacanha nos seminários? Menos! Meu texto é “sem pé nem cabeça”, mas não a ponto de ser desonesto com espaços onde jovens universitários estão dispostos a pensar.

    Minha intenção é apenas desmascarar a farsa da política de “profissionais” como Haddad. Só algo “sem pé nem cabeça” para explicar um prefeito que na mesma semana que abraça o Maluf, dá uma entrevista se dizendo socialista…

  3. Peraí, frequento esses seminários e nunca o Fernando Haddad pôs o pé ali. Aliás, na minha opinião, se há algo que se faz ali é discutir como os braços desta gestão pública se tornam recuperadores das lutas em novos processos produtivos, acabando com uma diferenteça entre esquerda e direita nestes termos.
    Que gestor saiu dali? Todos viram professores e precariado intelectual, como todo mundo que segue academia e continua se atendo a um ideal de esquerda no meio acadêmico. Outros, poucos, desses que denunciam a academia, viram gestores de partido, ascendem, cupincham e passam. Mas o mais triste, esses não são de seminário algum, onde só se discute numa terapia de grupo com as mais novas pesquisas tentando entender o que se passam. É justamente quem partiu “para a ação”. Os demais, seguem sendo explorados e levando bordoada da vida, como os demais, com a diferença de que tentam parar pra pensar de onde ela vem.

  4. Assino em baixo no que o Douglas escreveu.

    O que precisa ser analisado é quem mobiliza a teoria crítica para gerir o Estado, quem utiliza o marxismo para administrar o capital. Um texto que pretende “brincar” com as letras de uma “Tese sobre Marx”, está ironizando isso. E essa foi minha “brincadeira”, ou seja, “enxergar” uma antecipação da campanha eleitoral de Haddad num texto acadêmico.

    Conheço muito pouco os seminários que o Douglas descreve… O que eu teria a dizer é que as taras pelo poder do Fernando Haddad não vem do espaço a, b, c ou d, mas de uma longa tradição da intelectualidade brasileira.

  5. Bem ví que tinha sentido cômico. A questão é que isso não serve para esclarecer nada. A correlação de forças no meio da qual atua Haddad e o contexto todo é muito turbulento.

    Numa São Paulo que é diretamente gerida por batalhões da polícia militar ou pelo PCC em vastas partes da cidade não sei qual a utilidade desse tipo de ironia. Ajuda a compreender alguma coisa do leque político?

  6. Marcos,
    não apenas você mas uma parcela de leitores do PP as vezes me dão a impressão de estarem exigindo dos textos postados aqui coisas que nem sempre eles pretendem. Não raramente isso gera comentários mais hostis do que se esperaria, muitas vezes deixando de fazer críticas ao conteúdo do texto e sim ao que “poderia ter sido” o texto.
    Se por um lado é bom saber que há gente interessada em leituras críticas e analítias de qualidade que as ajude a compreender o mundo e a política de hoje pelo viés da extrema esquerda, por outro me faz pensar que há algo meio estranho nessa dinâmica entre autores e leitores aqui, um tipo de cobrança peculiar, e infelizmente isso as vezes parece insidir especialmente sobre textos que fogem um pouco da literatura analítica.

    Seria isso uma ânsia por textos que contenham o fragamento da verdade que está faltando para a revolução?

  7. Felix, concordo com sua observação. Este tipo de comentarista faria muito melhor (para si, para o PP e para os demais leitores) se escrevesse, argumentada e detalhadamente, sobre o que considera importante, e enviasse este(s) escrito(s) para publicação. Ajuda inclusive a multiplicar análises e opiniões, a enriquecer debates, a ver para que lado abana o leque político… Mas já virou regra: do PP primeiro se discorda, e depois se vê do quê se discordou.

  8. Nessa questão sobre a forma do texto, agradeço o passapalavra por ter publicado. Não era minha intenção fazer uma análise sistemática do governo Haddad.

    Trata-se de pensar o texto do intelectual Haddad. Ele é cômico por si mesmo.

    “A maior pobreza do capitalismo é a pobreza de espírito!” Pelo amor de deus, quanta bobagem! É cardecismo espírita agora?”Metafisica realmente existente”! Alguém explica isso? Além do palavreado “acadêmico” vazio, ele escreve uma tese sobre Marx sem falar em trabalhador, sem falar no movimento do valor…

    Não tem nada de aproveitável, mas a academia brasileira chancela isso. Há pesquisadores que citam essa palhaçada. Isso é considerado produção, dentro desse produtivismo tacanho da universidade.

    Por isso a ideia de denunciar essa “mediocridade acadêmica” em relação as práticas do prefeito.

    Discutir a gestão Haddad a partir das dificuldades da cidade de São Paulo é justificá-lo.
    Isso é argumento eleitoral. Quem quiser que faça, mas eu tô fora.

  9. Leio, hoje, na Folha de São Paulo, que os assassinatos praticados pela PM de SP diminuíram drasticamente depois da queda de Antônio Ferreira Pinto. A derrubada de um secretário significou a vida para muitos.

    Eu fui formado na esquerda radical e há tempos atrás iria corroborar o “tô fora” do Carlos Henrique. Mas os anos passam e nada como a experiência própria para rever os conceitos e as posições.

    É curioso que o povão prefira o PT e tantos que estão salvos nas redes de proteção de classe média ou salvos pela cidadania universitária possam ousar o “tô fora”.

    Para quem corre risco de ser chacinado é melhor o partido que diminui as chacinas. Para quem não tem como pagar universidade é melhor o partido que dá possibilidades maiores de estudo. Para quem não vai herdar casa é melhor o partido que fala em moradias populares. Para quem é doméstica é melhor o partido que aprova a PEC das domésticas. Queremos igualdade, mas se tenho uma elite que me bate menos e me dá mais oportunidades, é esta que prefiro. Simples assim. Mais comida na mesa. Mais oportunidades de vida e menos tiros e cacetadas.

    O Brasil é uma coisa muito brutal para que se possa desprezar certos avanços. O fator migratório gerou uma classe média escravocrata branca que não se identifica com o povo, que se vê mais como “descendente de”, que odeia a nação negríndia, a ralé, os pobres, pardos e negros. E diante de tal situação não se pode fazer tábula rasa.

    Eu poderia levantar aqui uma série de coisas positivas relacionadas à gestão Haddad. Desde o fato de o PT ter sido o responsável por servir merenda para o ensino médio até o fato de ter tirado 30 subprefeituras das mãos de coronéis da PM em SP. E fecharia com o fato de que foi preciso o Haddad vencer para que os Racionais pudessem se apresentar num show público. Há uma lista enorme para análise, que vai da relação do MEC com os conselhos estaduais de educação até a relação com o setor privado, muito ativo; e tem a igreja, e tem as universidades, que se arvoram donas da educação pública. Não tem nada disto no seu texto. Nenhum conhecimento prático, nenhuma análise concreta da educação. O que não espanta numa esquerda que não sabe nada de gestão educacional e menos ainda de concepções pedagógicas. A coisa mais difícil é achar algum crítico que saiba quantas escolas existem em seu Estado ou quanto é gasto com a merenda escolar. Falar de currículo soa como falar de elefantes coloridos…

    O Passapalavra, numa das contribuições de destaque que marca sua trajetória, foi responsável por uma análise lúcida do Bolsa Família. Fez a crítica, fazendo a defesa. Com tudo isso não quero dizer que o Haddad não é alguém que não deva ser criticado. Mas que a crítica deve partir de uma análise concreta, pontuando os avanços e os desafios. Fora disso podemos construir milhares de críticas mas que não possuem compromisso com nada exceto a vaidade da crítica.

    Me dou o direito de criticar textos como esse porque ele vai contra uma tradição analítica do Passapalavra. Tradição que muito me ensinou e ensina a outros. E também porque de ironias me sirvo bem mais apropriadamente do José Simão.

    Num site onde tem tantas pessoas admiradoras de Tragtenberg, espero que algum dia alguém siga as pegadas do mestre em seu interesse real pelo estudo da educação. Essa grande desconhecida.

  10. E mais uma pessoa pede que o PP escreva sobre educação… Por que ao invés de pedir não escrevem elas mesmas e mandam para publicação?

  11. Manolo, não seria talvez pela vaidade da crítica?
    Marcos, por que raios o PP tem de se ater a uma “tradição analítica” ao invés de aceitar uma pluralidade literária?
    Ademais, Marcos, pessoalmente não creio que vamos ler aqui no PP a crítica destruidora capaz de derrubar o gabinete do prefeito. No entanto, gostei de ler trechos da obra do ilustre alcaíde. Não deixa de ser importate, num meio crítico, também atentarmos a que tipo de produção intelectual essa classe de gestores públicos produzem na academia (digo atentar, pois a crítica propriamente acadêmica destas obras não tem outro lugar para ser feita que não na academia mesma. Outras modalidades de crítica podem ser feitas onde bem entendermos).

  12. Existe pouca dúvida sobre o talento literário do prefeito, e a falta de clareza explicitada nas teses tangenciando Marx ilustra uma relação pouco confortável com a palavra escrita. Ainda, devemos considerar que o prefeito não tinha sequer 40 anos quando elaborou as idéias aqui elencadas pelo Carlos Henrique.

    Ora, talvez ele tenha evoluído desde então. É uma possibilidade. Assim, talvez fosse o caso de convidá-lo para um seminário sobre Marxismo. Fica a sugestão… Mesmo porque, o registro que permanece na análise de 1998 é pobre, enquanto que o valor de Marx e da dialética material permanece inesgotável.

    A propósito, se engana quem pensa que a dialógica (lógica da complexidade) tenha superado a dialética material marxista. Pois a complexidade apresenta extrema dificuldade em acomodar a síntese material e, sendo a realidade concreta e o mundo terrestre finito, a síntese resultante da interlocução racional entre homem e meio material continua indispensável para organizar sociedades de grande escala. Fora isso, estaríamos simplesmente deixando tudo nas “mãos de Deus”. Daí a crescente relevância de Marx e, logicamente, a merecida oportunidade para o prefeito fazer um “update” sobre o tema…

    Quanto ao texto aqui publicado, curti o humor dos comentários do autor sobre a tese-II, lidando com a questão político-prática vis-à-vis a econômico-teórica. O prefeito (hoje) escreveu (ontem): “Os socialistas se valem das crises do capitalismo, expressão do seu caráter inerentemente contraditório e irracional, para afirmar seu ponto de vista. Não obstante, a questão sobre qual será a crise final desse sistema é uma questão político-prática e não econômico-teórica”.

    Bem, o primeiro fato é que essa análise está correta, conforme demonstrado por Adorno em sua Dialética do Esclarecimento. O problema da análise do prefeito é precisamente o (segundo) fato de ele ter ficado parado em 1944, num pensamento vencido pelo desânimo e pela depressão.

    Qualquer criança hoje em dia sabe na pele que a crítica foi colocada em cheque no mundo industrial e, mais do que nunca, no mundo da velocidade digital, que asfixia o tempo da gente, criando “utilidades” em ciclos cada vez menores de produção requerendo manutenção 100% do tempo.

    Um tempo roubado, obviamente, e transferido à super elite que controla e lucra com a produção de tais utilidades industriais e tecnológicas, num mundo em que ninguém está disposto a voltar às cavernas, e onde índio também quer luz elétrica. Teoricamente, esse é o quadro que interessaria debater para induzir avanços reais do pensamento marxista na imaginação dos intelectuais, especialmente dos políticos pensantes, como é o caso do nosso prefeito…

    O Carlos Henrique está certo em ironizar o “jovem menino que ajudava o pai na Rua 25 de março”, mesmo porque a imagem inferida está mais para novela da Rede Globo do que para qualquer outra coisa (e nada como uma boa sacaneada para afastar a tacanhice).

    Por outro lado, com ou sem ironia, ao menos tem um “menino”, um “pai” e uma “rua” no enredo, sendo que mesmo essas coisas estão em jogo no presente. Hoje, a humanidade está em jogo e o futuro da espécie submetido a questões político-práticas. As guerras estão aí para esclarecer o ponto.

    Além disso, a Nanotecnologia projeta três trilhões de dólares em negócios até 2015, e o arcabouço material da indústria bélica (de cunho nazifascista para alguns) concentra as decisões do planeta em conjunto com o mercado do capital privado.

    Adorno acertou quando disse que a técnica submeteria a crítica, mas três gerações já passaram desde esse diagnóstico. Então é o seguinte: ou joga-se a toalha logo de uma vez ou, enquanto houver mentes saudáveis no mundo, apostemos na crítica. Aparentemente, não existe nada a perder.

  13. Caros amigos,

    eu gostei do texto. Achei interessante a “atualização” do artigo do Roberto Schwarz, na introdução. Lembrando que Schwarz escreveu “Nunca fomos tão engajados” em 1994.

    Também achei interessante como o autor ridiculariza as “Teses sobre Karl Marx”, tendo em vista a atuação do prefeito.

    Sem fazer uma comparação rigorosa… Esse texto lembra o Marx nos textos em que ele procurou ridicularizar as fraseologias dos Jovens Hegelianos. A grande diferença é que Marx fez a crítica demolidora propondo algo, ou seja, uma análise das das condições materiais de existência. O autor aqui não propõe nada, mas acho que nem deveria, pois ele está criticando certo materialismo que também virou fraseologia.

    Sobre a discussão que o leitor Marcos levanta, creio que precisamos ser mais rigoroso. Já que ele cobra uma análise mais sistemática, creio que ele deveria ser mais cuidadoso ao explicitar sua opinião eleitoral.

    a) Diminuição da violência da PM. Alguém do PSDB também pode reivindicar esses números a favor de Alckmin.

    b) Programas de distribuição de renda. Há uma disputa para saber que inventou isso. A cientista social Amélia Cohn acaba de lançar um bom livro sobre o tema. Ela, uma das idealizadoras do programa, não tem dúvidas que isso surgiu com o PSDB e foi aprimorado pelo PT. Além disso, ela demonstra o vínculo do programa com o Banco Mundial e coisas do gênero. (mas não precisa acusá-la de tucana, porque ela defende o programa e demonstra a importância dele analisando a carta de indivíduos que escreveram para o presidente agradecendo o programa).

    c) Discussão sobre salário, eu pediria para o leitor pensar sobre o que está acontecendo no ABC Paulista.Em São Bernardo a CUT, tendo como ponta de lança o sindicato dos metalúrgicos do ABC, está em plena batalha pela “ACE”. Trata-se de “acordo coletivo especial”. Nesse acordo o negociado prevalece sobre o legislado. Isso é normal, é da natureza dos acordos coletivos. A novidade é o “especial”, que concede sem contrapartida nenhuma o que o FHC, no auge do seu poder não conseguiu: que se renuncie a direitos garantidos por lei. Trata-se de possibilitar a retirada de direitos e a revogação do artigo 612 da CLT. Isso em troca de que? De uma vaga promessa da GM de retirar de São José (onde o PSTU/Conlutas é dominante) uma unidade fabril e levá-la provavelmente para Taubaté ou São Bernardo onde o sindicato é CUTista.

    d) Sobre a educação… Além de acompanhar como foi a greve dos professores municipais. Sugiro que leia o D.O de ontem e veja como a prefeitura do Haddad está quebrando os acordos firmados no fim da greve. Falou que não ia descontar salários, mas cortou. Falou que as unidades escolares teriam autonomia para fazer o calendário de reposição, mas decretou que parte das reposições serão no recesso de julho… E por ai vai.

    Essas análises podem ser feitas, sem que mobilizemos uma versão de “esquerda” da Regina Duarte: “Tenho medo que o pior volte”. E claro, sem que coloquemos nossas opiniões no comportamento do “povão”. Esse povão vota no Lula, mas também vota no Maluf, no Kassab, no Tiririca. Parte dele fala como o autor: “Tô fora disso”. Parte dele é a favor de cotas, outros não. Alguns são a favor do aborto, outros não. E por ai vai.

    Mas certamente todos devem dizer: “Fique com sua opinião e não me …!”

  14. Alguem poderia me enviar o link das teses de metrado e doutorado defendidas por Haddad?

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