Por Passa Palavra

A esquerda e a defesa do regime sírio

À medida que se aproxima a tenebrosa perspectiva de uma intervenção militar dos EUA na Síria, cresce também o debate político sobre a situação no terreno. No que alguns convencionam denominar-se de esquerda, o apoio deveria ser dirigido para a defesa no imediato de Bashar al-Assad (veja aqui). Neste modo de ver, seria preferível defender a hipotética soberania de um povo contra a invasão externa.

Esta maneira de colocar a questão parte de premissas equivocadas.

Em primeiro lugar, o ponto de apoio para parte significativa da esquerda defender o regime sírio é unicamente o facto de ele ser antiamericano. Se o regime estivesse exactamente na mesma situação em que se encontra hoje mas se fosse anti-russo ou antichinês, os mesmos que hoje o defendem seriam os primeiros a clamar pela sua queda. Nessa situação as forças islâmicas fanáticas que se encontram na oposição já seriam politicamente aceitáveis para toda essa gente. Aliás, quando as forças armadas francesas invadiram o Mali há uns meses atrás, a mesma esquerda que hoje levanta o perigo do fundamentalismo islâmico era a mesma que, naquele caso, preferiu os integralistas e fanáticos que, entre massacres, aspiravam a destruir o património de Tombuktu. Por isso é que o principal critério para toda essa gente que se autoclassifica de esquerda é unicamente a potência imperialista que lhes interessa apoiar ou atacar.

Em segundo lugar, é preciso que a esquerda tenha atingido um enorme grau de miséria intelectual e política para avaliar cada situação política como se de um produto geoestratégico se tratasse. Nada na avaliação desta esquerda se baseia no antagonismo classista. Pelo contrário, a avaliação dessa esquerda baseia-se unicamente na defesa dos interesses políticos e geoestratégicos de uma determinada fracção das classes dominantes contra outra facção rival. É isso que explica a tolerância abjecta dessa esquerda relativamente ao regime sírio, um regime torcionário. Aqui, os assadistas portugueses replicam com a tese de que o imperialismo norte-americano também o é. Estranha esta dita esquerda que, entre torcionários, pensa que escolher um deles é condição de progresso social…

Que fazer? Escolher entre rivais capitalistas ou resgatar o espírito de Zimmerwald?

A prática desta esquerda escuda-se na falácia de que perante dois contendores, mesmo que das classes dominantes, devemos escolher um deles.

Ora, isto é falso por dois motivos fundamentais.

Por um lado, porque basta imaginarmos um mundo dominado por regimes políticos como o de Bashar al-Assad para se perceber a involução que ocorreria: um mundo capitalista ainda mais arcaico, permeado pela perseguição religiosa e política. Quem vive no Ocidente rodeado de tecnologia e escreve que o actual regime sírio é preferível só por ser antiamericano esquece que o modelo de sociedade oferecido pelo regime sírio não difere do capitalismo em que vivemos. Aliás, consegue ainda ser muitíssimo pior, mais autárcico e ainda menos tolerante.

Talvez fosse interessante que os que do Ocidente escrevem maravilhas sobre o progressismo de al-Assad tivessem vivido uns anos por aquelas bandas. Das três uma. Ou acabariam por se opor ao regime. Ou sentiriam falta do conforto urbano e moderno que dizem desprezar e regressariam a casa para continuar a mesma actividade que chamam de revolucionária. Ou tornar-se-iam quadros ou apoiantes activos do regime sírio no terreno. Dado o irracionalismo em questão, esta última hipótese era capaz de conquistar muitos adeptos na esquerda leninista e nacionalista portuguesa.

Mas se escolher entre dois modelos opressivos já é um erro, escolher o pior deles só pode ser interpretado como a concordância da esquerda leninista e nacionalista com a aplicação desse modelo.

Por outro lado, a recusa de apoiar qualquer um dos lados não é sinónimo de imobilismo.

Se assim fosse, os próprios leninistas teriam de recusar o comportamento do seu pai fundador. Ora, perante a Primeira Guerra Mundial, a esquerda internacionalista reunida em Zimmerwald rejeitou apoiar os potentados britânico, russo e francês contra as monarquias conservadoras alemã e austro-húngara. Essa foi a actuação de cada social-democracia nacional, quando preferiu apoiar a classe dominante do seu país.

Apesar das enormes diferenças entre Rosa Luxemburg e Lénine, ambos defendiam, naquele contexto específico de 1914-17, a mobilização dos trabalhadores contra os governos dos seus países como a única forma de derrubar os militaristas de cada um dos lados. A sua opção política assumia, assim, uma posição de classe contra a geoestratégia nacionalista. Opção política que tinha razão de ser e que encontrou na actuação dos trabalhadores europeus de então uma crescente base espontânea de actuação contra a guerra. Ou, conforme a fórmula de Lénine que os próprios leninistas de hoje recusam, transformar a guerra imperialista numa guerra civil. Por outras palavras, transformar a guerra dos interesses geoestratégicos de rivais dentro da classe dominante numa guerra em que os trabalhadores passam de um estado de carne para canhão de um desses rivais, para um estado de mobilização internacional e solidária.

Mais tarde, Lénine operaria uma transmutação total de princípios e passaria a aplicar na relação da União Soviética com a Turquia, o Irão, com sectores fascizantes da Alemanha de Weimar, etc. uma política idêntica à que condenou durante a Primeira Guerra Mundial. Não é esse ponto que aqui nos interessa discutir, apenas mencionar que os leninistas de hoje não mais têm qualquer contacto com o internacionalismo e apenas prosseguem as piores tendências da sua corrente política: o nacionalismo e o primado geoestratégico sobre a compreensão da sociedade em termos classistas.

Regimes como o de al-Assad (ou como os de Kadhafi ou de Saddam Hussein no passado) são defendidos acerrimamente por sectores que se colocam à esquerda porque são o resquício da fusão de temas sociais veiculados pelo leninismo (nacionalizações e a intervenção estatal na economia e na vida pública) com uma mundividência orientada por princípios geoestratégicos (o antiamericanismo).

Autonomia de acção

Quase 100 anos depois, a esquerda nacionalista e leninista conta com a sedimentação do pensamento geoestratégico no seio dos trabalhadores e cremos que essa é uma das explicações para que, no plano prático e político, sejam raríssimos os que defendem uma perspectiva assente na acção autónoma da classe trabalhadora tanto contra al-Assad como contra a intervenção militar norte-americana.

Um leninista de hoje – que muito pouco difere de um quadro do regime de al-Assad – pode dizer cinicamente que a inexistência de uma base prática na classe trabalhadora síria impede a posição internacionalista. 100 anos de açambarcamento nacionalista e geoestratégico das lutas sociais dos pobres e dos trabalhadores não são mera consciência histórica. Implicam efeitos práticos terríveis e particularmente visíveis em contextos extremos.

Mas se, neste momento, ainda não se constituiu uma base prática alargada para desenvolver-se uma política internacionalista (o site http://libcom.org/ tem citado a existência de forças minoritárias com essa perspectiva de oposição simultânea a al-Assad e a sectores fundamentalistas da oposição síria), isso não significa que ela seja impossível. Quando a Primeira Guerra Mundial deflagrou em 1914 não foram poucos os trabalhadores que então defenderam a intervenção bélica mas que, passados três anos, começaram a derrubar regimes e a desencadear processos revolucionários por essa Europa fora (França, Rússia, Alemanha, Finlândia, Itália, Hungria, etc.). Quando parte importante da esquerda prefere desenvolver o apoio ao regime sanguinário de al-Assad em vez de defender uma postura de constituição da classe trabalhadora numa força autónoma quer relativamente aos títeres sírios quer aos falcões imperialistas, então já não se trata apenas do caso concreto sírio.

Como sempre, as posições sobre um acontecimento político concreto nunca se lhe circunscrevem. Elas denunciam a real substância do projecto político global de cada interveniente. Por isso não é à toa que a esquerda nacionalista e leninista portuguesa defenda a colagem dos trabalhadores ao regime de al-Assad. O seu projecto é, nas linhas gerais, o mesmo: encostar a classe trabalhadora aos interesses da ascensão de uma nova classe dominante ao poder. E que aqui, na Síria e em qualquer parte do mundo praticaria uma orientação política transversal: a autarcia económica, o militarismo e o estatismo extensível a toda a sociedade, a perseguição e a eliminação política dos opositores.

53 COMENTÁRIOS

  1. Essa política do autointitulado “nacionalismo revolucionário” se desdobra ainda em outros pontos do planeta. Veja-se o caso da Palestina: enquanto não forem colocadas as classes capitalistas árabes no mesmo nível do sionismo, o combate ao Estado Nazista de Israel será uma sucessão de derrotas para o proletariado, sempre preso ao eterno processo de “negociação de paz” para permitir que o açambarcamento de terras por Israel continue.
    este texto sobre a Síria nos apresenta uma exata linha de orientação prática para ações de solidariedade. Resta estreitar os contatos com as forças minoritárias mencionadas que operam no terreno para que possamos dar passos, tímidos é verdade, neste sentido em outros países.

  2. O modo de produção capitalista não se divide somente em classes sociais, também se divide entre países opressores e países oprimidos. É mais concreto e progressista defender a autodeterminação dos povos frente a um ataque do imperialismo do que defender uma posição abstrata, a autogestão, etc. É claro que a superação dos problemas sociais (consequências do capitalismo) não vão ser resolvidos nos países que sofrem invasões e guerra pelo imperialismo, é preciso desenvolver e contribuir com o surgimento de um programa classista nestes países!

  3. A história da luta anticapitalista é uma história de derrotas, o que se constata facilmente porque o capitalismo continua a existir. O problema é que as derrotas são cada vez mais graves, porque se repetem sem tomar em conta a soma das lições anteriores. E agora a respeito da Síria, amanhã a respeito dali e depois de amanhã a respeito de acolá, o que ainda se chama esquerda precipita-se de cabeça na ratoeira das falsas escolhas. Durante a revolução portuguesa participei com outros companheiros no jornal Combate, que agora se encontra disponível na internet (https://www.marxists.org/portugues/tematica/jornais/combate/index.htm ). No editorial do nº 13, de 20 de Dezembro de 1974 (https://www.marxists.org/portugues/tematica/jornais/combate/pdf/13.pdf ), abordámos a situação em Angola e terminámos assim: «A organização do “banditismo” é, neste momento, a grande esperança da revolução angolana. Por isso, quando os nossos doutos universitários “de esquerda”, tecnocratas candidatos a novos exploradores, nos perguntam, de sorriso nos lábios e com a terrível cegueira que os impede de ver a pujança dos fenómenos sociais — “então, se vocês são contra o colonialismo e contra os movimentos de libertação, quem é que apoiam?”, nós respondemos: Apoiamos os bandidos».
    Mas a esquerda apoiou o MPLA, ajudando a entregar o poder a uma elite cleptocrática. A mesma esquerda que apoia agora a cleptocracia de al-Assad contra o imperialismo norte-americano.

  4. Rodrigo Fonseca,
    Quando visualizei as imagens para as quais você fornece os links, pensei que a terceira fosse o que em francês se chama canular, uma farsa apresentando-se como séria. O Google, claro, rapidamente me resolveu o problema: http://www.clarin.com/politica/agrupacion-reivindica-lider-banda-Assad_0_985701673.html Sempre que neste site eu classifico o peronismo — e, já agora, o Estado Novo de Getúlio Vargas — como fascista, aparecem uns exaltados da esquerda nacionalista para defender aqueles regimes, com o argumento profundo de que eu sou um ignorante e que de fascismo não entendo nada. A razão porque cada vez mais prossigo o estudo do fascismo usando os textos dos próprios fascistas é que eles não têm receio de se reivindicar do fascismo. Enquanto a esquerda nacionalista se esforça desesperadamente por convencer os outros e a si mesma de que nem todo o fascismo foi fascismo. Por isso seria importante que reflectíssemos sobre aquele cartaz e as suas implicações.

  5. Sobre as esquerdas nacionalistas, é recomendável ler a nota do grupo Unidade Vermelha, em apoio ao regime sírio. Aqui vai:

    NOTA DA UNIDADE VERMELHA SOBRE AS AMEAÇAS DO IMPERIALISMO À SÍRIA.

    Saudações camaradas!

    No dia 31 de agosto de 2013 foi anunciado pelo presidente dos Estados Unidos sua deliberação sobre como procederá quanto a Síria. Segundo ele, todo armamento bélico já está preparado e em suas próprias palavras diz : “Os Estados Unidos estão preparados para atacar, seja hoje, amanhã, em uma semana ou em um mês”, no entanto, Obama delegou para o Congresso a decisão final. Quais são os verdadeiros interesses por trás desse ataque?

    A Síria está em guerra civil desde 2011, quando opositores do presidente Bashar Al-Assad, aproveitando a convusão ocasionada pela denominada “Primavera Árabe”, resolveram tentar derrubar o regime. Financiados, armados e treinados pelos governos de Israel, Turquia, Catar, Israel e Estados Unidos, os “rebeldes” sírios na prática procuram fazer da Síria uma nova Líbia, recolonizada a serviço dos lacaios imperialistas.

    Depois de três anos de conflito civil, de milhares de mortes e de investimentos do próprio EUA para que a guerra continuasse, Obama diz ter provas contundentes, por meio de seu serviço de inteligência, de que a Síria havia usado armas químicas, o que não seria “tolerado” por eles (logo eles que usaram Napalm no Vietnam e jogaram as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki!). Parece ser uma política americana querer se meter com o intuito de salvaguardar um povo de regimes “ditadores”, como se o seu próprio não o fosse, o maniqueísmo que os EUA e também alguns Estados europeus tentam demonstrar é tão invertido quanto a imagem da “Primavera Árabe” tem sido. Não é de se espantar que não tenha o mínimo indício, a não ser a palavra dos próprios norte-americanos (o que não serve de nada!), de que de fato houve ataque com armas químicas, e que estas de fato tenham sido utilizadas pelo governo de Assad, que por sinal vem vencendo a guerra e a cada dia ganhando terreno sobre os terroristas e mercenários que assolavam o país.

    A Síria tem um dos maiores gasodutos do mundo, e os ataques a ela promovidos pelos norte-americanos apenas será pautado em especulações e interesses imperialistas, na tentativa de invadir o país e se aproveitar das riquezas que ele possui, assim como fez com a Líbia, assim como faz e fez em todas as suas invasões e assim como futuramente poderá fazer com os países da América latina, caso estes decidam romper com seu papel submisso frente ao imperialismo ianque.

    Anunciam os imperialistas ianques que o bombardeamento será realizado, com ou sem a permissão da ONU. A síria precisa resistir e sem dúvida o seu governo e seu povo farão todo o possível para impedir que seu país seja tomado pelo imperialismo e utilizado para fortalecer o poder dos sionistas no oriente médio. Todo apoio a Síria e ao povo sírio! Que consiga esmagar não apenas a reação violenta e desesperada do imperialismo, que incapaz de fazer os “rebeldes” vencerem a guerra, tenta intervir militarmente para tentar atacar mais um país, desrespeitando sua soberania nacional e visando promover mais massacres e destruição.

    Não à intervenção imperialista na Síria!

    Total apoio a soberania e autodeterminação do povo sírio!

    Pela vitória total e definitiva do exército árabe sírio e dos comitês populares sobre os mercenários e terroristas á serviço do imperialismo!

    “Ódio e morte aos imperialistas norte-americanos!” – Carlos Marighella

    À Unidade

    ***

    A debilidade mental da esquerda nacionalista não para por aí: o referido grupo define-se, nas redes sociais, como “organização Revolucionária de caráter democrático, patriótico e internacionalista, e que luta pela revolução nacional-libertadora [!]”. Ou não entenderam, até hoje, o que é internacionalismo ou então fui eu que não entendi que sua solidariedade internacional é para com nacionalismos do mesmo tipo que o seu.

    O mesmo grupo tem promovido que, segundo eles, é uma declaração do Partido Comunista da Síria (aqui: http://www.centrodosocialismo.com.br/2013/09/declaracao-do-partido-comunista-da-siria.html), que diz: “O valente povo sírio e seu exército, com sua firmeza patriótica, enfrentam há mais de dois anos uma guerra não declarada lançada contra sua pátria, e farão frente com valentia e com mais coragem à descarada agressão militar”.

    Tanto essa declaração quanto a nota da Unidade Vermelha estão a exaltar o exército sírio, justamente aquele que está a massacrar os opositores do regime sírio e inúmeros civis! Quando contestei, nas redes sociais, esse tipo de posição me acusaram de defender o mesmo internacionalismo que o PSTU, isto é, tentaram me atacar chamando-me de trotskista. Não entendi bem, na hora. Depois li um texto reproduzido no site do PSTU (aqui: http://www.pstu.org.br/node/19972) e comecei a entender.

    Mas comecei a entender melhor também as coisas depois de ler, no site da Unidade Vermelha, que o referido grupo é contrário às nossas grandes “elites (anti)nacionais”. Quer dizer então que se as elites forem “nacionais” então está tudo bem, está tudo nos conformes?

    Mais adiante, tudo se revela. No site da Unidade Vermelha (aqui: http://unidadevermelha.blogspot.com.br/p/a-unidade-vermelha.html), lê-se o seguinte: “pretendemos com a tomada do Poder colocar em prática as nossas reivindicações e metas, que estão no nosso programa mínimo de 12 pontos, o Programa Vermelho, um programa político de transformações baseado em reivindicações concretas das massas, e que devem ser postas em prática assim que o povo, organizado e bem direcionado por sua vanguarda, tome o Poder para si, edificando pela primeira vez em nossa história um governo Nacional, Popular e Revolucionário, que irá por um fim definitivo à fome, à miséria, à corrupção e à exploração do nosso povo pelo imperialismo e pelos grandes monopólios! Um governo que irá cortar o mal pela raiz, edificando uma nova sociedade e libertando de uma vez por todas, o nosso povo e o nosso país!”

    Isso tudo para mim é puro fascismo não-assumido. Alguns fascistas não saem do armário.

  6. “A prática desta esquerda escuda-se na falácia de que perante dois contendores, mesmo que das classes dominantes, devemos escolher um deles.”

    Qualquer um, sobre quase tudo, pode vir com estes esquemas duais, por ex:

    ‘O Passa Palavra escuda-se na falácia que perante o nacionalismo e o passa-palavrismo temos de escolher um deles.’

  7. Um militante anticapitalista não precisa escolher entre o nacionalismo e o “passa-palavrismo”. É só escolher o internacionalismo mesmo, o que, a meu ver, significa fazer a escolha certa. Agora, será que “João.” – que caracteriza o esquema dual nacionalismo vs. internacionalismo como falácia passa-palavrista – é partidário, talvez, de uma “terceira via”? Será o (camarada?) “João.” um daqueles que se definem como patriotas e internacionalistas e que concebem o internacionalismo como um internacionalismo de patriotismos?

  8. Não entendo porque razão você coloca o meu nome entre aspas, mas suspeito que dada a falta de uma verdadeira saída da demonstração cabal do expediente falacioso de que se serve o autor do artigo você tenha que tentar insinuar qualquer coisa sobre o autor da crítica, no caso, eu.

    Quanto ao mais, vejo que você nem sequer sabe ler a palavra “internacional”. É que há também, por exemplo, a palavra “transnacional” e parece-me que quando o sr. fala de internacionalismo você quererá falar de transnacionalismo.

    Recomendo que você apure os seus conceitos, que distinga uma palavra da outra, enfim, que vá ao dicionário.

  9. João., em se tratando de conceitos como “internacionalismo”, não busque suas definições no dicionário, busque-as no estudo do processo histórico. Que eu saiba, o internacionalismo proletário sempre foi concebido como a solidariedade internacional – isto é, que passa por sobre as fronteiras nacionais – entre os proletários, ou, então, pelo menos, como a solidariedade que passa por sobre as fronteiras nacionais entre os pobres, explorados e oprimidos, mesmo que não sejam trabalhadores assalariados típicos do capitalismo. O que está a ser criticado no artigo é que parte da “esquerda” está a dar apoio a Assad, em protesto contra o imperialismo estadunidense, esquecendo-se do fato de que o mesmo Assad está, por sua vez, a massacrar as classes subalternas de seu país, há muito tempo. Prestar votos de solidariedade a Assad é prestar votos de solidariedade às classes subalternas da Síria, é ser internacionalista? A Síria é, neste momento, um todo homogêneo, unido na luta contra o imperialismo estadunidense, ou, ao contrário, ela é (e sempre foi) um país fragmentado por interesses, de classe e outros mais, contraditórios? Para mim, realmente, trata-se de um esquema dual, como o sr. o coloca: ou se é solidário para com os pobres, os oprimidos e os explorados, e se dá apoio à luta destes, tanto contra os seus opressores e exploradores nacionais quanto contra o imperialismo (o que o sr. pode querer caracterizar como “passa-palavrismo falacioso”), ou então se se mete na ilusão (verdadeira falácia) de pensar que dar apoio a um ditador como Assad, na luta contra o imperialismo, trará algum benefício aos trabalhadores que ele está a massacrar cotidianamente. Não existe terceira via João.. Solidarizar-se para com Assad é solidarizar-se para com o massacre que ele está a efetuar diariamente, e isto é óbvio. Eu, particularmente, já apurei os meus conceitos há muito tempo e deixei de me embalar pela ilusão do terceiro-mundismo, desde que percebi que em Cuba não há socialismo coisa nenhuma e que os “ícones” do terceiro-mundismo fizeram e fazem tudo o que está ao seu alcance para refrear e domesticar o ímpeto anticapitalista das massas, tendo em vista perpetuar-se no poder. [Obs.: coloquei o seu nome entre aspas porque o sr. escreve-o junto a um ponto final e não quis, escrevendo-o desta forma, fazer parecer que as frases em que ele está escrito haviam terminado. Não o fiz com a finalidade de insinuar coisa alguma: num ambiente geralmente marcado pelo desentendimento mútuo entre debatedores, é sempre bom tentar fugir ao mal-entendido, o que me parece, agora, inútil. Por outro lado, insinuei sim, muito claramente, que o sr. talvez não seja um autêntico partidário da causa do proletariado, seja ele o nacional ou o internacional]

  10. “O que está a ser criticado no artigo é que parte da “esquerda” está a dar apoio a Assad, em protesto contra o imperialismo estadunidense, esquecendo-se do fato de que o mesmo Assad está, por sua vez, a massacrar as classes subalternas de seu país, há muito tempo.”

    A esquerda não dá apoio a Assad, a esquerda, e a meu ver bem, pensa que o combate a Assad condicionado por forças externas à Síria não tem por finalidade o interesse do povo Sírio mas o interesse das forças externas e que, portanto, quanto mais exteriores são as forças que comandam um país menor é a influência e o poder que os povos têm sobre a sua vida política. Para a esquerda o problema duplicou-se, ou seja, agora o povo Sírio não tem apenas que libertar-se do regime de Assad, tem de libertar-se de Assad e dos que o estão a combater, quer dizer, a situação está pior agora.

    O PCP disse desde o início que a situação ia piorar. Na altura como sempre os “sábios” e “democratas” diziam que o PCP estava a defender ditadores, hoje, esses mesmo “sábios e democratas” já perceberam que as forças em que se apoiavam para defender a democracia na Síria são tudo menos democráticas e portanto ocupam-se agora de tomar posições meias-tintas para limpar a face e fazer esquecer que no início apoiavam as forças da oposição – aquelas que em suas fileiras têm oficiais que comem o coração de inimigos caídos.

    Quanto a “internacional” ele presume que do que quer que se trate, se trata entre nações, entre países e não “acima” ou “além” deles. É isto que eu estou a dizer e que a história não nega. Marx, por exemplo, não defendia o fim das nações, defendia sim o fim da exploração internacional, de umas nações sobre outras, defendia que nações proletárias seriam mais solidárias e menos antagónicas.

  11. Caro Fagner,

    você escreveu (e bem) que

    «parte da “esquerda” está a dar apoio a Assad, em protesto contra o imperialismo estadunidense, esquecendo-se do fato de que o mesmo Assad está, por sua vez, a massacrar as classes subalternas de seu país, há muito tempo.»

    Penso que a questão é muito bem colocada aqui nesse trecho do seu comentário.
    Hoje em dia, creio que existem tantos esquecidos como os que conscientemente desprezam os massacres de Assad sobre os trabalhadores. Primeiro, porque em nome do anti-americanismo tudo seria aceitável para essa gente. Segundo, porque essa mesma “esquerda” faz o mesmo que Assad quando chega ao poder: prende, mata e persegue os adversários políticos e os trabalhadores. Porque se continua a chamar de esquerda essa gente que, nas suas truculências, assassinatos e destruição das lutas sociais só é superada pelos fascistas, esse sim é um aspecto a continuar a reflectir.

    Um abraço

  12. Acontece, João., que Karl Marx foi produto de uma era e tinham suas próprias ambiguidades. Creio eu, contudo, que o internacionalismo proletário não foi e nem deve ser concebido como uma invenção de Marx e, portanto, internacionalismo não é o que Marx escreveu (e escreveu mal) neste ou naquele trecho de sua obra.

    Agora – para evitar que o debate se desvie para disputas escolásticas em torno do que Marx escreveu ou deixou de escrever -, há um artigo (aqui: libcom.org/blog/syria-imperialism-left-1-08082012) que, creio, é de suma importância para esclarecer melhor as coisas. Traduzi um trecho, meio que toscamente, pois o fiz às pressas. Aqui vai:

    “A dinastia Assad tem colaborado com o império norte-americano quando julga oportuno. Pai Hafez, Assad o Velho, mandou soldados sírios, ao lado de tropas norte-americanas, britânicas e sauditas, para lutar contra o Estado iraquiano na Guerra do Golfo em 1991. Filho Bashar, Assad o Moço, aceitou, prestativo, prisioneiros que os EUA mandaram à Síria para serem ‘interrogados’ e após o 11 de Setembro colaborou integralmente com a inteligência norte-americana na luta contra a Al-Qaeda. Além do mais, o exército sírio se mostrou muito ruim em lutar contra Israel mas muito bom em reprimir palestinos no Líbano, da mesma forma que tem demonstrado maestria nos bombardeios de Damasco e Aleppo atualmente. A Síria como parte de um ‘Eixo de Resistência [Anti-imperialista]’ foi e continua a ser meio que uma piada. A Síria como um inimigo de qualquer coisa que se assemelhe a uma resistência de verdade, contudo, não é tão engraçado assim. Há um senso profundo de que o anti-imperialismo do regime sírio é falso. O Estado sírio e aqueles que financiam seus empreendimentos representam interesses capitalistas locais. Sua aliança com o regime iraniano faz de ambos parte de um bloco regional gravitando em torno de Teerã; a conexão com o Hezbollah e com o Hamas dá a este bloco um poder extra e uma retórica de resistência, frequentemente combinadas com pitadas de oposição entre identidades xiita e sunita, formando uma mistura ideológica capaz de justificar tudo. Por trás da retórica e da ideologia estão poderosos interesses políticos e econômicos. O empenho do Irã em se tornar uma potência nuclear – com ou sem uma dimensão armada – não é de surpreender. O que vemos são os interesses e ambições de um bloco imperialista regional sob a liderança do Irã, do qual a Síria faz parte, numa cumplicidade ativa, se se quiser. As coisas não param por aí. A aliança regional entre Irã e Síria está conectada a poderes maiores, a China e sobretudo a Rússia. A Síria tem sido armada pela Rússia há muito tempo; a Rússia encara a China como um aliado remanescente numa época em que a maioria dos Estados correram – ou foram forçados a correr – para os braços do império norte-americano. A Rússia tem uma base militar na Síria. Além do mais, a Rússia está preocupada com os movimentos de jihad na sua fronteira Sul e encara o oficialmente secular regime sírio – o qual esmagou a revolta da Irmandade Muçulmana, repressão que culminou num massacre infligido pelo Estado em Hama em 1982 – como estando no mesmo lado que ela na luta contra o ‘fundamentalismo islâmico’. Tudo isto, e provavelmente mais, faz da Síria um parceiro menor de um grande bloco de poder imperialista, liderado pela Rússia. Defender a Síria contra a insurreição armada – mesmo que se aceite que esta insurreição está a mando dos interesses ocidentais/sauditas/qataris – significa aliar-se com uma corrente de imperialismo, liderado por Moscou, contra outra corrente reconhecidamente maior, liderada a partir de Washington. Ficar ao lado de Assad é ficar ao lado da corrente mais fraca de imperialismo. Não há nada de remotamente anti-imperialista, progressivo ou revolucionário nessa escolha. Também é errado apoiar o regime de Assad por razões internas, como se ele fosse um ‘baluarte contra o neoliberalismo’ ou algo assim. Sim, o Partido Baath executou reformas nos anos 1960 e algumas destas reformas beneficiaram os trabalhadores e os camponeses pobres. Contudo, a coisa foi burocraticamente controlada a partir de cima; a Síria se tornou um ‘Estado de Bem-Estar’ verdadeiramente autoritário, com esse Estado como um executor do capitalismo e um capitalista por conta própria. Em 1970, quando Assad Pai tomou o poder, o regime já começou a mudar. Assad Filho presidiu reformas neoliberais, afastadas dos aspectos do ‘Estado de Bem-Estar’ e do domínio do Estado sobre a economia. Foi pelo aceleramento da reforma neoliberal que se minou a limitada segurança econômica que existiu. O acordo básico e tácito entre a população e o regime – nós o obedecemos e esperamos que você nos dê comida e abrigo em troca – foi quebrado. Uma clique burocrática opressiva no topo, mas, de certa forma, paternalista, evoluiu para uma espécie de máfia. A cólera, enraizada na insegurança sentida por uma população já pobre, é uma das forças motrizes que levaram à eclosão da revolta. Os protestos em geral começaram nos bairros pobres, na periferia das cidades, onde viviam pessoas provenientes de um cenário de pobreza rural. Não é por acaso que Aleppo, um lugar relativamente rico, só recentemente tenha se tornado um dos palcos da rebelião, enquanto lugares pobres como Deraa viram protestos desde o início. Não é por acaso que membros da burguesia tenham mantido seu apoio, ou, pelo menos, sua tolerância, ao regime até recentemente, tendo somente deslocado sua posição para cima do muro, hesitando entre buscar abrigo sob a ditadura de Assad e buscar novos protetores sob uma nova liderança. A espinha dorsal da revolta – mesmo que ela se expresse com muita frequência de forma reacionária – continua a ser o pobre, urbano e rural, em sua maioria, mas não exclusivamente, sunita. Isso, aliás, faz com que qualquer rejeição de toda a revolta, como nada mais do que uma força substituta de poderes reacionários, seja muito parcial e injusta. Em suma, o regime não é anti-imperialista. Ele também não é realmente anti-neoliberal. Ele não deve ser nem defendido nem apoiado. Ele deve ser totalmente rejeitado e não deve receber apologias que soam como progressistas. Pessoas pobres e oprimidas na rebelião contra ele não merecem ser desdenhadas. Qualquer que seja o lado que se escolha, certamente não deve ser o lado da máfia que está a governar e explorar a Síria por meios brutais.”

  13. Há quem diga por aí que o PCP não apoia Assad mas apenas estaria a condenar a intervenção imperialista. Ora, hoje mesmo, um site ligado ao PCP replicou uma declaração do PC Sírio onde se diz textualmente o seguinte:

    «A defesa do regime nacional sírio que não baixa a cabeça contra todas as formas de agressão, recusando a humilhação e a submissão, é lutar pelo país, sua soberania e sua independência.

    Nestes tempos difíceis para o nosso país e o nosso povo, deve-se fazer todo o possível para fortalecer todas as frentes: a política, a militar e a económica. O povo sírio não está só na batalha, conta com o apoio de todos os povos livres do mundo.

    Que a vergonha e o desprestígio caiam sobre o imperialismo e seus agentes.

    Glória à nobre resistência patriótica!» (http://resistir.info/moriente/declaracao_pcs_07set13.html).

    Temos assim um partido comunista a apoiar abertamente e a combater ao lado de Assad. Portanto, a esquerda estalinista apoia de forma muito clara o regime de Assad. Aliás, quando o principal argumento dessa esquerda é a defesa da soberania síria contra o imperialismo isso significa muito simplesmente que defendem a soberania do actual regime de Assad. Em nome do anti-americanismo, todos os apoios são possíveis, todas as condescendências para com as atrocidades de Assad se tornam legítimas.

  14. Há certos censuradores de comentários que não percebem as escolhas que os Sírios têm de fazer nestes tempos, pensam que os Sírios podem ponderar as resmas de bullshit derramadas por bloggers “independentes” ocidentais.

  15. Não há censura aqui. Há debate. E os sírios não precisam ponderar o que está a ser escrito por “bloggers ocidentais independentes”. Eles vivem a realidade nua e crua. Sobretudo os pobres, que, a julgar pelo que está escrito no trecho do artigo por mim traduzido e postado no meu último comentário, (a) começaram a protestar desde as periferias contra o regime de Assad, (b) estão a ser massacrados por este regime – na verdade, já estavam a sê-lo desde antes da guerra, pelas razões evocadas no trecho que traduzi e transcrevi – e (c) o serão ainda mais pelas forças de intervenção imperialista vindas dos EUA, trazendo suas armas e seu senso de superioridade cultural. Com certeza, as bombas e balas americanas serão despejadas por toda parte, só não cairão onde seria bom que caíssem, na cabeça de Assad e seus companheiros. Além do mais, como diz o autor de um outro artigo publicado neste site (aqui: http://passapalavra.info/2013/09/83991), o problema da Síria não é nem a perda de soberania, pois “a Síria se tornou atualmente uma terra de todos, menos dos sírios”, nem a destruição, pois “ela já foi destruída pelo regime criminoso”. São estas questões que os sírios têm que ponderar – e com certeza o estão fazendo: eles não devem ser tão estúpidos assim para correr para os braços de Assad diante da intervenção imperialista norte-americana. Aliás, creio eu que muitos deles estão mesmo é a torcer para que venham logo os norte-americanos colocar tudo abaixo de uma vez por todas.

  16. Aliás, não foram poucos os iraquianos que festejaram a deposição de Saddam Hussein pelos norte-americanos, pelas razões que se pode calcular, por exemplo, se se assistir o filme “O dublê do diabo”.

  17. “Aliás, creio eu que muitos deles estão mesmo é a torcer para que venham logo os norte-americanos colocar tudo abaixo de uma vez por todas.”

    Para quem está imerso em propaganda americana essa é a ideia a passar contudo talvez não lhe faça mal desligar por um momento a CNN e arejar as ideias antes de formar a sua posição:

    http://www.youtube.com/watch?v=ndz8Q0KH3Xs

  18. O Passa Palavra tem neste momento em destaque dois artigos sobre o iminente ataque norte-americano à Síria. Um é da autoria do colectivo do Passa Palavra (http://passapalavra.info/2013/09/83792 ) e tem dezoito comentários. O outro é de um árabe de origem síria (http://passapalavra.info/2013/09/83991 ) e não tem nenhum comentário. Ambos os artigos defendem a mesma tese. Por que será que aqueles leitores que invocam o povo sírio para afirmarem que há escolha e que se deve defender o regime de al-Assad contra a agressão norte-americana não vão dizer isto nos comentários do artigo escrito pelo árabe de origem síria?

  19. Quando o Passa Palavra colocar as várias versões a falarem por si mesmas então terá nesta matéria alguma credibilidade. Agora vir evocar um árabe de origem Síria como se ele detivesse a verdade da situação quando neste momento a luta propagandística é feroz e a coligação dos EUA com a ALQAEDA tem muito mais imprensa do que o resto é querer fazer dos outros tolos.

    Porque não escutar outro o Syria Danny:

    http://www.infowars.com/syria-danny-caught-staging-cnn-war-propaganda-stunt/

    E uma vez que os que se opõem à intervenção militar na Síria são tidos pelo passa palavrismo como apoiantes de Assad é preciso, caso a hipocrisia não seja total, que os apoiantes do ataque militar ao regime, como é o passa palavrismo, sejam tomados como apoiantes das forças que realizam esse ataque, entre elas a Al Qaeda e grupos para os quais não repugna comer o coração de um inimigo caído. Assim, uma vez que o Passa Palavra só sabe acusar os outros de apoiar Assad é preciso remeter o passa palavrismo para o apoio a organizações da Al Qaeda e grupos a quem não repugna cerimónias canibais.

    Ou vocês pensam que neste momento podem não querer lá o Assad sem o apoio dos que andam lá a tentar tirá-lo?

    Em nome do quê vocês apoiam os inimigos de Assad no terreno: Al Qaeda e pessoal capaz de cerimónias canibais?

  20. O que o João ignora é que o próprio texto do arábe de origem Síria também está lutando contra os EUA e a Al-Qaeda. No texto, ele relata de que maneira a entrada dessas organizados jihadis na luta contra Assad foi um efeito, de certa maneira, da própria preocupação ocidental com a ascensão ao poder de um movimento popular genuíno na Síria. Rebeldes desarmados sofrendo massacres, evidentemente, vão aceitar quase qualquer apoio. E mesmo assim, o autor referido não os apoiou. O mesmo autor é firmemente contrário à interveção, assim como à intervenção Jidahi e assim como também o é contra a interveção do Irã e da Rússia, que sustentam o regime de Assad com armas e milícias.

    Chamar o Passa Palavra de binário quando publica um texto desse tipo, que denuncia as várias forças políticas em questão (eu mesmo contei umas 4) e tenta construir uma alternativa à elas todas, realmente só pode indicar, na melhor das hipóteses, uma deficiência na leitura ou ainda uma cegueira política típica do espectro nacionalista, que gosta de unir o que não está realmente unido e separar o que se encontra junto para daí criar guerras e Estados nacionais realmente justos.

  21. Grouxo, o que João quer é defender a posição do PCP onde quer que o Passa Palavra a questione. Os argumentos mudam, mas a postura é a mesma. E assim os artigos do Passa Palavra se tornam palatáveis para a militância menos “esclarecida” desta egrégia instituição da política portuguesa, pois, graças aos comentários, passa a haver o contraponto adequado para que não saiam da linha definida pelo comitê central.

  22. Acontece, João., que a Al-Qaeda e outros grupos oportunistas, citados por Darth Nader no referido artigo, não foram os que começaram por lutar contra o regime. Esses grupos são exatamente isso: oportunistas. E são grupos que têm como horizonte a implantação, na Síria, de um regime autoritário de novo tipo. O todo não se resume às partes: os que lutam contra Assad não são todos jihadis, não são todos milicianos financiados pelo Irã ou por quem quer que seja. “A revolução Síria começou como uma luta pela autodeterminação”, é o que diz Darth Nader no referido artigo. “Os protestos em geral começaram nos bairros pobres, na periferia das cidades, onde viviam pessoas provenientes de um cenário de pobreza rural”, é o que diz o artigo do site libcom.org, que eu citei anteriormente. Quer dizer que se surgem, no interior do movimento contra Assad, diversos grupos oportunistas, os quais são tão ruins quanto o regime homicida de Assad, então toda a luta contra o regime perde sua legitimidade? Eu não defendi a intervenção norte-americana em momento algum. Eu disse que creio que muitos sírios provavelmente estão mesmo a torcer para que venham os norte-americanos derrubar o regime: ninguém pode ignorar as cenas de iraquianos festejando a deposição de Saddam Hussein pelos EUA, por que será? O próprio Darth Nader, contudo, duvida que isso vá acontecer – vá lá ler a argumentação do autor – e, por isto, se opõe à intervenção norte-americana. Eu também me oponho, pois como disse, num dos meus últimos comentários: “as bombas e balas americanas serão despejadas por toda parte, só não cairão onde seria bom que caíssem, na cabeça de Assad e seus companheiros”. Pelo que pude perceber, todos os comentadores são contra – como eu – a intervenção imperialista norte-americana. Todos também são contra os grupos oportunistas que se infiltraram no movimento de oposição a Assad, como a Al-Qaeda. Só não são todos defensores de Assad, pelas razões que ficaram muito claras na argumentação de cada um, porque são todos a favor do povo pobre – trabalhadores do campo e da cidade -, do povo explorado, oprimido e massacrado pela dinastia Assad. Só confusões mentais muito graves são capazes de fazer uma pessoa “de esquerda” apoiar uma dinastia de ditadores. E não faltam pessoas “de esquerda” a dar votos de confiança e apoio a dinastias como a cubana e a da Coréia do Norte. Vai entender… Se nada justifica o apoio à invasão do país pelos norte-americanos, nada justifica também, por outro lado, o apoio ao regime em nome do anti-imperialismo; ou, melhor, do antiamericanismo, já que no trecho do artigo do site libcom.org, que eu citei, fica muito claro que a Síria insere-se num bloco imperialista regional, liderado pelo Irã, e noutro bloco imperialista continental, liderado pela Rússia. E fica claro também que Assad colaborou com o imperialismo norte-americano quando lhe pareceu oportuno. Que anti-imperialismo é esse?

  23. Vamos a uma notícia sobre um estudo da Nato:

    NATO has been studying data that told of a sharp rise in support for Assad. The data, compiled by Western-sponsored activists and organizations, showed that a majority of Syrians were alarmed by the Al Qaida takeover of the Sunni revolt and preferred to return to Assad, Middle East Newsline reported.

    The people are sick of the war and hate the jihadists more than Assad,” a Western source familiar with the data said. “Assad is winning the war mostly because the people are cooperating with him against the rebels.

    The data, relayed to NATO over the last month, asserted that 70 percent of Syrians support the Assad regime. Another 20 percent were deemed neutral and the remaining 10 percent expressed support for the rebels.”

    http://www.worldtribune.com/2013/05/31/nato-data-assad-winning-the-war-for-syrians-hearts-and-minds/

  24. “E fica claro também que Assad colaborou com o imperialismo norte-americano quando lhe pareceu oportuno. Que anti-imperialismo é esse?”

    Fagner,

    Você simplesmente não quer compreender a minha posição. Eu não tenho o Assad como modelo e como é evidente nem o PCP – a minha posição diz respeito à situação actual e resume-se nisto: se o regime de Assad tinha que ser superado pelo povo Sírio, agora não é só Assad, é Assad e o tal exército de liberdade e o conjunto de poderes estrangeiros que estão por de trás, entre eles, os EUA e a Al Qaeda. Ou seja, a situação piorou. Foi isso que o PCP disse logo de início. Se quiser pode ver o crescimento do apoio a Assad como um sintoma da piora da situação, por mim não me importo nada se o fizer e até concordo, desde que não me venham com os canibais e a Al Qaeda para libertar os Sírios de Assad.

  25. João., seu raciocínio, pelo que pude compreender, pode ser resumido esquematicamente assim:

    1. Começam protestos contra a ditadura de Bashar al-Assad; 2. O regime reprime violentamente os protestos, levando a uma guerra civil, ao mesmo tempo em que grupos oportunistas e autoritários, como a Al-Qaeda, intervêm na luta contra o regime; 3. A população síria, após mais de dois anos de guerra civil, cansada de tanta luta e sofrimento e percebendo que estes grupos oportunistas são piores do que a própria ditadura contra a qual luta, resolve que esta ditadura é, na verdade, um mal menor; 4. Os norte-americanos pretendem intervir na guerra contra o regime, trazendo mais sofrimentos ainda para uma população massacrada; 5. Conclusão: como o que está em processo resume-se a um aumento, cada vez mais intenso, do sofrimento da população do país, esta população deveria ter começado por não protestar, conformando-se com um regime definido (neste link, que você compartilhou: http://www.youtube.com/watch?v=ndz8Q0KH3Xs) como “totalitário” e “obsoleto”.

    Sejamos francos, mas essa não é a posição explícita da nota do PCP, de 28 de Agosto de 2013, “PCP condena ameaças de agressão directa contra a Síria” (aqui: http://www.pcp.pt/pcp-condena-amea%C3%A7as-de-agress%C3%A3o-directa-contra-s%C3%ADria): a nota está a condenar a iminente agressão imperialista norte-americana à Síria como uma agressão que tem, entre outras coisas, por objetivo “assegurar – através da destruição sucessiva dos Estados soberanos com uma história de resistência à dominação imperialista na região – a impunidade regional do imperialismo e de Israel e da sua política de terrorismo de Estado e ocupação da Palestina”. Além do mais, essa nota está a tentar inocentar o regime de Bashar al-Assad das acusações que lhe são feitas: “registem-se as repetidas declarações do Governo sírio, que nega categoricamente qualquer ataque com armas químicas e que atribuí aos chamados ‘rebeldes’ a sua utilização, ou ainda, as declarações de diversas autoridades internacionais sobre a existência de indícios que atribuem a utilização de armas químicas no conflito sírio, não ao exército sírio mas aos chamados ‘rebeldes'”.

    Também não é a postura explícita de inúmeros grupos de esquerda, não só do PCP, que estão a defender o regime sírio e a exaltar o exército sírio, como se fossem lutadores pela liberdade. Já fiz menção, noutro comentário, a uma nota de um grupo de esquerda brasileiro, a Unidade Vermelha, a qual reproduz esse tipo de posicionamento. Podem-se encontrar muitos outros exemplos, como aquele citado por João Valente Aguiar noutro comentário.

    A notícia do World Tribune, que você compartilhou (http://www.worldtribune.com/2013/05/31/nato-data-assad-winning-the-war-for-syrians-hearts-and-minds/), data do dia 31 de Maio deste ano. Por que é o “brusco aumento” de apoio da população síria a Assad, mencionado na notícia de 31 de Maio, não foi referido na nota do PCP, publicada vários meses depois, a 28 de Agosto? Ou o PCP presta solidariedade a governos com os quais simpatiza, mesmo que eles não tenham apoio popular? Isto é, o importante não é que o regime tenha apoio popular, mas que ele seja antiamericano? Porque, se uma reviravolta como essas – o aumento do apoio popular a Assad – é argumento para se apoiar o regime, não deveria ter sido ela inclusa na nota? Ou, então, por que isso não apareceu na nota da Unidade Vermelha e nas inúmeras notas de outros grupos “de esquerda”? Pelo contrário ambas as notas, a do PCP e a da Unidade Vermelha, têm em comum a insinuação de que os opositores de Assad não são de fato rebeldes, colocando rebeldes entre aspas. Ambas também têm em comum a crítica da acusação feita ao regime sírio de que ele dispõe de armas químicas, apelando para o seguinte argumento: “se os norte-americanos já usaram armas deste tipo em outras ocasiões, quem são eles para acusar outros governos de o fazerem?” Ambas também têm em comum a defesa de um regime que é caracterizado como “anti-imperialista” (sobre a inserção da Síria em blocos imperialistas alternativos ao liderado pelos EUA, nenhuma palavra).

    Em resumo, tanto o PCP quanto outros grupos nacionalistas de esquerda não estão a se opor à intervenção imperialista norte-americana porque ela trará mais sofrimentos à população civil da Síria nem porque esta população, diante da ascensão de grupos oportunistas e autoritários, no curso da guerra civil, está aumentando o seu apoio ao regime de Assad, visto como um mal menor, como está escrito na reportagem do World Tribune. Trata-se da (boa e velha?) solidariedade internacional entre nacionalismos (!), que é algo bem diferente da solidariedade internacional entre proletários (ou, pelo menos, entre as classes subalternas) de diferentes países, como já argumentei.

    Essa posição que você acaba de defender no seu último comentário, até concordo com ela. Mas, se concordarmos com ela, estaremos, juntos, a entrar em contradição com a nota do PCP e com outras notas de outras esquerdas nacionalistas ou, se se quiser, de esquerdas “não-passapalavristas”. Você escreveu “eu não tenho o Assad como modelo e como é evidente nem o PCP”, mas a nota do PCP contra a agressão à Síria faz alguma crítica a Assad? Se não, você poderia me explicar por quê?

  26. O PCP lança alguns comunicados que resumem o que é debatido internamente. As posição inicial do PCP foi a de não confundir as legítimas aspirações do povo Sírio à liberdade e democracia com a distorção que esta luta sofreu através da ingerência externa, nomeadamente dos grupos de oposição Sírios baseados nos EUA.

    O PCP foi avisando que as coisas não iam correr bem, foi percebendo que a luta dos Sírios por democracia foi invadida pelos americanos e seus aliados de um lado e pela Al Qaeda por outro. A maioria, movida pela formidável máquina de propaganda americana apoiou os rebeldes agora depois de os conhecer melhor assobiam para o lado e lançam acusações aos demais, a ambos os lados até, quando houve um lado que sempre disse que o exército “free Syria” não era de confiança e nem tinha os interesses dos Sírios em grande conta.

    Veja um exemplo típico do que se pode encontrar na blogosfera:

    “O PCP – cuja malta vive à sombra do Estado – mete nojo.,
    Dá asco ouvir o PCP dizer que os rebeldes – O Povo sacrificado da Siria – são as forças do capitalismo.
    Que nojo!
    Sobretudo quando se sabe que a malta do PCP vive do Estado, sem o qual não têm onde cair mortos.”

    http://jose-maria-martins.blogspot.pt/2012/08/o-pcp-mete-nojo-agora-apoia-assad-da.html

    Como vê os rebeldes na altura para esta gente eram “o Povo sacrificado da Síria” e o PCP apoiava Assad, isto porque o PCP criticou esse exército do “Povo sacrificado da Síria”. Um ano depois deste post é um estudo da Nato que propõe que apenas 10% dos Sírios apoiam expressamente o exército do Povo sacrificado da Síria. Então temos um esdtudo da Nato que propõe 70% de apoio a Assad, um número que se calhar era impossível antes dos protestos terem sido apropriados por americanos e terroristas canibais e agora o que querem com 70% dos Sírios a apoiar Assad? Quem ainda disser que depôr Assad é cumprir a vontade do povo? Agora é mais difícil, graças à coligação dos EUA com a Al Qaeda e os canibais.

  27. Cometi alguns e sucessivos lapsos sintácticos no meu último comentário. Peço desculpa por isso.

    Eu quis dizer, no fim:

    “Quem ainda pode dizer que depôr Assad é cumprir a vontade do povo? Agora é mais difícil, graças à coligação dos EUA com a Al Qaeda e os canibais.”

    (Esta é a pergunta, agora que uma organização tão insuspeita de simpatia pela Síria como a Nato parece propor que mais de 2 terços dos Sírios apoia Assad e apenas 1 décimo apoia a oposição armada.)

  28. João Bernardo
    Num comentário acima, respondendo a comentário de Rodrigo Fonseca, você refere que agora classifica o Estado Novo de Getulio Vargas como fascista. Chegou a publicar aqui algum texto especifico sobre o assunto, tal como fez em relação ao peronismo? Gostaria de conhecer seu ponto de vista, pois acredito que deve ser diferente, por exemplo, do de Karl Lowenstein, em seu “Brasil Under Vargas”, em que prefere classificar aquele regime, de que todavia conheceu apenas os primeiros anos, como simplesmente autoritário. Sei que com isso extrapolo um pouco o âmbito das discussões a propósito do texto acima, mas isso talvez contribua para esclarecer, sob prismas diversos, as nefastas consequências para os trabalhadores do alinhamento com a fração das classes dominantes no poder, fascistas ou autoritárias.
    Abraço,
    Paulo

  29. Paulo Luiz,
    Não tenho nada escrito, nem sequer dentro do computador, sobre o regime de Getúlio Vargas, o que não significa que não tenha lido acerca do assunto. Aliás, para um português da minha geração e com a minha formação, a classificação do regime de Vargas como um fascismo é bastante evidente, dada a influência que o Estado Novo salazarista exerceu sobre o seu homónimo brasileiro. Fui aluno de Marcello Caetano (para o caso de você não saber de quem se trata: http://pt.wikipedia.org/wiki/Marcello_Caetano ) em Direito Constitucional e ele sempre deixou isso claro. Num livro que escrevi acerca do fascismo apresento um modelo em que classifico como fascistas todos os regimes que se inscrevem num losango definido por duas instituições endógenas ao fascismo (partido/milícias e milícias/sindicatos) e duas instituições exógenas (Igreja e exército). O regime de Vargas cabe lá perfeitamente, junto aos seus congéneres. É certo que muitos autores reduzem hoje o fascismo aos casos italiano e germânico, classificando o resto como regimes autoritários ou paternalistas, mas considero essa operação como historicamente errada e politicamente interesseira. Aliás, como escrevi naquele livro, a diferença entre o fascismo de Mussolini e o nacional-socialismo de Hitler era tão grande que nela cabem todos os outros fascismos. O facto de grande parte da esquerda latino-americana se recusar — devido ao seu nacionalismo — a considerar Vargas, Perón e muitos outros como fascistas tem consequências trágicas para a luta de classes. A propósito dos conflitos políticos e dos confrontos sociais na Argentina desde o 17 de Outubro de 1945 até à eleição presidencial de Fevereiro de 1946, quando os socialistas e os comunistas se juntaram aos partidos burgueses, incluindo os conservadores, que representavam os grandes proprietários rurais, enquanto Perón dispunha do apoio dos sindicatos, Hugo del Campo, em Sindicalismo y Peronismo. Los Comienzos de un Vínculo Perdurable (Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 1983, pág. 232), comentou que «o evidente conteúdo de classe adquirido pelo confronto desencadeado pelas ambições políticas de Perón levaria ao suicídio histórico das esquerdas argentinas, destinado a perdurar muitas décadas». Destinado a perdurar até hoje, acrescento eu. Algo de comparável se passa no Brasil, onde a herança de Vargas continua a ser muito importante tanto no plano sindical como no plano político considerado de esquerda. Por coincidência, você pode encontrar um exemplo caricato dessa herança num comentário que ontem foi inserido num Flagrante Delito http://passapalavra.info/2013/09/84165#comments , para não nos deixar esquecer que o fantasma de Vargas continua bem presente em certa esquerda.

    Quanto à questão abordada neste artigo «Escolhas», você pode encontrar alguns apontamentos num texto que publiquei neste site : http://passapalavra.info/2009/06/6275 . Desde a decisão dos bolchevistas de apoiarem Mustapha Kemal, com quem assinaram um tratado em 1921 (http://passapalavra.info/2009/06/4843 ), até ao surgimento do nasserismo e desde o nasserismo até ao Ba’ath de hoje há uma linha genealógica única. E com o argumento de que é necessário apoiar as forças progressistas, laicas e desenvolvimentistas, os comunistas soviéticos e os seus actuais herdeiros comprometeram qualquer política autónoma da classe trabalhadora. Para cúmulo da perversidade, é este comprometimento que é agora invocado como razão para continuar o apoio àqueles regimes.

  30. “A esquerda não dá apoio a Assad, a esquerda, e a meu ver bem, pensa que o combate a Assad condicionado por forças externas à Síria não tem por finalidade o interesse do povo Sírio mas o interesse das forças externas e que, portanto, quanto mais exteriores são as forças que comandam um país menor é a influência e o poder que os povos têm sobre a sua vida política. Para a esquerda o problema duplicou-se, ou seja, agora o povo Sírio não tem apenas que libertar-se do regime de Assad, tem de libertar-se de Assad e dos que o estão a combater, quer dizer, a situação está pior agora.”

    É basicamente isto que eu penso também, achei o artigo simplista, dualista e purista. A esquerda internacionalista bernardista, ou passapalavrista (e olhe que eu curto o site de vocês), parece ignorar a divisão internacional do trabalho e que, ser contra a guerra imperialista, além de sermos absolutamente contra a dominação de uma classe sobre outra, é ser também contra a dominação de um país sobre o outro. Acaso não cansam de saber vocês que um país não pode sequer comercializar fora do dólar sem que terrorismos midiáticos e boicotes contra este aconteçam? Não sou a favor do “regime” de Assad – acho interessante que, como a mídia burguesa, troca-se a palavra governo pela palavra regime num país que lhes desagrada -, ainda que eu concorde com o fato de alguns esquerdistas acríticos e equivocados declararem apoio a ele. Só entendo que, taticamente, deve se enfrentar o mal mais emergencial do momento, a invasão imperialista, a qual também subordinará as classes trabalhadoras aos seus interesses. O apoio à Síria portanto não configura um apoio ao “regime” de Assad. Isso é bobagem. Se desdobrem ao tentar explicar a um leigo que o “ditador sanguinário” (sic de vocês e da mídia burguesa) Assad
    precisa ser derrubado, mas não pelos EUA, pelos trabalhadores sírios. Quero ver se conseguem. A ingenuidade do leigo, doutrinada diariamente pelos meios de comunicação, no mínimo vai dizer que “deixe os EUA entrar pra derrubar este filho duma puta duma vez, dos males o menor”, o que se aparenta um pouco com a ação omissa purista de vocês.

  31. Escreveu Heloisa Flores: “Só entendo que, taticamente, deve se enfrentar o mal mais emergencial do momento, a invasão imperialista, a qual também subordinará as classes trabalhadoras aos seus interesses”.

    Como é que pode ser o mal mais emergencial do momento, a invasão imperialista, num país onde forças do governo e milícias pró-governo promovem execuções em massa (o Human Rights Watch publicou ontem um relatório a respeito da execução, em Maio, de 248 civis, em duas vilas, pelas forças pró-Assad: http://www.hrw.org/node/118568)?

    Como é que pode ser o mal mais emergencial do momento, a invasão imperialista, num país onde milícias de grupos islâmicos extremistas (aliados à Al-Qaeda) forçam as pessoas a se converterem ao islamismo sob a ameaça de serem elas fuziladas ou degoladas (http://noticias.terra.com.br/mundo/oriente-medio/jihadistas-sao-acusados-de-forcar-conversao-de-cristao-de-maaloula-com-arma,c0770805e0701410VgnCLD2000000ec6eb0aRCRD.html)?

    O ataque norte-americano certamente só trará mais destruição e mais sofrimento, mas ele não é o mal mais emergencial do momento.

    O mais emergencial são, de um lado, as forças governamentais e pró-governo que realizam execuções em massa de civis residentes em áreas de conflito; e, de outro, os grupos islâmicos extremistas que pretendem derrubar a ditadura de Assad para estabelecer uma outra ditadura e que estão também realizando diversos atos de barbárie, contra as forças que apoiam Assad e contra minorias religiosas e étnicas (e, sabe-se lá, também contra grupos que são contra eles mesmos e o governo).

    Portanto, se existe algum grupo (ou grupos), neste momento, participando dessa guerra civil e que está lutando tanto contra Assad quanto contra os grupos aliados à Al-Qaeda e contra qualquer grupo que esteja torturando e massacrando populações civis, este é o grupo que se deve apoiar. A julgar pelo que está escrito aqui: http://passapalavra.info/2013/09/83991, creio que sim.

    O problema é que, numa guerra dessas, uns torturam e massacram “os civis dos outros”, por assim dizer. Assista este vídeo: http://vimeo.com/74429324. No final, o narrador diz: “quem são os mocinhos e quem são os bandidos… está ficando cada vez mais difícil fazer este julgamento”.

    Os comentadores que dizem “eu não apoio Assad, mas ele é um mal menor em relação à invasão norte-americana”, ou algo do tipo, pararam para pensar que, no momento, é a possibilidade de invasão dos EUA que é o mal menor? E que em meio aos males maiores está a figura de Assad? Talvez esteja cada vez mais difícil de saber quem são os mocinhos… mas seria Assad um deles?

    As críticas que estão sendo feitas em muitos comentários – também no artigo do Passa Palavra – é simplesmente a seguinte: a de que as esquerdas nacionalistas estão defendendo o governo de Assad contra a intervenção norte-americana. Todos os stalinistas são pró-Assad: inocentam o Assad dos ataques com armas químicas, defendem a legitimidade do governo de Assad, atacam todos os opositores de Assad e por aí vai; por outro lado, adoram mostrar o seu antiamericanismo, contestando só o imperialismo americano, como se não existissem outros, e se esquecendo de que as barbáries cometidas pelo imperialismo americano, o governo de Assad está as cometendo igualmente contra parte do seu próprio povo.

  32. Os comunistas defendem desde o início uma saída diplomática da crise e não uma pela agudização do conflito como se pode ver no ponto 3 e no ponto 7 do comunicado linkado:

    http://www.pcp.pt/sobre-os-acontecimentos-na-s%C3%ADria-e-posi%C3%A7%C3%A3o-do-governo-portugu%C3%AAs

    Pessoalmente já estou mais do que habituado a ver o Passa Palavra inventar as posições do PCP para depois construir a sua crítica em cima dessa invenção – é como quem faz a festa, atira os foguetes e apanha as canas.

  33. Interessante o comunicado do PCP. Nenhuma crítica ao governo de Al-Assad. Como se antes dos conflitos entre os diversos grupos e o estado sírio reinasse a paz no país.

  34. O comentador João. gosta de atirar areia aos olhos e ver se engana incautos. Já no dia 9 de Setembro eu tinha aqui colocado um comentário citando uma declaração do PC sírio e que foi reproduzido num site oficioso do PCP. Replico novamente parte do comunicado do PC sírio em defesa do regime sírio e que o site umbilicalmente ligado ao PCP reproduziu:

    «A defesa do regime nacional sírio que não baixa a cabeça contra todas as formas de agressão, recusando a humilhação e a submissão, é lutar pelo país, sua soberania e sua independência.
    Nestes tempos difíceis para o nosso país e o nosso povo, deve-se fazer todo o possível para fortalecer todas as frentes: a política, a militar e a económica. O povo sírio não está só na batalha, conta com o apoio de todos os povos livres do mundo.
    Que a vergonha e o desprestígio caiam sobre o imperialismo e seus agentes.
    Glória à nobre resistência patriótica!» (http://resistir.info/moriente/declaracao_pcs_07set13.html).

    Aliás, quando o PC sírio e o PC tuga utilizam como principal argumento «0s legítimos direitos democráticos e nacionais do povo sírio, nomeadamente o direito à paz, à soberania, independência e integridade territorial do seu país» (http://www.pcp.pt/sobre-os-acontecimentos-na-s%C3%ADria-e-posi%C3%A7%C3%A3o-do-governo-portugu%C3%AAs) estão clara e explicitamente a dizer que, no seu modo de ver, existe um regime legítimo e estabelecido. Se isto não é apoiar o regime sírio então não sei o que será um apoio…

    Para terminar queria referir-me ao comentário acima de Heloísa Flores. Diz a autora desse comentário que este texto é demasiado purista e que não tem em conta a divisão internacional do trabalho, etc. e tal. Fui ler novamente o texto e reparei que quase nenhum comentador mais próximo do leninismo sequer comentou a discrepância das posições do Lenine entre 1914 e 17 e as suas posições posteriores, que são as posições dos seus seguidores posteriores. Ou seja, o Lenine que participou na revolução de 17 não viu nenhum purismo na tese de que os trabalhadores não teriam de apoiar nenhum Estado nem nenhum regime para vencerem. Certamente que ele deixou de defender a autonomia da acção da classe trabalhadora logo a partir da chegada do partido bolchevique ao poder. Mas a tese que então prevalecia na esquerda comunista – e que esteve na base de revoluções – era a da autonomia de acção dos trabalhadores.

    Interessante este facto de que a esquerda que enche a boca para dizer que defende os trabalhadores é a mesma esquerda que alimentou décadas e décadas de rejeição de qualquer independência política para a classe trabalhadora. E que hoje quer continuar pelo mesmo caminho.

  35. Gostaria de saber que posição tomaria o sr. João Valente Aguiar e o Passa Palvra caso um exército espanhol ou se outro país qualquer invadisse Portugal em nome da defesa dos trabalhadores?

  36. Quanto à pergunta de João., respondo por mim e por mais ninguém, e faço-o tanto mais à vontade quanto fui desertor em 1967, um dos muitos. Estava convocado para o batalhão disciplinar, em Penamacor. Seguiria exactamente a mesma posição preconizada pela esquerda de Zimmerwald, o velho Vladimir Ilitch incluído. Desertaria, não tomaria armas contra os castelhanos, qualquer fosse a demagogia ou o pretexto que invocassem, procuraria reunir o punhado de internacionalistas portugueses e ligarmo-nos aos internacionalistas do outro país, e procuraria fazer o possível por sabotar a máquina de guerra de ambos os lados e fazer agitação entre os trabalhadores para que aproveitassem a conjuntura e se lançassem contra as classes dominantes.
    Aliás, e mesmo que eu não fosse um internacionalista, se publiquei no Passa Palavra um artigo demonstrando que Portugal não existe (http://passapalavra.info/2010/12/33125 ), não entendo como poderia alistar-me num exército para defender uma inexistência.

  37. Sobre o Lenin revolucionário/internacionalista (e já que se está a falar em “males menores”), é interessante ler trechos como estes:

    Quanto se fala, se comenta e se grita agora sobre a nacionalidade, sobre a pátria! Os ministros liberais e radicais da Inglaterra, uma infinidade de publicistas «avançados» da França (que se encontraram plenamente de acordo com os publicistas da reacção), um sem-número de escribas oficiais, democratas-constitucionalistas e progressistas (incluindo alguns populistas e «marxistas») da Rússia — todos celebram de mil modos a liberdade e a independência da «pátria», a grandeza do princípio da independência nacional. É impossível distinguir onde termina aqui o venal enaltecedor do verdugo Nicolau Románov ou dos torturadores dos negros e dos habitantes da Índia, onde começa o filisteu medíocre que vai «na corrente» por estupidez ou por falta de carácter. Mas nem sequer importa diferenciá-lo. Temos diante de nós uma corrente ideológica muito ampla e muito profunda, cujas raízes estão ligadas muito solidamente aos interesses dos senhores latifundiários e capitalistas das nações dos Estados que são grandes potências. Para a propaganda das ideias vantajosas para estas classes são gastas dezenas e centenas de milhões por ano: é um grande moinho, que recebe água de toda a parte […]. […] não se pode, no século XX, na Europa (ainda que seja na Europa extremo-oriental), «defender a pátria» de outra forma que não seja lutando com todos os meios revolucionários contra a monarquia, os latifundiários e os capitalistas da própria pátria, isto é, contra os piores inimigos da nossa pátria; os grão-russos não podem «defender a pátria» de outra forma que não seja desejando em qualquer guerra a derrota do tsarismo, como o mal menor para 9/10 da população da Grã-Rússia, pois o tsarismo não só oprime económica e politicamente estes 9/10 da população como também a desmoraliza, humilha, desonra, prostitui, habituando-a a oprimir outros povos, habituando-a a encobrir a sua vergonha com frases hipócritas, pretensamente patrióticas (Lenin, “Acerca do Orgulho Nacional dos Grão-Russos”, Sotsial-Demokrat, n. 35, 12 de Dezembro de 1914, disponível em: http://www.marxists.org/portugues/lenin/1914/12/12.htm).

    Também é interessante conferir as características de cada grupo armado na guerra civil síria (http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_armed_groups_in_the_Syrian_civil_war) e perceber que nem todos, apesar de suas contradições internas, são a favor da implementação de um Estado teocrático islâmico (ou coisa do tipo) e que alguns grupos políticos de oposição a Assad dizem (pelo menos dizem) defender a democracia, os direitos civis, a igualdade entre os sexos, o respeito à diversidade étnica e religiosa, o pluralismo político etc.: http://www.foreignpolicy.com/files/fp_uploaded_documents/110916_SNC%20-%20National%20Consensus%20Charter.pdf.

  38. João Bernardo, você estava mobilizado num exército agressor, colonial. Se calhar se você fosse angolano teria feito o contrário.

    Quanto a Portugal não existir – a existência para Hegel é um conceito precário, ou melhor dizendo, não é culminante. Em todo o caso é estranho que Portugal não existindo ainda assim tenha sido matéria para o seu texto. Recomendo a Teoria dos Objectos tal como Alexius Meinong a institui e que é uma forma de sugerir que talvez “existir”, “ser qualquer coisa”, se possa dizer de muitos modos e que inexistir pode, ao fim de contas, ser o modo de existência de alguns tipos de objectos.

    Para uma apresentação:

    http://plato.stanford.edu/entries/meinong/

    Houve uma altura em que no Passa Palavra se falava assim:

    http://passapalavra.info/2011/05/40227

  39. Ficamos então a saber que para o senhor João. é mais importante a solidariedade entre um trabalhador português e um capitalista português estabelecida numa base ideológica contra trabalhadores castelhanos, do que lutar pela solidariedade entre trabalhadores de distintos países contra os que os enviam para matar e morrer.

    De resto, subscrevo o comentário do João Bernardo sobre o assunto.

  40. João.,
    Desculpe, mas você não entendeu direito o Flagrante Delito «Entendi direito?».
    Quanto à esquerda de Zimmerwald, silêncio. E quanto a saber o que eu faria se fosse angolano, peço-lhe que leia o meu comentário de 1 de Setembro às 21h41.
    Entretanto, esta discussão está a tomar rumos estranhos, pois o que você escreve acerca da existência lembra bastante a prova de Santo Anselmo da existência de Deus.

  41. João Bernardo, acho que é você que não entendeu.
    J V Aguiar, os trabalhadores espanhóis podem dizer que vêm libertar os trabalhadores portugueses mas uma vez cá dentro, armados e dominantes, não se tem a certeza se de facto assim é. Se você tiver de sentinela vai acreditar na primeira coisa que um desconhecido sem senha de passagem lhe diga para que o deixe passar…?!

  42. João.,
    Mas depois disto tudo, você está realmente convencido de que alguém do Passa Palavra e arredores alguma vez defendeu que os trabalhadores na Síria ou na Líbia ou onde quer que seja apoiassem as tropas norte-americanas? O que se afirma neste artigo e ao longo dos nossos comentários é que entre o regime Ba’ath e o governo dos Estados Unidos não há escolha, que a escolha dos anticapitalistas é outra.
    Conheço só dois casos de exércitos que invadiram países dizendo que essa invasão se destinava a apoiar os trabalhadores locais. A invasão da Polónia pelo Exército Vermelho em 1920 e a invasão dos países do Leste europeu pelas tropas soviéticas nos anos finais da segunda guerra mundial. O primeiro caso ocorreu no contexto de numa guerra civil europeia que se travava desde as margens do Reno até aos confins da antiga Rússia, e se do lado soviético era já o embrião de um expansionismo nacional, era também ainda o resto de uma guerra de classes. No segundo caso tratou-se do reforço e da ampliação do bloco soviético, o que foi tanto mais fácil quanto os internacionalistas haviam já sido dizimados pelos comunistas stalinianos e pelos variados fascismos, ou mesmo pelos dois ao mesmo tempo, como quando o governo soviético, durante a vigência do pacto Ribbentrop-Molotov, entregou aos nazis os esquerdistas alemães e austríacos presos em campos de concentração soviéticos.

  43. Quanto à URSS, certo. Lembro apenas que a URSS já desapareceu.

    Agora você pede uma compreensão que não quer oferecer. Diga-me uma coisa, as escolhas dos anticapitalistas, como lhes chama, que capacidade têm de agir no terreno, junto do povo Sírio, dada a guerra em curso? E se a guerra em curso for, por exemplo, como a de Angola e daqui a 20 anos ainda andarem nisto? O que fazem os anticapitalistas? E porque é que os anticapitalistas não hão-de ser cúmplices da continuação da guerra precisamente dada a sua espécie de neutralidade?

  44. João.,
    A União Soviética desapareceu, mas você adiantou o caso hipotético de um exército espanhol invadindo Portugal em nome da defesa dos trabalhadores e eu respondi-lhe com dois casos reais, representando aliás contextos sociais práticos muito distintos.
    Você diz que na Síria não existe a tal terceira opção, mas quando eu vejo um sírio escrever o contrário, em quem hei-de acreditar? Por isso escrevi num comentário, lá para cima nesta longa fila, que me parecia mais lógico que esta discussão prosseguisse no artigo de Darth Nader (http://passapalavra.info/2013/09/83991 ). Agora você pergunta: e se as coisas durarem vinte anos, será que ainda haverá esquerda na Síria? Quem sabe, talvez não, mas nesse caso a catástrofe — mais uma das derrotas da luta anticapitalista — foi precipitada por aqueles que fizeram todo o possível por que só existissem dois campos em jogo, o do Ba’ath e o do governo de Washington. Quanto mais se quiserem restringir as escolhas a um de dois lados, tanto mais se enfraquecerá o terceiro lado, o de uma posição autónoma da classe trabalhadora. E é precisamente nisto que estamos a insistir desde o início.

  45. Eu não tenho que dizer que a terceira via não existe, julgo que até nem disse que não existia, o que eu digo é que é ineficaz para chegar ao povo Sírio dada a guerra que vivem. Parece-me que o primeiro passo é acabar com a guerra, vencendo um ou outro e depois partir daí. A meu ver os EUA não confiam na oposição armada e como não querem também o Assad o que eles vão fazer, a meu ver, é manter a guerra mais ou menos empatada no sentido de fazer continuar a guerra sem querer propriamente que os seus aliados vençam, basta que não percam – mesmo este possível acordo com a Rússia não é para acabar com a guerra é para resolver a questão das armas químicas e da face do Obama que tem de ser salva independentemente dos custos para a Síria.

    A guerra, a meu ver, é do interesse dos EUA que continue mais ou menos como está – sem vencedor e sem fim.

  46. João., sim, a guerra tem que terminar, mas temos que querer que ela termine com uma correlação de forças favorável aos trabalhadores. Se ela terminar com a vitória de Bashar al-Assad, não é o que ocorrerá. Se ela terminar com a vitória dos vários fundamentalismos religiosos oportunistas, também não é o que ocorrerá. Ela só pode terminar com uma correlação de forças favorável aos trabalhadores se, de um lado, Assad for derrotado e, de outro, forem também derrotados os fundamentalismos religiosos, e, de outro lado ainda, forem derrotadas também as intervenções imperialistas, que já estão ocorrendo e as que, porventura, podem vir a ocorrer. A Rússia e o Irã, por exemplo, já estão intervindo em favor do regime, isto é, contra a autodeterminação de um povo (na verdade, de uma parcela do povo sírio) que resolveu dar um basta à tirania de Assad: este imperialismo não conta? Se você é a favor da autodeterminação do povo sírio, deveria começar por criticar a Assad, que está fazendo uso do auxílio militar e diplomático de países imperialistas, para conseguir se manter no poder. A vitória de Assad será não só a vitória de uma ditadura que vitima os trabalhadores, mas a vitória de um bloco de países imperialistas! Esta guerra já ultrapassou as fronteiras da Síria: ela envolve trabalhadores da Síria, trabalhadores do Irã, trabalhadores da Rússia, de outros países mais, e, se os EUA invadirem, envolverá os trabalhadores dos EUA. O que todos os trabalhadores de todos estes países precisam fazer é se unir contra a guerra imperialista e a favor da guerra civil contra as classes dominantes. Não há só um imperialismo, há vários! É curioso que, numa época em que existe a internet e em que a internet (entre outras coisas) seria capaz de garantir a comunicação e a colaboração entre os revolucionários de todos os países, não hajam, pelo menos até agora, movimentos revolucionários anticapitalistas integrados internacionalmente, trabalhando em conjunto para a derrubada do capitalismo em toda parte, ou, pelo menos, dialogando entre si! Os trabalhadores do Brasil, por exemplo, não conseguem organizar uma passeata sequer em conjunto com os trabalhadores de Portugal… imagine uma revolução (na verdade, isto nem passa por suas mentes)! E quando um site como o Passa Palavra, luso-brasileiro, defende o internacionalismo, aparecem, nos comentários, militantes do PCP e de outros grupos, sabe-se-lá, enraivecidos, em protesto contra o que chamam de “dualismo”, de “simplismo” e de “purismo”! Quanto tempo mais levará para que os revolucionários saibam utilizar a tecnologia à sua disposição para fazer o que tem que ser feito?! Parece um pesadelo do qual não se acorda: na contramão da resolução das lutas sociais em favor do proletariado, vêm os nacionalistas, “de esquerda”, utilizando a internet para prestar solidariedade ao governo de Assad!

  47. Fagner,

    O Passa Palavra secção portuguesa não defende o internacionalismo defende sim a dissolução das independências nacionais em favor de um federalismo europeu claramente capitalista e alemão. E isto não é anti-germanismo mas sim a simples constatação de que não haverá federalismo sem ditadura da Alemanha sobre a UE. Quem tem acompanhado a vida da UE já notou o crescente esvaziamento da comissão europeia em favor da Alemanha que é hoje não só o centro económico da UE mas o seu centro político – o governo alemão é simultaneamente o governo da Alemanha e o governo da UE.

    O internacionalismo, tal como o conceito indica, preserva as independências e é um campo de relações aprofundadas entre elas . Já o Passa Palavra Brasileiro é outra história uma vez que os brasileiros aqui não admitem facilmente cedência de soberania do Brasil e países estrangeiros. Há uma grande diferença entre o Passa Palavra português e o Passa Palavra brasileiro.

  48. Mas, João., o que você não entendeu até agora é que estamos a defender não a independência de nações, mas a independência de classe, a independência da classe trabalhadora, a qual só poderá ser alcançada, em todos os países, a partir do momento em que as classes trabalhadoras de cada país passarem a colaborar entre si, em oposição a suas respectivas classes dominantes. O que interessa não é compartimentar as pessoas em divisões nacionais, mas compartimentá-las em divisões de classe. O classismo é incompatível com o nacionalismo e é por isto que as classes dominantes são internacionalistas entre e si, de um lado, e promovem o nacionalismo entre os trabalhadores, de outro. Não posso dizer muito a respeito das polêmicas envolvendo Portugal, a UE e a Alemanha, pois não tenho acompanhado com a devida atenção as discussões que têm sido realizadas aqui sobre isto. Mas, no meu último comentário, eu não me referi à relação Portugal-UE-Alemanha. Eu me referi à relação entre trabalhadores brasileiros e trabalhadores portugueses: eu disse, e muito claramente, que os trabalhadores brasileiros deveriam – numa época de globalização – desenvolver atos conjuntos com os trabalhadores portugueses. É claro que, para desenvolver algo do tipo, ambos precisam conhecer uns aos outros e estabelecer contato uns com os outros: isso é facilitado pelo fato de que ambos falam a mesma língua. O problema é que, enquanto uns estão a defender o internacionalismo, outros estão a criticá-los, em favor do nacionalismo, argumentando que, primeiro se devem estabelecer relações recíprocas em pé de igualdade entre os Estados nacionais, sem uns Estados nacionais exercendo domínio sobre outros, para que, só então, comecemos a pensar algo acerca do internacionalismo. Eu acho que isto faz parte do ideal do stalinismo soviético, de promoção de revoluções nacionais “anti-imperialistas”: afinal, se o governo da URSS promovesse a internacionalização da luta proletária anticapitalista ele estaria a promover a derrubada de si mesmo. Então o melhor seria promover uma série de revoluções nacionais e “anti-imperialistas”, mediante as quais se colocariam sob sua órbita (imperialista) os países que estavam antes sob a órbita (imperialista) dos EUA. Daí o interesse dos stalinistas em promover o mito de que o comunismo defende, na verdade, não a abolição das nações, mas a existência de várias nações que se relacionam reciprocamente em pé de igualdade. Se assim fosse, no interior da URSS e da parcela do planeta que vivia sob sua órbita, teriam se desenvolvido relações desse tipo entre as nações. Mas, então, por que é que a implosão da URSS se caracterizou, justamente, pela eclosão de uma série de revoluções nacionais contra a URSS, as quais só levaram a uma fragmentação maior ainda de vastas regiões em minúsculos Estados nacionais, a qual serviu, sobretudo, de obstáculo para que, em todo o território controlado pela URSS, emergisse a solidariedade internacional e anticapitalista da classe trabalhadora? O mito amplamente difundido era o de que, no interior da URSS, não existia a opressão de uma nação por outra. Trata-se de algo interessante para se refletir, isto é: como que a proposta de realização de inúmeras revoluções nacionais e “anti-imperialistas” – sob o argumento de que os vários países independentes se inseririam, a partir de então, num âmbito marcado pela igualdade entre as nações – serviu para colocar um punhado delas sob a autocracia imperialista do stalinismo soviético? Tudo isso se deu sob a palavra de ordem da “autodeterminação dos povos”, mas sabemos que a única autodeterminação que realmente importa é a autodeterminação da classe trabalhadora. Não se pode confundir geopolítica com luta de classes. Trata-se de algo muito perigoso, para a classe trabalhadora (de fato, trata-se de uma das razões da sua sucessão de derrotas). Para os comunistas (ou para os marxistas libertários, pelo menos, defensores da autogestão), como eu, a luta de classes deve ser mais importante do que a geopolítica. Quando os trabalhadores deixam de lado sua autodeterminação enquanto classe, a qual só pode ser alcançada em termos internacionais, isto é, mediante uma luta internacional e integrada, e colocam como meta a autodeterminação nacional, eles estão negando, para si mesmos, sua autodeterminação. Agora, voltando à razão das polêmicas (a ditadura de Assad): defender esta ditadura, em favor da autodeterminação do povo sírio, é negar ao proletariado sírio sua autodeterminação. Como poderiam os trabalhadores sírios lutarem pela sua autodeterminação, enquanto classe, num país governado por uma ditadura como a de Assad? As democracias, para a organização e para a prática das lutas sociais anticapitalistas, já não são lá essas coisas, imagine uma ditadura como aquela! Devemos torcer para que os trabalhadores sírios desenvolvam relações de solidariedade com trabalhadores oprimidos de outros países – e voltem-se contra Assad – ou, pelo menos, para que, ao fim dessa guerra, surja um regime democrático na síria. Assad é um inimigo da democracia, que o diga da autodeterminação dos trabalhadores!

  49. O problema é que você dizendo-se anticapitalistas seguem a dinâmica do capitalismo contemporâneo, nomeadamente o de dissolver todas as diferenças associadas por exemplo à história dos conceitos – o nacionalismo sempre esteve ligado a uma base de afirmação mística da nação e do povo mas vocês ignoram isso para agora tornar o nacionalismo numa noção sem valor específico, que já não distingue nada. Esta tendência para a indistinção, para as meias-tintas, é uma face evidente do capitalismo actual que é cada vez mais indiferente ao discurso das ciências humanas.

    Então enquanto vocês falam de anticapitalismo percebe-se que todo o vosso discurso é uma extensão do capitalismo actual para o qual decididamente as independências nacionais são para dissolver.

    A independência nacional não é um fim, mas um meio para que os trabalhadores, os povos, tenham um universo específico de afirmação de suas conquistas. Retirar o espaço geográfico independente aos trabalhadores é retirar operacionalidade à sua luta e ao seu trabalho político, é jogá-los num mundo virtual, de fantasia mesmo, em que se esperaria que cada decisão local tivesse que ser conhecida e aprovada pelos trabalhadores de todo o mundo – porque ou existem capacidades localizadas e com vários níveis e graus ou toda a iniciativa tem que ser aprovada pelo universo completo.

  50. “Retirar o espaço geográfico independente aos trabalhadores é retirar operacionalidade à sua luta e ao seu trabalho político, é jogá-los num mundo virtual, de fantasia mesmo, em que se esperaria que cada decisão local tivesse que ser conhecida e aprovada pelos trabalhadores de todo o mundo – porque ou existem capacidades localizadas e com vários níveis e graus ou toda a iniciativa tem que ser aprovada pelo universo completo”.

    1 – No passado, já foi um consenso entre as esquerdas marxistas de vários países a noção de que a luta anticapitalista deveria se operar internacionalmente, não em espaços nacionais isolados. O isolamento da revolução num país levaria (e levou) à derrota da revolução internacional e, portanto, à não derrubada do capitalismo.

    2 – O trabalho político dos trabalhadores só pode se dar de modo favorável num país democrático. Mas, para que um país seja democrático de fato, não basta que esteja escrito que ele o é na sua constituição ou coisa do tipo. A democracia só se efetiva quando os trabalhadores se colocam em movimento, colocando as autoridades na defensiva. As ditaduras, por outro lado, que colocam os movimentos de trabalhadores na defensiva, são o pior cenário para se desenvolver qualquer luta.

    3 – Não se trata de jogar os trabalhadores num mundo virtual, de fantasia. O nacionalismo já se encarregou e já se encarrega disso. O nacionalismo cria uma ficção, a nação, que nada mais é do que um instrumento de afirmação dos interesses sociais de classes sociais dominantes sobre um dado território e sobre a população que nele reside. Ir em defesa da nação é ir em defesa de um mundo fictício, de um mundo fictício inventado para favorecer os interesses das classes dominantes.

    4 – As decisões locais não precisarão ser conhecidas e aprovadas pelos trabalhadores de todo o mundo para que sejam tomadas localmente, na sociedade comunista: os trabalhadores de diferentes nacionalidades precisarão é de abolir as fronteiras nacionais, que inexistem para as classes dominantes (a não ser quando lhes convém), e, em conjunto, estabelecer uma forma de planejar e gerir globalmente uma economia mundialmente integrada. Assim, as decisões locais, em termos gestão econômica, serão tomadas de acordo com as diretrizes gerais já estabelecidas por um planejamento global. As únicas decisões locais que não terão lugar serão as decisões políticas, pois a política deixará de existir. Mas isso é só para quando a esquerda e os trabalhadores aprenderem algo a partir de suas sucessões de derrotas e se convencerem da justeza das teses internacionalistas (se isto ocorrer algum dia).

  51. “Ir em defesa da nação é ir em defesa de um mundo fictício, de um mundo fictício inventado para favorecer os interesses das classes dominantes.”

    Quando os trabalhadores forem a classe dominante o país passa a ser em benefício dos seus interesses. É disto que se trata e é por isso que há que preservar a ideia de independência nacional embora essa independência no plano institucional possa apresentar formulações específicas a sociedades comunistas.

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