Por João Valente Aguiar
No blogue 5 dias encontra-se mais um texto de quem não quer saber para nada das relações de trabalho e de como, nessa área, a acção dos governos é ínfima quando comparada com as alterações estruturais que os capitalistas e as empresas operaram com o toyotismo. Achar que as pessoas não se sindicalizam só por causa da intervenção dos governos (que também têm a sua evidente quota parte, apesar de secundária) só serve para deixar os mecanismos económicos de produção de valor totalmente intocados. Quando é que esta gente vai perceber que é a materialidade do trabalho que antecede a lei e não o contrário? É sempre positivo discutir as leis laborais, mas achar que por debaixo delas não existem relações sociais, sistemas de organização do trabalho, modalidades heterogéneas de aumentar a intensidade do trabalho num mesmo período de tempo, novas formas de vincular simbolicamente os trabalhadores mais qualificados (e mais explorados economicamente) aos interesses das empresas, a fusão entre os processos de produção e de vigilância/controlo da força de trabalho, etc. só serve para manter a classe trabalhadora na ignorância acerca do terreno em que se move.
A recomposição que o toyotismo consagrou no plano produtivo, na organização internacional das cadeias de produção e distribuição, na explosão da aplicação das tecnologias digitais à produção de valor, no plano da erosão identitária dos trabalhadores qualificados relativamente à classe trabalhadora é de tal monta que ainda hoje, quarenta anos depois, a organização toyotista do capitalismo pode perfeitamente coexistir com disposições jurídicas laborais provenientes do fordismo. Aliás, os capitalistas têm sido tão bem-sucedidos com o toyotismo que só excepcionalmente precisam de sindicatos burocratizados para os ajudar a conter as contestações. Por isso é que a discussão que a maioria dos sindicatos faz sobre o mundo do trabalho se situa unicamente no plano das leis que regulam a contratação colectiva e do número de dirigentes e de delegados sindicais.
Em suma, a lei laboral pode ajudar (e ajuda) os trabalhadores a conter episodicamente a arbitrariedade patronal mas ela em nada altera o que quer que seja no plano das relações de trabalho. No máximo, pode caucionar e confirmar o que já existe na esfera das relações de produção. Por isso, o problema não está na defesa das leis laborais que mais podem proteger os trabalhadores, algo que eu subscrevo. O que eu aqui critico é o enfoque exclusivamente legalista e totalmente indiferente à materialidade dos processos produtivos e organizacionais – a base de onde emana a exploração económica e de onde podem emanar no futuro as contestações dos trabalhadores.
Entretanto, enquanto se deixam as relações de trabalho na obscuridade, os capitalistas continuam a fazer o que querem das nossas vidas, enquanto os representantes dos sindicatos apenas andam preocupados com as perdas de quotas do seu, cada vez mais exíguo, mercado. Aliás, é esse o seu único interesse relativamente à contratação colectiva: tornarem-se num parceiro dos capitalistas na regulação das relações de trabalho. O fordismo já lá vai…
E esse é outro problema da esquerda de hoje. Enquanto se achar que se pode fazer a crítica do capitalismo toyotista e neoliberal a partir das premissas do fordismo, nenhuma batalha poderá ser ganha pelos trabalhadores. Enquanto se achar que se pode lutar contra o toyotismo com as ferramentas organizativas de há cinquenta anos, nada conseguiremos ganhar.
Felizmente foram os trabalhadores quem sempre desencadeou as lutas sociais e não os sábios que os dizem representar.
Caro João Valente Aguiar,
Se leu com atenção o post é só sobre como o Governo ataca a sindicalização, em resposta a um outro post que acusava unicamente os sindicatos de o fazerem. Obviamente (não fosse a sua leitura pejada de pré-conceitos) nada no texto afirma que a culpa é apenas do Governo. Aliás como o subtítulo deixa subentendido.
Cumprimentos.
A discussão de base no 5 dias era sobre as razões da queda do sindicalismo. Foi nesse registo que a discussão se processou, tal como a deste pequeno texto. Por isso, eu escolho debater os processos de trabalho, enquanto outros preferem outros pontos de vista. Como é evidente, tudo é legítimo. Duvido é que não haja variabilidade no impacto das diferentes escolhas teóricas e políticas que se fazem de um mesmo tema.