Por Passa Palavra

 

No dia 13 de fevereiro de 2014 mais um ato foi organizado pela Frente de Luta pelo Transporte, reivindicando a volta do Ganha Tempo (programa que permite a utilização de três ônibus com uma única tarifa em duas horas e meia) e a aplicação imediata da lei que institui o Passe Livre estudantil em Goiânia, aprovada em julho de 2013. Tais reivindicações dizem respeito às conquistas que foram alcançadas nas lutas iniciadas em maio do mesmo ano na cidade, mas que foram suspensas pelo poder judiciário, no caso do Ganha Tempo, ou não saíram do papel, no caso do Passe Livre.

A concentração da manifestação estava marcada para ocorrer no Lago das Rosas, às 18:00 horas. Logo no inicio, vários manifestantes foram revistados pelos policiais militares (PM) que já se encontravam no local. Ao menos um carro foi abordado, sendo que os PMs tomaram dois pen-drives em posse do motorista. Além da presença policial, os efeitos da prisão dos supostos responsáveis pelo assassinato do cinegrafista Santiago Idílio Andrade – a ameaça de recrudescimento da repressão policial e a campanha midiática contra as táticas utilizadas nas manifestações desde o ano passado – criaram um clima de tensão ainda maior. Mas isso não impediu a presença de cerca de três centenas de manifestantes.

O objetivo da manifestação era chegar ao terminal de ônibus da Praça A e lá estabelecer um diálogo com os usuários e trabalhadores do sistema de transporte coletivo da Região Metropolitana de Goiânia. Para chegar ao local, mais uma vez tentou-se percorrer um trajeto que não utilizasse as vias que desembocariam direto no terminal, buscando assim ao menos dificultar o trabalho da polícia em impedir a aproximação.

Porém, desde o início a polícia acompanhou a manifestação pela retaguarda com viaturas, cavalaria da tropa de choque e policiais motociclistas do Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual (SIMVE, formado por reservistas do exército, que não passaram em concurso público e recebem menos da metade do piso salarial de um soldado concursado). Além disso, havia policiais à paisana armados com pistolas, e um armado também com um pedaço de pau.

A manifestação pôde se deslocar pelo trajeto estabelecido, apesar do grande aparato repressivo. Algumas crianças e um cadeirante também participaram. Utilizando o carro de som as pessoas puderam expressar suas opiniões, além da presença de uma incipiente bateria autônoma em formação e de palavras-de-ordem a favor das reivindicações, pela qualidade do transporte coletivo e contra a repressão policial. As ruas e avenidas em torno do terminal foram evacuadas pela polícia com a aproximação da manifestação.

Ao contrário da manifestação da semana passada não houve impedimentos para se chegar ao terminal. Mas a polícia também não deixou os manifestantes entrarem no local, fechando os locais de acesso com outro aparato posicionado em seu interior. Mesmo assim foi possível aos manifestantes estabelecerem uma comunicação com as pessoas presentes no terminal. A argumentação em favor das reivindicações foi apresentada em várias falas, palavras-de-ordem contra a PM foram entoadas, contando ainda com a exposição de situações mais específicas, como os casos de assédio sexual às mulheres, facilitados pela lotação dos ônibus, decorrente do interesse dos empresários por lucros cada vez maiores.

Após duas voltas em circulo no terminal, a manifestação se dirigiu novamente para o ponto inicial. Lá uma assembleia foi realizada para se debater a forma de dispersão dos manifestantes. Houve uma proposta estapafúrdia do comando da PM, de entrarem apenas dois manifestantes de cada vez na plataforma do corredor de ônibus do Eixo Anhanguera, para assim se evitarem atos de vandalismo nos ônibus e terminais, segundo os policiais. Porém, conseguiu-se negociar a entrada de dez de cada vez, sem pagar tarifa, sendo cinco em cada um dos sentidos. Já era noite e o número de policiais era maior do que o de manifestantes.

Boa parte dos manifestantes se dispersou a pé, com a garantia da polícia de que não haveria abordagens policiais. Outros foram embora em automóveis, sendo que alguns foram seguidos por policiais à paisana, em carros comuns (não por viaturas), sendo obrigados a se dirigirem a uma universidade pública para se protegerem.

Alguns manifestantes fizeram troça com o fato da polícia militar fechar as ruas, avenidas e terminais com o objetivo de impedir que os manifestantes fechassem as ruas, avenidas e terminais. Outros apontaram o fato de que quando não há repressão aberta, ainda que ocorram intimidações, as manifestações se dão sem confronto, sem a necessidade de se utilizar rojões, pedras e outros instrumentos de defesa. Os manifestantes mostraram também que, apesar da campanha nacional – de autoridades governamentais, dos aparatos repressivos e da imprensa – contra as manifestações e suas táticas de luta, eles não sairão das ruas.

Entretanto, é fato também que a polícia tem se antecipado aos manifestantes, e a aceitação da chegada do ato ao terminal, totalmente cercado e com vias próximas evacuadas, é uma demonstração da imposição de limites por parte do poder repressivo. Talvez seja o momento dos manifestantes saírem do roteiro, e assim encontrarem novas formas de luta que possibilitem outras conquistas.

Fotos do Tarifa Zero Goiânia.

Os leitores portugueses que não percebam certas expressões usadas no Brasil
e os leitores brasileiros que não entendam algumas expressões correntes em Portugal
dispõem aqui de um Glossário de gíria e termos idiomáticos.

1 COMENTÁRIO

  1. O interessante é que – quando a Frente de Luta pelo Transporte voltou à ativa em Goiânia, no começo do ano – na primeira reunião foi levantado que seria melhor tentar, aproveitando a expressão do artigo acima, “sair do roteiro”, isto é, organizar um trabalho de base nas periferias: um trabalho de longo duração do qual resultariam manifestações “descentralizadas”, ao invés das tradicionais manifestações “centralizadas” (em bairros próximos ao centro da cidade). Mas uma manifestação leva à outra e a coisa vai assumindo, rapidamente, a forma de uma bola de neve rolando montanha abaixo. Logo após a primeira manifestação “centralizada”, foi organizada já a segunda manifestação “centralizada”. E, provavelmente, novas manifestações “centralizadas”, “seguindo o roteiro” de sempre, vêm vindo por aí.

    Algumas pessoas não entendem que esse tipo de manifestação é o mais adequado à repressão e o mais inadequado à autodefesa – ou entendem mas não se importam com isso: saímos às ruas no terreno, cercado, do inimigo. Não construímos “o nosso próprio terreno”. Pelo contrário, nos arriscamos partindo para a briga num espaço já reorganizado, temporariamente, sem muita dificuldade, para a repressão (ruas fechadas, trânsito desviado, terminais rapidamente esvaziados, policiais por toda parte etc.). Certos manifestantes pensam que, por estarem segurando um escudo feito de compensado, são capazes de resistir – ou até de triunfar, fisicamente, sobre os agentes da repressão. Um completo absurdo. O que acontece, contudo, quando começam a explodir as bombas de efeito moral, a rebentar as balas de borracha e a irromper os golpes de cassetete? Lançam os escudos para trás, que de nada valem, de tal modo que é possível vê-los rodopiando no ar, e colocam-se a correr como todos os demais, aderindo ao “salve-se quem puder”. Afinal, quem é que é suficientemente imbecil para tentar resistir ao avanço de homens melhor treinados, equipados e armados; sentados no lombo de cavalos que podem, com muita facilidade, passar por cima de um manifestante; num perímetro cercado, com cada rua, cada viela, ao redor, vigiadas?

    Mas a explicação para tudo isso é, relativamente, simples. São manifestantes que fogem do trabalho de base, como se fossem o próprio Diabo fugindo da Cruz. Parece até que preferem as explosões, os tiros e as cacetadas, que lhes deixam manchas roxas nos corpos, as quais competem apenas com as tatuagens revolucionárias – que exibem com prazer. E a única maneira de fazê-los correr mais rápido, como se estivessem correndo do próprio Jesus Cristo, é sugerindo que façam uma leitura (nem é preciso que seja a de um pequeno livro ou a de um artigo do Passa Palavra… Uma reportagem, de qualquer site de notícias, já é mais do que estão acostumados, isto é, já é mais do que as habituais duas ou três linhas daquelas tirinhas de humor, engraçadinhas, do Facebook).

    Sair o roteiro é preciso, mas é tão complicado…

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