Por Passa Palavra
O Bloco de Esquerda surgiu como uma tentativa de renovação da esquerda em Portugal, abrindo-a a novos problemas e a novas modalidades de luta e procurando tomar como base social aquelas fracções da classe trabalhadora — terceirizados, precarizados, trabalhadores em part-time — cujos interesses não são levados em conta pelos sindicatos.
Esta via trouxe promessas, alguns esboços de realização e, no final, muita frustração. Culpa do Bloco? Longe de nós essa ideia, não estamos aqui para julgar ninguém nem atribuir culpas e méritos. Pretendemos somente esboçar uma análise crítica da realidade social e das suas forças determinantes. Ora, poderia o Bloco abrir-se aos novos tipos de luta representados noutros países pelos movimentos sociais, se em Portugal os movimentos sociais não existem?
Admitindo que seja essa a causa estrutural, então o Bloco já nasceu em crise, que só não se manifestou antes por causa do seu líder histórico. Francisco Louçã sempre se revelou suficientemente hábil na compatibilização de dois tipos de discurso: um voltado para dentro e bastante à esquerda; e outro voltado para fora e endereçado àqueles que se reivindicavam de pertencer a uma esquerda pluralista, liberal e democrática que não se revia no Partido Socialista, reduzido à gestão neoliberal doutrinada pelas teses da terceira via, nem no Partido Comunista, ainda e sempre fiel ao socialismo real.
Estaremos a exagerar a importância de uma figura singular, num plano político que diz respeito a colectivos? O certo é que Francisco Louçã captou a atenção e a simpatia dos meios de comunicação social, no cenário grisalho dos mesmos partidos de sempre e das mesmas figuras de sempre. Louçã e o Bloco constituíam uma novidade. Estes resultados positivos obtidos pelo Bloco no exterior ajudaram a atenuar, ou pelo menos a adiar, as divisões existentes no seu interior.
Nesta perspectiva, o primeiro revés público ocorreu quando Sá Fernandes, eleito como independente na lista do Bloco para a vereação de Lisboa, se afastou, comprovando-se que o pluralismo do Bloco era, afinal, limitado. Mais tarde, a ruptura com Rui Tavares, eleito como independente na lista do Bloco para o Parlamento Europeu, confirmou que o Bloco não era assim tão diferente dos outros partidos (e o Livre não será, com certeza, excepção). A outrora saudável e democrática divisão interna revelava-se insustentável. Foi neste contexto que Francisco Louçã, já não como líder, pelo menos formalmente, criou uma nova corrente cujo objectivo era a abolição de todas as correntes do Bloco. Mas a tentativa revelou-se infrutífera e caiu mal o ensaio de mudança a partir de cima, congeminado nos bastidores. A divisão interna manteve-se, embora com novos nomes.
Estas intrigas palacianas pouco afectaram a influência do Bloco nos movimentos sociais, já que esta nunca havia sido muito grande. E as raras tentativas neste sentido — por exemplo, o May Day em torno da questão da precariedade — mostraram como a diferença entre Bloco e Partido Comunista incidia mais no plano estético do que noutra coisa. O movimento Que Se Lixe a Troika é talvez o melhor exemplo desta afinidade estrutural.
As manifestações do Que Se Lixe a Troika e os acampamentos no Rossio de Lisboa e em algumas praças públicas de outras cidades puderam fazer crer que os movimentos sociais iam lançar raízes em Portugal. Mas não foi o que aconteceu.
Há entre nós quem se incline a pensar que o Partido Comunista, directamente ou por intermédio de amigos, levou facilmente o Que Se Lixe a Troika por um caminho tal que as ruas ficaram esvaziadas e as suas manifestações foram substituídas pelos desfiles rituais da CGTP. A central sindical, com a ajuda musculada de um serviço de ordem que em boa medida se confunde com as associações profissionais da polícia, teria então canalizado o sentimento de protesto para os moldes tradicionais, e marginalizado quem insistisse em não se enquadrar nesses moldes.
Pode argumentar-se, porém, que o movimento Que Se Lixe a Troika resultou de uma coligação informal entre militantes do Bloco e do Partido Comunista, não sendo à partida óbvio qual dos dois predominava. O fim deste movimento ter-se-ia devido, pura e simplesmente, ao confronto com os próprios limites da sua estratégia, que consistia em querer derrubar o governo através de manifestações que reuniam centenas de milhares de pessoas. Quando os governantes perceberam que aquelas manifestações nunca iriam converter-se numa forma de luta qualitativamente superior, começaram simplesmente a ignorá-las. E mais nada se passou. Teria sido assim que se esvaziou o Que Se Lixe a Troika. Entretanto, sendo derrotados no braço de ferro com o governo na questão da manifestação na ponte sobre o Tejo, o Partido Comunista e a central sindical teriam sido remetidos para um reportório já gasto, como foi confirmado pela escassa adesão à alternativa encontrada.
Nesta situação o Bloco de Esquerda estava já isolado da base social que constituíra a sua vocação originária e que em Portugal se revelara incapaz — temporariamente? — de avançar com formas de luta próprias e inovadoras. Não restou então ao Bloco outra alternativa senão a de se cingir à forma de actuação de um partido tradicional, limitando-se a disputar eleições.
Apesar dessa restrição, ainda aqui o Bloco poderia ter redescoberto uma razão de ser, o que em política significa: um programa próprio. O Bloco poderia ter-se apresentado, em primeiro lugar, como um partido anticapitalista, capaz de analisar criticamente as relações sociais de produção e não só as jigajogas governamentais e parlamentares. Poderia também, em segundo lugar, ter-se destacado como a única força política portuguesa capaz de assumir um europeísmo de esquerda, o que a distinguiria simultaneamente do europeísmo capitalista e tecnocrático do Partido Socialista e do nacionalismo tacanho — eles chamam-lhe patriotismo — do Partido Comunista.
Durante algum tempo, parece que seria este o rumo. Francisco Louçã , que foi a mente mais lúcida do Bloco, escreveu textos e proferiu declarações neste sentido e o Bloco conseguiu eleger para o Parlamento Europeu representantes antinacionalistas e federalistas.
Nos últimos anos, porém, até esta derradeira especificidade do Bloco se desfez. O Bloco passou então a especializar-se na ambiguidade e, se não dizia claramente que era favorável ao abandono do euro, também não afirmava claramente que o abandono do euro seria ainda mais prejudicial do que as medidas impostas pela Troika. Foi nesta incerteza que o Bloco se apresentou às eleições de 25 de Maio e, como seria de prever, os clientes torceram o nariz a uma mercadoria que não é carne nem é peixe. Para o Bloco, os resultados foram catastróficos.
Agora o que se discute no Bloco é, posto em palavras claras, que forma dar ao enterro. Umas pretendem que o Bloco se dissolva no europeísmo tecnocrático hegemonizado pelo Partido Socialista. Iriam constituir a ala esquerda de socialistas que neste momento têm só alas direitas. Também não devemos ignorar a sedução exercida por secretarias de Estado num governo de maioria socialista cuja possibilidade não se afigura muito distante. Outros defendem que o Bloco se subordine ao nacionalismo tacanho do Partido Comunista, tão aplaudido pelos pequenos patrões. E não devemos aqui negligenciar a capacidade de cooptação do Partido Comunista, que parece estar a reproduzir agora no interior da direcção do Bloco a mesma manobra que realizou já noutros contextos. Na Mesa Nacional do Bloco reunida em 1 de Junho Francisco Louçã inverteu as suas posições públicas anteriores e admitiu a possibilidade de Portugal sair do euro, defendendo a aproximação ao Partido Comunista (leia aqui). E nem sequer o faz hesitar, a ele e a outros, o facto de estas posições convergirem com a da extrema-direita europeia, conservadora ou neofascista, e seguirem um caminho oposto ao do Syrisa, a grande força vencedora das eleições europeias na Grécia, ou do Podemos, partido revelação espanhol.
Qualquer opção de esquerda radical desapareceu — por quanto tempo? — do cenário político português.
E o MAS? Insignificante de tão pequeno?
«Representantes antinacionalistas»? O Bloco de Esquerda? Terão os leitores direito a um nome?
Ricardo,
Embora o Rui Tavares se aproxime agora daquilo que designamos como europeísmo tecnocrático, ele é de facto um federalista europeu e, neste sentido, afasta-se do nacionalismo de esquerda. Por outro lado, parece-nos que Miguel Portas, quando foi eleito em 2009, se podia classificar como antinacionalista. Aliás, em 2009 o programa do Bloco de Esquerda não defendia a saída da zona euro nem a ruptura com a União Europeia e nalguns aspectos defendia um avanço das instituições democráticas no espaço europeu, nomeadamente no Parlamento Europeu.
“O combate europeu do Bloco de Esquerda
é o mesmo que o distingue em Portugal: junta
forças, proposta e alternativa com quantos
se revêem na urgência de uma ruptura com
as políticas e os políticos que colocaram
o planeta, a Europa e o nosso país numa crise
social de proporções incalculáveis.” (http://www.esquerda.net/media/compromisso_be_pe09.pdf).
Faço-vos ver que o mandatário da lista era o Fernando Nobre. Isso e a leitura atenta do “compromisso” acima mencionado leva-me a pensar que temos acerca da definição de “nacionalismo” e “antinacionalismo” uma diferença que não é tão pequena quanto isso. Eu acho que as pessoas que imaginam o mundo e formulam a sua perspectiva sobre ele a partir da ideia de que o planeta é sobretudo uma soma de várias nações, cada uma com as suas especificidades que interessa manter e defender, são nacionalistas. E acho que quem se posiciona ambiguamente relativamente a essa questão poderá ser muita coisa, mas de forma alguma um “antinacionalista”.