Por Federação Anarquista Revolucionária da Venezuela

No início de julho 2014, o militante da esquerda alemã revolucionária e popular Bernhard Heidbreder foi detido em Merida, na Venezuela, por agentes da Interpol. Nesse momento, ele se encontra nos cárceres de Caracas, ameaçado de ser extraditado à Alemanha dentro de poucos dias.

Bernhard Heidbreder, militante internacionalista preso pela Interpol em Merida, na Venezuela

Culpado pela solidariedade?

Ambas ações propagandísticas foram marcadas por princípios altruístas e de solidariedade a povos e pessoas cujos direitos humanos estavam sendo violados por políticas de Estado alemãs. A primeira se dirigiu contra uma instalação do exército alemão e buscava denunciar a assessoria militar alemã ao Exército turco (este então em plena guerra contra o povo curdo). A segunda ação teve como objetivo impedir a reabertura de um cárcere de internamento dos indigentes em Berlim. Na Alemanha, os imigrantes indigentes do Sul que são presos ou denunciados pela população são detidos como se fossem criminosos e podem passar anos nesta condição antes de serem deportados a seus países; há anos isto gera protestos de grupos e coletivos antirracistas devido à violação dos direitos humanos que constituem. Inclusive a Corte Europeia (European Court of Justice) em julho 2014 se pronunciou enfaticamente contra as práticas de encarceramento dos imigrantes na Alemanha, considerando-as uma violação dos direitos fundamentais. O cárcere de deportações em Berlim-Grunau tem sido durante muitos anos um símbolo destas políticas institucionais racistas. No momento da sabotagem, ele estava em remodelação. O “Komitee” declarou então que, com esta ação, queriam sacudir a opinião pública alemã para reverter esta injustiça, num momento político em que a inclusão do direito ao asilo político para aquelas pessoas ameaçadas de morte em seus países de origem estava sendo socavado radicalmente.

Violação de seus direitos na Alemanha

Não está claro se Bernhard realmente participou nestes dois atos de sabotagem, mas em qualquer caso a justiça alemã não garante um processo transparente e justo em casos dessa natureza.

– Embora normalmente tais ações de sabotagem descritas não sejam qualificadas como terrorismo, e sim como atentado à propriedade por motivações altruístas, desde as grandes confrontações dos anos 70 o código penal alemão considera como terrorista qualquer associação de no mínimo três pessoas que se proponha a atos ilegais por motivos políticos, mesmo quando estes não tenham envolvido risco de danos às pessoas.

– Efetivamente nos casos das ações em questão, nunca se colocou em risco vidas humanas. As ações foram desenhadas para não ferir nada e ninguém. Trataram de defender os interesses da população civil curda (vítima da repressão do Estado turco) e dos imigrantes indigentes na Alemanha. Neste sentido foram ações solidárias e populares em defesa dos direitos da população do Sul Global.

– Desde a queda do muro em 1989, tem ocorrido múltiplos assassinatos contra imigrantes e atos de violência premeditados pela extrema direita e grupos neonazis. No entanto, a justiça alemã sempre se recusou a qualificar estes atos como políticos, enquanto que, ao mesmo tempo, se empenhou em perseguir politicamente a ativistas de esquerda. Atualmente, por exemplo, está em marcha um juízo contra um grupo denominado “Clandestinidade Nacionalista” (NSU) que assassinou pelo menos 10 imigrantes por motivos de ódio racial. Ao largo do juízo permaneceu em evidência que diversos serviços secretos alemães, assim como a polícia, esconderam ativamente este caso de terrorismo da ultra-direita. É pouco provável que todos os culpados possam ser julgados já que a institucionalidade os protege reciprocamente.

Maduro_e_MerkelBernhard Heidbreder e outras pessoas que fugiram pelas mesmas circunstâncias têm sido perseguidas pelo Estado alemão por mais de 20 anos – o que assombra, porque os delitos leves dos quais os acusam deveriam ser prescritos. No entanto, as autoridades alemãs os colocou na lista dos 10 homens mais buscados da Alemanha, junto com assassinos e mafiosos. Tudo indica que se trata mais de uma perseguição política do que de um caso regular, pelo que se sublinham os riscos de violação dos princípios de juízo justo.

Nossa exigência

Bernhard, quem se vê ameaçado de violação de seus direitos humanos, é um militante internacionalista de esquerda que merece toda nossa solidariedade. Por ele, exigimos ao Estado venezuelano que proteja seus direitos humanos abstendo-se de extraditá-lo a Alemanha e garantindo um devido processo no país.

Nós transcrevemos:

…Um MUNDO Melhor

Por Bernhard Heidbreder

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Retrato de Bernard pela polícia alemã

Meu nome é Bernhard Heidbreder, quem por estado de necessidade teve que assumir a identidade de John Londoño S., que foi como me conheceram no entorno de minha comunidade e também no trabalho. Desde 11 de julho de 2014 fui detido, pois desde abril de 1995 a justiça alemã me caçava por uma suposta vinculação com um grupo denominado K.O.M.I.T.E.E. e indevidamente classificado como terrorista (pois de fato nunca feriram ou mataram alguém), conhecido por realizar duas ações: por queimar uma pequena sede do exército e por uma tentativa de violar uma estrutura de cárcere vazia, que não foi levada a cabo. Agora, se perguntam, por que um cárcere? Bom, porque não iria ser um cárcere qualquer senão um muito especial, um cárcere que significava um novo passo adiante na perspectiva política dos governos alemães contra os imigrantes sem visto na Alemanha, dirigida a encarcerá-los, violando seus direitos humanos fundamentais. Imaginem que vocês estão como turista na Alemanha, e lhes oferecem um trabalho, como garçom; você decide se manter no país sem ter um visto trabalhista nem permissão legal, pois vocês bem sabem que a embaixada alemã jamais lhe daria; você trabalha durante um tempo no restaurante quando chega uma intimação da policia alemã que leva-o ao mencionado cárcere modelo, que foi feito exclusivamente para pessoas como você: os imigrantes que se encontram sem visto na Alemanha. Lá, você esperaria cerca de um semestre pela expulsão. Mas quando chega o dia, você não é deportado ao seu país de origem: o levam a um país vizinho onde lhe abandonam à sua sorte.

Qualquer um sabe que os países de “primeiro mundo” têm uma dívida incalculável com os países da América Latina e de outros continentes (que para eles são de “terceiro mundo”); sobre a base do roubo dos recursos naturais destes continentes foi que surgiu a riqueza dos países europeus. Uma maneira de pagar, embora seja pouco, a dívida histórica seria permitir que qualquer um possa ingressar na U.E. em busca de sua sorte no mundo do trabalho; mas longe disto, se constrói um cárcere para os estrangeiros que se encontram na Alemanha; não há direito!

A meu respeito, quero dizer que em toda minha vida não matei nenhuma pessoa; ao contrário, a política migratória da U.E é cúmplice da morte de muitos que em seus países de origem não encontram condições de vida, onde em vez de trabalho encontram fome, miséria e às vezes perseguição política e tortura.

Eu pertencia sim à esquerda revolucionária alemã: milhões de pessoas (eu entre elas) nos organizamos no movimento social autônomo que desenvolveu uma luta política, altruísta e solidária com os imigrantes indigentes, contra a violação a seus direitos humanos fundamentais, enquadrados nas ações da esquerda alemã indignada frente a tantos atropelos.

Hoje por hoje, sigo sendo fiel aos meus ideais, e às bandeiras de luta antifascistas, anti-imperialistas, antimachistas, anticapitalistas, e tenho as melhores intenções de ser um bom esposo, um vizinho solidário, um trabalhador lutador e revolucionário, participativo na criação de um sistema justo “eco-socialista”, mas considerando que não se necessita destas características políticas ou pessoais, senão somente um pouco de sangue solidário correndo nas veias, para ver que aquela política migratória é um atentado contra o mais elemental dos sentidos humanos.

Neste caso, tento clarificar as circunstâncias e as razões políticas com espírito altruísta que acompanharam as ações da esquerda revolucionária, incluindo aquele grupelho que eu supostamente integrava há quase 20 anos. E escrevo este comentário porque tento evitar a extradição (existem muitos argumentos jurídicos pelos quais, sobretudo amparados por um juízo apegado a Constituição e a lei onde está garantido o devido processo e direito de defesa, eu não deveria ser extraditado) e poder seguir com minha vida junto à minha esposa e minha comunidade em Merida.

Busco a solidariedade de todas e todos aqueles que se identificam com minha causa e peço à esquerda venezuelana em particular que me tenha em conta como o que sou: alguém que dá diariamente seu grão de areia na luta por um mundo melhor.

Traduzido por João V. M. Ramos

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