Como multiplicar esses momentos de conhecimento? Como criar momentos de organização livres dos olhos de quem tem outros interesses – aqueles encontros que já somos tão bons em criar no nosso cotidiano de trabalho para resmungar ou rir juntos? Por Um Trabalhador
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Momentos de (re)união
Uma funcionária faz uma sugestão. Coloca um problema: o desconforto das condições, a sobrecarga de trabalho. Nossa senhora assente e anota. “Claro, faremos assim que possível. O importante é que a equipe fique unida diante desse novo desafio”. Ela coloca que é importante o comprometimento de todos com as metas da empresa. Pergunto como ela vai resolver a reivindicação. Surge um burburinho. Ela pede paciência e confiança. Não me responde. Sorrisos para as câmeras: a presença na reunião é bom sinal de uma equipe unida! Todos levantam e voltam ao trabalho. Também não sabem o que vem. A vida segue.
Agora são centenas de pessoas. Levantam problemas: o desconforto das condições, a sobrecarga de trabalho, as chefias arbitrárias. Comunicam sua decisão: parar! O auditório bate palmas. Todos levantam as mãos em acordo: flashes e câmeras abundam. Uma pessoa pergunta: “Mas parar como”? Surge uma polêmica. Todo ano é a mesma coisa… e não dá nada. Será? A comandante pede calma: “Companheiros, agora é o momento de unidade. Temos um desafio de três meses pela frente pra segurar”. A dissidência se acalma. Realmente, é muito tempo. Outros se perguntam de onde esse prazo foi tirado… quem definia o prazo não deveria sermos nós todos? Todos começam a se levantar. Não aguentam brigas. Haverá uma reunião em que tudo será resolvido. Podem confiar. A vida segue. Ao menos dessa vez, ninguém corta o ponto por falta… por enquanto! E quem sabe… quem sabe dessa vez as decisões corretas serão tomadas?
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Competências
Um engenheiro estuda muito e decide que meu ônibus deve passar com x/y número de passageiros. Um economista decidiu que os trabalhadores estatais devem reduzir sua massa salarial em 0,5% em relação ao PIB. Um professor decidiu que um ponto eletrônico é a garantia do funcionamento administrativo. Uma supervisora decidiu que devem ser feitas rondas de 30 em 30 minutos para verificar a presença do funcionário. Um colega mais velho decide que o armazenamento não está trabalhando o suficiente, chama a sua atenção. O pau-pra-toda-obra se consola porque poderia ser pior: ele poderia estar como o colega terceirizado, fazendo a mesma função por um terço do salário. Os consumidores passam todo dia pelo lugar e mal notam a existência de qualquer um deles, exceto quando alguém faz cara feia ou não está lá no momento que ele precisa.
Nossos chefes não cansam de reclamar que só vemos a nossa parte, que precisamos de ver o conjunto. Justificam suas decisões unilaterais com base nesse conhecimento superior. Alguns, de fato, por terem mais tempo em virtude de sua função, além da dificuldade artificial de comunicação entre trabalhadores, acabam tendo mais informações e com isso poder prático.
No entanto, sobre condições de trabalho e salário, não há quem entenda mais do que os próprios trabalhadores. Sobre o que funciona ou deixa de funcionar com a pressão certa, quem vai saber melhor é quem trabalha. Sobre uma greve, sobre suas condições de sucesso, portanto, o sujeito mais competente para decidir, com o maior número de informações disponíveis, só pode ser o conjunto dos trabalhadores. Malgrado os preconceitos e as di visões, os efetivos de uma universidade hoje sabem que sem os terceirizados parados tudo continua. É um problema prático que se coloca imediatamente para ser resolvido. Mas isso é só quando o negócio da greve é aplicar a pressão certa para obter um resultado coletivo.
Nem sempre o negócio é esse, no entanto – assim com o negócio de um mini-chefe não é o funcionamento 100% correto dos processos. O negócio algumas vezes é poder e dinheiro. Demonstração de poder diante dos patrões para conseguir uma posição de diálogo privilegiada ou mostrar mais competência que os atuais interlocutores. Dinheiro para sustentar esse poder, esse destaque à revelia daqueles que trabalham para que a grana exista e circule com legitimidade. São milhares de reais e algumas oportunidades preciosas de sentar à mesa com figurões. A situação é duplamente benéfica. Para o patrão, algumas reuniões e benesses (de milhares de reais que sejam) sindicais custam muito menos que míseros 10% de aumento para um conjunto de trabalhadores que ainda pode querer mais por ter conseguido um tanto. Para o representante, um pequeno desgaste de levar “a base” no banho-maria custa muito menos que o risco de uma ousadia recompensada com destituição ou perda da interlocução que dá sentido à sua existência… afinal, conseguindo algo por suas mãos, é bem possível que os trabalhadores decidam que querem ainda mais e que não necessitam de intermediários.
Outra coincidência notável na lógica. Quem nunca ouviu de um chefe que não poderia ceder tal coisa, por que senão abriria precedente? Quem nunca ouviu a recomendação de não dar espaço demais para o cliente, senão ele abusa? Por que não levamos a sério o conselho e até agora não tomamos o nosso espaço-tempo que nunca é demais?
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Não saber é o início de qualquer conhecimento genuíno
O único desfecho inescapável e previsível é o sono, eterno ou provisório. Quando estamos acordados e alertas, quando não estamos sendo dirigidos como sonâmbulos, só temos o imprevisível pela frente. Nossas reuniões são, malgrado nossas derrotas pontuais, um momento em que podemos nos conhecer, dialogar, respeitar. Como multiplicar esses momentos de conhecimento? Como criar momentos de organização livres dos olhos de quem tem outros interesses – aqueles encontros que já somos tão bons em criar no nosso cotidiano de trabalho pra resmungar ou rir juntos? Quanto já não pagamos por confiar erroneamente no puxa saco ou no dedo duro do departamento… e assim fomos lentamente construindo relações de confiança?
Acontece que o tempo agora é curto e a nossa luta aqui não é mais pela sobrevivência, mas por algo de vida que nos garanta ao menos um pouco mais de espaço para respirar. Parando, já rompemos com as barreiras do nosso local de trabalho, estamos em contato com todo mundo que a gente quiser e puder. Nosso amigo, o imobilismo que nos protege de desgaste no trabalho, mas que nos joga uns contra os outros, agora se torna insustentável. Além dos inimigos de sempre, temos ainda os que dizem estar do nosso lado, mas não estão, e os que querem nos instrumentalizar para chegar a algum lugar. Romper a unidade entre os chefes, como a experiência cotidiana e histórica demonstram, é uma condição fundamental para termos espaços de movimentação. Que ações são capazes de fazer isso?
Essas são perguntas difíceis, que levarão a respostas erradas, a sofrimento, mas também ao aprendizado. Um colega uma vez disse, falando da anual luta contra o aumento, que sair do roteiro é a obrigação de quem quer vencer. Foi o que aconteceu em 2013 na luta contra o aumento da passagem, um roteiro estabelecido acabou-se, os riscos aumentaram mas também ganhos foram possíveis.
Como podemos escrever um novo roteiro a muitas, centenas de mãos, em mais uma greve de categoria anual, em mais um dia (ou vários dias) “de paralisação nacional” puxado à nossa revelia, desconectado das pressões crescentes dos nossos locais de trabalho?
O artigo tem um formato muito bacana, e as questões são ótimas. A ilustração também ficou foi muito boa. Salvo engano, a abordagem clássica dos zumbis se dá nos filmes de George Romero, os quais são política pura (“A Noite dos Mortos Vivos”, “Despertar dos Mortos”, “Dia dos Mortos” etc). Em geral o contexto abordado é o da Guerra Fria, e em alguns dos filmes os zumbis são postos como os comunistas que vão comer o cérebro dos capitalistas e torná-los iguais a eles. Por outro lado Romero inverte os papéis em várias cenas e em vários filmes. Não por acaso no filme de 1978 Dawn of the Dead (Despertar dos Mortos) os sobreviventes se escondem num Shopping, que então é invadido pela massa zumbi, tal como qualquer shopping em dia de promoção:
http://lounge.obviousmag.org/cultura_intratecal/assets_c/2015/04/dawn-of-the-dead-1978-thumb-600×328-103837.jpg
Há ainda um momento em que os zumbis ficam na vitrine como consumidores observando o objeto de desejo, a mercadoria, no caso os próprios humanos:
http://coilhouse.net/wp-content/uploads/2011/11/dawn-of-the-dead-1978-mall-shopping-Black-Friday.jpg
e
http://www.deepfocusreview.com/reviews/images/dawnofthedead5.jpg
e usam técnicas de sedução, como se os próprios zumbis estivessem a oferecer a si mesmos: “Vem ser zumbi com a gente!”:
http://1.bp.blogspot.com/-MKz4u8vq6AE/UmuLSy4dO5I/AAAAAAAADHY/V-oWuGXXf4k/s1600/dod1.png
Há ainda um momento no filme em que toda a confusão cessa e a ordem típica de qualquer shopping (pessoas na escada rolante ao lado direito, etc) (e de qualquer linha de montagem e qualquer rotina de trabalho…) assume. É o Romero dizendo “ei, a minha msg é pra vc consumidor/trabalhador/capitalista; o zumbi aqui é vc”:
https://ablogofhorror.files.wordpress.com/2012/03/vlcsnap-2010-10-05-08h51m55s132.jpg
Enfim, a reflexão do Trabalhador e a ilustração do artigo foram na minha opinião uma combinação perfeita. Nos filmes de zumbis sempre morre aquele que atua sozinho, de modo individualista, e também aquele que, cercado numa casa etc resolve ficar na casa, reforçando as paredes da prisão, ao invés de reagir, ao invés de sair do roteiro.
A CONFERIR
http://elsalariado.info/2015/03/17/proletariado-y-clases-sociales-hoy/#_ftn1
Do mesmo autor do link de ulisses, Agustín Guillamon, tratando da saída do roteiro especificamente quanto ao órgão militar da revolução, o PassaPalavra publicou uma excelente entrevista, sobre o excelente livro dele: http://passapalavra.info/2012/01/51701