A internacional pode e deve ter como inimigos: o egoísmo, a ambição, a calunia, a imbecilidade que não estão jamais de acordo com os anseios reais da humanidade. Por Adhemar Schwitzguèbel[1]

Essa associação, fundada em Londres em setembro de 1864 pelos delegados dos trabalhadores dos países mais industriais, tomou, em poucos anos, tais proporções, que veio a preocupar todos os governos e a burguesia.

Havia, já na antiguidade, Spartacus, e, na idade média, os Jacques: nos tempos modernos ainda tínhamos a crença de: viver trabalhando ou morrer em combate, que mais tarde seria: pão ou chumbo. Mas, jamais na história, fora constatado esse fato: os proletários de todos os países reunidos pacificamente para estudar e discutir as causas fundamentais do pauperismo, assim como os meios próprios para remediá-la radicalmente.

(…)

1864_gruendungsmeeting_der_internationale_in_londonNa Europa e na América, após certo tempo, os trabalhadores formaram as associações cuja finalidade era sociedade de socorro mútuo em casos de doença e outros problemas, assim como, ficar sem trabalho, etc. Essas associações tinham uma característica local ou nacional, e várias vezes entravam em luta contra os patrões para defender os interesses de seus membros. O patrão naturalmente inclinado a pagar a seus empregados o menos possível. A diminuição dos salários se fazia, sobretudo, nos tempos de crise, quando trabalhadores ofereciam seus braços em grande número aos capitalistas e aos patrões.

A experiência mostrou bem aos trabalhadores a causa da baixa dos salários, e a extrema miséria onde eles se encontravam, o que os obrigou a refletir sobre meios de sanar esse mal. Fundaram, assim, suas sociedades de resistência.

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O sentimento do direito se desenvolveu mais e mais no seio das classes trabalhadoras, as caixas de resistência, mantidas por grande número de trabalhadores, tornaram-se fortes… Entendendo sua posição, num novo dia, os trabalhadores reclamavam aumento de seus salários e a diminuição das horas de trabalho. As greves tornaram-se mais e mais frequentes; a solidariedade entre os trabalhadores de um mesmo país tornou-se mais forte do que nunca. Entretanto, as comunicações internacionais tornaram-se de tal modo fáceis que em algumas horas, os patrões poderiam aliciar os trabalhadores de um país vizinho, para tomar lugar daqueles que estivessem em greve. Esse fato aconteceu em algumas das greves importantes, e foi causa de grandes derrotas dos trabalhadores. Fato fundamental para fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores.

Por outro lado, as ideias modernas, penetrando as massas populares, fazendo com que os trabalhadores das diferentes nações não mais se considerassem como inimigos uns dos outros, malgrado as diferenças de origem. A comunidade de sofrimentos e da identidade dos interesses fez com que as classes trabalhadoras de todos os países tornasse um só corpo social.

Os delegados das classes trabalhadoras se reuniriam anualmente, a partir de 1866, no Congresso Generais, e realizando um duplo trabalho: desenvolver, fortificar a organização geral do proletariado, e formular, por meio das resoluções, as aspirações gerais dos trabalhadores.

A organização federativa das caixas de resistência aparecia como um meio mais prático de assegurar o sucesso do trabalho nas lutas que ela se lançou contra o capital. Mas compreenderam assim que, para não caírem eternamente no mesmo círculo, necessariamente deveriam suprimir a causa do antagonismo existente(…) Para fazer cessar esse antagonismo, deveria o instrumento do trabalho, o capital, ser posto à disposição do trabalho sem que fossem os trabalhadores escravos dele: em outras palavras, ir além de reformar o sistema de propriedade. Essa questão foi abordada nos Congressos Gerais e dois sistemas se encontraram frente à frente: o mutualismo e o coletivismo.

O mutualismo, que se reclamaria de Proudhon, tinha a pretensão fundar a organização social, não sobre a propriedade, mas sobre o crédito: essa organização, de iniciativa dos produtores, se creditando mutuamente e garantido a troca de seus produtos, tendo por finalidade o crédito gratuito e a troca de produtos pelo custo líquido(…) Alguns desses discípulos de Proudhon tentaram nos Congressos fazer prevalecer o mutualismo, mas eles se tornaram minoria.

O sistema coletivista, que prevaleceu na Internacional, pode ser resumido como: a riqueza natural é inalienável, uma apropriação individual dessa riqueza não pode ser legitimada pela ciência. Só a necessidade social pôde justificar no passado, porém, hoje essa necessidade desapareceu(…) A apropriação individual dessa riqueza industrial não mais pode ser legitimada, fato positivamente constatado, pela ciência econômica, que toda riqueza, todo capital não poderá mais ser acumulado fora da apropriação do trabalho coletivo, combinado com as forças naturais(…) Tal é, em resumo, o ponto de partida do coletivismo. Em suas consequências práticas, não se anula, como pretendem sujeitos mal intencionados, no comunismo absoluto[2] mas sua formula é esta: apropriação, pela coletividade social, das terras, dos instrumentos de trabalho, com a garantia do indivíduo dos produtos de seu trabalho pessoal.

As consequências da propriedade coletiva não podiam ser outras que essas: supressão de toda exploração do homem pelo homem, por acordo concedido, a cada produtor, do capital necessário para fazer valer seu trabalho, e a elevação da riqueza social ao máximo, pela organização completa da força coletiva.

Tal são, em resumo, os princípios coletivistas. Se pronunciando em favor deles, a Internacional foi posta em oposição radical com a sociedade burguesa fundada no desenvolvimento sobre o princípio individualista, ela – a AIT – por isso é revolucionária.

Em que momento, ou época, veremos a realização desses princípios? Quais os meios das classes trabalhadoras deverão empregar para realizá-los?

Os eventos decidirão na época das grandes lutas revolucionárias, estejamos preparados, afim que, quando a hora chegar, o proletariado se encontrará organizado à altura da missão histórica que deve cumprir.

ait1_geneve_1866Quanto aos meios, duas correntes de ideias se manifestam no seio da Internacional. Uns de se apossar do atual Estado e o modificá-lo gradualmente até que seja a fiel expressão dos anseios dos trabalhadores. Os outros querem suprimir, de pronto, a organização política e jurídica, de maneira a levar toda garantia pública aos privilégios econômicos da burguesia e a desorganizar assim completamente a ordem social atual. Por fim constituir as comunas e as federar internacional, essa organização nova erguida pela iniciativa do próprio povo.

O próximo Congresso Geral mostrará qual destas duas correntes de ideias que será o majoritário dentre os trabalhadores.[3]

Que a burguesia não se aproveite dessa divergência de opinião que se manifesta sobre esse ponto na Internacional. Todos marcham para o mesmo fim: a libertação completa do trabalho, esses que simplesmente reivindicam, para nossos tempos, a supressão de toda exploração, de toda dominação burguesa.

E você, companheiro, que estando a par do movimento, sua ação é preciosa para o trabalho geral. Responda com indignação esses homens que querem convencê-lo pela calúnia e aceite a mão fraterna dos trabalhadores de todos os países. Quanto mais a ação dos oprimidos se tornar geral e séria, mais viva irá parecer a hora da libertação.

Os burgueses, nossos mestres, gritavam na idade média: Comuna! Comuna! Proletários, apropriem-se desse grito, mas que, ao saírem de nossos peitos, o significado, não seja a Comuna dos privilégios, mas a Comuna igual, a Comuna do trabalho radicalmente livre. [4]

A internacional pode e deve ter como inimigos: o egoísmo, a ambição, a calunia, a imbecilidade que não estão jamais de acordo com os anseios reais da humanidade. Avancemos, levemos a Justiça conosco.

Traduzido por Marcelo Mazzoni.

Notas:

[1] Capítulo IV do livro Quelques Écrits, coletânea feita por James Guillaume de textos de Adhémar Schwitzguébel, a tradução é de nossa autoria, porém as notas são todas de Guillaume. Extraído do Almanaque do Povo para 1871. É uma exposição histórica sendo um pouco longa, não oferecia para nós tanto interesses, nós tivemos que fazer alguns cortes, e fazer algumas notas ao texto em diversos momentos.

[2] O “comunismo” que Schwitzguébel se refere é o comunismo utópico e autoritário de Cabet e de qualquer outro.

[3] A Internacional teve, até essa data, quatro Congressos Gerais, aqueles de Genebra (1866), de Laussane (1867), de Bruxelas (1868) e da Basiléia (1869). Os eventos políticos impediram que a reunião do Congresso de 1870 ocorresse, assim como em 1871. O Congresso de Haia, de 1872, não faz mais que uma comédia organizada por Karl Marx e os agentes de sua ditadura pessoal. Após a derrota do golpe de marxista e o triunfo do princípio da autonomia na Internacional, os Congressos Gerais recomeçaram a se reunir, houveram ainda quatro: em Genebra (1873), em Bruxelas (1874), em Berna (1876) e a Verviers).

[4] Seria escrito novembro ou dezembro de 1870, por consequência três ou quatro meses antes do movimento comunalista de 18 março, 1871. Mas já em Lyon, em setembro de 1870, e em Paris, em 31 outubro seguinte, veio a se falar em Comuna. A ideia estava no ar.

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