Tomemos cuidado todos nós com estas simplificações, elas nos induzem a pensar que a resposta é fácil. Por Soraia Soriano

Na luta de classe todos as armas são boas:
pedras, noite e poemas. Paulo Leminski.

Trago aqui algumas questões para polemizar com o texto “A irresistível centralidade da tática e os dilemas requentados”, produzido por Daniel Lage e Rodrigo Massatelli. Entretanto, antes de adentrar na discussão em questão, considero importante fazer uma consideração.

110115cr01-thumb-600x400-32439O texto expressa, a meu ver, uma preocupação no sentido de compreender melhor, por parte de alguns setores da esquerda, as lutas que vêm eclodindo nos centros urbanos, tendo como marco junho de 2013. Aparentemente esta preocupação demonstra uma mudança desses setores no que se refere à sua visão em relação a um potencial dessas revoltas populares urbanas. Apesar de não assumido pelos autores do texto, creio que foi a tentativa de reconhecer este potencial que os levou a produzirem este esforço de análise (ancorado na observação das práticas), revelando preocupações e inquietações que na minha visão reavaliam questões há longo tempo debatidas neste campo, o que em alguns momentos se expressou nas publicações e debates travados no Passa Palavra.

Desta forma, vejo as contribuições dos companheiros como uma exposição de um debate que há anos está colocado para o campo da esquerda, mas que tem sido feito muitas vezes nos bastidores das lutas e por apenas parte da militância. Nesse sentido, temos como desafio o debate sobre estratégia envolvendo o conjunto de todos que se encontram em luta, seja no movimento sindical, nos movimentos sociais, nos partidos e nas lutas autonomistas. Isto significa trazer para a roda de prosa tanto os setores que se encontram no “centro da classe”, quanto os chamados “improdutivos”, isto é, todos aqueles que sobrevivem, lutam e se organizam fora das estruturas industriais clássicas de produção de mercadoria do capitalismo contemporâneo.

A produção e divulgação do texto de Daniel Lage e Rodrigo Massatelli marca também um movimento importante: a ampliação do diálogo entre aqueles que viveram e aprenderam a lutar com base nas concepções produzidas nas últimas três décadas, e essa nova geração de combatentes, que combatem em tempos de dispersão e fragmentação. E antes de qualquer polêmica, lembremos: lutam com as armas que têm e não com aquelas que desejamos que eles lutem.

Neste sentido, este texto, no qual sistematizo algumas reflexões, tem o objetivo de contribuir para pôr em movimento parte das polêmicas que circulam como questões que assombram o nosso tempo.

110123cr01-thumb-600x900-32449A primeira sensação que tive ao ler o texto em questão foi de identificação. Tive a impressão de que era bastante coerente, afinal as categorias a partir das quais nós da esquerda marxista estamos acostumados a pensar, analisar e agir na realidade das lutas estão quase todas ali: classe, trabalho de base, tática e estratégia, organização, formação etc. Tudo me parecia ter um certo encaixe com as lutas atuais, apresentando possíveis erros, atalhos cometidos no percurso, vacilações no final de 2015 em relação aos aprendizados de junho de 2013, e indicando algumas saídas dentro de uma estruturação já há muito conhecida por todos nós que nos reclamamos marxistas. Lendo novamente, as coisas foram aos poucos ficando mais claras, senti certo estranhamento, digamos assim. Será que a estruturação proposta para analisar as lutas recentes é suficiente para pensar o momento histórico tão adverso que estamos vivendo?

Tratarei de alguns pontos deste “incômodo”.

Me coloco para pensar: quem são os militantes que escrevem, onde estão localizados politicamente, de quais lutas participam?

A análise em diferentes partes do texto nos recorda onde todos nós do campo da esquerda estávamos e onde fomos parar com a estratégia que norteou as lutas dos últimos 30 anos no Brasil. Parte de nós militava ativamente em diferentes organizações, quer seja em sindicatos, partidos e∕ou movimentos sociais, alguns criticamente apontando possíveis limites e erros desta estratégia e o conjunto de coisas que carregavam; outros garantindo na luta política interna das organizações o cumprimento e execução deste já conhecido Projeto Democrático e Popular. Este se realiza com a eleição do Lula em 2002 terminando por cobrir com terra algumas brasas sobrantes de uma fogueira alimentada durante décadas pelo trabalho militante.

Apesar dos autores conhecerem os dilemas que permearam este período, nas entrelinhas do texto parecem se colocar fora da estratégia Democrático e Popular. Estar fora desta estratégia objetivamente não é apenas uma opção, fruto da vontade de indivíduos ou coletivos. Entendo que a escolha de onde atuar pode ser permeada por algumas escolhas, mas nem sempre. Ainda que o esforço crítico dos limites históricos e das consequências da realização deste programa seja um momento fundamental para sua superação, somos todos herdeiros e integrantes deste tempo democrático popular. E nossas práticas, sejam elas mais ou menos radicais, ainda estão conformadas pelo espírito deste tempo. Entretanto, é na ação social prática combinada com a crítica teórica que podem se apresentar elementos de superação, isto é, é na ação criadora das lutas que surgem ensaios de negação da velha estratégia, ou serão apenas palavras propagandeadas que não encontram materialidade real nas lutas, e nem mesmo conexão na cabeça daqueles que estão envolvidos nas mesmas.

Reconheço aqui uma necessidade de reafirmação de alguns princípios de fundamental importância apresentados pelos companheiros: a crítica como negação e a convicção de onde se localizar politicamente, no caso dos companheiros, ao lado do centro da classe. Mas me parece um grande menosprezo, e até uma certa arrogância, concluir que estes jovens militantes que protagonizaram algumas das últimas experiências inspiradas no autonomismo, como a luta pelo transporte e a luta contra a reorganização escolar, que não vivenciaram o processo anterior de luta, portanto não carregam total clareza deste processo vivenciado pela esquerda, estariam repetindo a história como algo propositalmente falseado, presente nas palavras dos autores como a reafirmação dos “dilemas requentados”.

Reconheço que as lutas autonomistas em questão não carregam as respostas suficientes e acabadas, teóricas e práticas, para a saída dos velhos e pesados dilemas da esquerda e para a construção de uma nova estratégia, afinal a encalacrada histórica é grande. Seria um devaneio querer imputar este tipo de exigência a este grupo de militantes e sua experiência de luta. Porém, defender pura e simplesmente que, para superar a velha estratégia, é necessário fazer a crítica e estar junto à classe como meios suficientes para se construir algo novo, que escape de onde estamos metidos, é no mínimo insuficiente.

Outra preocupação tem relação com o determinismo da estratégia vigente. As ações práticas que concretizam a estratégia atual fazem conexões reais na materialidade da vida, seja de quem está na luta ou ainda fora dela querendo entrar. A ação militante nestes últimos 30 anos construiu esta estratégia nos bairros, sindicatos, movimentos sociais, partidos, e a realização mesmo que precária de algumas demandas reais da classe a consolida econômica e politicamente, por isto fica difícil respirar fora dela. Hoje somos parte da crise desta estratégia da esquerda, que em junho de 2013 vem à tona, de forma inesperada e que ainda está para ser resolvida. Será mesmo que as lutas do chamado campo autonomista continuam a validar por completo a estratégia Democrático-Popular? O enfrentamento que as lutas produziram não expôs algo de negação? Não há questões ou aspectos que escapam da reprodução das lutas democráticas e populares, que de fato valham a pena ser considerados?

Lembro do Mauro Iasi dizendo que nossa tomada de consciência das coisas não acompanha a realidade, se move mais devagar.

Dentro ou fora do PDP [Projeto Democrático Popular]

Entre o determinismo da estratégia, nossa tomada de consciência em relação às lutas recentes e a análise e entendimento posterior destas lutas têm uma brecha que precisa ser levada em consideração, aí é que acho que o texto dos companheiros peca. É demasiado certo das coisas e não abre nenhuma ponderação possível. Acha que todo o processo desta luta é a mesma coisa, que não há nada de “novo” ou sequer em germe.

Dariusz-Klimczak13Apegados a um modelo, só nos permitimos analisar e interagir com as lutas atuais na relação lógica pelo seu resultado alcançado ou pelo enquadramento daquelas lutas em um certo padrão. Daí o julgamento duro feito pelos companheiros Daniel e Rodrigo -, e justamente nesta conjuntura de deserto total, onde as “ilusões” revolucionárias estão enterradas numa cova profunda, e o sujeito revolucionário da tradição marxista desaparece da cena política ou se comporta como um zumbi. As principais organizações da esquerda cooptadas, a esquerda governista aliada com o capital e sendo trucidada como corrupta, os partidos de esquerda com os dois pés na disputa eleitoral e sem expressão política, e se analisa a intensa luta dos secundaristas apenas por ter como resultado um possível fortalecimento político da Apeoesp? Um reforço da estratégia democrático e popular?

Por certo todos nós estamos preocupados em como escapar das lutas do PDP, como colocar o nariz para fora deste dilúvio que continua a nos arrastar numa forte correnteza para um caminho que parece que não temos nenhum controle. Atuar criticamente neste momento é no mínimo arriscado e muito difícil.

Confesso que, nesta conjuntura, olhar a realidade com o instrumental das cartilhas simplificadas e reproduzidas a partir das leituras de Marx (senso comum da esquerda) e panfletos bolcheviques, me dá uma certa agonia. Partidos, sindicatos, movimentos, táticas, estratégias, trabalho de base, classe. Tudo isso precisa ser encarado com muita perspicácia neste momento, colocar óculos da crítica a tudo que não é espelho, e continuar analisando as coisas do mesmo jeito, pode nos levar sempre a reafirmar o mesmo lugar, da mesma forma e considerá-la como verdadeira. Será que este é o único caminho possível?

Longe de negar as categorias mencionadas, que são resultado de processos históricos intensos de lutas dos trabalhadores, o esforço necessário tem que ir no sentido de buscar aquilo que não está tão aparente e lógico. Essas construções nos custaram tanto e custam até hoje, têm sido esvaziadas de sua história, e a esquerda tem sua parcela de responsabilidade aí reservada e não é pouco. Absorvidas por anos e anos e repetidas como um mantra se transformaram num fetiche, sagradas, mecânicas, rígidas e formais, mesmo se qualificadas de históricas, dialéticas etc. Viraram justificativa ideológica para nós militantes. Tiramos elas do bolso a todo momento, servem para todos os males-crises-lutas. Está com dor de cabeça, toma um partido; quer que as lutas avancem, toma uma estratégia; a luta não acumula, toma mais uma pílula de organização, e assim por diante. Não têm o centro da classe, nós temos!

Caso a dor continue, a resposta é: você não seguiu direitinho a bula. Tomemos cuidado todos nós com estas simplificações, elas nos induzem a pensar que a resposta é fácil.

Acho que o campo marxista, no qual me incluo criticamente, pela minha história militante, tem como responsabilidade nos oferecer menos do mesmo. Lênin construiu uma teoria da organização elaborada e adaptada às condições históricas russas no início do século XX, não podemos aqui torná-la absoluta. As polêmicas envolvidas na formulação daquela teoria da organização têm sido retomadas em diferentes momentos históricos, se arrastando nos bastidores das lutas e estão sempre nos rondando. Essa reposição de antigas polêmicas pode ser algo rico, e quando é recolocada pela própria luta é algo que merece atenção, pois pode indicar questões de crucial importância para a esquerda. As questões não resolvidas carregam consigo a riqueza histórica de suas disputas, que podem e devem ser analisadas sob a luz das lutas de hoje. Nossa responsabilidade enquanto militantes é no mínimo problematizá-las.

Não podemos analisar as lutas de junho de 2013 e dos secundaristas do final de 2015 isoladas das lutas do conjunto da esquerda. Para que haja algum sentido crítico é preciso comparar com o restante das lutas no Brasil no último período. Arrisco rapidamente uma caracterização destas: lutas controladas, institucionalizadas, burocratizadas, com data pré-agendada. São estas lutas que devem servir de contraponto na análise. Todas assimiladas antes mesmo de se apresentarem. Ossificadas, servem em grande medida para a autopreservação das organizações que as conduzem.

O oportunismo fracassado das organizações do consenso

fotos_surrealistas_26Discordo quando o texto afirma que as ocupações de escolas pelos estudantes secundaristas em final de 2015 fortaleceu a burocracia sindical petista (Apeoesp). Há aqui uma similaridade com as lutas de junho de 2013, que para mim deram fôlego para a esquerda como um todo, mas não para a esquerda petista. Os que se apresentam como críticos do petismo como PSOL, PSTU, PCB e diferentes outros grupos no campo da esquerda, estando presente nestas lutas, saíram no mínimo renovados. As lutas de junho de 2013, antes de serem apropriadas pelas forças conservadoras, não estavam direcionadas ao PSDB e ao PT a priori, e sim ao Estado, independente de qual partido estivesse no governo ou prefeitura. Vejo isto como um elemento importante para que as lutas não se transformassem em disputas eleitorais apenas. Aqui tem uma concepção de Estado diferente do Projeto Democrático e Popular.

A análise de que as lutas dos secundaristas serviram para fortalecer a Apeoesp, sindicato ligado à CUT e ao PT, cabe perfeitamente para aqueles que estão interessados na disputa eleitoral, que vê neste bipartidarismo diferenças. Não acho que os companheiros compartilhem desta análise apesar de usá-la para defenderem sua posição. Não seria uma reprodução dos limites do campo democrático popular, justamente dirigir estes argumentos como uma das críticas centrais à luta dos secundaristas?

Ora, a luta era direcionada às escolas do Estado (hoje PSDB, amanhã pode ser PT), portanto se houve de fato algum ganho eleitoral ou pontual que seja, como falas públicas da Bebel querendo se apropriar do movimento, queda do secretário e a revogação da reorganização escolar, é óbvio que o PT vai se aproveitar deste “ganho”, inclusive porque tinham secundaristas ligados a eles presentes na luta. Este é um verdadeiro presente grego. Imagino que eles não se fortaleceram muito em ter o atual secretário um Juiz e a reorganização escolar vindo a conta-gotas.

Depois de uma greve de 90 dias dos professores, encerrada sem nenhum ganho, a Apeoesp se desmoraliza ainda mais quando os secundaristas, numa luta organizada autônoma em relação aos partidos partidos, derruba o secretário da educação e barra a reestruturação das escolas, secretário este que a Apeoesp teimava em negociar permanentemente. Dizer que a Apeoesp se fortaleceu é analisar novamente pela aparência, porque na essência o efeito real é desmoralizante. Agiram de forma oportunista e continuarão a fazê-lo. Aqui tem uma questão interessante: como lidar com esse oportunismo, apenas denunciando-o? As lutas autonomistas, sem direção explícita e descentralizadas, geram um constrangimento a essas organizações quando instituem uma direção que dirige e não dirige. Como se apropriar destas lutas? Uma coisa que era clara na boca de qualquer estudante era a afirmação de que ninguém falava por eles. A militância das organizações do campo democrático e popular pode até ter saído mais animada, mas foi incapaz de dirigir o processo de luta como gostaria, saindo desgastada ao não extrair desta luta o ganho eleitoral que queria. Vão continuar tentando se apropriar disso por um bom tempo ainda. Afinal é uma forma de se legitimar enquanto lutadores perante sua base.

Duas potencialidades estão aí colocadas: a relação com o Estado é distinta, afinal, não é tão fácil assim absorver e/ou negociar as demandas apresentadas; e os ganhos da luta não são apropriados por um grupo apenas, ou por uma organização somente. A luta não é monopólio de apenas um campo político.

Lembremos que as lutas de junho de 2013 foram ignoradas pela maior parte da esquerda, seja daqueles que estão dentro do Projeto Democrático e Popular, seja os que acham que não existe vida fora de seus princípios. A aceitação ou incompreensão destas lutas autonomistas não deve nos mover a descartá-las e enfiá-las em algum canto, desmerecendo-as.

Por que surgem as lutas autonomistas – o novo e o velho do autonomismo.

O conjunto de contradições que fizeram brotar este tipo de luta do último período é fruto de várias análises no campo da esquerda. Mas uma coisa parece certa, as lutas autonomistas surgem como negação, uma imposição do momento histórico, a partir de uma geração que amarga e carrega nas costas as derrotas históricas do nosso tempo (mesmo inconsciente), inclusive negando fortemente a direção das organizações de esquerda que se formaram e se consolidaram na estratégia Democrática e Popular, e sua relação com o Estado. Lutas de tiro curto, marcadas por táticas como a revolta, sem caráter organizado dentro das concepções tradicionais e ortodoxas de organização política da esquerda marxista. Necessidades pautadas nas respostas às urgências, mas que carregam em si experiências que apontam para uma prática política diferenciada da do ciclo democrático popular anterior. A formação desta militância está sendo pautada pelas reais contradições vividas nas lutas e seus limites, atividade política viva.

kjEm relação à base social das lutas autonomistas: ausência de base, afirmam os companheiros Daniel Lage e Rodrigo Massatelli. Isso é verdade se partimos do conceito de base no qual as organizações do último período se firmaram. Base territorializada, setorizada por categorias, nucleada, agrupada, coordenada e dirigida. Nas lutas autonomistas o que importa é que se movimenta a cada chamada, fragmentada (diferentes categorias), aberta, agrega mais gente a cada momento. Para mim isto é base, não é a base com a qual estamos acostumados, a base ideal. Portanto não acho que o problema é ausência de base, talvez para aqueles que estão preocupados em ter uma organização centralizada, com táticas e estratégias definidas a priori, aí talvez caiba a queixa pela ausência de uma base fixa. Fico me perguntando: as organizações centralizadas leninistas do último período com base organizada estão fazendo que tipo de luta mesmo? Estão conformadas em sua maioria estrategicamente a quê?

O texto tenta fugir da ideia de que a estratégia não é uma somatória de táticas, mas isto está lá, nas entrelinhas. O encantamento pela tática não é característica destas lutas, todos nós, da esquerda, somos apaixonados pela tática e não é à toa, ela é em si mesma a estratégia sendo testada num dado momento, com as contradições pulando da realidade e sendo esmagada para que se transforme em quase nada, de modo que o que sobra é fruto de diferentes fatores, contradições. As lutas abertas e sem muito controle nos colocam a pensar nestas coisas, pois há muito nossas lutas foram transformadas mecanicamente em receituários. Se a ausência de uma nova estratégia é nossa condição atual, ter a tática como central me parece algo bastante acertado neste contexto político tão adverso.

A luta de fato não é nova, nem inédita, mas daí concluir que não há absolutamente nada a considerar comprova algo que meu ceticismo está me cutucando há muito. Poderíamos dizer o seguinte: não há nada de novo nesse presente que se apresenta como novo – isto o texto afirma – e que ao se realizar se repõe como passado. Ora, colocar carimbo de novo em algo velho é o que tem feito algumas organizações do último período na tentativa de se diferenciar. É um risco que todos correm nesta conjuntura nebulosa.

Que os companheiros concluam que sua prioridade e posição política é estar ao lado da classe produtiva é aceitável, mas desconsiderar elementos que se apresentam na luta autonomista para reafirmar sua posição como correta, para mim é a reafirmação do velho e os problemas que ele carrega.

Estas lutas não devem ser vistas como um passo em falso. Devem ser analisadas como processos. Parece que os companheiros têm um grau de certeza em momentos de muitas incertezas. Nas encruzilhadas, nas crises, na forma como elas se apresentam e não como gostaríamos que fossem, que o novo tem potencialidade de aparecer.

rob-woodcox-zupi-5O elemento que considero mais importante neste tipo de luta é a sua capacidade de se generalizar, e isto só é possível, como alguns já analisaram, por conta da ausência de controle total da luta. Esta quebra da ordem propicia a generalização da desordem. A direção da luta está presente, mas não em sua dimensão total. Ela nasce para perder o controle e esta é uma das expressões da fragmentação, da crise profunda em que se encontram organizações históricas da esquerda que têm no autocontrole de suas lutas a direção clara e precisa, e que na maioria das vezes têm tido pouco ou nenhum ganho real. Não nos empolguemos, o autonomismo carrega sim elementos do velho, mas apresenta fissuras.

Não acredito que estas lutas tenham algo de revolucionário (isto é para os muito otimistas), no entanto as insurreições e revoltas antes e durante as revoluções são muito semelhantes. Toda tática de luta durante o longo processo da revolução é permeada por descontrole, desgoverno.

As lutas travadas pela esquerda leninista, dentro da ordem, controladas em todos os sentidos, têm pouco potencial para desencadear o que vimos. Conduzir um processo de luta depende muito mais das condições históricas e sociais do que de uma única forma de organização. O que constatamos hoje é que nenhuma organização centralizada é capaz de se dispor a bancar lutas potentemente abertas, pois não querem colocar o nome de sua organização em risco, têm “muito” a perder. É necessário “preservar a organização” primeiro.

A relação entre as massas e a minoria consciente ainda é, para nós da esquerda, um problema que não se resolveu. É tensa, volta a todo instante, e quando se apresenta em movimento precisa ser analisada. O fato é que as organizações tradicionais de esquerda estabelecem uma relação sujeito-objeto, general-soldado, relação bastante complicada, pois veem suas bases com muito paternalismo. Quantas vezes presenciei nas assembleias dos professores (Apeoesp) os debates no caminhão de som, a base sendo tratada de forma infantil, como se não tivesse aprendido nada nestes anos de luta. Muitas foram as decisões definidas a priori em reuniões de outras instâncias, e que ali se apresentavam como um momento já ensaiado, diante de uma base que necessita ser tratada não como uma plateia de um programa de televisão. Aqui é apenas um exemplo, mas que se repete inúmeras vezes em diferentes organizações.

Simplificadamente, a teoria da organização nos diz que organização é a tentativa de dar forma a um conteúdo social em permanente processo de mudanças e que o partido, enquanto forma, abriga a consciência da necessidade de lutar, colocar em movimento militantes experimentados nos enfrentamentos para levar a cabo os objetivos comuns de se realizar o programa. Estas lutas abrigam um conjunto de militantes que participaram ativamente, e aqui estou falando dos que estavam nas duas lutas, junho de 2013 e a dos secundaristas no final de 2015, se pensarmos sobre isto vamos ver que houve ganhos em termos de organização, independente da forma, pouco ou mais ou menos organizadas. A maioria da esquerda quando pensa em organização pula instantaneamente para a forma partido, estrutura presente em diferentes outras formas como a sindical, movimento social etc. Aqui cabe uma pergunta: será que a esquerda-crítica só se dispõe a fazer autocrítica em relação à estratégia? Como se todo o restante estivesse “muito bem, obrigado”. Por que não conseguem apresentar críticas à sua forma de organização, acreditam que não tem problemas? Suas táticas de luta, suas formas de organização, por acaso estão bem? As organizações leninistas parecem operar do mesmo modo em todas as situações, mecanicamente, sem nenhuma sutileza.

Estas organizações estão condicionadas muito fortemente para além da vontade de seus militantes e se arrastam derrotadas. Difícil de admitir. Fomos todos derrotados, mesmo quando ganhamos perdemos, reconhecer isto significa que a derrota não é só na forma da luta, é também na estratégia, nas táticas, na forma de organizar, na relação com a base. Parece que o angu já azedou. Os mais organizados no último período de lutas no Brasil conduziram o que estamos presenciando, quer como dirigente ou como dirigente-crítico.

Estamos todos em crise e não é de hoje. E, em tempos de crise das organizações de esquerda, a autonomia pode se apresentar como problema para alguns, mas também podem nos mostrar elementos que ao serem reconhecidos apontam possibilidade de superar velhos dogmas.

Com a corda no pescoço

A luta dos secundaristas de final de 2015 ousou testar novamente a tática de junho de 2013 num outro tipo de luta, as ocupações das escolas, mesmo com todos os limites colocados, em um momento em que a reorganização estava dada como certa, em que o maior sindicato dos professores do Brasil, Apeoesp, não conseguia sequer dialogar com sua base, os professores, para resistir minimamente. Neste sentido, foi muito eficaz em impedir, naquele momento, a estratégia do governo Alckmin em dar mais um choque de gestão empresarial na educação pública. É certo que se depararam inúmeras vezes com contradições e limites principalmente organizativos, mas isto está dentro do esperado.

salvadorEm um contexto de forte repressão, o caráter de enfrentamento, as táticas de rua sob um Estado democrático em momento de refluxo das lutas radicalizadas e crise das organizações de esquerda as táticas podem carregar elementos de superação. (ver o texto do Pablo).

Estes militantes estão se debatendo numa negação do velho, velhas formas de lutas, velhos dogmas, pensando, reelaborando, testando na luta as possibilidades com muitas tensões internas e externas, e mais a questão de classe pendurada no seu pescoço como uma corda. A classe não veio, sou ou não sou da classe?

É uma pena que uma parte da esquerda está mais interessada em desconsiderar ou atuar para disputar este ganho organizativo. Isto tende a limitar a experiência antes que ela se desenvolva de fato e expresse suas contradições. Querem deles aquilo que lhes tem custado tanto, abrigar na experiência de luta um conjunto de militantes, numa forma ainda bastante vulnerável. Nenhuma outra organização na atualidade está disposta a fazer este tipo de luta, estão enfrentando nas suas organizações as velhas e mesmas contradições de suas lutas.

Esta experiência de luta e seus militantes estão colocando temperos novos no prato principal, o angu que está sendo preparado e tem sabor diferente, alguns podem não gostar do sabor, mas o prato está na mesa e foi servido.

Por último. Quem entra pela primeira vez na luta sai dela querendo fazer a revolução, que bom! Acho isto muito positivo, ruim seria se pensassem apenas em reformas. Não estão dando caráter revolucionário às lutas reformistas, como quer induzir a pensar o texto de Rodrigo e Daniel. Pode até ter sido exposto por um ou outro militante empolgado, mas isto não quer dizer que queriam de antemão imprimir caráter revolucionário à luta. A vontade “revolucionária” destes militantes não foi intencional, a galera ficou empolgada mesmo, a luta renova os ânimos e a vida. Aplicar caráter revolucionário em lutas reformistas não é característica desta geração, é da nossa, esta sim, intencional e baseada na teoria da revolução em etapas reformistas, pensada de forma organizada a partir de táticas, programas implementados estrategicamente. Acho um erro de análise pinçar elementos isolados a fim de tentar garantir a certeza de suas análises. A luta dos secundaristas possui elementos do Programa Democrático e Popular, não porque querem imprimir caráter revolucionário em lutas reformistas, mas porque são processos de lutas inseridos no seu tempo histórico e carregam a mescla de ações que ainda não conseguem romper com as lutas do processo anterior na sua totalidade. Seria muito idealismo querer que isto acontecesse.

Queria fazer um pequeno à parte antes das coisas ficarem confusas. Acostumada a atuar em organizações de tradição leninista, as lutas do campo autonomistas para mim são uma novidade, fiz uma opção ao fazer este texto: fazer a crítica a partir de onde atuei. As lutas autonomistas com seus limites estão aí para serem analisadas e criticadas, e muitos já o fizeram. Penso que o texto escrito pelos companheiros cumpre em parte este papel, provocando para o debate.

4 COMENTÁRIOS

  1. Excelente análise.

    Fiquei com o mesmo mal-estar em relação àquela análise. A relação “sujeito-objeto” é tal que o movimento torna-se um fim em si, porque não é capaz de reformular o que está na essência do pensamento e, assim, as tão valorizadas “autocríticas” ficam sempre no superficial, nos erros conjunturais, nos moralismos e momentos desfavoráveis. E não me refiro aqui à organização ou à estratégia, mas a algo mais fundamental. A questão é que a esquerda tradicional ainda não reformulou o objetivo de sua própria luta e ainda mantém a “tomada de consciência pela classe trabalhadora” como meta imediata e mediata. Para ela, a contradição principal dessa sociedade é entre capital e trabalho, como formulou algum comentarista do passapalavra.

    A Esquerda tradicional não assimilou teoricamente a derrota de três décadas atrás. Não percebeu que estava errada a sua própria formulação do que significa a superação do capital. O modelo de estratégia, de tática, de organização etc. é resultado disso. E nessa forma de compreensão, a tática nunca poderá retroagir na ressignificação da estratégia e da organização, porque o modelo pronto está lá.

    Sou um pouco crítico, entretanto, ao espontaneísmo dos movimentos autonomistas. Acredito que ele só poderá ser superado com a junção entre as ações práticas particulares com uma visão teórica mais fundamentada. Práticas que efetivamente representem uma ruptura, ainda que parcial, das relações sociais em que estamos envolvidos.

  2. Soraia,

    Nem sempre as classes trabalhadoras podem intervir com peso e por objetivos próprios na esfera política. E o que há é uma disputa na esfera política sem qualquer participação da classe. Depois de 20 anos sem lutas de alcance nacional, se pode dizer que atingimos alto grau de lutas reais, não daquelas negociadas previamente pelas organizações, mas que não têm alcance e continuidade nacional. Não dá pra tirar estratégias que ainda não estão no horizonte visível dessas lutas do bolso do colete. As estratégias políticas não encontram solo adequado para enraizar em lutas parciais e descontinuas. Isso independe da vontade individual dos militantes. Também não temos como evitar que pretendam que nossas ações, ainda parciais e descontinuas, alimentem um ou outro setor do campo de forças da ordem. Isso não quer dizer que nossas lutas sejam orgânicas aos partidos da ordem. Não podemos é ceder às tentativas desses partidos, de capturar a energia despendida pelas nossas ações e atrelá-las as suas próprias estratégias. Nossa aposta é outra.

    Talvez o afã por dar uma solução político-estratégica, mesmo sem que as lutas tenham alcançado o porte necessário para tal seja filho de um não dito e não pensado sobre o ciclo anterior. A questão não era só a estratégia. Melhor, a estratégia vinha junto com práticas organizativas que não foram questionadas, que ficaram num ponto cego da visão e ainda não foram superadas. A alma da estratégia “democrática e popular” era essa: o sequestro da energia de luta da classe, confundindo organicidade com organização e, o passo seguinte, organização com aparato.

    Nenhuma estratégia formulada valerá de alguma coisa se não for orgânica às lutas. Não há atalhos táticos que permitam driblar essa tarefa.

  3. Silvia,
    Concordo com você quando diz que não podemos ceder nossas organizações a estratégias de partidos, no entanto me parece que fazem isto as organizações que estão vinculadas ao PT e outras do campo da esquerda que apesar de não estarem com o PT, repetem o atrelamento ao seu partido independente de qual seja. Podemos afirmar aqui que isto é assim mesmo, movimentos, sindicatos e seus partidos numa luta bonita, bem organizada, coerente com as estratégias e táticas dos seus respectivos partidos (teoria da organização). Se os movimentos, sindicatos quer seja o partido que o conduza não rever a questão da autonomia das lutas em relação aos seus partidos, estamos fadados a repetir o mesmo processo. Acho bem difícil na verdade que partidos no campo da esquerda pensem sobre isto, mesmo porque há um controle total das lutas por seus partidos e este é o objetivo.
    Os elementos que estão colocados nesta trágica experiência, estão presente também nas outras organizações, são parte deste processo. Precisam rever seus princípios e coerências infalíveis. Penso que se continuam achando problema só no PT e sua estratégia ou porquê o PT se constituiu como partido da ordem democrática e de direito (agora com todas as palavras que faltavam e para quem ainda não tinha entendido direito), ou porque traiu seus princípios, vão reproduzir os elementos fundamentais desta estratégia, pois para além de carregar o elemento principal de PDP que é ter um pé dentro da ordem, o resto vem de arrasto. O pé que deveria ficar fora da ordem, bem não precisamos falar muito.

    Fomos todos desarmados pela democracia.

    Concordo com você em relação a estratégia das lutas que se apresentaram no último período não dão conta de construir novas estratégias, lutas parciais e descontínuas, no entanto o que eu afirmo é que primeiro: o momento ainda passa por rever a estratégia do ciclo anterior de lutas (o que não é nada fácil na luta concreta) e o diálogo pretendido com o texto é chamar a atenção para possibilidades que se apresentam e que são negadas e descartadas a priori por não se encaixarem perfeitamente nas cartilhas e métodos utilizados por nosso campo político de esquerda, quer estejam de cabeça na estratégia do PDP, quer neguem ela.
    Não tenho pretensão com o texto de apontar possibilidades que não estão colocadas. Existem elementos diferenciados que se apresentaram nas lutas de junho de 2013 e ocupações das escolas que aponto no texto.
    As organizações que se consolidaram como referência de luta do ciclo anterior sua maior parte ou “entregaram “ sua organização, organicidade a uma estratégia que pouco ou quase nada corresponde com seus objetivos reais ou estão atrelados a lutas dentro da mais perfeita ordem e não é porque não são-foram combativas, não tem organicidade e seus militantes não são de lutas. Uma parte destas organizações fez isto conscientemente, decisão política tomada para garantir a estabilidade de um governo que não atende as suas reivindicações, pasmem!
    Uma pequenina parte, ainda dentro da ordem, mas não atrelada a estratégia do PT, resiste bravamente, mas estão próximo do olho do furacão. É com estas que tento dialogar com o texto.
    Quando diz: não tem como evitar que nossas lutas sejam capturadas pelos partidos da ordem. Acho que temos que diferenciar de quem, ou de que lutas estamos falando. “Evitar” passa por experiências de luta fora da ordem colocada por esta estratégia. Lutas reivindicativas, táticas atreladas e de acordo com a governabilidade deste governo¿ ou aquelas que tentam bravamente estar fora¿
    Quais tipo de lutas, mesmo neste momento onde nossa condição é de fragmentação tem apresentado elementos que se diferenciam do ordenamento da estratégia PDP¿ Não é uma pergunta simples, mas é necessária para apontar pequenas possibilidades. Somos parte da militância que vivencia a derrocada de uma estratégia construída pós-abertura política no Brasil um caldo de lutas e organizações que precisa rever todos os elementos constitutivos desta estratégia a partir da experiência concreta dela, está aí, sendo realizada.
    Algumas lutas, ainda que pequenas e isoladas estão reagindo aos ataques destes governos independente dos sindicatos, será que não reside aí uma ação concreta importante como negação ao controle das lutas dentro da ordem?

  4. Cara Soraia,
    Penso que ter militado em organizações marxistas-leninistas deixou marcas profundas em todos os militantes.
    O Sérgio Lessa tem um texto muito interessante chamado “Crítica ao Praticismo Revolucionário” que fala sobre esse tipo de herança.
    Marxismo-leninismo não é uma criação de Lenin, mas de Stalin.
    Os militantes formados nas organizações que se afirmam marxista-leninista tem como característica o praticismo revolucionário, o desconhecimento das teorias de Marx (e de Lenin também), o estudo acontecia por cartilhas formuladas por intérpretes dos teóricos, afinal nós militantes estavamos ocupados demais com lutas radicalizadas para estudar os clássicos, isso era deixado para os intelectuais que elaboravam as cartilhas para nós militantes estudarmos.
    O resultado disso era militantes que nunca leram obras de Marx, nem mesmo 1 livro do Capital, mas reproduzem conceitos de cartilhas e fazem avaliações afirmando o que é pró-capital e o que é anti-capitalista… Podemos culpar Marx pelo que os marxistas dizem em seu nome? Certamente que não.
    O mesmo acontece com Lenin, gerações de militantes falam de leninismo sem nunca terem feito estudo de 1 obra do mesmo, apenas pelo que se aprende em cartilhas ou pela “prática” cotidiana do “marxismo-leninismo” em sua organização.
    Após a queda do muro vejo na esquerda ocorrer esse mesmo hábito, porém no sentido contrário: muitos críticos de Marx que o criticam não pelo que ele escreveu de fato, mas pelo que se supõe que ele escreveu e por tudo que ocorreu na URSS (como se o chamado “socialismo real” e o socialismo científico fossem exatamente a mesma coisa). Com Lenin ocorre o mesmo, gerações que fazem críticas ao marxismo-leninismo sem fazer a menor distinção entre o que foi uma organização stalinista e o que Lenin de fato escreveu e fez.
    É um oportunismo intelectual, que em geral ocorre de forma não intencional, usar uma coisa para criticar outra, como se fossem a mesma coisa.

    Quando há críticas ao marxismo-leninismo e nenhuma diferenciação ou crítica ao stalinismo é um sintoma, ou de que a autora pensa de que ambos são a mesma coisa, ou confunde um com o outro.

    Militei anos em movimento social de inspiração marxista-leninista, mas apenas após realizar uma dissidência e começar a tentar entender quais eram seus problemas é que percebi que nunca militei em organização marxista ou leninista.

    Parece um tanto estranho alguém que se afirma marxista utilizar estes conceitos de partido, estratégia, tática, programa como está no texto.
    Foram tirados das obras de Marx ou da compreensão adquirida em alguma organização “marxista-leninista”?

    Uma organização que pretende ter controle total sobre cada passo de seus militantes e de seus núcleos de base ao invés de socializar elementos para que seus militantes possam fazer uma leitura da realidade e elaborar sobre as tarefas políticas da organização é uma organização marxista ou marxista-leninista?

    Me parece que alguns conceitos (ou críticas à alguns conceitos) são muito semelhantes às concepções de um autor que não é citado.

    A precisão e rigor teórico são necessários se pretendemos diferenciar o velho do novo, e se não pretendemos fazer uma negação indeterminada, sem dizer o que exatamente do “velho” deve ser negado e o que deve ainda ser re-afirmado.

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