Miasnikov, operário e comunista de esquerda, discute o papel dos sindicatos na Rússia após a revolução neste artigo de 1920. Por Gavriil Miasnikov

Neste ensaio escrito em 1920, o bolchevique e comunista de esquerda Gavriil Miasnikov examina as limitações dos sindicatos russos no contexto do que percebeu como sendo a supremacia política e econômica das instituições soviéticas, mas conclui que os sindicatos devem ser preservados para fins de relações públicas domésticas (devido aos hábitos dos trabalhadores russos) e de propaganda internacional (devido às concepções predominantes acerca da revolução fora da Rússia, onde as instituições de tipo soviético não existiam ou haviam sido rapidamente destruídas, e a revolução era concebida como um assunto para os sindicatos); consequentemente, devia ser-lhes dado algo a fazer para mantê-los ocupados. Publicado originalmente em russo como “To zhe, da ne to”, in Partiia i soiuzy (Partido e sindicatos), organizado por G. Zinoviev, Moscou, 1921, pp. 278-282. Traduzido para o inglês em julho-agosto de 2014 a partir da tradução espanhola incluída em Frits Kool and Erwin Oberländer, organizadores, Documentos de la revolución mundial. I. Democracía de trabajadores o dictadura de partido, trad. Carlos Díaz, Zero-Zyx, Madrid, 1971, pp. 146-151. Publicado originalmente em alemão com o título, Arbeiterdemokratie oder Parteidiktatur, Walter-Verlag, Zurich, 1968. Tradução para o português pelo Passa Palavra.

Tive duas vezes ocasião de convencer-me de que os grupos dirigentes de nossos sindicalistas não veem muito claro o que se refere ao papel e ao significado dos sindicatos entre nós e nos países capitalistas antes e depois da revolução.

G. Miasnikov

Não se pode dizer que nosso movimento de trabalhadores se encontra já em uma situação adequada para a realização da revolução social, pois ainda deve viver para a revolução social, se não em sua própria casa (Rússia), ao menos em todos os países capitalistas do mundo e, portanto, deve atuar para que essa revolução ocorra, e para este fim conservar as velhas formas de organização dos sindicatos ao lado dos sovietes de trabalhadores e deputados.

Aproximadamente em junho de 1917, quando os sovietes acabavam de ressurgir e estavam fortalecidos, alguns camaradas me pediram para colaborar na redação de um estatuto dos sindicatos e dos comitês de fábricas. Eu não rechacei isso, mas dei a entender que não faria com gosto. Por quê? Porque, respondi, entre nós existem os sovietes em que se reúnem todos os trabalhadores segundo as características da produção.

Naquela época me encontrava, naturalmente, na oposição, mas não havia tempo para disputas, somente se devia trabalhar, trabalhar, trabalhar…

Até hoje não mudei de opinião, e creio que meu ponto de vista tem se mostrado correto depois da revolução de outubro. O que são, pois, os sovietes de deputados?

No ano de 1905 nós elegemos, em uma grande obra do Ural, um deputado de cada seção para dirigir as negociações com a direção da empresa durante o tempo da greve. Os deputados se reuniam num soviete, formando portanto um soviete de deputados. Posteriormente, os sovietes de deputados foram também os órgãos diretivos em todas as manifestações de trabalhadores.

Eu não sei se os sovietes de deputados, formados pela primeira vez em Petersburgo em 1905, se organizaram de igual modo. Não sei, mas creio que não, que se organizaram de outra forma. Sua formação foi espontânea, determinada pelas unidades de produção das fábricas de onde brotaram. Assim foi também em 1917. Logo nós começamos com a formação dos comitês de fábrica e de seção. Junto ao deputados da fábrica correspondente, existiram entre nós os porta-vozes da seção e, mais tarde, os comitês de seção. Ocorria muito frequentemente que um deputado desempenhava igualmente a função de deputado e a de porta-voz ou de presidente da seção, mas foram casos isolados, pois geralmente surgiram ao lado e fora dos sovietes órgãos dos movimentos dos trabalhadores aos quais os trabalhadores haviam se acostumado.

Antes da revolução de outubro de 1917 os sindicatos apenas haviam começado a existir e não tinham um papel importante porque toda a luta tinha um caráter marcadamente político e o peso principal levou-o os sovietes de deputados, por onde, ao viver a vida do povo trabalhador, se viram arrastados completamente nesta luta (uma luta pelo ganho do poder político) pela força dos sovietes, como seu órgão auxiliar.

O que demonstra que estes camaradas que creem que fora dos sindicatos não há nada se equivocam, porque há órgãos estreitamente unidos com cada fábrica, cada obra, cada seção: os sovietes são estes órgãos.

Sendo este o caso, todavia, pode-se dizer que os sovietes são apenas corpos políticos e nada mais, que expressam a conexão no terreno político entre o poder político e as massas, mas que a conexão entre os sindicatos e as fábricas, sendo por natureza puramente relacionada ao trabalho, não é assunto para os sovietes. Mas quem pensa assim se equivoca e chega a contradições absurdas.

Pois, com efeito, se se entende por política não só discussões de como deve governar-se a Rússia, mas também o modo técnico de governá-la, então a palavra «governar-se» se dirige naturalmente à indústria, pois pretender governar um país sem governar sua indústria é um completo absurdo.

Numa dualidade assim coincidente (sindicatos-sovietes) em torno da atividade das duas organizações de massas coexistentes e muito frequentemente concorrentes, não há obstáculos que impedem superar as dificuldades organizativas. Os deputados das fábricas correspondentes formam o órgão local do soviete do conselho de economia. Esta conexão vital dá aos sovietes de deputados uma força tal como não há possuída desde a revolução de outubro.

Todos os deputados (se se aceita minha proposta desta dualidade de sovietes e sindicatos) seriam divididos em seções diferentes, a depender das características da produção. Em tais seções se realiza todo o trabalho preparatório para a plenária dos sovietes, cada delegado desempenhando todo o trabalho atinente à sua seção. No soviete de deputados não haverá então fanáticos de assembleias, mas oradores especializados, que tomam postura diante das questões mais difíceis e atuais da complexa vida da Rússia soviética. Acerca desta interessante questão, todavia, terei algo a dizer adiante; por agora, lidemos com o papel organizacional do trabalho sindical.

Quais são as tarefas do poder soviético, dos sovietes como organizações de massa da classe trabalhadora, que possui todos os meios de poder estatal? Suas tarefas consistem em romper qualquer oposição dos exploradores, tomar todas as medidas necessárias para evitar uma possível ressurreição da burguesia e de seus ataques organizados como força mundial, o estabelecer de uma força nacional e organizar a produção, para a qual deve buscar, se possível, a produção de muitos bens materiais para conseguir uma melhora das condições de vida dos trabalhadores. E quais são ao lado destas tarefas as dos sindicatos? Ajudar, ajudar, ajudar e voltar a ajudar…

E o que, exatamente, nossos sindicatos estão realmente fazendo hoje? Controlam, organizam a produção, as forças de trabalho, obras de ação cultural, preparando todo o povo para uma participação ativa e consciente na direção do Estado.

Mas tudo isso é muito, e por isso não fazem nada. Pois a quem controlam? Ninguém. Isto parece engenhoso, mas é menos engenhoso que certo, pois se os sindicatos os controlam, que faria então a inspeção de trabalhadores e camponeses?

Organizar a produção? Não. Há (e isso não em todos os sindicatos) uma seção de economia ruim, a dos tagarelas idiotas, onde seus componentes aparentam que fazem algo e que têm poder para fazê-lo, e não precisamente por fazer algo, já que não os deixam fazer nada, mas porque o que se propõe leva a um efeito, mas não por si mesmos, e sim por uma razão alheia e não tão lamentável: a saber, pelo conselho de economia popular.

Este conselho economia popular, todavia, é ineficaz. Mas ainda que ineficaz, não é pior que as seções sindicais que, na maioria dos casos, não faz absolutamente nada, visto que não sabem o que devem fazer.

Se ainda assim parece haver nos conselhos de economia popular burocracia e rotina como acompanhantes inseparáveis do trabalho nestas condições, entretanto, não há nem burocracia e nem rotina, posto que não há nada a fazer.

Como querem, portanto, conquistar a participação organizada das massas de trabalhadores na nomeação e eleição de pessoas no que se refere à administração econômica? Para fazê-lo, os sindicatos deveriam trabalhar muito bem.

Os sovietes de trabalhadores têm o direito de dizer que eles têm feito outras coisas bem, também sobre as eleições, e outras aprenderão a fazer. Com eles haverá organizações extremamente válidas, abandonando qualquer forma de reuniões de fanáticos, para passar a ser um mecanismo especializado e perito em economia. Mas a organização da produção não consiste somente nisso. Consiste na elaboração de programas, na realização destes programas, na organização das forças de trabalho. Coisas que os sindicatos não fazem. Eles trabalham para o sucesso dos programas de produção de todas as fábricas, uma em relação às outras, de um modo harmônico? Não, não o fizeram e nem o farão. Sendo, de novo, as organizações competentes de sovietes para a produção: as administrações, os conselhos de economia popular etc. Quais as vantagens têm os sindicatos sobre elas? O ato de controlar. Não riam, camaradas. Se examinarmos o conselho de sindicatos de Petrogrado, por exemplo, o melhor da Rússia, nós encontramos um camarada competente, em qualquer aspecto, que dirige a seção de economia. Mas este honrado camarada não compreende absolutamente nada de programas de produção, nem praticamente (porque não é um trabalhador), nem teoricamente (posto que não está preparado no aspecto técnico). Quais controles pode se esperar dele? Se, de repente descobre que há que realizar um programa, talvez pudesse, inclusive, chegar a realizá-lo. Mas se em seu lugar trabalhassem ali pessoas especialistas e formadas nas seções de economia, por que teriam que fazer eles o mesmo trabalho que os conselhos de economia popular? Por que, acaso, estes não o fazem bem e há que ajudar novamente?

Finalmente, há mais uma coisa: a organização do trabalho. A que se chama organização do trabalho? A elaboração de tarifas e normas, de contas e de distribuições. Mas por que isto é válido como trabalho especificamente sindical? Este trabalho o faz um órgão dos sovietes, e se todos os camaradas dos sindicatos, ocupados com as questões das tarifas e das normas dos sindicatos. fossem transferidos às seções correspondentes do conselho de economia popular, este trabalho não perderia em nada sua possível eficiência, sendo que inclusive a melhoraria.

Pelo que faz os sindicatos na atuação no trabalho cultural, este se parece nestas condições a uma criança recém-nascida que se faz velha, pelo que não é melhor falar disso.

No tocante à tutela dos trabalhadores, que se diz estar colocada nas mãos dos próprios trabalhadores, como pode estar em suas mãos, se não há tais sindicatos? Diante disso, o aparato dos sovietes é suficientemente flexível e tão ágil que os sovietes de deputados encontrariam uma possibilidade de trocar uma suposta tutela ao trabalhador por uma autêntica tutela ao mesmo.

Outra das tarefas dos sindicatos é a luta contra a distância excessiva para com o trabalhador a partir do local de trabalho. Mas uma organização que não é querida (como esta encarregada da luta contra a distância) não se deixa aceitar entre os trabalhadores, e por isso tão pouco os órgãos dos sovietes conseguiriam levar este assunto adiante.

Os sindicatos, então, são compelidos, em nossa realidade russa, a desempenhar alguns dos trabalhos do Estado, na medida em que eles não têm tarefa alguma adequada às suas capacidades que possa ser fundamentalmente distinta das tarefas dos sovietes de delegados.

Então, por que ainda existem? Devido a um velho hábito, que a classe trabalhadora russa não pode superar, pois pensa que os sindicatos são as organizações que defendem os interesses dos trabalhadores. Para não excitar o povo trabalhador da Rússia com seu desaparecimento e para que o estrangeiro não possa falar mal com sua supressão, tem que manter a todo custo os sindicatos…

Hoje, é apenas com tais argumentos que a existência dos sindicatos pode ser justificada.

A revolução dos sindicatos de todo o mundo se vê de modo mais claro desde agora sob a bandeira dos próprios sindicatos, e por isso que devem se manter, enquanto não possam se manter outras formas de relação com as grandes massas de trabalhadores de outros países. E se é necessário mantê-los, então deve dar a eles como tarefa uma parte do trabalho estatal.

Esta forma de lidar com a questão também determinará o caráter dos sindicatos. Para evitar uma possível “vulnerabilidade”, respondo dizendo que eu não defendo o reconhecimento oficial dos sindicatos como órgãos do Estado.

Então, a que conclusão chegamos? Os sindicatos devem ser preservados, porque são a forma mais adequada de organização da nossa influência sobre o proletariado de outros países do mundo.

Valeria a pena manter estas organizações exclusivamente para estes fins, mas isto é impossível, e por isso deve confiar a elas uma parte do trabalho estatal para a organização da produção na Rússia soviética. Mas ainda está por ser determinado que parte da produção lhes deva ser confiada, precisa e claramente, conferindo-lhes responsabilidade real, e não apenas em palavras. Os sovietes de deputados devem ser organizados por seções, de acordo com as características da produção, para fazer funcionar o maquinário da vida econômica da república em sua totalidade, sendo necessário que seu labor seja intensificado por todos os meios.

G. Miasnikov
3 de dezembro de 1920

Traduzido pelo Passa Palavra a partir do artigo no Libcom. Este texto faz parte do esforço coletivo de traduções do centenário da Revolução Russa mobilizado pelo Passa Palavra. Veja aqui a lista de materiais e o chamado para participação.

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