Como o Reino Unido e os Estados Unidos não estavam dispostos a abrir as fronteiras aos judeus, ambos deram a Hitler e aos SS o tempo de prosseguirem a «solução final». Por João Bernardo
Pode ler aqui a primeira parte deste artigo.
A única coisa a fazer seria deslocar centenas de milhares de judeus da Europa para um lugar seguro. Desde a conferência que, por sugestão do presidente Roosevelt, reuniu delegados de trinta e dois países na cidade francesa de Évian, durante o Verão de 1938, com o objectivo de estudar as possibilidades de realojamento maciço dos judeus do Terceiro Reich, e até ao final da guerra, foram-se acumulando nos gabinetes oficiais centenas de planos, totalmente fúteis porque tanto os Estados Unidos e a Grã-Bretanha como as nações da América Latina, com a parcial excepção da República Dominicana, haviam deixado muito clara em Évian a sua recusa a receber multidões de refugiados. Cada governo só se dispunha a sugerir asilos em países estrangeiros, que por seu turno remetiam para outros a solução do problema [1].
Se passarmos das intenções ao plano dos factos, devemos recordar que quatro meses antes do início da guerra, em Maio de 1939, as autoridades do Terceiro Reich haviam dado autorização para sair de Hamburgo o navio St. Louis, transportando mais de novecentos judeus, que tinham a esperança de encontrar acolhimento na grande democracia do lado de lá do oceano. Como o governo norte-americano e a opinião pública do país eram contrários à aceitação de mais judeus, visto que as quotas de imigração já estavam preenchidas, o comandante dirigiu o navio para Havana, mas nessa época o governo cubano seguia obedientemente as indicações do poderoso vizinho e, recusando-se a dar asilo aos judeus, intimou-os a abandonar a ilha. O comandante tentou então dirigir-se para Miami, onde foi impedido de aportar, e como também o governo canadiano proibiu os fugitivos de desembarcar, não restou outra solução senão fazer a viagem de regresso e a carga humana acabou por ser depositada em vários países europeus, onde iria ficar mais tarde exposta à perseguição nazi [2]. Quando, no ano seguinte, um navio português carregado com oito dezenas de judeus fugitivos do Reich se viu recambiado dos portos mexicanos mas conseguiu que a maior parte dos seus passageiros desembarcasse nos Estados Unidos, isto só serviu para endurecer mais ainda as posições do Departamento de Estado, a ponto de nos meados de 1941 o alto funcionário que então superintendia estes assuntos, confesso admirador de Hitler e de Mussolini e obcecado com o perigo de uma conspiração judaico-comunista, se gabar de ter conseguido estancar definitivamente a entrada de refugiados [3]. E, com efeito, enquanto a guerra durou os consulados norte-americanos concederam um número de vistos inferior ao que a lei lhes permitia [4].
Estes episódios, além de terem servido a Hitler para demonstrar publicamente que também nos outros países os judeus eram indesejáveis, permitiriam a qualquer observador atento adivinhar qual haveria de ser a atitude dos governos democráticos perante a iminência de uma migração judaica maciça. Em 1940, com o curioso argumento de que um afluxo de judeus estimularia o anti-semitismo latente na Grã-Bretanha e acabaria por ser prejudicial à própria comunidade judaica, o ministro do Interior britânico, aliás figura importante do Partido Trabalhista, rejeitou uma proposta do governo de Vichy, que se dispunha a permitir a emigração de crianças judaicas [5]. No final do ano seguinte, quando o embaixador da Turquia em Bucareste sugeriu ao representante dos Estados Unidos que os judeus romenos fossem transferidos para a Palestina através da Turquia, o Departamento de Estado norte-americano recusou-se a transmitir sequer esta proposta aos britânicos, invocando, entre outros argumentos, as dificuldades de transporte, a possibilidade de as comunidades judaicas dos demais países ameaçados pelo nazismo pedirem igualmente ajuda e a eventualidade de virem a surgir «pressões para um asilo no hemisfério ocidental» [6]. Nos primeiros meses de 1943 a Suécia, um país neutral, ofereceu-se para acolher vinte mil crianças judias provenientes da Europa ocupada pelos nazis, com a condição de a Grã-Bretanha e os Estados Unidos pagarem os custos da sua alimentação e se comprometerem a repatriá-las no final da guerra, mas o governo norte-americano demorou tanto tempo a dar uma resposta que a ocasião se perdeu [7]. Em Março desse ano surgiu uma nova oportunidade de salvar um número muito considerável de vidas, quando a Bulgária anunciou que autorizaria os seus sessenta ou setenta mil judeus a emigrar para a Palestina, mas também então os Aliados não deram seguimento ao projecto [8]. E pouco depois um plano do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reich, que encarava a possibilidade de trocar cinco mil crianças judias eslavas pelos alemães detidos em território britânico, foi recusado pelo governo de Londres com o argumento de que não havia equivalência entre as duas situações porque as crianças não possuíam a cidadania britânica [9]. Com igual má vontade deparou a proposta do ditador fascista romeno, o marechal Antonescu, que em Julho de 1943 pretendeu vender aos Aliados, pela módica quantia de cento e setenta mil dólares, a vida de sessenta ou setenta mil judeus. O Departamento de Estado norte-americano demorou oito meses para autorizar as organizações judaicas a depositar na Suíça o dinheiro prometido, e como entretanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico e o Ministério da Economia de Guerra se opunham, invocando a «dificuldade de receber um número considerável de judeus», acabou por não se fazer nada [10]. Do mesmo modo, quando o almirante Horthy, regente da Hungria, anunciou que, com o acordo das autoridades do Reich, autorizaria a saída de todos os judeus que tivessem recebido vistos para outros países, num total entre dezassete mil e vinte mil pessoas, os governos britânico e norte-americano tardaram tanto a responder que entretanto as forças armadas germânicas ocuparam o país e uma vez mais se deixou passar a oportunidade de salvar vidas judaicas [11].
Não espanta que tivesse ficado igualmente sem efeito o mais ambicioso dos projectos deste tipo. Em Abril de 1944, quando o aparelho produtivo nazi deparava já com obstáculos insuperáveis, o Reichsführer SS Himmler recorreu a um dirigente sionista húngaro para apresentar às potências aliadas ocidentais uma proposta em que se comprometia a poupar a vida de um número máximo de um milhão de judeus e a autorizar a sua emigração com a condição de receber em troca dez mil camiões, para serem usados somente na frente leste, e de lhe serem dadas acessoriamente quantidades consideráveis de café, chá, cacau, sabão e ainda outros artigos. Os Aliados recusaram o negócio e chegaram mesmo a prender o intermediário durante alguns meses [12]. Decerto lhes importava menos a vida dos judeus, e menos ainda encontrar alojamento para um milhão de refugiados, do que acelerar a deterioração das capacidades de transporte do Reich. Lord Moyne, político e homem de negócios britânico que então desempenhava as funções de Ministro Residente no Cairo, exclamou ao interrogar o emissário: «Salvar um milhão de judeus! E para fazer o quê com eles? Onde os vamos pôr?» [13].
«Tenho consultado uma massa de material, parte dele confidencial, que lida com a difícil situação dos judeus da Europa, que estão desaparecendo rapidamente, e com o destino de sugestões para os auxiliar, e é uma história assustadora», escreveu um jornalista em Junho de 1944 num semanário de Nova Iorque [14]. À deslocação maciça de judeus opunham-se, do lado norte-americano, as preocupações de dosagem racial que sustentavam as leis sobre a imigração, aquelas leis que Hitler tanto elogiara e que as autoridades de Washington se recusavam absolutamente a alterar [15]. Em 1933 o rabi Stephen Wise, uma das figuras mais proeminentes da comunidade judaica nos Estados-Unidos, esforçara-se em vão por que o Congresso facilitasse a imigração de judeus alemães [16]. Não era a estes apelos, mas a outros muito diferentes, que a maioria dos legisladores norte-americanos prestava atenção. Em Março de 1939, perante o número cada vez maior de judeus que procurava desesperadamente fugir para os Estados Unidos, Harry Laughlin, uma das personalidades mais representativas do movimento eugenista norte-americano, que na década anterior desempenhara um importante cargo oficial junto ao Comité da Câmara de Representantes para a Imigração e a Naturalização, foi chamado a depor perante o Comité de Imigração do Senado, defendendo, como se esperava, medidas restritivas. Laughlin foi também ouvido pelo Comité Especial para a Imigração e a Naturalização da Câmara de Comércio do estado de Nova Iorque, e argumentou ali que o número de imigrantes judeus era já indevidamente elevado porque eles entravam não como judeus mas como nacionais dos países de origem. Laughlin publicou o seu relatório em Maio sob os auspícios da Câmara de Comércio e teve o cuidado de enviá-lo ao ministro do Interior do Terceiro Reich, Wilhelm Frick, bem como aos cientistas mais representativos do movimento eugenista germânico [17]. Por algum motivo ele havia recebido em 1936 o título de doutor honoris causa pela Universidade de Heidelberga [18]. Entretanto os preconceitos racistas dos cônsules norte-americanos tinham-nos levado a reforçar os obstáculos à imigração [19].
O anti-semitismo continuou a ser corrente nos Estados Unidos durante a guerra, mesmo em departamentos governamentais, e as sondagens de opinião revelavam que uma maioria consistente, e cada vez mais numerosa, da população do país se opunha à aceitação de imigrantes judeus [20]. Quanto ao Reino Unido, talvez sirva de indicador de um certo estado de espírito nos meios dirigentes o facto de nas ilhas britânicas do canal da Mancha ocupadas pelos nazis durante a guerra várias autoridades locais terem colaborado na prisão e na deportação dos judeus [21]. Mas acima de tudo, para o governo de Londres foi o interesse em manter um equilíbrio na Palestina entre as comunidades judaica e árabe que tornou inconveniente qualquer afluxo maciço de refugiados [22]. Cada um dos aliados procurava lançar sobre o outro o ónus da resolução do problema, e como nenhum estava disposto a abrir as fronteiras aos judeus, ambos deram a Hitler e aos SS o tempo de prosseguirem a «solução final». Nas palavras de Raul Hilberg, o historiador que mais minuciosamente estudou estas questões, «o Departamento de Estado norte-americano mostrava-se relutante em empreender uma acção em grande escala, o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico temia um êxito em grande escala e na Europa ocupada pelo Eixo o número de judeus ia-se reduzindo cada vez mais» [23].
Em meados de 1942 a resistência clandestina do ghetto de Varsóvia, através de contactos mantidos com a resistência polaca pró-britânica, fez chegar a Londres um apelo para que o povo alemão fosse ameaçado de represálias em consequência do genocídio dos judeus, mas a BBC não lhe deu qualquer publicidade [24]. Pela mesma via, o governo polaco no exílio em Londres recebeu em Maio de 1943 um pedido de socorro dos insurrectos do ghetto de Varsóvia [25], sem que os Aliados tivessem reagido. Igualmente reveladora foi a recusa sistemática das autoridades britânicas de alvejar os campos de extermínio, conforme lhes era insistentemente solicitado pelas organizações secretas da resistência judaica e polaca, bem como por organismos de resistência no interior dos próprios campos [26]. De igual modo, e embora conseguissem mais de uma vez enviar aos Aliados a indicação das junções ferroviárias por onde passavam os comboios [trens] que transportavam judeus para os campos de extermínio, os membros da resistência judaica depararam sempre com o desinteresse dos comandantes da aviação por efectuar bombardeamentos que poderiam ter salvo a vida a um número de pessoas muitíssimo considerável, talvez mesmo centenas de milhares [27]. Aliás, não seriam necessários tantos esforços e tanta devoção, porque desde Fevereiro de 1941 a contra-espionagem britânica decifrara o código secreto dos serviços ferroviários do Reich e estava, portanto, ao corrente do transporte de judeus, sem que as autoridades militares aproveitassem estas informações para tentar impedir o genocídio. E em Maio de 1944 a espionagem britânica e a norte-americana haviam passado a dispor de fotografias aéreas pormenorizadas do campo de concentração de Auschwitz, incluindo as câmaras de gás [28]; novas fotografias foram tiradas em Agosto, mais detalhadas ainda do que as anteriores, mas apesar de membros da organização sionista terem fornecido ao governo britânico uma documentação completa sobre o que se passava em Auschwitz, a força aérea preferiu bombardear as instalações petrolíferas próximas e não se interessou pelo campo de extermínio [29]. Só duas vezes, em Setembro e em Dezembro de 1944, e «por engano» ou «por acaso», nas palavras de um reputado historiador, algumas bombas destinadas às instalações petrolíferas atingiram o campo de Auschwitz [30].
Ao ler a obra que um dos principais especialistas da história da guerra dedicou ao SOE (Special Operations Executive, Direcção das Operações Especiais), um organismo secreto britânico de carácter militar, criado para prosseguir acções de sabotagem e de apoio à resistência, é notável que não exista uma palavra sequer a respeito de qualquer ajuda aos meios judaicos dos países ocupados. Não sei qual foi maior, o cinismo ou a candura, quando este historiador escreveu: «Os horrores do holocausto estavam além das esferas que o SOE conhecia ou em que agia. Por outras palavras, o SOE não podia fazer muito pela Polónia e menos ainda pelos judeus da Polónia, a não ser rezar […]» [31]. Mesmo depois da ocupação da Hungria pelas forças armadas do Reich em Março de 1944, quando a guerra se aproximava do fim e os Aliados dispunham já da iniciativa em todas as frentes, ficaram igualmente sem resposta os pedidos de bombardeamento dos centros administrativos onde estava a ser organizada a última etapa do genocídio e da linha de caminho de ferro que levava a Auschwitz [32]. Um relatório secreto do Ministério da Aviação britânico considerou que essa acção poria a vida de pilotos em risco «sem nenhuma utilidade» e o vice-ministro da Guerra norte-americano rejeitou quatro pedidos de bombardeamento das linhas de caminho de ferro que conduziam os judeus para os campos de extermínio, dando instruções para «“matar” a questão» [33].
Haveria dificuldades técnicas insuperáveis? Não parece, porque em 1944 foram várias vezes bombardeadas as instalações industriais situadas em redor de alguns grandes campos, conseguindo-se que os dormitórios dos presos não fossem atingidos. Numa dessas ocasiões, em Agosto, os bombardeiros britânicos e norte-americanos destruíram completamente a fábrica de armamento adjacente ao campo de concentração de Buchenwald, sem que uma só bomba tivesse caído no lado de dentro dos arames farpados [34]. E no mês seguinte as fábricas da IG Farben em Auschwitz foram bombardeadas, mas as instalações ferroviárias, as câmaras de gás e os fornos crematórios foram deixados intactos [35].
Ou seria o medo de falhar a pontaria e atingir inocentes que levou os Aliados a abster-se de alvejar as instalações de extermínio? Mas o próprio organismo de resistência dos internados de Auschwitz, nas mensagens enviadas no primeiro semestre de 1944 pedindo o bombardeamento das câmaras de gás e das instalações crematórias, recomendou explicitamente que os comandantes aliados não se preocupassem com as baixas que pudessem causar entre os detidos [36]. Esta era, aliás, a prática corrente. Em Fevereiro de 1944 a aviação britânica havia atacado o estabelecimento prisional de Amiens numa operação destinada a propiciar a fuga de membros da resistência francesa, e de um total de cerca de mil presos, embora 87 morressem no bombardeamento, mais de 250 conseguiram evadir-se e retomaram a actividade clandestina [37]. Dois meses depois aviões dos Estados Unidos conseguiram bombardear exactamente o edifício de Haia onde a Gestapo guardava as fichas sobre a população holandesa [38] e com igual precisão, no final de Outubro, em resposta a um pedido da resistência dinamarquesa, a aviação britânica destruiu a sede da Gestapo em Aarhus, inutilizando o ficheiro político, permitindo a fuga de alguns presos e fazendo a operação apenas uma vítima civil [39]. De novo em Março do ano seguinte, e também acedendo às solicitações da resistência dinamarquesa, aviões britânicos e norte-americanos atacaram a sede da Gestapo em Copenhaga e libertaram 32 dos 38 dirigentes antinazis aí detidos, ficando mortos os outros 6, além de 112 vítimas civis, entre as quais 86 crianças [40]. Já no último dia de 1944 a aviação britânica havia atingido o edifício da Gestapo em Oslo, destroçando-o em grande parte, embora provocando vários mortos entre a população civil [41]. Por que motivo recusar a centenas de milhares de judeus expostos a um massacre iminente o que não se recusava a algumas dezenas de militantes e dirigentes da resistência francesa, holandesa, norueguesa ou dinamarquesa?
Notas
[1] Acerca da conferência de Évian ver Henry L. Feingold, Bearing Witness. How America and Its Jews Responded to the Holocaust, Syracuse: Syracuse University Press, 1995, págs. 74-75, 94-140 e 188.
[2] O conhecido episódio da viagem do navio St. Louis foi usado por Carlos Fuentes no seu romance Los Años con Laura Díaz. Quanto à atitude tomada pelo governo do Canadá ver The Economist, 24 de Junho de 2006, pág. 58.
[3] Acerca da viagem do navio Quanza ver Henry L. Feingold, op. cit., págs. 78-79. Sobre Breckinridge Long, vice-secretário do Departamento de Estado encarregado do Departamento de Problemas Especiais, ver id., ibid., págs. 79, 81, 86, 143 e 172-173.
[4] Id., ibid., págs. 142, 173, 193.
[5] Id., ibid., pág. 64.
[6] Citado por Raul Hilberg, The Destruction of the European Jews, Londres: W. H. Allen, 1961, pág. 720 n. 19.
[7] I. F. Stone em The Nation, 10 de Junho de 1944, reproduzido em Katrina Vanden Heuvel e Hamilton dos Santos (orgs.), O Perigo da Hora. O Século XX nas Páginas do The Nation, São Paulo: Scritta, 1994, pág. 247.
[8] Raul Hilberg, op. cit., págs. 720-721; Howard M. Sachar, A History of Israel. From the Rise of Zionism to our Time, Nova Iorque: Alfred A. Knopf, 1976, pág. 238.
[9] Raul Hilberg, op. cit., pág. 721.
[10] John Morton Blum, V Was for Victory. Politics and American Culture during World War II, Nova Iorque e Londres: Harcourt Brace Jovanovich, 1976, págs. 179-180; Raul Hilberg, op. cit., pág. 721. A frase citada encontra-se em Raul Hilberg.
[11] Henry L. Feingold, op. cit., págs. 155-160.
[12] Hannah Arendt, Eichmann in Jerusalem. A Report on the Banality of Evil (ed. rev. e ampl.), Harmondsworth: Penguin, 1994, págs. 116, 144, 198; «Brand, Joel», em I. C. B. Dear e M. R. D. Foot (orgs.), The Oxford Companion to the Second World War, Oxford e Nova Iorque: Oxford University Press, 1995, pág. 155; Lenni Brenner, Zionism in the Age of the Dictators, Londres e Canberra: Croom Helm, Westport: Lawrence Hill, 1983, págs. 252-255; Henry L. Feingold, op. cit., págs. 160-162; Raul Hilberg, op. cit., págs. 544, 724-728; Howard M. Sachar, op. cit., pág. 239. Howard Sachar referiu somente oitocentos mil judeus. Com efeito, Raul Hilberg, na pág. 544, afirmou que Eichmann, em representação directa de Himmler, propôs trocar a vida de todos os judeus magiares pelos camiões e os restantes artigos; ora, escreveu aquele historiador na pág. 543, havia na Hungria setecentos e cinquenta mil judeus condenados ao extermínio. No entanto, e sempre segundo Hilberg, na pág. 724, na primeira das reuniões com o intermediário sionista Eichmann mencionou a possibilidade de salvar a vida a um milhão de judeus, acrescentando que eles podiam ser provenientes não só da Hungria mas também de outros países. Como, porém, consoante a proposta de Eichmann, até chegar uma resposta dos Aliados o programa de extermínio continuaria a efectuar-se (Hilberg, pág. 544) e como os SS estavam dispostos a realizar o negócio em parcelas, transaccionando quantidades sucessivas de camiões por quantidades sucessivas de judeus (Hilberg, pág. 724), o número de pessoas que teriam a vida salva era de antemão indeterminado, e não fixo. Um milhão seria decerto o montante máximo.
[13] Este desabafo de Lord Moyne encontra-se citado em Henry L. Feingold, op. cit., págs. 87-88.
[14] I. F. Stone em The Nation, reproduzido em Katrina Vanden Heuvel e Hamilton dos Santos (orgs.), op. cit., pág. 245.
[15] Bernard Avishai, The Tragedy of Zionism. Revolution and Democracy in the Land of Israel, Nova Iorque: Farrar, Straus and Giroux, 1985, pág. 162; John Morton Blum, op. cit., págs. 175-176, 178; Lenni Brenner, op. cit., págs. 238; 244; Sheila Faith Weiss, The Nazi Symbiosis. Human Genetics and Politics in the Third Reich, Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 2010, pág. 272.
[16] Edwin Black, The Transfer Agreement. The Dramatic Story of the Pact between the Third Reich and Jewish Palestine (ed. rev. e ampl.), Washington: Dialog, 1999, págs. 16-17, 280-281.
[17] Edwin Black, War Against the Weak. Eugenics and America’s Campaign to Create a Master Race, Nova Iorque e Londres: Four Walls Eight Windows, 2003, págs. 393-394. Ver também Sheila Faith Weiss, op. cit., pág. 283.
[18] Edwin Black, War Against the Weak, op. cit., pág. 312; Sheila Faith Weiss, op. cit., pág. 280.
[19] Edwin Black, The Transfer Agreement, op. cit., págs. 205, 393.
[20] John Morton Blum, op. cit., págs. 172-175; Richard Polenberg, War and Society. The United States, 1941-1945, Filadélfia, Nova Iorque e Toronto: J. B. Lippincott, 1972, pág. 138; George H. Roeder Jr., The Censored War. American Visual Experience during World War Two, New Haven e Londres: Yale University Press, 1993, pág. 172 n. 3. Segundo Henry L. Feingold, op. cit., págs. 92, 174 e 272, uma sondagem de opinião efectuada nos Estados Unidos em Dezembro de 1944 revelou que 75% dos inquiridos calculavam as vítimas do genocídio na ordem das dezenas de milhar e não dos milhões. Ora, como em Junho desse ano um jornalista publicara numa revista de Nova Iorque a estimativa de que montariam a quatro ou cinco milhões as vítimas do genocídio, concluo que a opinião pública acreditava naquilo que lhe convinha. Ver o artigo de I. F. Stone em The Nation, 10 de Junho de 1944, reproduzido em Katrina Vanden Heuvel e Hamilton dos Santos (orgs.), op. cit., pág. 247.
[21] «Channel Islands», em I. C. B. Dear e M. R. D. Foot (orgs.), op. cit., pág. 202.
[22] John Morton Blum, op. cit., págs. 175, 177; Raul Hilberg, op. cit., pág. 718.
[23] Raul Hilberg, op. cit., pág. 721. Mais sinteticamente, Henry L. Feingold, op. cit., pág. 255 escreveu que «os judeus da Europa ficaram esmagados entre duas mós gémeas, a da vontade assassina dos nazis e a da cruel indiferença dos Aliados».
[24] Henry L. Feingold, op. cit., págs. 64-65, 87; Raul Hilberg, op. cit., pág. 320.
[25] Posfácio de Jacob Sloan a Emmanuel Ringelblum, Crónica do Ghetto de Varsóvia, ed. org. por Jacob Sloan, Lisboa: Morais, 1964, pág. 363.
[26] Lenni Brenner, op. cit., págs. 249, 256; Raul Hilberg, op. cit., pág. 725; Hermann Langbein, La Résistance dans les Camps de Concentration Nationaux-Socialistes, 1938-1945, [Paris]: Arthème Fayard, 1981, págs. 75, 253-254.
[27] Raul Hilberg, op. cit., págs. 542, 723, 725; Hermann Langbein, op. cit., págs. 253-254. Argumentou Henry L. Feingold, op. cit., pág. 15 que «não existe hoje consenso acerca da eficácia dos bombardeamentos das câmaras de gás e das linhas de caminhos de ferro [estradas de ferro] que as serviam», mas penso que as decisões técnicas tomadas durante a segunda guerra mundial devem ser avaliadas consoante os critérios e as convicções daquela época.
[28] Martin Gilbert, The Second World War, vol. II: From Casablanca to Post-War Repercussions, 1943-1945, Londres: The Folio Society, 2011, págs. 597, 617.
[29] Id., ibid., vol. II, págs. 672-674, 686, 720.
[30] Id., ibid., vol. II, págs. 686, 723.
[31] M. R. D. Foot, SOE. An Outline History of the Special Operations Executive, 1940-1946, Londres: The Folio Society, 2008, pág. 231.
[32] Henry L. Feingold, op. cit., pág. 150; Martin Gilbert, op. cit., vol. II, pág. 635.
[33] Citados em Martin Gilbert, op. cit., vol. II, págs. 635-636. O lúgubre trocadilho reproduz literalmente o original, «to “kill” this».
[34] Eugen Kogon, L’État SS. Le Système des Camps de Concentration Allemands, Paris: Seuil, 2002, págs. 308-309.
[35] Hermann Langbein, op. cit., pág. 254.
[36] Id., ibid., pág. 253.
[37] «Amiens Prison Raid», em I. C. B. Dear e M. R. D. Foot (orgs.), op. cit., pág. 32. Todavia, Martin Gilbert, op. cit., vol. II, pág. 581 mencionou 96 presos mortos, incluindo 56 membros da resistência, e só 50 fugitivos.
[38] Martin Gilbert, op. cit., vol. II, pág. 600.
[39] Id., ibid., vol. II, pág. 707.
[40] Id., ibid., vol. II, págs. 755-756; «Shell House Raid», em I. C. B. Dear e M. R. D. Foot (orgs.), op. cit., pág. 1000. Ver também M. R. D. Foot, op. cit., pág. 252.
[41] Martin Gilbert, op. cit., vol. II, pág. 724.
Este trabalho de investigação revela com clareza o espírito de cumplicidade dos aliados com o nazismo anti-semita que coexistiu sempre antes, durante e depois da 2ª Guerra e também a franca disposição de lançar a ofensiva do exército alemão contra a União Soviética. O Tratado de Munique é, claramente, um bom exemplo dessas intenções.
No entanto o artigo, após muitas denuncias sobre essa cumplicidade num determinado momento observa que os aliados se recusaram a trocar dez mil camiões destinados a serem utilizados na frente Leste. Independentemente de estar em causa a vida de um milhão de judeus neste negócio, coloca-se uma pergunta: neste caso concreto seria esta proposta aceitável pelos países aliados do Ocidente?
Num mundo que acumulou inúmeros massacres, tão cruéis e tão grandes em número de vítimas, qual a razão de os judeus terem sido postos em primeiro plano?
O Brasil é um país que foi fundado sobre a morte de 6 milhões de indígenas, em algumas estimativas, e outros 4 milhões de negros, mas poderíamos lembrar ainda dos eslavos, dos armênios, dos ciganos, do conflito entre Tutsi e Hutús, lembrar dos aborígenes australianos e outras mortandades mais. Nenhuma operação matou mais gente no mundo que o longo processo de colonização da América, África e Ásia e no entanto não é para estas populações que a palavra holocausta é empregue. Qual a razão de o extermínio de judeus receber tanta atenção ao ponto de outras crueldades similares ou maiores caírem no esquecimento?
Afonso Manuel Gonçalves,
Tem toda a razão. Desde 1941 que os aliados ocidentais tentaram ganhar a guerra à custa das baixas no exército soviético, enquanto eles procediam sobretudo a bombardeamentos aéreos relativamente seguros e abriam frentes secundárias. Mas era necessário que esta táctica não fosse demasiado longe, a ponto de suscitar uma ruptura pelo bureau político soviético. O jogo era triplo. De um lado, os governos norte-americano e britânico não esqueciam que desde Agosto de 1939 até Junho de 1941 havia vigorado o pacto germano-soviético e que a inversão das alianças era ainda uma possibilidade. Por seu lado, o bureau político soviético nunca deixou de temer que os aliados ocidentais regressassem à postura que haviam adoptado antes de 1939 e voltassem a considerar que, apesar das ambições imperialistas, lhes era benéfico contarem com um Terceiro Reich destruidor do movimento operário e anticomunista. E, por outro lado, Hitler esperava que as contradições entre os seus inimigos os levassem a um ponto de ruptura, o que deixaria ao Reich um espaço de manobra. Ao longo de 1944 Himmler, por sua iniciativa e independentemente de Hitler, tentou criar condições para chegar a uma paz a Ocidente e orientar a guerra somente contra os soviéticos. Com este fim acabou por ordenar a suspensão do extermínio dos judeus e a destruição das instalações de genocídio. Foi neste contexto que surgiu a ideia da troca de judeus por camiões. Se o negócio fosse aceite, isso agravaria as discordâncias entre os ocidentais e os soviéticos e tornaria mais plausível uma ruptura. Mas naquela fase da guerra e com o Terceiro Reich praticamente derrotado, não interessava aos governos de Londres e de Washington criar novos motivos de atrito com o bureau político soviético, como Afonso Manuel Gonçalves destaca. Mas é interessante considerar que, se o negócio não foi aceite, os governantes ocidentais também não propuseram outras alternativas. E aqui a questão liga-se ao assunto do artigo.
Renata,
Já num comentário à primeira parte do artigo, e em resposta a uma Renata, que talvez seja outra, eu toquei muito de leve no facto de o sionismo — que se distinguia do judaísmo, quando não lhe era mesmo francamente oposto — ter usado o genocídio como legitimação do Estado de Israel. Como enunciei com minúcia o que penso acerca do assunto, em outro artigo deste site: http://passapalavra.info/?p=24723 , posso agora passar adiante. Assim, o facto de se pretender atribuir ao genocídio dos judeus uma singularidade histórica corresponde às conveniências políticas do sionismo, e explica uma boa parte do ocultamento que você observou. Mas esta resposta não explica tudo. Vejamos.
É inteiramente certo que o genocídio dos judeus se distingue de outras formas de morticínio ou mesmo de outros genocídios. Quando a oferta de mão-de-obra escrava era abundante os escravos podiam ser maltratados e morriam cedo, o que se devia a razões exclusivamente económicas. Do mesmo modo, o extermínio de um povo por outro que lhe queria ocupar o território devia-se a razões também económicas, e um exemplo é o sucedido com os Herero, na Namíbia, tratando-se, tanto quanto sei, do genocídio que atingiu maiores proporções. Estes e muitos outros horrores de que é tecida a história da humanidade, nos cinco continentes e não apenas em alguns, têm explicações estritamente económicas. Contemporâneo do genocídio dos judeus ocorreu a escravização dos eslavos nos territórios de Leste ocupados pelos nazis, que comportou a deliberada morte pela fome e pela doença de milhões de pessoas, e que foi convenientemente esquecida nos países ocidentais durante a guerra fria. Mas essa escravização deveu-se a motivos igualmente económicos.
Ora, o confinamento dos judeus no Terceiro Reich e depois o seu genocídio não se deveu a razões económicas. Os judeus salientavam-se apenas em algumas profissões liberais e não detinham na Alemanha posições significativas na indústria e na banca. O genocídio dos judeus pelos chefes nacional-socialistas deveu-se a razões estritamente ideológicas. O assunto é muito extenso e tratei-o com detalhe noutro lado, limito-me aqui a indicar sumariamente alguns traços principais. Considerava-se que os judeus eram unicamente capazes de ideias e de práticas destruidoras e desagregadoras. Por isso os judeus eram ao mesmo tempo assimilados à finança internacional (que se considerava desagregadora dos capitais nacionais) e ao movimento operário (que se considerava desagregador das solidariedades nacionais). Aliás, para os nazis o conceito não era judeu mas bolchevismo judaico, e o grande perigo, sob o ponto de vista das autoridades do Terceiro Reich, era que os judeus se colocassem à frente dos escravos eslavos. Foi exactamente isto que precipitou o genocídio. Os judeus foram mortos por terem sido considerados símbolos, num plano estritamente ideológico.
Mas nem aqui se tratou de uma singularidade, porque exactamente o mesmo, e pelas mesmas razões ideológicas, sucedeu aos ciganos. Tal como os judeus, os ciganos foram vítimas do conjunto de legislação racial conhecido como Leis de Nuremberga e foram perseguidos e liquidados tanto pelos Einsatzgruppen como em campos de concentração, calculando-se que cerca de meio milhão tivesse sido exterminado. Mas o tribunal militar internacional de Nuremberga não mencionou sequer o genocídio dos ciganos e em 1950 o psiquiatra que exercera as funções de responsável científico pelo recenseamento deste povo, organizado com vista ao seu extermínio, foi absolvido pelos juízes alemães. Aliás, o governo alemão recusou-se a admitir que os ciganos recebessem as compensações pecuniárias concedidas às vítimas do nazismo. O ministro do Interior do estado de Württemberg chegou a declarar, em Maio de 1950, que «os ciganos foram perseguidos sob o nazismo não por quaisquer motivos raciais mas devido a um comportamento anti-social e criminoso» (citado em Martin Gilbert, The Second World War, vol. II: From Casablanca to Post-War Repercussions, 1943-1945, Londres: The Folio Society, 2011, pág. 849). Mais grave ainda é o facto de a deliberada indiferença ao destino dos ciganos ter sido partilhada por destacados representantes do sionismo. O procurador-geral israelita, encarregado da acusação no julgamento de Adolf Eichmann, admitiu, numa conversa privada, que o genocídio dos judeus pelos nazis teria constituído um acto mais criminoso do que a chacina dos ciganos, um povo alegadamente desprovido de cultura própria (citado em Hannah Arendt, Eichmann in Jerusalem. A Report on the Banality of Evil, Harmondsworth: Penguin, 1994, págs. 96-97). Opiniões deste género permitem compreender que, apesar de Eichmann ter reconhecido no interrogatório a que foi sujeito pela polícia israelita que o seu departamento organizara a liquidação de dezenas de milhares de ciganos, o tribunal considerasse o facto como não provado. O mesmo argumento de que os ciganos não se destacavam na vida cultural e económica da Europa, enquanto os judeus constituíam «uma elite universalizadora no domínio científico, na teoria política, nas comunicações, na literatura, no teatro, na filosofia e no comércio, que estava a dar novos moldes à vida europeia e a orientá-la para além dos limites do estado-nação», serviu a um académico judeu norte-americano, Henry L. Feingold, para atribuir ao genocídio dos judeus um carácter historicamente único (em Bearing Witness. How America and Its Jews Responded to the Holocaust, Syracuse: Syracuse University Press,1995, págs. 4, 25-40). Note-se que nas págs. 4, 19-20 e 37 o autor incluiu os arménios, junto com os ciganos, entre as vítimas que não têm direito à singularidade histórica. Foi com este tipo de raciocínios, ou de pretextos, que Elie Wiesel, eminente personalidade judaica norte-americana, que durante vários anos presidiu ao US Holocaust Memorial Council, se recusou repetidamente a incluir nesta instituição delegados dos ciganos ao lado das representações dos judeus, dos polacos, dos ucranianos e dos russos, o que não o impediu de ser homenageado com o Prémio Nobel da Paz em 1986. Aliás, no ano anterior, quando o Conselho Central dos Judeus na Alemanha decidira comemorar os quarenta anos da libertação do campo de concentração de Bergen-Belsen, fora em vão que o Conselho Central cigano pedira para participar nas cerimónias, embora muitos ciganos tivessem perecido naquele campo.
Para terminar com uma interrogação, tal como terminei este artigo, por que motivo a mesma história que regista o destino fatal de uns esquece o de outros?