Uma ironia da guerra civil russa: o anarquista que se tornou comandante do Exército Vermelho e foi morto pelos makhnovistas. Por Nick Heath
Vasily Alexandrovich Bogdanov era um marinheiro russo que se descrevia como um anarquista internacionalista, ou seja, ele era totalmente contra a Primeira Guerra Mundial. Ao se envolver nos combates durante a guerra civil, sentiu que deveria cooperar com os bolcheviques. Ele era mais conhecido como Vasko-Bogdan.
Alexei Fedorov[1], que o conheceu, conta em seu livro October Dawns (1962) como foi seu primeiro encontro com Vasko-Bogdan em Petrogrado, em Smolny[2], onde ele se apresentou como um anarquista internacionalista que discordava dos bolcheviques em muitos sentidos, mas que estava convencido de que a revolução colocaria fim ao domínio dos privilegiados. Fedorov reencontrou Vasko-Bogdan um ano depois na Academia Militar de Moscou, batizada então como Academia Militar Frunze[3]:
“Como você chegou aqui?”, perguntei
“Do mesmo jeito que você, obviamente”, foi a resposta.
(…) Ele estava tão magro, com os mesmos olhos negros e tristes, quanto um ano antes em Smolny.”
“Você ainda é um anarquista?”, perguntou Fedorov, a quem Vasko-Bogdan respondeu afirmativamente, complementando a posição ao afirmar que estava firme seguindo os comunistas, a fim de limpar os “vermes” da Rússia, e que a revolução era um assunto “sério, sério”.
Aderiu ao Partido Comunista e se tornou comissário da região de Briansk em 1918. Ele se envolveu nas batalhas nos Urais próximos de Ufa[4] contra a Legião Tcheca. Lá, lutou ao lado do destacamento liderado pelo anarquista Zhebenev[5]. Posteriormente, comandou o 3º Regimento das Terras Altas.
Lutou no front oriental contra os brancos do Almirante Kolchak[6].
Em 1921, porém, envolveu-se na luta contra as forças makhnovistas e foi assassinado. Enterraram-no no dia 12 de maio no cemitério Vagankovsky em Moscou.
Notas
[1] Trata-se do comandante vermelho Alexei Fedorov Fedorovich, nascido em 1891 no condado de Menzelinsk, província de Ufa. Combateu na Primeira Guerra Mundial como subtenente do exército czarista. Passou para o lado dos vermelhos durante a Guerra Civil, tendo integrado o exército soviético por cerca de trinta anos, até a Segunda Guerra Mundial. Seu livro de memórias militares, publicado em 1962, encontra-se disponível em russo aqui. (N.T.)
[2] Smolny é um edifício pseudoclássico construído em São Petersburgo no início dos século XIX pelo czarismo para abrigar um instituto de educação de jovens donzelas. Durante a Revolução de Outubro, os bolcheviques passaram a usá-lo como sede de seu partido. (N.T.)
[3] Mikháil Vasílyevich Frunze. Militante bolchevique filiado ao partido desde 1903, estudou na Universidade Politécnica de São Petersburgo e, durante a revolução de 1905, liderou greves no setor têxtil nas cidades de Shuya e Ivanovo. Preso e condenado à morte em 1907, teve a sentença comutada para trabalhos forçados perpétuos na Sibéria, de onde, passados dez anos, fugiu para a cidade de Chita e editou o jornal bolchevique Vostochnoe Obozrenie (Восточное Обозрение, “Perspectiva Oriental”). Durante a revolução de fevereiro de 1917 liderou a milícia civil de Minsk e foi eleito para o soviete bielorrusso. Após a revolução de outubro de 1917 e com o início da guerra civil, foi chamado a Moscou, onde foi eleito comissário militar para a província de Ivanovo-Vosnesensk; depois de haver derrotado o general Kolchak e o exército branco em Omsk em 1919, recebeu de Trótski o comando da frente oriental, onde esmagou focos de resistência no Turquestão e debelou a revolta basmachi. Em 1920 Frunze dedicou-se à tomada da Crimeia e da Ucrânia, onde derrotou, sucessivamente, o exército branco de Wrangel, o exército anarquista de Néstor Makhnó e o exército nacionalista de Petliura. Finda a guerra civil, foi enviado à Turquia como embaixador da República Socialista Soviética da Ucrânia, onde tornou-se amigo de Mustafá Kemal Ataturk (ao ponto de este último mandar erigir-lhe uma estátua no Monumento da República da praça Taksim, em Istambul). Foi eleito para o Comitê Central dos bolcheviques em 1921 e eleito presidente do Conselho Militar Revolucionário em 1925, tendo morrido pouco depois devido a complicações decorrentes de uma úlcera crônica. (N.T.)
[4] Trata-se da principal cidade do Bascortostão (Rússia), situada na região dos montes Urais. (N.T.)
[5] Piotr Ivanovich Zhebenev. Nascido por volta de 1881 numa família de trabalhadores, e anarquista a partir de 1898. Era um anarquista “bem conhecido” em Yekaterimburgo entre 1917-18. Organizou um esquadrão de 37 anarquistas com cinco metralhadoras e foi ao front. Eleito comandante de um grande destacamento do Exército Vermelho. Num relato, é descrito “vestindo uma jaqueta de couro, com a cabeça descoberta, longos cabelos, e agarrado a granadas e cintos de metralhadora”. Comandante da Divisão Guerrilheira [partisan]. Mostrou grande capacidade organizativa e coragem pessoal, porém foi desaprovado pelo alto comando comunista devido às tendências anarquistas. Após os combates, voltou a Yekaterimburgo para prosseguir sua atuação anarquista, e provavelmente foi um dos anarquistas presos pela Cheka no outono de 1920. Indicado como Comissário do Povo para a Agricultura em 1921. Figura destacada entre os anarquistas universalistas de Yekaterimburgo e na Associação Anarquista dos Urais. Arquivos de segurança da Cheka descrevem-no como um ativo e proeminente militante anarquista. Não sabemos qual foi seu destino.
[6] Aleksandr Kolchak, nascido em 1874, foi um comandante naval russo que conduziu expedições de exploração no Polo Norte durante o czarismo e, na guerra civil, comandou forças contrarrevolucionárias brancas. Derrotado, foi fuzilado pelos bolcheviques em Irkutsk em 1920. (N.T.)
Referências
<http://voencomuezd.livejournal.com/28772.html>
Fedorov: <http://militera.lib.ru/memo/russian/fedorov_af3/01.html>
Traduzida e revisada pelo Passa Palavra a partir do original publicado no site Libcom, esta biografia integra o esforço de traduções de 100 anos da Revolução Russa (confira aqui o chamado e a lista completa de obras).