Relato de um comunista alemão sobre o 2º Congresso da Internacional Comunista e a política quanto aos “esquerdistas”. Por Otto Rühle
I
Viajei ilegalmente para a Rússia. A empreitada foi difícil e perigosa; mas teve sucesso. Em 16 de junho eu pisei no solo russo; no dia 19 eu estava em Moscou.
A partida da Alemanha foi apressada. Em abril, a partir do convite de Moscou, o KAPD (Partido Comunista dos Trabalhadores da Alemanha)[1] enviou dois camaradas como negociadores ao Executivo, para conversar sobre a entrada do KAPD na III Internacional. Foi dito que os dois camaradas haviam sido presos na Estônia durante a viagem de retorno. Era necessário recomeçar imediatamente as negociações e levá-las a termo e, se possível, enviar um relatório de volta para o KAPD, para que informações vindas do KAPD pudessem ser recebidas antes do início do Congresso.
Tudo com muita pressa, já que o Congresso já devia ter começado em 15 de junho.
Tendo chegado à Rússia, para minha felicidade descobri que as notícias sobre a prisão dos nossos camaradas eram incorretas. Eles haviam viajado de volta através de Murmansk e assim já estavam na Noruega a caminho da Alemanha[2]. Eu também fiquei sabendo que o Congresso não iria começar em 15 de junho, mas somente em 15 de julho.
O que eu descobri além disso foi bem menos agradável. Minha primeira conversa com Radek[3] foi uma verdadeira discussão. Durou horas. Em parte muito enfática. Cada frase de Radek era uma frase tirada do “Bandeira Vermelha”. Cada argumento era um argumento espartaquista. Radek é, no final das contas, senhor e mestre do KPD. Dr. Levi[4] e consortes são seus alegres papagaios. Eles não possuem opinião própria e são pagos por Moscou.
Eu pedi a Radek para me entregar a Carta Aberta ao KAPD[5]. Ele me prometeu entregá-la, mas não manteve a sua palavra. Eu o lembrei repetidamente disto e outros também o lembraram, mas ainda assim eu não a recebi. Quando mais tarde eu soube que os dois camaradas que estavam agindo como negociadores somente receberam a Carta Aberta no último momento antes de sua partida, a psicologia do comportamento de Radek ficou clara para mim. Ele, o mais astuto dos astutos e o mais inescrupuloso dos inescrupulosos, levando em consideração as pérfidas mentiras e ofensas que absolutamente transbordavam na Carta Aberta, sentiu, com certeza, algo como vergonha, que o fez evitar ter que responder por elas frente aos insultados e difamados.
Os métodos que eu vi praticarem contra mim em Moscou suscitaram minha mais forte aversão. O que eu vi: “mudanças de cenários” políticas, feitas para enganar, usando gritantes resoluções revolucionárias para acobertar o fundo oportunista. O melhor teria sido desistir e ir embora de uma vez. No entanto, eu decidi permanecer até que o segundo delegado, o camarada Merges-Braunschweig[6], chegasse.
Eu usei o tempo para fazer estudos.
Primeiro eu dei uma olhada por Moscou, na maior parte das vezes sem um guia oficial, para poder ver também o que não era permitido ver. Depois eu fiz uma longa viagem de carro para Kashira e visitas em Nizhny-Novgorod, Cazã, Simbirsk, Samara, Saratov, Tambov, Tula, etc., conhecendo assim os locais mais importantes na Rússia Central. Isto me garantiu uma abundância de impressões, mais desagradáveis do que agradáveis. A Rússia estava sofrendo em todos os seus membros, de todas as doenças. Mas como isto poderia ser diferente! Muito estava sendo relatado, porém o exemplo de Crispien[7] e Dittman[8] não me tentou a seguir em frente. Quais interesses teriam sido servidos então? Somente os dos oponentes do comunismo. Todos esses problemas e recuos não eram, é claro, provas contra o comunismo. No máximo seriam contra os métodos e táticas usados pela Rússia para realizar o Comunismo.
II
A tática russa é a tática da centralização autoritária. Ela foi consistentemente desenvolvida e, no fim, levada ao extremo, pelos bolcheviques, como princípio fundamental do centralismo que levou ao ultracentralismo. Os bolcheviques não o fizeram por desejo ou vontade de experimentar. A revolução os forçou a tanto. Se hoje os representantes das organizações alemãs estão cheios de indignação e se persignam frente ao fenômeno ditatorial e terrorista na Rússia, é fácil para eles falarem. Estivessem eles na posição do governo russo, teriam que fazer exatamente o mesmo.
Centralismo é o princípio organizacional da era capitalista-burguesa. Com ele o Estado burguês e a economia capitalista podem ser construídos. Entretanto, não o Estado proletário e a economia socialista. Estes demandam o sistema de conselhos. Para o KAPD – e contrário a Moscou – a revolução não é um assunto do partido, o partido não é uma organização autoritária que funciona de cima para baixo, o líder não é um chefe militar, as massas não são um exército condenado à obediência cega, a ditadura não é o despotismo de um grupelho, o comunismo não é o trampolim para a ascensão de uma nova burguesia soviética. Para o KAPD a revolução é um assunto de toda a classe proletária, dentro da qual o partido comunista é somente a forma da vanguarda mais madura e determinada. A ascensão e desenvolvimento das massas, a maturidade política desta vanguarda, não espera a tutela da liderança, disciplina e regulação. Pelo contrário: estes métodos produzem em um proletariado avançado como o alemão exatamente o resultado oposto. Eles sufocam iniciativas, paralisam a atividade revolucionária, enfraquecem a combatividade, reduzem o sentimento pessoal de responsabilidade. O que importa é despertar a iniciativa das massas, libertá-las da autoridade, desenvolver sua autoconfiança, treiná-las em sua atividade independente e assim aumentar seu interesse pela revolução. Cada lutador deve saber e sentir porque ele está lutando, pelo que ele está lutando. Todos devem se tornar conscientemente porta-vozes da luta revolucionária e membros criativos da construção comunista. Portanto, a liberdade necessária nunca será ganha no sistema coercitivo do centralismo, nas correntes do controle burocrático-militarista, sob o peso de uma ditadura de líderes e seus inevitáveis acompanhamentos: arbitrariedade, culto à personalidade, autoritarismo, corrupção, violência. Logo: supressão de compromissos e compulsões externos através de preparo e vontade internos. Logo: elevação do comunismo de um palavreado demagógico de um grupelho para as alturas de uma das experiências mais cativantes e realizadoras de todo o mundo.
O KAPD chegou a estas conclusões através da simples percepção da situação mais óbvia, a de que cada país e cada povo, por terem sua própria economia, estrutura social, tradições, maturidade do proletariado, i.e., seus próprios requisitos e condições revolucionárias, deve também ter suas próprias leis, métodos, ritmo de desenvolvimento e aparições externas da revolução. A Rússia não é a Alemanha, a política russa não é a política alemã, a revolução russa não é a revolução alemã. Lênin pode demonstrar centenas de vezes que as táticas dos bolcheviques foram de grande sucesso na revolução russa, ainda assim elas não seriam as táticas corretas para a revolução alemã. Toda tentativa de nos forçar a adotar estas táticas deve provocar a mais resoluta oposição.
Moscou está fazendo esta tentativa terrorista. Ela quer elevar os seus princípios a princípios da revolução mundial. O KPD é o seu agente. Ele trabalha sob ordens russas e pelo modelo russo. Ele é o gramofone de Moscou. Como o KAPD não aceita este papel de eunuco, é perseguido com ódio mortal. Somente se leem os ataques mais insultantes, as difamações e acusações mais venenosas, com as quais lutam contra nós sem conhecimento algum da situação revolucionária na qual nos encontramos e dos efeitos que esta prática vil desperta em nossos oponentes burgueses. Dr. Levi e Heckert[9] tem que atirar contra nós cada quantidade de lixo que Radek e Zinóviev[10] põem em suas mãos. É para isso que esses rapazes são pagos. Entretanto, como o KAPD não desiste, ele deve ser censurado pelo Congresso da III Internacional para se sujeitar ao comando de Moscou. Tudo foi excelentemente preparado. A guilhotina foi montada. Radek testou contentemente o fio da lâmina. E a alta corte já estava reunida. Teria sido um espetáculo grandioso, deveras bonito para ter acontecido.
III
Quando eu retornava do Volga o camarada Merges chegou a Moscou.
No mesmo dia ocorreu uma sessão do Executivo da III Internacional. Nós não fomos convidados. Na nossa ausência, a moção de Meyer[11] (KPD), de que nos deveria ser recusada a admissão no Congresso foi discutida. A moção foi rejeitada. Nisso eles nos chamaram para a sessão e foram generosos a ponto de nos garantir status consultivo para o Congresso.
Nesta reunião pudemos ver as orientações das discussões que seriam apresentadas no Congresso. Elas seriam as bases para as decisões do Congresso. Sobre elas, Radek já havia me dito antes, em sua maneira excessivamente orgulhosa, que ele as tinha no seu bolso. “No seu bolso!”
As orientações das discussões — não eram elas velhas conhecidas? De fato. Nós reconhecemos nelas uma repetição das notórias teses de Heidelberg[12]. Elas só estavam algo mais elaboradas, algo mais teoricamente desenvolvidas, algo melhoradas com “centralismo ditatorial”. Elas foram transformadas em teses da política de poder russa, a partir de teses da politica de divisão espartaquista, e agora deveriam se tornar teses da violação internacional por métodos russos.
Nós sacrificamos uma noite para o seu estudo, e de manhã sabíamos o que tinha de ser feito.
Fomos até Radek e colocamos para ele a questão de que se na Carta Aberta (que ainda não havia nos sido entregue) a demanda pelas expulsões de Laufenberg[13], Wolfheim[14] e Ruhle era um ultimato, e se o Executivo insistia no cumprimento destas demandas antes que o KAPD fosse admitido na III Internacional. Radek tentou várias evasivas, mas nos demandamos uma resposta clara. Então Radek explicou: seria satisfatório para o Executivo se o KAPD prometesse que iria — em outro momento, mais oportuno — se livrar de Laufenberg e Wolfheim. Quanto a minha expulsão, não faziam mais questão. Este notável recuo de demandas que foram levantadas com a mais verdadeira convicção como conditio sine qua non nos deixaram com suspeitas. Então nós demandamos saber quais demandas do Executivo a respeito da admissão do KAD na III Internacional eram definitivas. Radek explicou: vocês devem, em nome do seu partido, no início do Congresso declarar que o KAPD vai se submeter a todas as decisões, então vocês receberão o status de votante no Congresso; aí nada mais entrará no caminho da sua admissão na III Internacional.
Estávamos ouvindo direito: declarar solenemente que nos submeteríamos adiantadamente às decisões do Congresso, sendo que nem as conhecíamos ainda… Isto era para ser uma das piadas de Radek?
Não, era sério.
E se o Congresso decidisse pela dissolução do KAPD?… Brincadeiras à parte, ele realmente tinha esta intenção.
Assim Radek foi desmascarado.
Quais eram as teses então?
Agora sim.
– Os comunistas são obrigados a montar uma organização rigidamente centralista, inflexível, militarista e ditatorial.
– Os comunistas são obrigados a participar das eleições parlamentares, e a entrar no Parlamento para levar adiante um novo tipo de trabalho parlamentarista revolucionário.
– Os comunistas são obrigados a permanecerem nos sindicatos para assim ajudarem a vitória da revolução nestas instituições transformáveis revolucionariamente.
– Cada um dos partidos que são membros da III Internacional deve se chamar de Partido Comunista, consequentemente o KAPD tem que sacrificar a independência que vinha mantendo e se dissolver no KPD.
Portanto, brincadeiras à parte: o Congresso realmente deveria pronunciar a sentença de morte do KAPD, e nós, os delegados do KAPD, deveríamos receber status de votante, i.e., deveríamos ser capazes de ajudar a pronunciar a sentença de morte se declarássemos com antecedência que nos submeteríamos sem resistência à pena de morte declarada.
Poderia haver maior comédia política? Ou maior perfídia?
Nós rimos na cara de Radek, e perguntamos se ele estava louco.
Um partido que, sobre as bases das teses de Heidelberg, tinha se separado do KPD, se constituído sob novas orientações, e que se deu organizacionalmente uma nova estrutura, taticamente uma nova orientação e teoricamente um novo programa, que se ergueu vigorosamente sobre os seus próprios pés, concentrando em si mesmo todas as forças ativas da revolução alemã e com um tamanho em número de membros bastante superior ao KPD — tal partido recusa, na verdade deve recusar entrar uma vez sequer em uma discussão sobre a discussão de seu direito de existir. Assim como uma criança nunca pode retornar para o útero de sua mãe, similarmente o KAPD não pode retornar para o KPD. Mesmo uma palavra na discussão sobre isto é um engano, é um absurdo, é infantilidade política.
Nós deixamos Radek parado lá, com a corda que ele pretendia por ao redor do pescoço do KAPD, e seguimos o nosso caminho. Não sentíamos mais desejo algum de ficar tendo dores de cabeça nesta atmosfera de truques políticos e traições, de diplomacia de palco e puxadas de corda oportunistas, de falta de limites morais e fria esperteza.
Dentro de nós não havia nada, definitivamente nada que nos levasse a procurar algo em um congresso que se encontrava tão longe do comunismo.
Portanto declaramos: “recusamos com um agradecimento a participação no Congresso. Decidimos voltar para casa, para recomendar ao KAPD uma postura de espera, até que surja uma Internacional verdadeiramente revolucionária para que possamos nos juntar a ela. Adeus!”
IV
Nossa decisão teve um efeito surpreendente. Se até agora éramos tratados como crianças mimadas, cujas malcriações enchiam de vergonha ou ansiedade os pobres pais e deveriam ser postas no colo para levar uma surra, subitamente tomaram outro caminho. O chicote ameaçador desapareceu atrás do espelho e a cenoura foi tirada da gaveta. Começaram a nos elogiar com palavras fraternais, como deveria ser costumeiro entre comunistas, e com a aparência de boa vontade para retomar as comunicações objetivas, e até mesmo Radek passou a se comportar. Ele negociou com razoabilidade e reclamou amargamente contra o KPD, que ele chamou de “gangue preguiçosa e covarde”, e disse que os faria “molhar as suas calças”, etc. Nós tivemos uma longa e profunda discussão com ele, Zinóviev, Bukhárin[15] e no último momento até uma discussão resoluta com Lênin. O grande respeito e admiração que temos por ele, e que durante a discussão aumentou ainda mais, não nos impediu de dizer a ele, de uma maneira bem alemã, nossas opiniões. Nós explicamos para ele que sentíamos que era um escândalo e um crime contra a revolução alemã que, no momento em que centenas de livros tinham que ser escritos contra o oportunismo, ele dispôs de tempo e achou oportuno escrever um justamente contra o KAPD, o partido mais ativo e resoluto da revolução alemã, e que agora, como outros dos seus escritos mais recentes, ele está sendo usado por toda a contrarrevolução como um arsenal, não para corrigir uma tática supostamente equivocada frente aos interesses da revolução, mas para eliminar qualquer atividade estimulante das massas com argumentos e citações de Lênin. Demonstramos que ele está completamente desinformado sobre a situação na Alemanha, e que seus argumentos sobre o uso revolucionário do parlamento e dos sindicatos são risíveis. Por fim, deixamos claro que, sem a menor sombra de dúvida, o KAPD, que recusa qualquer ajuda material de Moscou, decidiu absolutamente que não aceitará qualquer interferência de Moscou em suas políticas.
As discussões nos deixaram com a impressão de que os camaradas russos começaram a perceber que erro havia sido deixar que as coisas chegassem tão longe. Que no final, a Internacional, i.e., em primeiro momento a Rússia, precisa mais do KAPD do que o contrário, o KAPD da Internacional. Por isso, para eles nossa decisão foi bastante desagradável, e eles buscaram um compromisso. Quando estávamos em Petrogrado, a caminho de casa, o Executivo nos enviou outro convite para o Congresso, com a declaração de que ao KAPD (ainda que ele não tivesse se submetido ou prometido se submeter a sequer uma das condições draconianas da Carta Aberta) havia sido concedido o direito ao status de votante no Congresso. Muito precária a isca! Fundamentalmente, era totalmente indiferente se o KAPD concordava com a sua execução proposta em Moscou com status consultivo ou votante. Portanto, agradecemos mais uma vez e viajamos para a Alemanha.
O resultado do Congresso justificou as nossas táticas. As decisões tomadas nas questões que dizem respeito a nós — construção do partido, participação no parlamento, política sindical — revelam os mais desbragado oportunismo. Elas são decisões na linha da ala direitista do USPD[16], decisões que, mesmo na interpretação dos Daumigs[17], Curt Geyers[18], Koenens[19], etc., nas questões sobre o parlamento e os sindicatos significam uma violação. Mas pode e deve o KAPD compartilhar das mesmas decisões do Congresso no mesmo terreno que o USPD? Deve-se responder afirmativamente a essa questão e pensar nas consequências para poder julgar a completa monstruosidade e a absoluta impossibilidade do KAPD ingressar na III Internacional.
Isto não que dizer que queremos nos opor a uma unificação organizacional dos trabalhadores comunistas e a uma aliança internacional do proletariado revolucionário. De forma alguma! Nós só queremos dizer que a filiação a uma Internacional realmente revolucionária não será decidida através de decisões de papel em Congressos ou da boa vontade da camada das hierarquias. Ela se decide através da vontade de luta e das atividades revolucionárias das massas na hora da decisão. Ela é o produto do grande processo de purificação e maturação da revolução, que elimina tudo o que é faltoso e incorreto e faz com que somente o íntegro e verdadeiro conte. O KAPD pode confiantemente esperar por esta decisão, então ele se erguerá a altura da tarefa histórica que lhe aguarda.
Enquanto me despedia de Lenin, eu disse para ele: “Espero que o próximo Congresso da III Internacional possa ocorrer na Alemanha. Então nós traremos para você as evidências concretas que provam que estávamos certos. Aí você terá que corrigir o seu ponto de vista.” Ao que Lenin respondeu rindo: “Se isto acontecer, não seremos nós que vamos atrapalhar a correção.”
Que isso possa acontecer! Isso vai acontecer!
As imagens que ilustram o artigo são de Gerd Arntz: gravurista, designer gráfico modernista e comunista alemão
Notas
[1] O Kommunistische Arbeiter-Partei Deutschlands — KAPD (Partido Comunista Operário da Alemanha) foi um partido comunista antiparlamentar fundado em abril de 1920 em Heidelberg por 80 mil militantes do Partido Comunista da Alemanha em desacordo com sua política de desarmamento do Exército Vermelho do Ruhr. Atuava muito proximamente à Allgemeine Arbeiter-Union Deutschlands — AAUD (União Geral dos Sindicatos da Alemanha), organização que congregava conselhos de fábricas em oposição aos sindicatos então existentes, que se organizavam por ofícios. Tinha 43 mil membros em 1921, mas as sucessivas críticas a ele direcionadas pela Internacional Comunista, assim como do próprio Lênin, e uma política constante de difamação movida pelo Partido Comunista da Alemanha, levaram sua influência a diminuir paulatinamente. Dividiu-se, em 1922, na Fração de Essen do KAPD e na Fração de Berlim do KAPD, cada uma delas reivindicando-se ser o KAPD. A Fração de Essen chegou a participar da fundação da Internacional Comunista Operária em 1925 junto a outras organizações conselhistas da Holanda e Inglaterra, mas viu-a dissolver-se em 1927; a Fração de Berlim sobreviveu até 1933, quando dissolveu-se em vários grupos de resistência clandestina ao nazismo.
[2] O episódio da viagem a Petrogrado de Jan Appel e Franz Jung, delegados pelo KAPD ao 2º Congresso da Internacional Comunista, é digno de nota. Acompanhados pelo marinheiro Hermann Knüfken, e devido às dificuldades de chegarem à Rússia por outros meios, embarcaram na cidade portuária alemã de Cuxhaven como clandestinos no pesqueiro Senator Schröder e sequestraram-no, com a ajuda de um marinheiro de Cuxhaven chamado Willy Klahre, membro da Seemannsbund (Associação dos Marinheiros), e do resto da tripulação. Ao passarem pela ponta setentrional do arquipélago da Heligolândia, prenderam o capitão e seus oficiais à mão armada e trancaram-nos na cabine dianteira. A jornada começou em 20 de abril e terminou em 1º de maio em Alexandrovsk, o porto marítimo de Murmansk. Foram todos recebidos como camaradas, e logo em seguida viajaram de trem para Petrogrado; lá chegando, encontraram-se brevemente com Lênin, que apelidou os delegados de “camaradas piratas”.
[3] Karol Sobelsohn, mais conhecido como Karl Berngardovich Radek (31 out. 1885 — 19 maio 1939) foi um marxista ativo na social-democracia polonesa e alemã antes da Primeira Guerra Mundial e um líder comunista internacional na União Soviética após a Revolução Russa. Ficou mais conhecido como agente da Internacional Comunista na Alemanha, onde teve influência decisiva sobre o Partido Comunista da Alemanha.
[4] Paul Levi (11 mar. 1883 — 9 fev. 1930) foi um líder político comunista e social-democrata alemão. Foi o líder do Partido Comunista da Alemanha em seguida ao assassinato de Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht em 1919. Depois de sua expulsão do partido por criticar publicamente as táticas do partido durante as ações de março, formou a Organização Operativa Comunista, que em 1922 fundiu-se ao Partido Social Democrata Independente. Este partido, por sua vez, fundiu-se ao Partido Social Democrata poucos meses depois, e Levi tornou-se um dos líderes de sua ala esquerda.
[5] A Carta Aberta aos Membros do KAPD foi um documento publicado em 1920 na l’Internationale Communiste, No. 11 (June 1920), pp. 1909-1921. Em linhas gerais, condena o abandono dos sindicatos por parte dos “trabalhadores da vanguarda” e a recusa à participação nas eleições para os comitês de empresa estabelecidos por lei. Reafirmava a necessidade do parlamentarismo, pois “a nova era, a era da revolução proletária, formará parlamentares de novo tipo”, e as campanhas eleitorais, segundo a Carta, colocavam os militantes em posições favoráveis para “pregar suas ideias” e conquistar, nas câmaras municipais, “uma grande influência sobre a classe dos pequenos e médios camponeses”.
[6] August Ernst Reinhold Merges (3 mar. 1870 — 6 mar. 1945) foi um político e revolucionário alemão, além de membro de várias organizações comunistas e sindicais da extrema-esquerda alemã. Foi uma das figuras principais da Revolução de Novembro em Braunschweig, presidente da República Socialista de Braunschweig, deputado à Assembleia Nacional de Weimar e ao parlamento estatal de Braunschweig. Depois de 1933 tornou-se membro de um grupo de resistência contra o regime nazista. Morreu em consequência de maus-tratos pela Gestapo.
[7] Arthur Crispien (4 nov. 1875 — 29 nov. 1946) foi um pintor e político social-democrata alemão. Originalmente membro do Partido Social-Democrata da Alemanha, rompeu brevemente com ele entre 1917 e 1922 para depois retornar às suas fileiras como co-presidente. Liderou uma delegação do Partido Social-Democrata Independente ao 2º Congresso da Internacional Comunista em 1920, que demarcou a recusa deste partido em aderir às condições para ingresso na IC. Depois do incêndio do Reichstag Crispien exilou-se primeiro na Áustria e depois na Suíça, onde integrou o Partido Social-Democrata no Exílio e o Partido Socialista Suíço. Morreu em Berna.
[8] Wilhelm Dittmann (1 nov. 1874 — 7 ago. 1954) foi um carpinteiro e político social-democrata alemão. Inicialmente membro do Partido Social-Democrata da Alemanha, foi membro fundador e secretário do Comitê Central do Partido Social-Democrata Independente da Alemanha entre 1917 e 1922.
[9] Friedrich (Fritz) Carl Heckert (28 mar. 1884 — 7 abr. 1936) foi um político alemão, co-fundador da Liga Espártaco e do Partido Comunista da Alemanha, e militante destacado da Internacional Comunista. Em 1923 Heckert foi, por 19 dias, Ministro de Assuntos Econômicos da Saxônia. Morreu de derrame em Moscou, e foi enterrado no cemitério do muro do Kremlin.
[10] Hirsch Apfelbaum, também conhecido como Ovsei-Gershon Aronovich Radomyslsky e, mais correntemente, como Grigóry Yevsêievich Zinóviev (23 set. 1883 — 25 ago. 1936), foi um revolucionário bolchevique e político comunista soviético. Um dos sete membros do primeiro Politburo, fundado em 1917 para lidar com a revolução bolchevique, Zinóviev é mais lembrado por seu longo mandato à frente da Internacional Comunista e arquiteto de várias tentativas frustradas de transformar a Alemanha num país comunista nos anos 1920. Entrou em conflito com Stálin, que eliminou-o da liderança política soviética em 1936, sendo o principal acusado no Julgamento dos Dezesseis, que marcou o começo do Terror na URSS. Condenado à morte, foi executado no dia seguinte.
[11] Ernst Meyer (10 jul. 1887 — 2 fev. 1930) foi um político e militante comunista alemão, lembrado principalmente como um dos fundadores e integrante da liderança do Partido Comunista da Alemanha. Oponente de Ernst Thälmann, Meyer foi removido da liderança partidária depois de 1928, pouco antes de sua morte causada por uma pneumonia decorrente de uma tuberculose.
[12] Em outubro de 1919, Paul Levi apresentou ao congresso do Partido Comunista da Alemanha, realizado em Heidelberg, uma resolução em favor do trabalho nos sindicatos e nos parlamentos; contrariando o princípio partidário da democracia operária (cada distrito tinha um mandato, independentemente de seu tamanho), e violando a decisão da conferência partidária de Frankfurt, ocorrida em agosto do mesmo ano, o Comitê Central do Partido Comunista da Alemanha recebeu carta branca para expulsar do partido a esquerda, que defendia a saída do trabalho nos sindicatos e o antiparlamentarismo. Apesar de majoritária, a esquerda foi enfim expulsa. Uniu-se, mais tarde, às tendências nacional-bolchevista, de Fritz Wolffheim e Heinrich Laufenberg, e sindicalista, de Otto Rühle, que haviam sido anteriormente expulsas do partido, e formaram o KAPD.
[13] Heinrich Laufenberg, também conhecido como Karl Erler (19 jan. 1872 — 13 fev. 1932) foi um historiador e proeminente comunista alemão, um dos primeiros a desenvolver a ideia do nacional-comunismo. Expulso do Partido Comunista da Alemanha junto com seus correligionários em 1920 em virtude do anátema imposto por Lênin ao nacional-comunismo, carreou-os para a fundação do KAPD, de onde foi expulso no mesmo ano pelas mesmas razões. Tornou-se persona non grata nos círculos comunistas e aposentou-se da política.
[14] Fritz Wolffheim (30 out. 1888 — 17 mar. 1942) foi um político e escritor comunista alemão, figura de proa na tendência nacional-comunista que foi, brevemente, de grande influência na Alemanha logo após a Primeira Guerra Mundial. Expulso do Partido Comunista da Alemanha junto com seus correligionários em 1920 em virtude do anátema imposto por Lênin ao nacional-comunismo, carreou-os para a fundação do KAPD, de onde foi expulso no mesmo ano pelas mesmas razões. Após a expulsão, Wolffheim tornou-se membro da Liga para Estudos do Comunismo Alemão, um grupo pró-nacionalista que incluía representantes de grandes empresas e oficiais do exército entre seus membros. Sua participação neste grupo colocou-o em contato com elementos próximos ao partido nazista, mas seu envolvimento com o nazismo foi freado por sua origem judaica. Associou-se, ao invés disto, com o Gruppe Sozialrevolutionärer Nationalisten de Karl Otto Paetel em 1930. Preso pelos nazistas em 1936, morreu no campo de concentração de Ravensbrück em 1942.
[15] Nikolái Ivânovich Bukhárin (9 out. 1888 — 15 mar. 1938) foi um revolucionário bolchevique de origem russa, político soviético e prolífico teórico revolucionário. Quando jovem, viveu seis anos exilado, trabalhando junto a companheiros de exílio como Lênin e Trótski. Depois da revolução de fevereiro de 1917 retornou a Moscou, onde suas credenciais bolcheviques garantiram-lhe altas posições no partido, e depois da revolução de outubro tornou-se editor do jornal partidário Pravda (Verdade). Inicialmente um comunista de esquerda, moveu-se gradualmente para a direita a partir de 1921, quando apoiou e defendeu entusiasticamente a Nova Política Econômica (NEP). Por volta de 1924, era o principal aliado de Stálin, para quem elaborou a teoria e a política do socialismo num só país. Juntos, Bukhárin e Stálin expulsaram Trótski, Zinóviev e Kámenev do partido no 15° Congresso partidário em dezembro de 1927. De 1926 a 1929 gozou de grandes poderes como secretário geral do comitê executivo da Internacional Comunista, mas a coletivização agrária colocou-o em conflito com Stálin e resultou na sua expulsão do Politburo em 1929, na sua prisão em 1937 e na sua execução em 1938, sob a acusação de conspiração para derrubada do Estado soviético. A farsa judicial a que foi submetido afastou muitos antigos simpatizantes ocidentais da esfera de influência do comunismo.
[16] O Unabhängige Sozialdemokratische Partei Deutschlands – USPD (Partido Social Democrata Independente da Alemanha) foi um partido político alemão existente entre 1917 e 1931 como resultado da saída de elementos da esquerda do Partido Social-Democrata da Alemanha em função de suas políticas eleitoralistas e revisionistas. A organização tentou estabelecer um meio-termo entre a posição conservadora dos social-democratas e a posição revolucionária do bolchevismo. Fundiu-se ao Partido Social-Democrata Operário da Alemanha em 1931.
[17] Ernst Friedrich Däumig (25 nov. 1866 — 04 jul. 1922) foi um militar e político social-democrata alemão. Inicialmente membro do Partido Social-Democrata da Alemanha, migrou em 1917 para o Partido Social-Democrata Independente da Alemanha. Tentou em 1920 negociar a entrada do partido na Internacional Comunista, sem sucesso. Saiu do partido com a ala esquerda para entrar no Partido Comunista da Alemanha, que por força desta fusão passou a chamar-se, por dois anos, Partido Comunista Unificado da Alemanha. Saiu do partido pouco depois, para fundar, com Paul Levi, expulso pela mesma época, a União dos Trabalhadores Comunistas, que terminaria por se fundir, em 1922, ao Partido Social-Democrata Independente da Alemanha. Morreu pouco depois.
[18] Curt Theodor Geyer, também conhecido como Kurt Geyer e Max Klinger (19 jun. 1891 — 24 jun. 1967), foi um historiador, jornalista e político socialista alemão. Inicialmente membro do Partido Social-Democrata da Alemanha, migrou em 1917 para o Partido Social-Democrata Independente da Alemanha. Saiu do partido com a ala esquerda para entrar no Partido Comunista da Alemanha, que por força desta fusão passou a chamar-se, por dois anos, Partido Comunista Unificado da Alemanha. Saiu do partido pouco depois, para fundar, com Paul Levi, expulso pela mesma época, a União dos Trabalhadores Comunistas, que terminaria por se fundir, em 1922, ao Partido Social-Democrata Independente da Alemanha. Retornou, no fim das contas, ao Partido Social-Democrata, onde tornou-se integrante do comitê editorial do comitê central. Com a ascensão dos nazistas ao poder em 1933, exilou-se em Praga, e de lá coordenou a corrente que se opôs a qualquer colaboração com o Partido Comunista da Alemanha. Por força da guerra, migrou para a França em 1938, para Portugal e depois para a Grã-Bretanha. Recebeu a cidadania britânica em 1945 e trabalhou como correspondente para vários jornais alemães até morrer num spa.
[19] Wilhelm Koenen (7 abr. 1886 — 19 out. 1963) foi um político comunista alemão. Inicialmente membro do Partido Social-Democrata da Alemanha, migrou em 1917 para o Partido Social-Democrata Independente da Alemanha. Saiu do partido para entrar no Partido Comunista da Alemanha, a cujo comitê central pertenceu. Deputado ao Reichstag entre 1920 e 1932. Foi demovido das posições mais importantes do partido por força de seu apoio a Ernst Thälmann, mas mesmo assim foi emigrado por ordens do partido para o Sarre, de onde fugiu para a França; entre 1935 e 1938 viveu na Tchecoslováquia, e em 1940 migrou para a Grã-Bretanha, onde ele e sua esposa Emmy Damerius, também militante comunista, foram classificados como “estrangeiros inimigos” e presos em campos de concentração na Ilha de Man e no Canadá até 1942. Fundou o movimento Alemanha Livre em 1943 em Londres, e em 1944 integrou-se à rádio clandestina Soldatensender Calais, voltada para a propaganda junto às tropas alemãs. Com o fim da guerra, voltou à Alemanha para refundar o Partido Comunista, e com a divisão da Alemanha em duas e com a subsequente fusão do Partido Comunista e da seção oriental do Partido Social-Democrata no Partido Socialista Unificado da Alemanha, integrou seu comitê central, a partir de onde exerceu vários cargos até sua morte.
Traduzido por Marco Túlio Vieira a partir de uma tradução anglófona disponível neste link, revisado e anotado pelo Passa Palavra. Este artigo faz parte do esforço coletivo de traduções do centenário da Revolução Russa mobilizado pelo Passa Palavra. Veja aqui a lista de textos e o chamado para participação.