O socialismo proletário aparece, portanto, diametralmente oposto ao dos trabalhadores intelectuais. Por Jan Waclaw Machajski
Uma curta biografia de Jan Waclaw Machajski (pronuncia-se “marráisqui”) pode ser lida aqui.
O desenvolvimento do modo de produção capitalista corresponde, segundo os ensinamentos clássicos, ao desenvolvimento da riqueza nacional, ao crescimento do “produto líquido da nação”, ao “lucro nacional líquido”.
Pela extensão deste último se medem o “poderio do país” e sua cultura; o “produto nacional líquido” representa um fundo que fornece, entre outros, a manutenção de todo o trabalho improdutivo, quer dizer, o constituído por toda a sociedade “cultivada”.
Pareceria que, quanto mais a fonte do lucro se dissimula, mais o “produto nacional líquido” deveria aparecer em evidência. Entretanto, o “socialismo científico”, com o auxílio das premissas teóricas examinadas precedentemente[1], trata a questão de outra maneira.
Nós não encontraremos em nenhuma das obras de Marx a categoria, estabelecida pelos clássicos, de “produto nacional líquido”. Desapareceu sem deixar vestígios.
O lucro, considerado enquanto fundo de consumo das classes privilegiadas segundo os ensinamentos marxistas, não existe senão como consumo de um “número relativamente escasso de capitalistas e de latifundiários” e não constitui mais do que a parte do valor que é arrancado da classe operária.
A parte restante é acumulada pelos capitalistas e se transforma em capital social constante, em uma quantidade sem cessar crescente de meios de produção, enquanto expressão da aspiração específica do capitalismo a um desenvolvimento ilimitado das forças produtivas, no que consiste seu aspecto progressista.
A riqueza do país não se exprime, pois, pelo crescimento do “lucro nacional líquido” enquanto fundo de consumo de toda a sociedade privilegiada, mas pelo crescimento das forças produtivas do país, sem ligação nenhuma com qualquer consumo que seja. Eis por que acontece muitas vezes que a riqueza nacional cresce, e o consumo “nacional” cai no sentido contrário. O capitalismo se encontra, desta maneira, por seu próprio aspecto progressista, em uma contradição gritante, que supõe sua queda inevitável.
Esta contradição original do capitalismo, entre a produção nacional e o “consumo nacional”, foi constatada pelo socialismo científico há muito tempo. Contudo, o capitalismo vive e prospera muito tranqüilamente apesar dela. O mais importante é que aqueles mesmos que profetizavam um rápido final ao capitalismo em razão desta contradição, convencem-se, à medida que o tempo passa, da viabilidade do capitalismo e chegam ainda a lhe prometer uma longa existência. As cabeças mais ativas, na Rússia, comprovam com frieza que não há a menor força capaz de abalar o regime capitalista (Beltov-Plekhanov). Os mais ardentes corações russos exclamam com êxtase: “o capitalismo levar-nos-á ao paraíso divino” (Novoié Slovo). Esta profecia é proclamada enquanto terríveis fomes assolam a Rússia. Aparentemente, os famintos ou não exprimem com precisão as contradições entre a produção capitalista e o consumo, ou então eles são ainda muito insignificantes e não atingiram o grau de desenvolvimento que os poria em condições de superar “o aspecto progressista das contradições do capitalismo”. Aqueles que o capitalismo negligencia de “levar ao paraíso divino” podem começar a questionar-se por que com eles a contradição capitalista “progressista” omite manifestar-se revelando sua “missão histórica”? Por que com eles não se evidencia a “fonte de mudança infatigável e incessante das formas sociais”?
Se a contradição capitalista é tão bem compensada por seu aspecto progressista, é porque aparentemente satisfaz os interesses reais de certas pessoas. O socialismo científico explica que o aspecto progressista do capitalismo consiste no desenvolvimento das forças produtivas até que elas se tornem incompatíveis com o regime capitalista; que este progressismo está ligado à criação de premissas para formas sociais mais justas. Conseqüentemente, este progressismo capitalista satisfaz, segundo as aparências, os interesses humanos em geral. Mas a humanidade ainda não chegou a um estado tal em que possa enxergar a ação desta classe de interesses. Até agora, somente os interesses das classes sociais constituem as forças reais.
O crescimento progressivo do capitalismo é impensável sem o crescimento da sociedade culta e da intelligentsia, do exército de trabalhadores intelectuais. Mesmo os que têm interesse em considerar esta classe como não possuidora, como um proletariado “instruído”, não podem dissimular o fato de a intelligentsia se aproximar, por seu nível de vida, à burguesia (Kautsky), quer dizer, que, tanto como a burguesia, usufrui uma renda privilegiada. É assim que o desenvolvimento do capitalismo determina o crescimento de uma “nova classe média”, que atinge desta forma um nível de vida burguês.
Na medida em que a contradição capitalista “progressista” observada pelos marxistas reconhece-se cada vez mais sem efeito, o proletariado poderá sempre, e em mais alto grau, tomar consciência de que esta contradição não leva o capitalismo a sua ruína, precisamente porque seu aspecto progressista satisfaz os interesses econômicos reais da sociedade culta. O lucro, obtido antecipadamente pelos capitalistas, não garante somente uma existência parasitária a um “punhado de capitalistas e de latifundiários”. Ele dá também a possibilidade de alcançar um nível de vida burguês a toda a sociedade culta, ao exército de trabalhadores intelectuais. A sociedade culta são os consumidores do “lucro nacional líquido”.
Na medida em que o proletariado tomar consciência deste fato, revelar-se-á essa força social que até aqui dissimulava sua natureza e esforçava-se em identificar-se com ele: a intelligentsia. O proletariado tomará consciência do fato de ter-se comportado com demasiada confiança para com essa força que, certamente, ataca com ele ao capital, mas persegue seus próprios fins. Isto ocorre porque a luta do intelectual exprime a exigência de uma partilha “mais justa” do lucro nacional em benefício da sociedade culta; partilha prejudicada por um punhado de plutocratas, de “industriais feudais”.
Esta luta exprime a aspiração de ter acesso a um nível social privilegiado na sociedade de classes, nível que sempre tem sido atribuído aos sábios e aos que detêm o saber. Quanto mais o proletário deixar de considerar o exército de intelectuais como “batalhões proletários” aliados, vendo-os como uma classe privilegiada de dirigentes, mais se modificará o ensinamento socialista que nasceu durante o período de total confiança para com o “trabalhador intelectual”. É evidente que durante certo período da luta, quando o inimigo era considerado como um amigo, a exploração da classe operária, o fundamento da dominação de classe, assim como os objetivos da luta, só podiam ser percebidos contanto que não afetassem os interesses especiais do trabalhador intelectual.
O socialismo científico destinou como sentido da luta proletária a transformação da produção mercantil em produção socialista, pela transferência da terra e de todos os meios de produção para a propriedade social.
O leitor poderá encontrar numerosas passagens em Kautsky, onde ele explica que o pensamento socialista, depois de longos percursos pelos labirintos da utopia, tem chegado à conclusão científica segundo a qual a supressão da exploração não exige mais que os objetos de consumo sejam subtraídos da esfera da propriedade privada, do modo como o pensava grosseiramente o comunismo primitivo, e que isto não concerne senão aos meios de produção. É necessário supor que, conforme esta concepção, o Manifesto comunista, que tinha proclamado a supressão pura e simples da propriedade privada em geral, não havia expressado a “meta final” em sua forma mais acabada.
Até que ponto esta fórmula leva em conta os interesses especiais do trabalhador intelectual? Evidentemente, não é necessário procurar a explicação direta desta questão na literatura de propaganda social-democrata destinada à classe operária. Esta literatura já tem suficientes méritos em saber dissimular aos olhos do proletariado os interesses específicos dos trabalhadores intelectuais, ignorando-os sistematicamente e propagando sermões sobre a ausência de vinculação dos intelectuais com a exploração existente, afirmando que a intelligentsia vive apenas da realização de sua força de trabalho intelectual, popularizando assim a doutrina abstrata de que age como fiadora da sociedade culta.
Entretanto, a fórmula “infalível” do socialismo científico não é outra senão aquela de Rodbertus. Este último prefere, é certo, utilizar a expressão: “transferência para as mãos do Estado da propriedade do capital”, em lugar de “transferência para as mãos da sociedade da propriedade dos meios de produção”; todavia, o leitor encontrará nele ambas as expressões. Pelo fato de que Rodbertus comenta a fórmula socialista a favor da sociedade culta, encontraremos nele indicações diretas sobre a satisfação dos interesses específicos do trabalhador intelectual que supõe esta fórmula.
Podemos ler na Segunda carta social, de Rodbertus: ”(…) o juiz, o médico, o professor (…) recebem uma renda pela qual eles não forneceram trabalho e que não constitui, sem nenhuma dúvida, o produto de seu labor. Mas todas estas pessoas recebem sua renda do que os economistas chamam a “segunda partilha das riquezas”, da renda dos que participam da “partilha primeira das riquezas”.
“Os primeiros percebem sua renda destes últimos, seja diretamente, seja por intermédio do Estado, em termos de remuneração de serviços penosos, úteis ou indispensáveis prestados à sociedade. Porém, há na sociedade pessoas que participam na partilha primeira de bens, que tiram sua renda sem participar na produção e sem fornecer nenhum serviço em contrapartida; (…) há entre eles o latifundiário que não faz nada em troca de sua renda, que não faz mais do que alugar sua terra a qualquer um, pois esconde em seu bolso a renda fundiária obtida. Há o capitalista que recebe igualmente uma renda confortável sob a forma de dividendos. O empresário pode mesmo dirigir sua empresa com a ajuda de um diretor que ele retribui para isso.”
Um social-democrata não pode menos que subscrever o estilo desta passagem; deve também reconhecer que o conteúdo dela traduz exatamente o sentido do programa de Erfurt, segundo o qual, na sociedade atual, não haveria outros “não trabalhadores” que os capitalistas e os proprietários fundiários.
Podemos perguntar a um socialista científico, que se queixa constantemente de que os capitalistas tenham excluído a intelligentsia do poder que detinha em outras sociedades, se ele nos pode indicar se isto seria algo a mais do que uma violação das regras da economia política por parte dos economistas capitalistas. Não, a imaginação daquele que protesta tão eloqüentemente contra a “humilhação dos intelectuais” – imaginação tão inflamada, tão sensível aos sofrimentos dos que, criados em lugares bem cômodos, não podem ocupá-los, por causa da anarquia da produção – não se alimenta senão de miragens, e será impossível ao socialista científico mostrar que os economistas capitalistas infringiram a economia política.
Eis como Rodbertus explicava à sociedade culta o papel da produtividade do trabalho, no seu primeiro estudo, em 1842:
“Quanto mais a soma da renda cresce (a mais-valia), mais um número importante de pessoas pode viver evitando o trabalho produtivo (no sentido puramente econômico), e se consagrar a outras atividades. Entretanto a amplitude da soma da renda depende do grau de produtividade do trabalho. Compreende-se, então, como os domínios superiores da vida nacional estão ligados à vida econômica. Quanto maior é a produtividade, mais rica será a vida espiritual e artística da nação e quanto mais fraca for a primeira, mais pobre a segunda será.”
Como esta passagem é eloqüentemente sincera e evita recorrer ao subterfúgio brumoso dos marxistas, segundo o qual da acumulação do lucro não se desenvolvem senão os meios de produção que não podem ser consumidos por ninguém.
Rodbertus, todavia, evita pôr em relação direta a renda com a vida espiritual da nação, pois a constatação desta relação poderia suscitar nos leitor a representação do quadro seguinte, despojado de todo ornato: quanto mais o lucro nacional seja elevado, mais aumenta o fundo de consumo da sociedade culta privilegiada. Poder-se-ia compreender que não apenas os capitalistas estejam interessados em ampliar o lucro, mas também toda a sociedade culta; que o operário não é somente explorado com o intuito de permitir a vida ociosa de um punhado de capitalistas, mas também de permitir a existência parasitária de toda a sociedade culta, produtora de “bens imateriais”; que o nível de vida do operário se reduz ao simples meio de sobrevivência para que os “trabalhadores intelectuais” não encontrem nenhum limite para a “realização”, sob a forma de ganhos, de seus “talentos e capacidades especiais”; que o operário não pode se beneficiar dos frutos do crescimento da produtividade de seu trabalho, pois este crescimento não deve favorecer senão o conforto da vida da sociedade culta privilegiada.
Sob pretexto de que todas as discussões sobre a “ordem futura”, fora da exigência geral de transferência, para o controle da sociedade, da terra e dos meios de produção, seriam cogitações utópicas, a social-democracia rejeita todo exame, não somente de detalhes dessa “ordem futura” (tal ocupação é evidentemente improdutiva a seus olhos), mas também de todo estudo do “princípio justo” que a sociedade culta “socialista” quer estabelecer com base na próxima socialização da terra e dos meios de produção. Encorajam os operários a assumir os belos sonhos da “ordem futura”, mas para eles e em seu foro íntimo, de fato, a sociedade culta “socialista” estreita sem interrupção seus planos socialistas, seu ideal “socialista” conforme seus próprios interesses, para assim chegar a um “ideal científico”. Nós já lembramos que a exigência do Manifesto – a supressão da propriedade privada – é reduzida, com o desenvolvimento do socialismo científico, apenas à exigência da socialização dos meios de produção. Não é porque um sábio não social-democrata, como Rodbertus, reconheça indispensável esta socialização, que este ideal chega a ser indubitavelmente científico. Rodbertus que, a julgar pelo que nós lemos antes, aplaudiria fortemente Deville, quando este declara na Câmara de Deputados, em 1897, que há calúnias revoltantes propaladas a respeito dos socialistas, calúnias que lhes imputam o desejo de suprimir a propriedade privada. Rodbertus que, sem nenhuma dúvida, teria feito sua a seguinte declaração de Kautsky em sua Questão agrária: “O propósito da social-democracia não é suprimir a propriedade privada, mas suprimir o modo de produção capitalista. Ela não almeja a supressão da primeira, a não ser na medida em que esta não é outra coisa que um meio para a supressão do segundo.”
“A propriedade hereditária é tão sagrada como a propriedade individual.” O regime socialista de Rodbertus considera esta instituição como eterna para a sociedade humana, e faz dela seu ponto final. Por ocasião da socialização completa dos meios de produção, todos os capitais privados desapareceriam, mas só para converterem-se em capital social nacional. O que quer dizer: as pessoas privadas transmitem ao Estado seu direito de levar uma parte do benefício do seu capital; isto é, que a função de manter o salário operário ao nível de subsistência dos meios de vida necessários para a manutenção de sua força de trabalho é reservada agora à vontade da classe dominante, organizada em lei do Estado; vontade do Estado, da qual, até aqui, os mandatários eram os capitalistas privados. A substituição constante do capital social supõe a presença permanente, nas mãos da classe dominante erigida em Estado, da soma da riqueza produzida em cada momento, dedução feita do salário dos “produtores de bens materiais”, quer dizer, da soma que aumenta sem cessar simultaneamente com o crescimento da produtividade do trabalho.
Portanto, não há mais nesta sociedade nem capitalistas, nem assalariados; “toda possibilidade de exploração é suprimida”. A sociedade dirigente não está mais composta agora de operários, mas de operários “intelectuais”, que não têm de agora em diante nenhum outro meio de obter sua renda senão despendendo “sua força de trabalho”. Esta força de trabalho, explica Kautsky, é seu saber, seus “talentos e capacidades especiais”. Ela tem um custo do qual a economia política vulgar não ousa mesmo falar; é uma força de trabalho que não pode ser “submetida à avaliação”.
A propriedade individual é sagrada, pois a soma de rendimentos percebidos pelo trabalhador intelectual em virtude da realização de seus “talentos e capacidades especiais” não pode ser mais do que inviolável. O desenvolvimento da técnica aumenta a renda nacional, a qual é distribuída “por vontade do povo” no seio da sociedade culta, sob a forma de “honorários e salários elevados”, criando assim toda uma hierarquia de empregos do Estado.
A herança é sagrada. Em qualquer parte, um sentimento elementar inato no homem obriga-o a se ocupar de sua descendência; também a sociedade culta transmitirá todos seus conhecimentos, seus talentos e capacidades a seus descendentes. Rodbertus não duvida. Muito pelo contrário, os outros milhões de indivíduos reproduzirão descendentes que serão, já por natureza, privados de talentos e capacidades, ignorantes e completamente “incapazes de prestar serviços não materiais à sociedade”. Todos estes milhões de indivíduos serão somente capazes, de geração em geração, de realizar um trabalho manual, de trabalhar e de se extasiar diante de grandes talentos e gênios que nascerão unicamente entre a alta sociedade dominante; eles se encontrarão condenados pelas suas vidas a um labor servil e mecânico.
O objetivo da luta proletária internacional é a supressão da base de dominação moderna, que o socialismo científico reconhece como sagrada; da base econômica da sociedade de classes que transmite a herança da humanidade às mãos da sociedade culta dominante, permitindo-lhe legar, de geração em geração, unicamente a sua descendência, a ela entregando-lhe a detenção de todos os conhecimentos humanos, de toda a civilização e de toda a cultura, quando milhões de outros homens se transformam em escravos hereditários, condenados ao trabalho físico forçado.
Através de sua conspiração mundial e de sua ditadura, o proletariado se apossará da máquina estatal, não para sair das dificuldades do regime atual e salvá-lo da anarquia e da bancarrota, este regime que não pode superar os quadros estreitos da propriedade das forças produtivas… O proletariado aspirará a apossar-se do poder para tomar os bens da sociedade culta dominante, do mundo dos doutos; para arrancar das mãos desta minoria a herança da humanidade. Pois, suprimindo a propriedade familiar hereditária, assim como todos os fundos e meios de instrução, dedicará todos os bens confiscados à organização da instrução social, à “socialização dos conhecimentos”. É por meio desta conquista, realizada mediante a “violação despótica por parte do proletariado do direito de propriedade privada”, mediante a manifestação violenta de sua vontade, que o proletariado irá suprimir a lei fundamental do regime de classes, defendido por exércitos numerosos, em nome da qual todos os membros da minoria privilegiada são predestinados, antes mesmo de nascer, para a dominação, enquanto os descendentes da maioria oprimida são condenados à escravidão.
A transferência dos meios de produção para as mãos da sociedade, sem nenhuma violação de todos os outros direitos de propriedade, parece ser o ideal socialista dos “trabalhadores intelectuais”, da sociedade culta. É a este ideal que a social-democracia reduz o sentido da luta proletária, transformando assim seu socialismo em um socialismo de Estado.
O “ideal socialista científico”, segundo as afirmações da sociedade culta socialista, está agora já em condições de se realizar nas democracias ocidentais, sob o aspecto da “municipalização” e da “nacionalização” das empresas que “rendem mais benefícios” e que são já “possível de se gerir pelo Estado”, ou bem que, como dizem os marxistas, estão “preparadas pelo próprio regime capitalista” para a economia socialista.
A social-democracia marxista ortodoxa rejeita as diversas nacionalizações isoladas na Alemanha, pois neste caso preciso, segundo diz, elas não “servem mais do que às finalidades do fisco” e “concentram nas mesmas mãos o jugo político e econômico”, não fazem senão reforçar o regime atual. Mas em países tais como Inglaterra, Suíça, as “nacionalizações isoladas” enfraquecem indubitavelmente a ordem existente, seu jugo e exploração (cf. os artigos de Kautsky em Neue Zeit, em 1893, sobre o socialismo de Estado). Lá, não há lugar para um socialismo de Estado, como nos afirma o marxista ortodoxo; e é necessário considerar as nacionalizações e municipalizações, que se realizam hoje nas “verdadeiras democracias”, como a marcha inicial da “socialização progressiva dos meios de produção”.
Mais precisamente, a prática das nacionalizações contemporâneas na França, na Inglaterra, na Suíça, mostra que quanto menos os operários se exaltam por este “socialismo”, quanto mais se comportam com indiferença com respeito à conquista destas “manchas socialistas”, mais isso lhes é benéfico, pois eles podem obter maiores concessões reais por parte de seu novo patrão (a nação, a prefeitura), que, instalando-se em nome da vontade do povo, tem uma forte necessidade, no começo, dos votos operários. Pois, uma vez instalado, ele se faz tão inacessível como o proprietário precedente.
As “nacionalizações isoladas” reforçam tanto o regime de classes existentes na Suíça como na Alemanha. Elas significam aqui e acolá a mesma coisa: a transferência da fonte de lucro de mãos privadas à nação, quer dizer, à sociedade privilegiada; ou seja, o fortalecimento do capital e a exploração, protegidos agora por um novo senhor direto: a “voz do povo”.
Se a social-democracia estima que o fato de “nacionalizar” constitui na Alemanha um trunfo favorável ao fisco, e provoca na Suíça a diminuição da exploração, é somente porque na Alemanha a renda do Estado, aumentada por esta nacionalização, passa antes de mais nada pelos bolsos das altas esferas da sociedade privilegiada; na Suíça, esta renda é distribuída “com mais justiça” entre toda a sociedade culta privilegiada. É por esta única razão, segundo os ensinamentos de Kautsky, que uma mesma reforma pode reforçar o regime de classes na Alemanha e miná-lo na Suíça.
A social-democracia declara que na democracia não há mais lugar para um socialismo de Estado como o de Rodbertus, ou em outros termos, que a prática socialista da social-democracia somente coincide com a prática do socialismo de Estado nos Estados democráticos (cf. a resposta de Kautsky a Vollmar). Isto significa que o socialismo da social-democracia é um socialismo de Estado que se realiza em democracia. É o que confirmam, por sua prática, os marxistas ingleses, franceses e suíços, quando rejeitam todo meio ilegal de luta e formulam seu objetivo como a estatização progressiva dos ramos separados da produção, na medida do possível, e na medida em que a produção se concentra. Eles atraem assim para suas fileiras, os liberais, os socialistas chauvinistas e os contra-revolucionários declarados como os fabianos, criando com todos estes elementos uma social-democracia “puramente proletária”.
Na medida em que a social-democracia torna seu “ideal socialista” cada vez mais “científico”, este ideal se manifesta mais e mais como a “distribuição socialista” da renda nacional entre os membros de toda a sociedade culta, do exército de trabalhadores intelectuais.
Os operários não separam este ideal da realidade de seus próprios interesses de classe. O movimento proletário não defende senão as pessoas condenadas ao trabalho físico servil. Sua meta é a emancipação. O socialismo proletário aparece, portanto, diametralmente oposto ao dos trabalhadores intelectuais, que consiste em socializar o capital, em transformá-lo de privado, que é, em capital socialista, nacional, em capital constante social.
Notas
[1] Premissas teóricas expostas por Makhaïski em sua primeira obra: A evolução da social-democracia.
Trecho da obra A evolução da social-democracia, este artigo foi traduzido por Horácio González, revisado por Heitor F. da Costa, Aníbal Mari e José E. Andrade e publicado originalmente na coletânea Marxismo heterodoxo organizada por Maurício Tragtenberg (São Paulo: Brasiliense, 1981). Este e outros escritos de Jan Waclaw Machajski jamais foram reeditados em língua portuguesa. Este artigo faz parte do esforço coletivo de traduções do centenário da Revolução Russa mobilizado pelo Passa Palavra. Veja aqui a lista de textos e o chamado para participação.