Cabe perguntar àqueles que se engajaram nas manifestações: que memória iremos construir sobre 2013? Por Passa Palavra
Há 5 anos ocorreram mobilizações da classe trabalhadora que tomaram as ruas do país e escaparam, ainda que momentaneamente, das formas de controle estabelecidas anteriormente. Desde o início daquelas mobilizações o Passa Palavra foi um canal de divulgação das lutas, de reflexão e também de crítica sobre elas.
Os momentos das efemérides servem para voltarmos os olhos para as experiências passadas de luta e analisá-las, mas também para construir a memória sobre estes eventos. Para nós está claro que a memória de junho de 2013 está em disputa e que se por um lado os capitalistas que estavam no poder tentarão colocar as manifestações como algo conservador que destruiu o grande avanço do Brasil, por outro lado os capitalistas que estão no poder construirão a memória de uma grande manifestação cívica que permitiu o combate à corrupção no país.
Cabe perguntar àqueles que se engajaram nas manifestações, aos que estiveram nas ruas, aos que organizaram pessoas na sua escola, aos que se mobilizaram no trabalho, aos que fizeram assembleias no bairro, aos que ocuparam as câmaras, aos que enfrentaram a polícia, aos que reduziram a tarifa em mais de 100 cidades, aos que participaram da centena de ocupações que ocorreram em agosto; que memória iremos construir sobre 2013?
Para construir esse Especial fazemos um convite para que as pessoas nos enviem suas reflexões, críticas e análises sobre 2013, refletindo sobre as implicações daquela mobilização nas lutas que fazemos, mas também que enviem seus relatos sobre aquele ano, suas histórias não contadas, pois é da experiência concreta dos trabalhadores e trabalhadoras em luta que iremos produzir uma análise precisa da realidade.
Em resposta a uma mensagem enviada por um amigo, escrevi o seguinte:
A situação actual no Brasil parece-me corresponder ao modelo típico de uma situação pré-fascista: 1) as movimentações da classe trabalhadora estão desorganizadas e fraccionadas; os partidos de esquerda estão descaracterizados ou caíram numa completa degenerescência burocrática; os movimentos sociais ou se converteram em meros lobbies, grupos de pressão, como sucedeu com o MST, ou degeneraram para grupos fechados e dominados por um feminismo excludente, ou degeneraram da defesa étnica para uma verdadeira afirmação de racismo, só que de sinal inverso, o que aliás aumenta a gravidade da situação; não existem figuras anticapitalistas com credibilidade junto às massas; uma figura gerada na esquerda, o ex-presidente Lula, mantém prestígio não como líder de esquerda mas segundo o velho padrão do caudilho latino-americano; 2) as instituições políticas representativas, quero dizer, tanto o poder legislativo como o executivo, estão de rastos e são desprezadas por toda a gente; 3) as únicas instituições que gozam de alguma credibilidade são uma parte do poder judiciário e das forças armadas, ou seja, precisamente aquelas instituições que não são directamente representativas, quero dizer, que não resultam de eleições; 4) nesta crise que atingiu todo o sistema da democracia representativa existe um único quadro de estabilidade e de normalidade institucional, que são as empresas capitalistas; ou seja, para empregar os meus termos, a crise do Estado Restrito reduziu-o à componente directamente repressiva e a estabilidade do capitalismo brasileiro passou a assentar no Estado Amplo.
Ora, nesta situação tipicamente pré-fascista falta uma peça indispensável, um movimento fascista. Porém, até agora as situações históricas têm criado os seus próprios instrumentos e, assim, ou o Brasil cumpre a sua vocação de anomalia ou surge rapidamente um movimento fascista. Não obrigatoriamente um movimento fascista clássico, mas qualquer movimento que, de uma ou outra forma, articule os grandes componentes do fascismo: o desprezo pelas instituições representativas; o enaltecimento da ordem anti-representativa (militares e judiciário); um instinto de revolta; o ímpeto de descer à rua e transformar as manifestações em movimentos de arruaceiros; a promoção de novas elites. Se esta minha análise for exacta, então o que falta neste momento no Brasil não é cada um destes elementos de fascismo considerado isoladamente, pois todos eles se manifestam, embora separados, ou parcialmente separados. O que falta é apenas um movimento que os conjugue todos.
Parece-me que a Rede, da Marina Silva, é o movimento mais bem posicionado para exercer essa função. Aliás, a sua base ecológica facilita-lhe essa conversão, porque lhe permite situar-se acima da esquerda e da direita, o que é a pretensão obrigatória de qualquer movimento fascista.
Você pergunta-me como é possível que «um articulista que veio da esquerda e se diz de esquerda, tendo alguma inserção nos meios de esquerda autonomista, clame que a esquerda adira às manifestações anticorrupção da direita». Mas, meu caro, é esse mesmo o processo de gestação do fascismo. Desde o papel decisivo dos sindicalistas-revolucionários na formação do fascismo italiano, este processo tem-se repetido sempre e sem ele não existe fascismo nem sequer perigo de fascismo.
Que obstáculos se erguem actualmente a uma reorganização do fascismo no Brasil? 1) Se o ex-presidente Lula conseguir candidatar-se e ganhar as eleições teremos um caudilhismo a converter-se numa imagem simétrica do peronismo, ou seja, como várias vezes sucedeu na década de 1930, um fascismo ou para-fascismo a servir de obstáculo a um fascismo. O diabo que escolha. 2) Se os partidos da democracia representativa conseguirem manobrar e prolongar a situação existente, o resultado será o prolongamento da fase pré-fascista, o que poderá ter uma de duas consequências: a) permitir a formação e o reforço de um movimento fascista sólido e coeso, ou b) agravar os factores de divisão nas componentes do fascismo e dar início a um novo período de estabilidade da democracia representativa.
Neste quadro há um actor mudo, e que aliás nem sequer entra agora no palco: a movimentação anticapitalista da classe trabalhadora. Como sempre sucedeu, o fascismo, e mesmo o perigo de fascismo, só desponta depois de o movimento anticapitalista se ter desarticulado. Quando o Passa Palavra, em Agosto de 2010, publicou o artigo «Entre o Fogo e a Panela: Movimentos Sociais e Burocratização» ( http://passapalavra.info/2010/08/27717 ) estava a deslindar o fio que levou a esta meada.
Acho que os elementos para propiciar esse passo da situação pré-fascista a um fascismo no Brasil estão menos presentes hoje do que um ano atrás ou mais. Ou pelo menos a possibilidade de um ator, como a Rede ou outros servirem para untar os elementos.
A revolta pequeno-burguesa anticorrupção arrefeceu, por exemplo, que era o ponto principal onde aparecia uma possível ponte entre elementos e características vindos da esquerda e da direita.
Parece-me que um hipotético novo governo do Lula (a probabilidade de deixarem ele se candidatar e mesmo se isso ocorresse não fraudarem as eleições acho praticamente desprezível) dificilmente seria um para-fascismo. Bem, se é que apreendi o que você quer dizer com o termo. Vejo Lula tentando simplesmente se manter no poder tentando repetir o governo de conciliação como antes (mas com uma correlação de forças muito pior e uma burguesia que não tem motivo para conciliar já que não há por que ceder se não há força do outro lado). Se considerarmos os primeiros mandatos do Lula como a social-democracia possível no Brasil, um terceiro mandato nas atuais condições acho que seria um simulacro de social-democracia, ou a repetição da história como farsa.
Aliás, já que o assunto é junho de 2013:
“Aqueles meses, em que os trabalhadores ultrapassaram a direcção do PSI e dos sindicatos, sem conseguirem, por outro lado, organizar de maneira estável a sua iniciativa própria, serviram afinal para reforçar a penetração social do fascismo e o seu radicalismo de actuação. Foi este o terreno da vitória de Mussolini.” (João Bernardo – Labirintos do Fascismo)
UM ALIÁS NO ALIÁS
ou secundando Leo Vinicius
João Bernardo – Labirintos do Fascismo (3ª edição, recém saída do forno).
Baixar aqui: https://vosstanie.blogspot.com.br/2018/02/labirintos-do-fascismo-3-versao-joao.html
Caro João Bernardo,
Concordo contigo que “A situação actual no Brasil parece corresponder ao modelo típico de uma situação pré-fascista”. Porém, tenho algumas dúvidas e gostaria de sua opinião, se possível.
Em Labirintos do Fascismo, você diz que “Os partidos fascistas só chegaram ao poder quando a articulação do eixo radical com o
eixo conservador se efectuou numa conjuntura de bloqueio ao desenvolvimento económico” e que “Neste contexto de bloqueio ao desenvolvimento económico distingo três tipos de situações” e as explica. No caso do Brasil, você diz que recorreu “ao fascismo para criar um sistema de
economia organizada, que lhes permitisse proceder a um arranque industrial sustentável”.
Minhas dúvidas são as seguintes:
Se o capital encontra-se hoje muito mais transnacionalizado que no período entre guerras e que, na verdade a economia “real” (pois ocorre, em grande parte, no próprio interior das grandes corporações e não entre Estados) está muito mais no âmbito e no controle do Estado Amplo, os três tipos de situações que você explica em Labirintos do Fascismo explicariam hoje este pré-fascismo, não só no Brasil, como em outros países que, inclusive, possuem instituições políticas e sociais de caráter explícita ou implicitamente fascista?
E já que este capital é transnacionalizado, os “desenvolvimentos” e “não desenvolvimentos” não estariam, mais do que nunca, “combinados”, sendo na verdade, os dois lados de uma mesma moeda?
E, como entender “a revolta no interior da coesão” se o poder econômico e político (e, talvez, até mesmo o social) já é amplamente detido pelas grandes corporações, sendo elas a própria personificação do totalitarismo?
E, por fim, uma curiosidade. Gostaria de saber sua opinião sobre se o momento histórico em que vivemos seria o momento de transição para um novo modo de produção, como defende, por exemplo, Immanuel Wallerstein, que diz que nenhum sistema é para sempre (o que, também, não significa, obrigatoriamente, que será o proletariado a implantar este novo sistema…). Sendo assim, diante de tantas “uberizações” e afins (desenvolvimento das forças produtivas), não poderia ser uma “emancipação” da burguesia em relação ao proletariado?
Obrigado!
Caro Padaqui,
Quando afirmei que a conjuntura de bloqueio ao desenvolvimento económico foi uma condição necessária, embora não suficiente, para a instauração de regimes fascistas estava a referir-me à época clássica do fascismo, que durou desde Mussolini até Perón. No último capítulo do Labirintos do Fascismo, 3ª versão, procurei reflectir sobre o que poderá ser um fascismo hoje, com que rosto aparecerá a articulação entre o eixo radical e o eixo conservador, ou mesmo como se apresentarão esses eixos. É a esta luz, e na perspectiva do que lá escrevi sobre a ecologia e os movimentos ecológicos, que tendo a dar à Rede um papel de destaque.
Mas existem outros indícios perturbantes. Leo Vinícius escreveu, num comentário, que «a revolta pequeno-burguesa anticorrupção arrefeceu, por exemplo, que era o ponto principal onde aparecia uma possível ponte entre elementos e características vindos da esquerda e da direita». O Leo tem possivelmente razão, até porque as pessoas não podem sair indefinidamente à rua todos os dias pelo mesmo motivo. Mas agora peço-lhe que leia a pág. 1365 da 3ª versão do Labirintos (o pdf anda por aí na internet). Esta transformação de um movimento social num movimento racial e racista, que retoma e prolonga um dos quadros de pensamento e de acção do nacional-socialismo, é uma nova «ponte entre elementos e características vindos da esquerda e da direita». E é uma ponte muito perigosa e cujo trânsito, se não me engano, foi aplaudido por grande parte da esquerda.
O mesmo ocorre com a proliferação de identitarismos, e é sobretudo neste plano que eu vejo os efeitos da transnacionalização que você menciona. É certo que as fronteiras nacionais, se praticamente deixaram de existir para os investimentos e os fluxos financeiros, não desapareceram no mercado de trabalho. Por isso os únicos a desfraldar hoje as bandeiras do nacionalismo são os trabalhadores, sobretudo os mais mal pagos e menos qualificados, que sofrem com a concorrência da mão-de-obra estrangeira, ainda mais mal paga. Esta situação não é sensível no Brasil, a não ser talvez relativamente aos bolivianos, mas explica muito da situação política actual na União Europeia e nos Estados Unidos. O que é visível no Brasil é a face supranacional, e é ela que explica a proliferação de presumidas identidades entre os profissionais qualificados, maioritariamente com formação universitária. Essas presumidas identidades são o equivalente dos nacionalismos numa época de transnacionalização.
Ora, como o identitarismo deixou de lado a questão da exploração, ele integrou-se com toda a facilidade no quadro totalitário das grandes empresas, tal como você indicou. Remeto para a pág. 1372 do referido pdf e para o que lá observei a propósito de Reinhard Höhn.
Agora você pergunta-me se nessa economia transnacionalizada a crescente uberização da força de trabalho não poderá indicar a gestação de um novo modo de produção. Neste tipo de questões não convém ter certezas, é preferível deixar pairar dúvidas e manter hipóteses em aberto, porque os caminhos da história são inesperados. De outro modo não haveria história. Mas eu tendo a considerar a uberização como mais um prolongamento de um processo que se iniciou com o toyotismo, e que nem sai do capitalismo nem o ultrapassa; pelo contrário, leva-o mais longe. Onde encontro os indícios de um novo modo de produção é nas teorias do decrescimento económico, na generalidade da ecologia e, especialmente, entre os promotores da agricultura orgânica. Tratar-se-ia de um modo de produção não capitalista porque não é conduzido pelo aumento da produtividade nem pela busca da mais-valia relativa. E tratar-se-ia de um modo de produção incomparavelmente mais bárbaro do que o capitalismo. Mas sobre esta questão e a forma como ela retoma o sistema económico e social implantado pelos SS nos territórios ocupados da União Soviética durante a segunda guerra mundial, e de certo modo também nos campos de trabalho forçado da União Soviética, remeto para o Labirintos do Fascismo, porque é impossível explicar-me no espaço de um comentário.
A minha apreensão quanto a uma situação pré-fascista no Brasil não vem só de os coxinhas descerem à rua a reclamar contra os corruptos e empregarem para isso as mesmas formas de mobilização que os movimentos sociais antes empregaram. Vem do facto de a generalidade dos movimentos sociais estar a repercutir temas que se geraram na extrema-direita e no fascismo. Outro dia, em conversa com uma velha camarada, quando eu lastimei a forma como a esquerda actual se apresenta, ela observou: Mas nós é que lhes chamamos esquerda; eles não se designam como esquerda nem se consideram esquerda. E a minha amiga tem razão. Eles não são esquerda nem assim se consideram, mas ocuparam o espaço que antes era detido pela esquerda. Creio que é a esta luz que devemos reflectir sobre o perigo do fascismo.
Caro João Bernardo,
Lendo o tópico “1. O que poderá ser o fascismo hoje?” que você recomendou, uma das passagens que acredito sintetizar o momento atual é esta na p. 1364: “Antes de mais, a negação do determinismo pela apologia da vontade, a dissolução do conceito de exploração através de uma noção de poder tão difusa que abarca tudo, o primado atribuído à política sobre a economia, a conversão de uma nação ou uma etnia num postulado ideológico, foram estes os impulsos geradores do fascismo e são eles que passaram a definir o horizonte da esquerda pós-moderna”. Acredito eu, por talvez ser um tanto caduco, no que disse Engels: “o fator determinante, em última instância, na história é a produção e a reprodução da vida imediata”… De um modo geral, a economia, tanto “nas direitas” quanto “nas esquerdas” (ou “nas quebrada” como diriam alguns), é relegada, quando não simplesmente rejeitada, na explicação dos fenômenos sociais e políticos.
Em Economia dos Conflitos Sociais, você diz: “(…) ocorre a completa integração da produção de força de trabalho no capital, os trabalhadores não oferecem no mercado a sua mercadoria, o valor de uso da sua força de trabalho, porque desde o início os capitalistas já a detêm”. Este, para mim, é um dos conceitos mais importantes de sua obra. Por isso pergunto:
Se a premissa maior do capitalismo é o maior lucro possível com o menor custo e num menor tempo (no caso da mais-valia relativa), e a “uberização” vai justamente ao encontro desta premissa, pois representa justamente uma forma de desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, como fica esta força de trabalho previamente detida pelo capital, pois segundo alguns economistas, o sistema capitalista não consegue mais reabsorver (ou mesmo prestar assistência) esta mão de obra dispensada em razão do desenvolvimento das forças produtivas e o Estado Restrito, por estar se tornando um estado mais restrito ainda, muito menos?
Penso eu que nem mesmo a economia identitária, essência real do identitarismo, haja visto os “mercados” e “mercadorias” das várias “causas”, ainda que em franca expansão e SEMPRE produzidas sob o modo de produção capitalista, parece não ser capaz de aproveitar toda essa força de trabalho excedente, é bom não esquecermos, já previamente detida pelos capitalistas. Enfim, se as condições para um novo modo de produção parecem incertas, menos incertas parecem as condições propícias para se firmarem os fascismos, seria isso, caro João Bernardo?
Meus sinceros agradecimentos,
Padaqui
Tenho muitas dúvidas sobre o capitalismo não ser capaz de aproveitar a força de trabalho excedente, de que fala Padaqui. O chamado setor de serviços é muito plástico e sempre surgem novas atividades a serem exercidas por assalariados, seja ou não o tal “precariado”, tanto faz. Além disso a lógica do empreendedorismo de si mesmo está arraigada nos indivíduos de modo a capitalizar a subjetividade e criatividade humana num nível ainda mais profundo do que sonharam os formuladores do toyotismo. Tudo isso resulta em novas profissões, novas atividades, novos ramos, novas formas de fazer capital o que antes eram atividades gratuitas, efêmeras, esparsas, embutidas noutras profissões enquanto trabalho extra não especializado e não remunerado (ou remunerado “por tabela”). Basta pensar em tudo que envolve escoamento de mercadorias e, mais ainda, tudo que está ligado aos aplicativos e à internet para se ver que trata-se de virtualmente infinitas possibilidades de absorção lucrativa de força de trabalho. Claro, num sistema altamente modernizado “população sobrante” sempre haverá, e é para ela que estão voltados os fuzis das forças armadas do Estado restrito e amplo.
Já acerca da uberização enquanto tendência do processo de trabalho/valorização no capitalismo “atual”, um ano atrás um bom artigo rendeu um bom debate neste site: http://passapalavra.info/2017/02/110685.
Caro Padaqui,
Interessou-me particularmente o que você escreve no 2º § do seu último comentário. Com efeito, essa noção de que os capitalistas (burgueses e gestores) já detêm desde início a força de trabalho dos trabalhadores é para mim central e decorre em linha recta do modelo que eu apresentara vários anos antes, em 1977, no Marx Crítico de Marx, de que a apropriação da mais-valia é anterior à sua distribuição. Neste modelo a mais-valia é apropriada pelo conjunto dos capitalistas e só em seguida é repartida entre eles. Posteriormente, o conceito de Estado Amplo prolongou estes dois temas, ou melhor, resultou de uma releitura de Saint-Simon na perspectiva de que o conjunto dos capitalistas detém desde início o conjunto da força de trabalho dos trabalhadores.
Aliás, a este respeito, cabe recordar que nesse livro, Marx Crítico de Marx (vol. II, págs. 197 e segs.), eu apresentei o gangsterismo como modelo da repartição da mais-valia, o que talvez ajude a interpretar de maneira não moralista a actual conjuntura brasileira.
Mas, regressando ao seu comentário, estou inteiramente de acordo com a observação que lhe fez o Pablo Polese. A internet e tudo o que a electrónica permite são um campo novo, do qual não vislumbramos os limites. Aliás, se a categoria «serviços» já estava ultrapassada, agora ela é inteiramente inadequada a este novo campo.
E é precisamente porque os capitalistas detêm desde início a força de trabalho dos trabalhadores e, portanto, se apropriam da mais-valia antes de a repartirem entre eles, que existem as condições institucionais para a uberização de um número crescente de profissões. Se já no toyotismo os capitalistas podiam beneficiar de economias de escala sem para isso precisarem de concentrar os trabalhadores num mesmo lugar (como sucedera no taylorismo), agora com a uberização esse processo ficou muito mais vasto e alcança muito mais longe. Dispersão física e concentração económica. Se aceitarmos a noção de revolta na coesão, a concentração económica é o actual terreno da coesão, e a dispersão física é o actual terreno da revolta.
Nestes termos, como pensar o fascismo hoje? É doutrina aceite pelos estados-maiores que uma nova guerra mundial, se ocorrer, começará por um ataque cibernético; o uso da internet parece ter-se convertido na arma mais engraçada da nova Guerra Fria; as redes sociais tornaram-se um dispositivo indispensável para as mobilizações políticas; as campanhas de insultos conduzidas nas redes sociais substituíram as milícias, com uma eficaz talvez maior — é neste novo terreno que devemos examinar o que poderá ser um fascismo hoje.
SÍSTOLES & DIÁSTOLES 4u2
”Quando o processo histórico se interrompe… quando a necessidade se associa ao horror e a liberdade ao tédio, a hora é boa para se abrir um bar.” W. H. Auden (citado por Antônio Callado, como epígrafe de seu livro “Bar Don Juan”, lançado em 1971)
“Quando alguém se encontra do lado [mesma opinião] da maioria, eis uma hora boa para fazer uma pausa e refletir.” Mark Twain
Caros Pablo Polese e João Bernardo,
Como sugere Ulisses, “Quando alguém se encontra do lado [mesma opinião] da maioria, eis uma hora boa para fazer uma pausa e refletir.” Feita minha pausa e refletindo, estou de acordo com vocês. A charge publicada aqui no Passa Palavra vai neste sentido:
– Quando se pensa que o capitalismo se vai extinguir, ele adapta-se e evolui, ficando ainda mais cruel.
– O Darwin não prestou a devida atenção neste bicho…
O “mercado” identitário é um bom exemplo disso. Há uma “esquerda” entusiasta contumaz do “empreendedorismo” identitário. Salvo engano, o lucro, ainda que “igualitariamente” divido entre os “companheiros”, não muda sua natureza, e continua sendo lucro, portanto… eis a evolução… será?
Porém, o que na verdade mais me questiono é se todas essas novas formas de exploração ou formas de exploração aperfeiçoadas não estariam a apontar justamente um novo modo de produção, nos termos postos por Marx: “A universalidade para a qual o capital tende irresistivelmente encontra barreiras em sua própria natureza, barreiras que, em um determinado nível de seu desenvolvimento, permitirão reconhecer o próprio capital como a maior barreira a essa tendência e, por isso, tenderão à sua superação por ele mesmo” (MARX, Karl, Grundrisse, Boitempo PDF, p. 543)?
Por exemplo. Estes aplicativos de compartilhamento de (variados) bens. Eles, embora empreguem uma tecnologia mais avançada, possibilitando reduzir custos e aumentar a produção e, portanto, aumentar a mais-valia relativa, na cadeia geral de produção, eles não estariam reduzindo a produção global (justamente a produção global de todos aqueles bens objetos de compartilhamento)? Mesmo que se leve em conta a ampliação da produção gerada no setor destes aplicativos (aparelhos de informática, telecomunicação, energia, manutenção, etc, e a respectiva mão de obra aí empregada), o resultado “contábil” na cadeia geral de produção não poderia ser negativa (posto que a tendência seria justamente a redução da produção destes bens a serem compartilhados?
Posso até estar delirando, mas chego a pensar que essa modalidade de consumo (posto que estes aplicativos de compartilhamento são, além de uma forma de produção, também uma forma de consumo) acontece justamente porque a massa de trabalhadores (ainda que o alcance sobre essa massa no seja total, mas parece tender a se expandir) está cada vez mais a receber menos, embora trabalhe cada vez mais (tanto em intensidade de trabalho, quanto em tempo de trabalho), não conseguindo mais adquirir aqueles bens que agora ele se vê induzido ou obrigado a compartilhar; ou para fazer “render” mais seu salário, já que, como seu salário real não aumenta, ao consumir “frações” dos bens que compartilha, ele estaria ampliando o conjunto do seu consumo… Para o capitalista significa lucrar mais com menos. Mas até que ponto?
Obrigado a todos!
Acho que o ulisses kurziou o mouse para JB (the One) e eu (the second violin) tomarmos uma bebida no bar recém-aberto.
Nesse sentido Padilá significou o tiro saindo pela culatra, para além do bem e do mal.
Agora vou tomar uma dose, afinal ulisses é sábio. http://passapalavra.info/2013/01/70252
Caros
PADAQUI dixit: “Porém, o que na verdade mais me questiono é se todas essas novas formas de exploração ou formas de exploração aperfeiçoadas não estariam a apontar justamente um novo modo de produção […]?
Eis o que -beAMONGtween sístoles (perhaps & maybe) e diástoles (gestando infinitos atuais)- diria uma Velha Toupeira:
“É o conflito, aparentemente insolúvel, entre a taxa de mais-valia -que aumenta exponencialmente, tendendo ao infinito- e a taxa de lucro, que tende (inexoravelmente?) a zero. Simultaneamente, o capitalismo mata a galinha dos ovos de ouro e corta o galho sobre o qual está sentado…”
PABLO POLESE açoda-se em dinamitar a apolínea sobriedade do JB, que cita Scott Fitzgerald: “No início você toma uma bebida, depois a bebida toma uma bebida, depois a bebida toma-o a si.” (The Crack-Up).
Enfim, padaquipadilá&padalém (do bem e do mal) -que não é Zaratustra, mas prefere zeros a seguidores- tenta (quiçá fracassando melhor que Paul Valéry [:-D}]) evitar que o futuro saia pela culatra…
Olá,
sou Júlia Mariano, realizadora do Rio de Janeiro. Dirigi uma série sobre 2013 e midiativismo chamada Desde Junho. Li a chamada de vocês sobre que memória iremos construir de 2013 e a série foi realizada pensando justamente nisso.
Vamos lançar a série online no dia 13/06/2018 para marcar os 5 anos das Jornadas de Junho e até lá faremos exibições com debates, fomentando justamente essa reflexão de que memória construir de 2013 e também o que essa memória e a afetação que as imagens de 2013 produzem, podem gerar de ações concretas nos dias de hoje.
Aqui o teaser da série: https://vimeo.com/231213843
Caso tenham interesse em saber mais sobre a série ou as exibições, só entrar em contato!
abs,
Júlia
Sobre a situação pré-fascista no Brasil, neste exato momento:
O assassinato da vereadora Marielle no Rio de Janeiro.
No dia seguinte manifestações com grande adesão em todo o país. Mas como bola cantada, a burguesia aprendeu em 2013 a se apropriar e ressignificar manifestações originadas em movimentos de esquerda.
Fazem do limão, limonada.
Exploração política pós-fordista. Dá autonomia aos produtores mas controla o significado do produto.
No contexto de intervenção militar no Rio de Janeiro a grande imprensa e governo montam a tática de usar as manifestações e o caso para fundamentar ainda mais a intervenção.
E nesse momento temos um novo candidato (para além da Rede num dos ápices anticorrupção) a aglutinar os elementos fascistas, não fosse a princípio apenas uma figura isolada no PT:
“Para mim, sinceramente, nós não podemos estar nos dividindo se a intervenção é boa ou não na área de segurança no Rio de Janeiro. Eu queria uma intervenção no Brasil inteiro. Eu espero que isso possa ser um ponto final e a gente possa, todo o país unido, no sentido de enfrentar as milícias e o crime organizado porque houve um grande desafio nessa execução, eles desafiaram o estado brasileiro, desafiaram as autoridades policiais fazendo essa execução em pleno Centro do Rio de Janeiro” (Jorge Viana, Senador do PT pelo Acre), aqui: http://www.esquerdadiario.com.br/Senador-do-PT-apos-morte-de-Marielle-diz-eu-queria-uma-intervencao-no-Brasil-inteiro
Enquanto isso o chorume de ódio e irracionalidade popular pulula.
O sempre afiado Nassif, faz hoje uma análise importante, a partir do assassinato da Marielle e as reações, deixando de lado o otimismo que ele sempre tentava deixar ao final de seus artigos:
“Tempos atrás fui a uma pacata cidade do interior. Lá, em conversas familiares, um jovem casal, de família temente a Deus, sem histórico de violência, falava da sua vontade de ver Lula morto. A campanha sistemática de ódio, a irracionalidade plantada em suas cabeças, faziam-nos, pessoas incapazes de fazer mal a um bicho, entender como natural – e necessária – a morte de uma pessoa! A mídia conseguiu naturalizar o ódio no Brasil.
“Hoje em dia, é um sentimento generalizado, que se espalha por todas as regiões do país e que, até agora, tinha em Bolsonaro e sua tropa sua mais grotesca expressão. Com a execução de Marielle entra-se em uma nova etapa na qual a doença social plantada pela mídia poderá resultar em loucuras maiores do que discursos de ódio nas redes sociais, tempos de terremotos e furacões, que podem preceder a entrega do poder a Bolsonaro e sua “bancada da metralhadora”. Ele, aliás, evitou comentar a tragédia de Marielle, para não expor o que pensa.
(…)
“Por um tempo acreditei que a perspectiva do desastre promovia a volta à racionalidade. De 2005 – quando a mídia iniciou essa loucura – para cá, todas as esperanças de uma saída racional foram jogadas fora.” (aqui: https://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-e-o-fator-detonador-com-marielle-por-luis-nassif )
Achei a análise do Nassif bem pouco analítica, o ponto dele é: “Não permitirão que Lula seja presidente” e isso entristece muito o articulista. Assim como Fernando Horta, que escreve para o mesmo blog, fez uma lista de ativistas do campo popular assassinados para mostrar que Marielle era apenas mais um nomezinho, terminava dizendo que a esquerda é burra por continuar desunida enquanto aconteciam tantas mortes… O Nassif ao menos não é tão baixo em sua forma de expor suas ideias getulistas.
Nas conversas virtuais sob o calor do acontecimento, na mesma quinta-feira pela noite, camaradas comentavam ser este fato, o assassinato, mais importante do que a possibilidade do PSOL capitalizar o ocorrido. Pessoalmente não vejo muito isso ocorrendo: o PSOL, assim como a maioria dos partidos da esquerda brasileira, quase não tem perfil de luta. Não sei a que tendência interna Mariella pertencia, como assessora do Freixo suponho que era da ala mais populista e eleitoral. O assassinato de uma dirigente em um partido com este perfil ao meu ver apresenta uma disjuntiva: ou o partido se resguarda completamente e se distancia dos âmbitos violentos, mantendo uma imagem de partido da ordem, comprometido com as instituições republicanas; ou passa a elaborar internamente um aparelho de autodefesa sério e apropriado para seu contexto. Entendendo que se trata de um partido com diversas tendências internas e que mal consegue escolher um candidato presidencial de maneira ordenada (e que este ano nem sequer escolheu como candidato um integrante do próprio partido), apostaria na primeira opção. Acho que essa ainda é uma dívida da esquerda com junho de 2013 e todas as esquerdas que ainda estão em cima do muro “demo-pop”, que gostam das ruas mas querem continuar confiando nas instituições.
Hay hombres que luchan…
As analogias, sempre tão fáceis e manipuláveis, têm lá sua -por vezes bizarra- (im)pertinência. Vejamos: Marielle e Matteotti.
Enquanto sueño con serpientes, lanço um gancho para o nosso bom&velho, imprescindível JB.
Lucas,
Quem é getulista é o PHA, não o Nassif. O Nassif é um social-democrata, ou um liberal no sentido americano. Acho sua interpretação do artigo bem equivocada quanto ao entristecimento do “não permitirão que Lula seja presidente”. Se você acompanhasse os artigos dele saberia que ele até já pautou o Lula ser sacrificado para que haja um acordo.. Enfim, é análise de política institucional basicamente, e não de movimentos de classe. Mas sua interpretação é equivocada. Por óbvio ele votaria no Lula e seria o candidato dele, mas o que “entristece” ele no artigo é a onda de irracionalidade que só se aprofunda, e que não para apesar da direita que a promove achar que depois que Dilma cair, depois que Lula for preso etc. etc. etc. ´, as coisas voltarão ao normal.
A irracionalidade que Nassif expõe, embora pertinente, é superficial. A irracionalidade não se reduz às mais variadas manifestações de violência. Ela reside, sobretudo, nas ações passionais. Quando a razão cede lugar às paixões, a violência costuma ser uma consequência, e não causa da irracionalidade. Neste momento em que identidades e culturas dão sentido às lutas, é muito importante tomar cuidado com a memória: “Os discursos organizados dão à memória coletiva uma certa configuração a partir da definição do que será lembrado e de quais lembranças serão proibidas. Os conteúdos da História podem ser impedidos de contribuir para uma reflexão sobre o passado. Poderão ser esquecidos, em virtude da ação dos discursos organizados, ou não são visíveis, porque se encontram diluídos na memória coletiva” (“A estratégia da aranha”: o mito do traidor e do herói (1ª Parte). Por José de Sousa Miguel Lopes. http://passapalavra.info/2010/04/20905). Isso me lembrou o “racista” e “nacionalista” Monteiro Lobato:
A coruja e a águia – Fábula de Monteiro Lobato
Coruja e águia, depois de muita briga resolveram fazer as pazes.
— Basta de guerra — disse a coruja.
— O mundo é grande, e tolice maior que o mundo é andarmos a comer os filhotes uma da outra.
— Perfeitamente — respondeu a águia.
— Também eu não quero outra coisa.
— Nesse caso combinemos isso: de agora em diante não comerás nunca os meus filhotes.
— Muito bem. Mas como posso distinguir os teus filhotes?
— Coisa fácil. Sempre que encontrares uns borrachos lindos, bem feitinhos de corpo, alegres, cheios de uma graça especial, que não existe em filhote de nenhuma outra ave, já sabes, são os meus.
— Está feito! — concluiu a águia.
Dias depois, andando à caça, a águia encontrou um ninho com três monstrengos dentro, que piavam de bico muito aberto.
— Horríveis bichos! — disse ela. — Vê-se logo que não são os filhos da coruja.
E comeu-os.
Mas eram os filhos da coruja. Ao regressar à toca a triste mãe chorou amargamente o desastre e foi ajustar contas com a rainha das aves.
— Quê? — disse esta admirada. — Eram teus filhos aqueles monstrenguinhos? Pois, olha não se pareciam nada com o retrato que deles me fizeste…
Moral da história: Para retrato de filho ninguém acredite em pintor pai. Já diz o ditado: quem ama o feio, bonito lhe parece.
Caro Ulisses,
Sobre o assassinato de Marielle Franco nada sei além do que dizem as agências e do pouco que conheço por um lado e por outro, o que é insuficiente. O assassinato de Matteotti precipitou a consolidação do fascismo italiano, já que levou Mussolini, depois de alguma hesitação, a acelerar a evolução do regime mais do que inicialmente pretendia. Poderá isto comparar-se ao que se passa no Brasil? Não creio, mas…
Já agora, uma informação que me parece oportuna. O número de trabalhadores brasileiros em Portugal é enorme, desde há muitos anos, principalmente nas maiores cidades. São uma presença habitual nos lugares de atendimento ao público. O que é uma novidade recente é a vinda de brasileiros das classes dominantes. Nos últimos anos Portugal tornou-se, por um conjunto de motivos que não importa aqui considerar, um dos grandes destinos do turismo mundial e muitos estrangeiros procuram comprar residência em Portugal. Em 2017 as vendas de casas aumentaram entre 20% e 25% ( http://expresso.sapo.pt/economia/2017-12-17-Nunca-se-venderam-tantas-casas-em-apenas-um-ano#gs.NAYUO7g ), e 25% das casas vendidas em 2017 foram adquiridas por estrangeiros ( https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/imobiliario/detalhe/estrangeiros-compraram-25-das-casas-vendidas-em-2017 ). Entre estes estrangeiros, em termos globais os franceses encontram-se em primeiro lugar e os brasileiros em segundo. Mas em Lisboa e no Porto, as duas principais cidades, foram os brasileiros que se colocaram no primeiro lugar entre os estrangeiros que compraram casa, respectivamente 24% e 27% ( http://expresso.sapo.pt/economia/2018-03-01-Brasileiros-compram-cada-vez-mais-casas-em-Portugal-mas-franceses-lideram#gs.6fH2dE0 ). Ora, os imigrantes não compram casas, alugam-nas. Por que motivo tantos brasileiros das classes dominantes estão a afastar-se do seu país, onde governa a direita, para procurar residência num país onde governa o Partido Socialista com o apoio parlamentar do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda? Talvez isto ajude a entender alguma coisa. O dinheiro tem uma lucidez maior do que os cérebros.
Caro João Bernardo:
Socraticamente e como prolegômeno, valha a confissão(?) de ignorância…
Presumo que não seja a modéstia (cuja aversão compartilhamos), nem o pessimismo da razão (gramscischopenhaueriano), tampouco o (gramscisoreliano) otimismo da vontade os eventuais motivos da epoché. Gramsci kaputt.
Em matéria de hesitação, Mussolini era pós-doutorado: frente a qualquer situação menos rotineira, um irresoluto. Daí a permanente encenação: da brutalidade, firmeza, da energia… que enganava muita gente, excetuados os hierarcas do PNF.
No jardim da Europa, à beira-mar plantado, há laranjas e lavanderias para todos os gostos (e bolsos). É a bol(h)a da vez: especulação imobiliária. Como de praxe: a esquerda do capital anestesia os proletários e os leva ao matadouro; a direita do capital os espera, no matadouro, enquanto afia seus cutelos.
Caros,
Mas vejam bem, as classes dominantes daqui vão para a metrópole e levam a senzala junto: http://cultura.estadao.com.br/blogs/direto-da-fonte/brasileiros-compraram-27-dos-imoveis-vendidos-em-lisboa-em-2017/
“Brasileiros compraram nada menos que 27% de todos os imóveis comercializados em Lisboa durante 2017, segundo pesquisa encomendada pela Athena Advisers.
Ante o fato, construtoras portuguesas vêm fazendo adaptações nos imóveis, criando área de serviço, quarto de fundos e até tanque.”
Voltando ao artigo, o que se viu em junho de 2013 em São Paulo, exceto no tocante às primeiras manifestações, motivadas pela Tarifa Zero, não foram, no fim das contas, manifestações de trabalhadores ou de esquerda. A repressão patrocinada pelo Governo do Estado, com o beneplácito do prefeito do PT, acabaram trazendo para a rua movimentos sem pautas definidas, mas que incluíram grupos encarregados de caracterizar a esquerda como violenta, diluindo sua já parca organização autônoma, não partidária. Naturalizou-se, de resto, a ação policial violenta, seguindo-se então manifestações de direita, alimentadas pela mídia, governos de direita e pela elite, encabeçada pela Fiesp, sob a bandeira de mensalão e depois do alegado combate à corrupção. A esquerda partidária e dos movimentos sociais viram-se sem repercussão e incapazes de conterem acusações de práticas como a contratação de manifestantes. Movimentos tímidos de direito arregimentaram a insatisfação difusa, ganharam terreno, organizaram novos canais de investimento, metabolizaram o apoio apoio de partidos políticos de direita e espaços cada vez mais amplos e diversificados na mídia tradicional e social. As eleições que se seguiram ampliaram o domínio da direita do aparelho estatal. A esquerda tradicional, na sequencia, com a lava-jato e outras operações, perdeu ainda mais terreno e, juntamente com ela, os movimentos autônomos anti-capitalistas. Estes, no Brasil, limitam-se a falar em luta, esperando a mítica atenção do velho ou novo caudilho catapultado pelos partidos ditos de esquerda. Tímidos, tais movimentos, no Brasil, quando muito só fizeram engrossar, ocasionalmente, as fileiras partidárias em disputas eleitorais e redes sociais. Ocupações urbanas e rurais e lutas como a de participava Marielle não têm tido alcance mais significativo e, até hoje, mostraram-se incapazes de forjar um outro tipo de relação social ou de gerar redes de solidariedade. Se este caldo é propício ao fascismo, não parece, por outro lado, que valha a pena enfileirar-se aos que denunciam a corrupção, seletivamente ou não. Parece distante e improvável a possibilidade, divisada por João Bernardo, de que isso eventualmente pudesse “agravar os factores de divisão nas componentes do fascismo e dar início a um novo período de estabilidade da democracia representativa”. Longe daqui o pessimismo da razão. Hoje que se pode antecipar a reação capitalista e sindical, não será ainda a partir do chão da fábrica que se irão desenvolver e internacionalizar, a partir das antigas, como as greves, novas formas de luta? Ainda há espaço para movimentos autonomistas, ou por enquanto o que nos resta são mesmo as organizações partidárias?