Por Solidarity
Introdução
Esta brochura tem dois objetivos: proporcionar um certo número de novos elementos para a discussão atual acerca do controle operário, e tentar apresentar uma nova análise do destino da revolução russa. Veremos que esses dois objetivos são indissociáveis.
O controle operário
Volta a falar-se, hoje em dia, de controle operário. As nacionalizações (tanto a Leste como a Oeste) e o governo do “Partido da classe operária” (também neste caso, tanto a Leste como no Ocidente), goraram-se visivelmente. Esses processos não deram satisfação às esperanças nem à expectativa das massas – e não lhes deram poder algum sobre as condições em que vivem. Devido a isso, verificou-se um acréscimo de interesse pelo “controle operário”, e por idéias que, noutro contexto, estavam largamente espalhadas no início do século. Hoje, pessoas tão diferentes como os Jovens Liberais e os trabalhistas de “esquerda”, como os sindicalistas fatigados e os “trotskistas” desta ou daquela variante, sem esquecer, é claro, os anarco-sindicalistas e os “marxistas-libertários”, todas elas falam de controle operário. Das duas uma: ou toda essa gente tem objetivos comuns, o que parece pouco provável, ou então o que as palavras ocultam importa tanto como aquilo que elas revelam. Quereríamos contribuir para dissipar essa confusão lembrando de que modo, num momento crítico da história, se enfrentaram os partidários de diferentes concepções do controle operário, mostrando quem saiu vencedor, por que razão, e quais as conseqüências desse fato.
Esse regresso aos fundamentos históricos do debate não se deve a uma tendência peculiar para o arquivismo ou para as discussões esotéricas. O movimento revolucionário na Grã Bretanha, ao contrário do que se passa em outros países europeus, nunca se preocupou muito com a teoria, preferindo em geral uma abordagem pronunciadamente empírica dos problemas. Pode ter assim evitado por vezes deixar-se prender nos pântanos da especulação metafísica, mas os efeitos nocivos dessa atitude, no que respeita à clareza e à coerência, foram apreciáveis. Sem uma compreensão clara dos objetivos e das forças (incluindo as forças ideológicas) que resistem à luta revolucionária, esta tem efetivamente tendência para tornar-se uma luta na qual “o movimento é tudo, o objetivo nada é”. Sem perspectiva clara, os revolucionários caem freqüentemente em armadilhas, ou perdem-se em becos sem saída, que, com um mínimo de conhecimento do próprio passado, poderiam facilmente evitar.
A confusão que reina em volta do problema do controle operário (pelo menos na lnglaterra) é em parte uma questão de palavras. No movimento revolucionário inglês (e em certa medida, na língua inglesa), é raro distinguir com clareza “controle” (control) e “gestão” (management), funções que eventualmente podem sobrepor-se, mas que de modo geral são completamente distintas. Na literatura política francesa, espanhola ou russa, dois termos diferentes (contrôle e gestion, control e gestión, kontrolia e upravleniye) designam respectivamente uma dominação parcial ou total dos produtores no processo de produção. Não é difícil saber onde reside a importância dessa distinção.
É que podem surgir duas situações. Numa, a classe operária (o conjunto dos produtores) toma todas as decisões fundamentais. Fá-lo diretamente, através de organismos de sua escolha com os quais se identifica completamente, e que sabe estar em seu alcance dominar totalmente (comitês de fábrica, conselhos operários, etc.). Esses órgãos, compostos por delegados eleitos e revogáveis, federam-se provavelmente em base regional ou nacional. Decidem (concedendo o máximo de autonomia possível às coletividades locais) o que se deve produzir, de que modo, a que preço e à custa de quem. A outra situação possível é aquela em que essas decisões fundamentais são tomadas “em instância diferente”, “do exterior”, ou seja, pelo Estado, pelo Partido, ou qualquer organismo sem verdadeiros laços com o próprio processo de produção. A “separação entre os produtores e os meios de produção” (base, de qualquer sociedade de classe) é mantida. Esse tipo de solução em breve mostra o que é de fato: uma nova forma de opressão, independentemente das boas intenções revolucionárias do organismo em causa, e sejam quais forem as disposições que tome (ou deixe de tomar) para que as decisões políticas sejam de tempos em tempos submetidas à ratificação ou à correção.
A essas duas situações correspondem palavras diferentes. Gerir significa tomar por si mesmo as decisões, na qualidade de pessoa ou coletividade soberana, e com pleno conhecimento das informações necessárias. Controlar significa supervisionar, inspecionar ou verificar as decisões tomadas por outrem. O “controle” implica uma limitação de soberania ou, pelo menos, um estado de duplo poder no qual algumas pessoas determinam os objetivos ao passo que as restantes se esforçam por que sejam aplicados os meios apropriados para os realizar. Historicamente, as controvérsias a respeito do controle operário surgiram precisamente nessas condições de duplo poder econômico.
Como todas as formas de duplo poder, o duplo poder econômico é essencialmente instável. Acabará por evoluir, ou para uma consolidação do poder burocrático (exercendo a classe operária cada vez menor controle), ou para a gestão operária, tomando a classe operária a gestão inteiramente a seu cargo. Desde 1961, quando Solidarity começou a defender na lnglaterra a idéia da gestão operária da produção, outros começaram a defender o “controle operário direto”, o “controle operário total”, etc., o que não passava do reconhecimento tácito da impropriedade (ou pelo menos da ambigüidade) das formulações precedentes.
Daria mostras de bem pouca clarividência quem visse apenas em tudo isso uma questão de purismo lingüístico, uma chicana terminológica ou doutrinária. Devemos ao mesmo tempo enfrentar os obstáculos presentes e os obstáculos herdados do passado. Não surgimos do nada na cena política. Fazemos parte de uma tradição revolucionária libertária para a qual essas noções tinham uma significação profunda. E não vivemos num vazio político. Vivemos num contexto histórico específico, no qual se desenrola um combate permanente. Nesse combate, os interesses antagônicos das diferentes camadas sociais (burguesia, burocracia e proletariado) exprimem-se através de reivindicações diferentes, formuladas com maior ou menor clareza. E nessas controvérsias, existem essencialmente idéias divergentes acerca do controle e da gestão. Contrariamente a Humpty Dumpty, não podemos atribuir às palavras o significado de nossa escolha. Aliás, o movimento revolucionário é uma das forças em presença nesse combate social. E, queiramos ou não, estejamos ou não conscientes disso, a maior parte do movimento revolucionário está impregnada do “ethos”, da tradição, e das concepções organizativas do bolchevismo. Ora, na história da revolução russa, especialmente entre 1917 e 1921, o problema do “controle operário” em oposição à “gestão operária” tornou-se de imediato escaldante. “De 1917 a 1921, o problema da gestão da indústria tornou-se o barômetro mais sensível do enfrentamento das concepções acerca da criação de uma nova ordem social… Foi, dos assuntos de conflito real entre as facções comunistas, o mais constante e o mais explosivo”[1]; e, poderíamos acrescentar, entre os bolcheviques e as outras tendências do movimento revolucionário. Milhares de revolucionários foram mortos e centenas de milhares foram presos antes que o assunto tivesse sido encerrado.
A maioria daqueles que entram agora no movimento revolucionário estão pouco familiarizados com estas controvérsias. Não devemos atribuir a essa ignorância qualidade de virtude. A clarificação é essencial, mas vamos encontrar assim novos problemas. A pobreza metodológica, o a-historicismo (e por vezes mesmo o anti-intelectualismo) de numerosos revolucionários que deveriam saber o que realmente se passou, é um primeiro obstáculo, trágico. E, suprema ironia, os herdeiros do bolchevismo, que são os que mais alto falam hoje da “necessidade da teoria” e da “necessidade de estudar a história”, são precisamente aqueles que mais coisas têm a esconder (se se investigasse qual o verdadeiro papel histórico desempenhado pelos seus antepassados), e que mais têm a perder (se se apresentasse uma alternativa coerente que pusesse em causa as suas crenças petrificadas).
A confusão que ainda subsiste a propósito do controle operário não é apenas terminológica, ou devida ao desconhecimento do passado. Em grande parte, ela é deliberadamente incentivada. Hoje, por exemplo, existem leninistas e trotskistas empedernidos (na Socialist Labor League, no lnternational Marxist Group, ou entre os “dirigentes” de lnternational Socialism[2]) que preconizam o controle operário sem o menor embaraço. Procurando aproveitar da confusão que reina atualmente no movimento, falam de controle operário como se:
- entendessem por isso aquilo que pessoas politicamente “pouco prevenidas” podem pensar que isso significa (ou seja, que os trabalhadores deveriam ser eles próprios a tomar as decisões fundamentais relativas à produção);
- como se, eles e a doutrina leninista de que se reclamam, tivessem sempre lutado por esse objetivo – e como se o leninismo tivesse sempre reconhecido no controle operário o fundamento universal de uma nova ordem social, e não uma simples palavra de ordem utilizada por razões de ordem táctica em contextos históricos específicos e muito limitados[3].
O problema da autogestão não é um problema esotérico. E a mais ampla discussão sobre esse problema nada tem de abstrato ou de sectário. A autogestão é muito simplesmente o conteúdo da revolução da nossa época. Isso, em si, justificaria um livro como este. Mas as implicações de um estudo desse período (a Rússia de 1917 a 1921) não se detém aí. Pois esse estudo poderia também fornecer a base de uma nova análise do destino da revolução russa – e abordaremos agora brevemente esse aspecto do problema.
A Revolução Russa
Propor um ponto de vista novo sobre aquilo que se passou na Rússia, em 1917 e depois, significa quase sempre correr o risco de ser muito mal compreendido. Se, além disso, as questões levantadas e a metodologia sugerida diferem das que atualmente circulam, já não estamos então perante um risco a correr, mas perante uma certeza. Não é a primeira vez que tivemos ocasião de assinalar que a apresentação sistematicamente deformada dos fatos é urna espécie de modo de vida para a esquerda tradicional, e que nada é mais penoso para esta do que uma idéia nova.
Durante os últimos cinqüenta anos, todas as organizações existentes da esquerda elaboraram uma verdadeira mitologia (e uma anti-mitologia igualmente suspeita) a respeito da revolução russa. Os social-democratas, feiticistas do parlamentarismo, consideram que “o fracasso do bolchevismo” reside na sua “prática antidemocrática”. O pecado original, para eles, foi a dissolução da Assembléia Constituinte. O pretenso movimento “comunista” (estalinistas, trotskistas, maoístas, etc.) fala com orgulho filial da “Gloriosa Revolução Socialista de Outubro”. Procuram todos elogiar e popularizar as suas primeiras conquistas, apesar de terem opiniões divergentes sobre o que depois aconteceu – quando, porquê e a quem. Para numerosos anarquistas, o fato de que o Estado, ou o “poder político” não tivesse sido imediatamente “abolido” prova, de modo suficiente e irrefutável, que nada aconteceu de realmente importante[4]. O SPGB[5] extrai mais ou menos a mesma conclusão, mas atribui-a ao fato de não ter sido abolido o salariato, não tendo a maioria da população russa tido o privilégio de conhecer o ponto de vista do SPGB (tal como era expresso por porta-vozes devidamente mandatados pelo seu Comitê Executivo), e não tendo por isso procurado conquistar uma maioria parlamentar no seio das instituições russas então existentes.
De todos os lados, todos procuram utilizar a Revolução Russa em função da sua própria propaganda, retendo dela apenas os aspectos que parecem conciliar-se com determinada análise particular da história, ou com uma perspectiva particular para o presente. Tudo o que era novo, tudo o que parecia contradizer as teorias do momento ou destruir categorias bem estabelecidas, foi sistematicamente “esquecido”, minimizado, deformado, negado.
Qualquer tentativa de reavaliação da experiência crucial de 1917-1921 está condenada a suscitar oposições. Os primeiros a reagir serão os “apparatchiks” que, durante anos, se esforçaram por proteger as organizações “revolucionárias” (e a ideologia “revolucionária”) contra a dupla ameaça da subversão e da renovação. No entanto, surgirão resistências também no espírito de muitos militantes honestos, que buscam a via da verdadeira política revolucionária. Não se trata aqui de uma simples resistência psicológica, mas de fenômenos muito mais profundos, e não basta evocar a função reacionária e a influência das “instâncias dirigentes” para os explicar de modo satisfatório. Se é difícil para o militante médio perceber plenamente o que estava em jogo em alguns dos problemas que surgiram nos primeiros momentos da Revolução Russa, é porque esses problemas contam-se entre os mais difíceis e os mais importantes (senão mesmo os mais difíceis e os mais importantes) a que a classe operária jamais se viu confrontada. A classe operária fez uma revolução que foi além de uma simples mudança de pessoal político na cúpula. Ela foi capaz de expropriar os antigos proprietários dos meios de produção (modificando dessa forma profundamente as relações de propriedade). Mas até que ponto foi ela capaz de – ou estava ela disposta a – transformar de modo revolucionário as relações de produção? Procurou ela destruir a estrutura de autoridade que as relações de produção mantêm e perpetuam em todas as sociedades de classes? Até que ponto estava disposta a gerir ela própria a produção (e portanto a sociedade no seu conjunto) ou até que ponto tendia ela antes a delegar a outros essa tarefa? E até que ponto a ideologia dominante triunfou, pressionando a classe operária a substituir os seus inimigos confessos por um partido que declarava falar “em seu nome”?
Responder a essas interrogações é uma tarefa importante, mas difícil. Um dos perigos que ameaça quem procure analisar sem preconceito o “período heróico da Revolução russa” é o da “identificação retrospectiva” com esta ou aquela tendência ou indivíduo que atuava na cena política (Osinsky, Kollontai, Maximov, Makhno ou Miasnikov, por exemplo). Isso é um passatempo político sem interesse, no qual depressa os revolucionários se surpreendem a formular este gênero de interrogações: “Que deveria fazer-se neste ou naquele momento?”; “esta ou aquela ação seria prematura?”; “quem tinha razão neste ou naquele Congresso?”; em vez de procurar compreender o curso dos acontecimentos nas suas grandes linhas (pesquisa essa, sim, provida de sentido). Temos esperança de ter conseguido evitar esse percalço. Quando, por exemplo, estudamos a luta da Oposição Operária contra os dirigentes do Partido (em 1920 e em 1921), para nós não se trata de “tomar partido”. Trata-se de compreender o que representavam realmente as forças em conflito e quais eram, por exemplo, as motivações (e os limites ideológicos e outros) daqueles que pareciam opor-se à tendência para a burocratização de todos os aspectos da vida social. Outro perigo (ou o mesmo, sob outro aspecto) ameaça aquelas que se aventuram pela primeira vez nesse terreno, e que não conseguem escapar à mitologia oficial: permanecer prisioneiros da lenda mesma que procuram destruir. Aqueles, por exemplo, que procuram “demolir” Stalin (ou Trotski, ou Lênin) podem realizar com êxito o seu objetivo imediato. Mas pode acontecer que eles “tenham êxito” com e condição de não discernir, nem mencionar, os traços mais fundamentalmente novos deste período: a ação autônoma da classe operária em busca de transformar totalmente as condições da sua existência. Esperamos também ter evitado essa armadilha. Se citamos demoradamente as declarações de certas personalidades foi apenas na medida em que resumem bastante bem as ideologias que, num dado momento da história, orientavam as ações e os pensamentos dos homens. Ao longo desta narrativa, sentimos que a única maneira de tratar seriamente aquilo que diziam ou faziam os bolcheviques era explicar a função que socialmente desempenharam as suas declarações e os seus atos.
Tentemos agora expor as nossas próprias premissas metodológicas. Acreditamos que as “relações de produção” – as relações que se estabelecem entre as pessoas ou os grupos no processo da produção dos bens – são os fundamentos essenciais de qualquer sociedade. Um determinado tipo de relações de produção é o denominador comum de todas as sociedades de classes. É aquele no qual o produtor não domina os meios de produção mas é, pelo contrário, simultaneamente “separado deles” e dos produtos do seu trabalho. Em todas as sociedades de classes, os produtores estão subordinados aos que dirigem o processo de produção. A gestão operária da produção – que implica o total domínio dos produtores sobre o processo de produção – não é para nós uma questão secundária. É o próprio núcleo da nossa política. É o único meio que permite superar as relações autoritárias (dirigentes-executantes) na produção e criar uma sociedade livre, comunista ou anarquista.
Acreditamos também que os meios de produção podem passar para outras mãos (por exemplo para as de uma burocracia que se apropria deles coletivamente) sem por isso transformar de modo revolucionário as relações de produção. Nessas condições – e seja qual for a forma de propriedade – a sociedade permanece uma sociedade de classes, pois a produção é sempre dirigida por uma instância outra que não os próprios produtores. As relações de propriedade, por outras palavras, não refletem necessariamente as relações de produção. Podem servir para mascará-las e, de fato, desempenham freqüentemente esse papel[6].
Muitos são os que perfilham estas concepções. Mas o que até agora nunca se tentou, no entanto, foi aplicar esse quadro conceptual global à história da Revolução Russa. Aqui, temos que nos limitar a enunciar as grandes linhas dessa abordagem[7]. Vista deste ângulo, a Revolução russa representa uma tentativa, infrutífera, da classe operária russa, para destruir relações de produção que se tornavam cada vez mais opressivas. O enorme levante de 1917 pôde destruir a supremacia política da burguesia (destruindo a base econômica na qual ela assentava: a apropriação privada dos meios de produção). Modificou o sistema existente das relações de propriedade. Mas não conseguiu (a despeito de esforços heróicos nesse sentido) transformar as relações de produção autoritárias que caraterizam todas as sociedades de classes. Certas frações da classe operária (as mais ativas no movimento de Comitês de fábrica) tentaram decerto inflectir a Revolução nessa direção. Mas a sua tentativa gorou-se. É importante analisar as causas dessa derrota, e ver de que modo novos senhores substituíram os antigos.
Quais eram as forças que se ergueram contra aquelas que buscavam uma transformação total das condições de vida na produção? Houve primeiramente, é claro, a burguesia. A burguesia tinha tudo a perder nessa subversão social total. Se a gestão operária levava a melhor, ela perderia, não apenas a propriedade dos meios de produção, mas também a possibilidade de conservar posições privilegiadas, quer na qualidade de “especialistas”, quer em postos de direção. Não é de espantar que a burguesia se tenha sentido aliviada quando se apercebeu de que os dirigentes da Revolução “não iriam mais longe do que a nacionalização” e que faziam questão de manter intatas as relações dirigentes-executantes na indústria e alhures. É verdade que uma parte importante da burguesia lutou desesperadamente para reconquistar a sua propriedade perdida. A Guerra Civil foi sangrenta, e demorada. Mas milhares de pessoas que, pela sua cultura e tradições, estavam mais ou menos ligadas à burguesia expropriada, encontraram a oportunidade de penetrar na “fortaleza revolucionária” – pela porta dos fundos – e de retomar a sua função de dirigentes do processo do trabalho do “Estado Operário”. Agarraram avidamente essa oportunidade inesperada. Em peso, aderiram ao Partido, ou decidiram cooperar com ele, aplaudindo cinicamente cada frase de Lênin ou Trotski sobre a “disciplina do trabalho” ou sobre a “direção por um único homem”. Em breve, foram nomeados em grande número (pela cúpula) para os postos dirigentes da economia. Fundindo-se muito rapidamente com a nova “elite” político-administrativa, de que o próprio Partido formava o núcleo, os setores mais “esclarecidos” e mais competentes tecnicamente da classe expropriada retomaram rapidamente posições dominantes nas relações de produção.
Em segundo lugar, o Movimento dos Comitês de Fábricas tinha que defrontar as tendências abertamente hostis da “esquerda”, como os mencheviques. Os mencheviques repetiam incansavelmente que a Revolução tinha que ser democrático-burguesa, e que portanto as tentativas de gestão da produção pelos trabalhadores não poderiam ter futuro. Todos esses esforços foram denunciados como “anarquistas” e “utópicos”. Em certos lugares, os mencheviques foram efetivamente um sério obstáculo para o Movimento dos Comitês de Fábricas; mas a oposição deles era antecipada, e foi uma oposição de princípio e permanente. Em terceiro lugar, a atitude dos bolcheviques – a qual foi muito mais ambígua e desconcertante: entre Março e Outubro, os bolcheviques apoiaram o desenvolvimento dos Comitês de Fábricas, mas foi para se voltarem violentamente contra eles nas últimas semanas de 1917, tentando integrá-los em novas estruturas sindicais, o que era o melhor meio de castrá-los. Esse processo devia desempenhar um papel importante, impedindo a luta crescente contra as relações de produção capitalistas de alcançar o seu objetivo. De fato, os bolcheviques canalizaram as energias libertadas entre Março e Outubro para um ataque bem sucedido contra o poder político da burguesia (e contra as relações de propriedade nas quais estava baseado). A esse nível, a revolução foi “vitoriosa”. Mas os bolcheviques foram também “vitoriosos” ao restaurar “a lei e a ordem” na indústria – lei e ordem que reconsolidavam as relações autoritárias de produção, que durante um breve período tinham sido seriamente abaladas.
Por que razão agiu o Partido desse modo? Para responder a essa pergunta, ser-nos-ia necessário fazer uma análise muito mais completa do Partido bolchevique e das suas relações com a classe operária do que a que nos é possível fazer aqui. Uma vez mais, seria necessário que nos afastássemos simultaneamente da mitologia (“O grande Partido bolchevique”; “a arma forjada por Lênin”; “o ferro de lança da Revolução”) e da anti-mitologia (o Partido como encarnação do “totalitarismo”, do “militarismo”, da “burocracia”, etc.), e procurar constantemente compreender em vez de delirar ou de fulminar. A um nível superficial, a ideologia e a prática do Partido estavam estreitamente ligadas ás circunstâncias históricas específicas da Rússia czarista, na primeira década deste século. A clandestinidade e a perseguição explicam parcialmente (se bem que a não justifiquem) a estrutura organizativa do Partido e a sua concepção das relações com a classe[8]. O que é mais difícil de compreender é a ingenuidade dos dirigentes bolcheviques, que pareciam não se aperceberem das conseqüências que devia ter fatalmente esse tipo de organização e esse tipo de relações com e classe na história ulterior do Partido.
Um porta-voz da ortodoxia bolchevique tão importante como Trotski podia escrever a respeito dos primeiros momentos da história do Partido: “já se tinham formado rotinas de aparelho na ilegalidade. Desenhava-se um tipo de jovem burocrata. As condições da conspiração limitavam estreitamente, é verdade, as formas da democracia (eleições, controle, mandatos), mas não se pode negar que os membros dos comitês tinham feito recuar, mais do que o necessário, os limites da democracia interior e se tinham mostrado mais rigorosos para com os operários revolucionários do que para com eles próprios, preferindo dar ordens mesmo quando teria sido aconselhável escutar as massas.” Kroupskaia observa que nos comitês bolcheviques, tal como nos congressos, quase não havia operários. Os intelectuais predominavam. “O membro do comitê, escreve Kroupskaia, era habitualmente um homem cheio de certezas… Regra geral, o comitard não admitia nenhuma democracia no interior do Partido… além disso, o comitard não admitia as inovações… ele não sabia, e não queria adaptar-se a circunstâncias rapidamente mutáveis”[9].
Começaram-se a sentir as conseqüências disso quando dos acontecimentos de 1905. Em numerosos lugares constituíram-se sovietes. “O comitê bolchevique de Petersburg começou por se espantar com a inovação da representação das massas em luta independentemente dos Partidos e a melhor coisa que me ocorreu foi dirigir um ultimato ao soviete: adotar imediatamente o programa social-democrata ou dissolver-se. O soviete de Petersburg e com ele os operários bolcheviques que incluía, passaram adiante sem pestanejar”[10]. Broué, um dos mais hábeis defensores do bolchevismo, vê-se obrigado a escrever que “aqueles que no Partido bolchevique eram mais favoráveis aos sovietes viam unicamente neles, e no melhor dos casos, auxiliares do Partido (…). Só tardiamente compreenderam a função que poderiam desempenhar, o interesse que representavam para aumentar neles a sua influência e neles lutar pela direção das massas”[11]. O problema resume-se com perfeição neste incidente. Os quadros bolcheviques consideravam-se como dirigentes da Revolução: qualquer movimento não lançado por eles ou exterior ao seu controle parecia-lhes sistematicamente suspeito[12]. Disse-se freqüentemente que os bolcheviques se “surpreenderam” com a criação de sovietes: esse eufemismo não deve enganar-nos. A reação dos bolcheviques foi muito mais do que uma simples “surpresa”. Refletia toda uma concepção da luta revolucionária, toda uma concepção das relações entre trabalhadores e revolucionários; e a ação das massas russas, desde 1905, tinha mostrado que essas concepções estavam já ultrapassadas.
A separação entre os bolcheviques e as massas viria a surgir em várias ocasiões em 1917. Isso foi antes de mais evidente durante a revolução de fevereiro, depois na época das “Teses de Abril”, e uma vez mais na época dos Dias de Julho[13]. Em várias ocasiões se admitiu que o Partido cometeu “erros” em 1905 e em 1917. Mas essa “explicação” nada explica. O que deveria perguntar-se era: como foram possíveis esses “erros”? E só é possível responder a essa interrogação se se compreende o tipo de trabalho realizado pelos quadros do Partido, desde a sua criação até à época da Revolução. Resultado das condições particulares da luta contra o czarismo, e das suas próprias concepções organizativas, os dirigentes do Partido (do Comitê Central aos responsáveis dos grupos locais) encontravam-se numa situação que apenas lhes permitia laços muito pouco estreitos com o movimento operário real. “Um verdadeiro agitador, escrevia Lênin, que demonstre algum talento, ou que pelo menos promete vir a tê-lo, não deve trabalhar na fábrica, consideramos que ele deve viver sustentado pelo Partido… e passar para a clandestinidade”[14]. Não espanta nessas condições que os poucos quadros bolcheviques de origem operária tenham perdido rapidamente qualquer contato real com a sua classe.
O partido bolchevique estava dilacerado por uma contradição que permite compreender melhor a sua atitude antes e depois de 1917[15]. A sua verdadeira força residia nos trabalhadores avançados que o apoiavam. É inegável que esse apoio foi por vezes numericamente importante, e sincero. Mas esses trabalhadores não controlavam o Partido: os revolucionários profissionais detinham firmemente a direção nas mãos. Em certo sentido, era inevitável. A fabricação de uma imprensa clandestina e a difusão da propaganda só podiam ser asseguradas com regularidade por militantes constantemente em movimento, e por vezes obrigados a refugiar-se no estrangeiro. Um trabalhador só podia tornar-se dirigente bolchevique com a condição de deixar de trabalhar e de se colocar à disposição do Partido, que podia então enviá-lo em missão especial para qualquer cidade. O aparelho do partido estava nas mãos de especialistas da revolução. A contradição era esta: as forças vivas, reais, das quais provinha a força do Partido, não podiam controlá-lo. Na qualidade de instituição, o Partido escapava totalmente ao controle da classe operária russa. Os problemas que teve de defrontar a Revolução russa após 1917 não resolveram essa contradição, mas exacerbaram-na ainda mais. A atitude do Partido em 1917, e depois, é produto da sua história. Foi isso que tornou vãs as tentativas, no interior do Partido, das diversas oposições de 1918-1921. Elas não compreenderam que uma premissa ideológica determinada (o postulado da hegemonia do Partido) implicava necessariamente determinadas conclusões na prática. Mas é provável que este gênero de análise não vá suficientemente longe. A um nível mais profundo, a própria concepção desse tipo de organização e esse tipo de relação com o movimento de massas reflete a influência não reconhecida da ideologia burguesa, naqueles mesmos que procuravam tenazmente destruir a sociedade burguesa. A concepção que garante que a sociedade tem obrigatoriamente que estar dividida em “dirigentes” e “executantes”, a idéia segundo a qual certas pessoas nasceram para dominar e outras não podem realmente desenvolver-se para além de um certo limite, foi, desde tempos imemoriais, o postulado tácito de qualquer classe dominante. Que os próprios bolcheviques a tenham ao fim e ao cabo aceito mostra mais uma vez a que ponto Marx tinha razão ao declarar que “as idéias dominantes de cada época são as idéias da classe dominante”. Face a uma organização tão “eficaz”, tão sólida, assentada em idéias desse gênero, não surpreende que os Comitês de Fábrica nascidos em 1917 não tenham sido capazes de levar a Revolução até o fim.
O último obstáculo que tiveram que defrontar os Comitês era inerente ao próprio movimento dos Comitês. Se bem que determinados indivíduos tenham dado provas de uma extraordinária lucidez, e se bem que o movimento tenha representado a mais alta manifestação da luta de classes em 1917, o movimento no seu conjunto não conseguiu compreender o que lhe acontecia, nem oferecer uma resistência séria. Não conseguiu generalizar a sua experiência, e o testemunho que dela deixou é infelizmente muito fragmentário. Incapaz de formular publicamente os seus próprios objetivos (a autogestão) em termos claros e positivos, era inevitável que outros tirassem partido desse vazio. Com uma burguesia em plena desintegração e uma classe operária insuficientemente forte e consciente para impor as suas próprias soluções aos problemas que dividiam a sociedade, o triunfo, tanto do bolchevismo como da burocracia, estava garantido.
A análise da Revolução russa mostra bem que, se a classe operária permite a um grupo específico, separado dos próprios trabalhadores, tomar em mãos a gestão da produção, ela perde também todas as possibilidades de controlar ela própria os meios de produção. O resultado da separação do trabalho produtivo e dos meios de produção é uma sociedade de exploração. E quando os simples trabalhadores já não têm influência em instituições como os Soviets, de nada serve chamar a esse regime “soviético”. Esforço algum de imaginação pode fazê-lo considerar reflexo dos interesses da classe operária. A questão fundamental: quem gere a produção após o derrube da burguesia? deveria pois tornar-se de agora em diante o centro de qualquer discussão séria sobre o socialismo. Hoje, a velha equação (liquidação da burguesia = Estado operário) popularizada por inúmeros leninistas, estalinistas e trotskistas, é totalmente insuficiente.
Em 1917, os trabalhadores criaram órgãos (Comitês de Fábrica e Soviets) que deviam garantir a gestão da sociedade pelos próprios trabalhadores. Mas os Soviets passaram para as mãos dos funcionários bolcheviques. Um aparelho de Estado, separado das massas, reconstituiu-se rapidamente. Os trabalhadores russos não conseguiram criar novas instituições que lhes permitissem gerir tanto a produção como a vida social. Essa tarefa foi por conseguinte assumida por outros, por um grupo para quem essa gestão se tornou função específica. A burocracia organizava o processo do trabalho num país no qual ela era igualmente senhora das instituições políticas.
Tudo isto exige uma séria reavaliação de várias noções fundamentais. O “poder dos trabalhadores” não pode ser identificado ou assimilado ao poder do Partido, coisa que constantemente fizeram os bolcheviques. Como dizia Rosa Luxemburgo, o poder operário será obra da classe operária e não de uma minoria que atue em nome da classe. Deve ser a emanação do empenhamento ativo dos trabalhadores, permanecer sob sua influência direta, estar submetido ao controle do conjunto da população, ser conseqüência da consciência política crescente do povo. Igualmente, a noção de “tomada do poder” não pode designar – como acontece claramente com todos aqueles que pensam ainda viver na Petrogrado de 1917 – um putsch semi-militar, fomentado por uma minoria. Também não pode representar unicamente a defesa – mesmo sendo esta evidentemente necessária – das posições ganhas pela classe operária contra as tentativas da burguesia para as reconquistar. O que a “tomada do poder” implica realmente é que a grande maioria da classe operária compreenda finalmente com clareza a sua capacidade de gestão da produção e da sociedade – e se organize com essa finalidade.
Este texto não é, de modo algum, um estudo econômico da Rússia de 1917 a 1921. É, no melhor dos casos, uma cronologia seletiva da vida do mundo do trabalho. Na maioria dos casos, os fatos falam por si mesmos. Em determinados momentos, consideramos oportuno apresentar o nosso próprio ponto de vista, sobretudo quando sentíamos que todos os protagonistas de certos grandes debates históricos estavam errados, ou permaneciam prisioneiros deste ou daquele sistema de idéias que os impedia de compreender o verdadeiro sentido daquilo que acontecia. Não fizemos referência aos acontecimentos e às etapas da Guerra Civil senão para, proporcionar o contexto de determinadas controvérsias, – e para acabar de uma vez para sempre Com o argumento clássico segundo o qual muitas das medidas descritas foram tomadas “por causa da Guerra Civil”.
Haverá quem nos censure, provavelmente, por termos, de uma ponta a outra desta narrativa, insistido nas diferentes lutas internas do Partido e não nas ações de milhões de homens que, por uma ou outra razão, nunca aderiram ao Partido ou que, desde o início, compreenderam onde levava a sua política. A “acusação” tem um certo fundamento, mas esse defeito é quase inevitável. As aspirações de milhares de indivíduos, as suas dúvidas, as suas esperanças, os seus sacrifícios, o seu desejo de transformar as condições de sua vida quotidiana e a sua luta para consegui-lo, sem dúvida que contribuíram tanto para “fazer” a história como as resoluções dos Congressos do Partido e os discursos dos dirigentes. Mas uma atividade que não tem regras nem estatutos nem tribunas nem panegiristas pertence quase por definição àquilo que a história escrita apaga. Uma consciência do problema – por mais aguda que seja – não substituirá o material perdido. E uma tentativa como esta é em grande parte uma questão de documentos. As massas fazem a história – mas não a escrevem. Aqueles que a escrevem têm na maioria dos casos outras preocupações – seja o culto dos antepassados ou a justificação retrospectiva – que não a apresentação equilibrada dos fatos.
Haverá também outro gênero de críticas. Não se porá em causa a exatidão das citações de Trotski e de Lênin, mas afirmar-se-á que elas são “seletivas”, e que “outras coisas também” foram ditas. Uma vez mais nos confessamos culpados. Mas é necessário observar que há já suficientes hagiografias no comércio (como a de Deutscher por exemplo) cuja “objetividade” não passa da máscara de um trabalho apologético extremamente hábil. Existe aliás outra razão para exumar este material. Cinqüenta anos após a revolução – e quando há muito tempo deixou de haver “isolamento” – é evidente que o sistema burocrático russo não tem muito a ver com o modelo da Comuna de Paris (delegados eleitos e revogáveis, que recebiam apenas o equivalente de um salário de operário, etc.) ao qual alude Lênin em O Estado e a Revolução. De fato, é difícil encontrar na teoria marxista uma antecipação do que é a estrutura social russa. Parece-nos pois mais pertinente citar as declarações dos dirigentes bolcheviques de 1917 que desempenharam uma função na evolução da sociedade russa do que aquelas que, como os discursos dos dirigentes trabalhistas no primeiro de Maio, permanecem para sempre no campo da retórica.
Nota sobre as datas
A 14 de Fevereiro de 1918, a Rússia abandonava o velho calendário Juliano e adotava o calendário Gregoriano utilizado na Europa Ocidental. O primeiro de Fevereiro tomou-se 14. Conservamos o antigo sistema até essa data e utilizamos o novo depois dela.
NOTAS
[1] R. V. Daniels, The conscience of the revolution [A consciência da revolução], Harvard University Press, 1960, p. 81.
[2] A Socialist Labour League é o equivalente inglês da tendência trotskista na França chamada “lambertista”; o I.M.G. corresponde à tendência que representa a Liga Comunista; International Socialism é um grupo de extrema-esquerda cujos fundadores se separaram do trotskismo ao definirem a U.R.S.S. como uma sociedade capitalista de Estado. [Nota da edição portuguesa]
[3] Nem em todas as tendências trotskistas se encontra essa duplicidade: algumas existem que são francamente reacionárias. Por exemplo, K. Coates e A. Topham escrevem: “parece-nos que se deve folar de ‘controle operário’ quando os sindicatos (sic!) limitam pelas suas lutas o poder da direção num âmbito capitalista, e da ‘autogestão operária’ quando se trata de uma tentativa da gestão democrática de uma economia socializada”. (Industrial Democracy in Great Britain, Macgibbon and Kee, 1968, p. 363). Trotski, por seu lado, falava com muita clareza. Se bem que não atribuísse a função do controle operário aos sindicatos, distinguia claramente entre “controle” e “gestão”. “Assim, para nós, a palavra de ordem de controle está ligada ao período de dualidade de poder na produção que corresponde à possagem do regime burguês para o regime proletário (…) Na língua universal, chama-se controle ao trabalho de vigilância e de verificação por uma instituição do trabalho de outra instituição. O controle pode ser muito ativo, autoritário e geral. Mas é sempre controle. A própria ideia dessa palavra de ordem nasceu do regime transitório nas empresas nas quais o capitalista e o seu administrador já não podem dar um passo sem consentimento dos operários; mas onde, por outro lado, os operários (…) ainda não adquiriram a técnica de direção e ainda não criaram órgãos necessários para isso” (L. Trotski, “E agora?” [1932], in Écrits, t. III, pp. 214-15, Paris 1959).
[4] Pode encontrar-se um exemplo desse gênero de análise ultra-simplificada do destino da revolução russa no livro de Voline, La Révolution inconnue [A Revolução desconhecida ], Paris, 1947, reed. P. Belfond. Paris, 1970) . “O partido bolchevique, uma vez no poder, transformou-se em senhor absoluto. A corrupção atingiu-o rapidamente. Organizou-se a si mesmo como casta privilegiada. E mais tarde, esmagou e submeteu a classe operária para a explorar sob novas formas, e de acordo com os seus interesses particulares”.
[5] Partido Socialista da Grã-Bretanha. Trata-se de fato, apesar desse nome, de uma pequena organização derivada de uma das primeiras organizações socialistas inglesas do fim do séc. XIX, que tem pouco de comum com as grandes organizações social-democratas do continente. [Nota da edição portuguesa]
[6] Para uma discussão mais completa desse conceito – e de todas as suas implicações, ver: “As relações de produção na Rússia” de P.Chalieu [C. Castoriadis] no nº 2 da revista Socialisme ou Barbarie (Maio-Junho de 1949) [republicado em C. Castoriadis, La Société Bureaucratique, I , Les rapports de production en Russie, Paris, U.E.G., “10/18”, 1973, p. 205-281]. Se bem que a ideia possa surpreender muitos “marxistas”, ela tinha sido já expressa por Engels: Numa carta a Schmidt de 27 de Outubro de 1890, escrevia ele: “Num Estado moderno, é preciso não apenas que o direito corresponda à situação econômica geral e seja sua expressão, mas ainda que ele possua a sua coerência interna e não traga em si mesma a sua condenação devido às suas contradições internas. E o preço dessa criação é que a fidelidade do reflexo das relações econômicas se desvanece cada vez mais (…). O reflexo das relações econômicas sob forma de princípios jurídicos tem necessariamente também por resultado colocar as coisas de cabeça para baixo (…)”. (Marx- Engels, Lettres sur «Le Capital», Editions Sociales, p. 369-370).
[7] Que essa análise é possível é o que parece mostrar-nos uma curta mas excelente brochura de J. Barrot, “Notas para uma análise da revolução Russa”, tradução portuguesa de José Pais, Lisboa, 1972.
[8] Que surgem de modo explícito na teoria (Que fazer? e Um passo em frente dois passos atrás, de Lênin), e na prática do bolchevismo, de 1901 a 1917.
[9] L. Trotski, Staline, Grasset, Paris, 1948, pp. 82-88. Trata-se do Terceiro Congresso do Partido (25 de Abril – 10 de Maio de 1905). [Ver a esse respeito, a análise de Claude Lefort “A contradição de Trotsky e o problema revolucionário”, Les temps Modernes, 39. Dez. 1948 – Jan. 1949, republicado em Éléments d’une critique de la bureaucratie, Genebra, Droz, 1971 , pp. 11 -29].
[10] L. Trotski, ibid., p. 95.
[11] P. Broué, Le parti bolchevique, Editions de Minuit, Paris, 1963, p. 35.
[12] A mesma atitude encontrar-se-ia no próprio interior do Partido. Como aconteceu a Trotski escrever, desta vez aprovando: “os estatutos deviam exprimir a ‘desconfiança organizada da direção’, uma desconfiança que se manifestava por um controle vigilante da cúpula sobre o partido” (I. Deutscher, Le Prophéte Armé, [1954], tr. fr. Julliard, Paris 1962, p. 115.
[13] Não, não dizemos que o derrube militar do governo provisório era possível em Julho. Observamos apenas que o Partido estava longe de compreender o que queriam realmente as massas.
[14] Lênin, Sochineniya, IV, 441.
[15] [ver novamente C. Lefort, ibid.]
Ilustram este artigo capas de edições diversas do jornal Notícias [Izvestia / Известия], onde foram publicados os primeiros decretos da Revolução Russa.
A transcrição desta tradução do livro de Maurice Brinton, The bolsheviks and workers’ control: the State and counter-revolution, feita por Carlos Miranda, conta com autorização da Editora Afrontamento, que a publicou originalmente em 1975. Este artigo faz parte do esforço coletivo de traduções do centenário da Revolução Russa mobilizado pelo Passa Palavra. Veja aqui a lista de textos e o chamado para participação.