Por Maurice Brinton
1917
Greves e motins provocados pela fome em Petrogrado. Violentas manifestações de rua contra o Governo. Tropas enviadas para restabelecer a ordem confraternizam com os manifestantes. Pela primeira vez desde 1905, os Sovietes reaparecem em várias cidades.
27 DE FEVEREIRO
Nicolau II abdica. Formação do Governo Provisório (o Primeiro Ministro é o Príncipe Lvov).
MARÇO
Formam-se Comitês de Fábrica e de Oficina[1], Conselhos Operários e Conselhos de Veteranos em todos os grandes centros industriais da Rússia Européia. Desde o início que as suas reivindicações não se limitam ao salário ou ao horário mas põem em causa muitas prerrogativas dos patrões.
Nalguns casos os Comitês de Fábrica constituíram-se porque os seus anteriores proprietários ou gerentes tinham desaparecido durante a revolução de Fevereiro.
Destes, os que regressaram mais tarde foram autorizados a reassumir as suas posições – mas tinham que aceitar os Comitês de Fábrica. “O proletariado” escreve Pankratova[a] “sem esperar pela sanção da lei, começou a criar simultaneamente todas as suas organizações: sovietes de deputados operários, sindicatos e Comitês de Fábrica”[2]. Desenvolvia-se em toda a Rússia um enorme avanço operário.
10 DE MARÇO
Deu-se a primeira capitulação formal por parte de um número considerável de patrões. Foi assinado um acordo entre o Comitê Executivo do Soviete de Petrogrado e a Associação dos Empresários de Petrogrado, concedendo as 8 horas por dia nalgumas empresas e “reconhecendo” alguns dos Comitês. A maior parte dos patrões restantes recusa-se a seguir esse exemplo. Em 14 de Março, por exemplo, o Comitê para o Comércio e Indústria declarou que “a questão das 8 horas diárias não pode ser resolvida por acordos mútuos entre trabalhadores e patrões, visto ser um assunto da competência do Estado”. Foi a propósito dessa questão que se travou a primeira grande luta dos Comitês de Fábrica.
O horário das 8 horas por dia foi rapidamente imposto pelos operários em Petrogrado, ora com o consentimento relutante dos patrões ora unilateralmente. O “reconhecimento” dos Comitês.de Fábrica foi muito mais difícil de impor, pois tanto os patrões como o Estado reconheciam a ameaça inerente a essa forma de organização.
2 DE ABRIL
Conferência Preparatória dos Comitês de Fábrica das Indústrias de Petrogrado, convocada por iniciativa dos operários do Departamento de Artilharia. Esta Conferência fez uma proclamação, que foi na altura, para todos os Comitês de Fábrica, o “termo de referência” mais radical. Os parágrafos 5 e 7 da proclamação estipulam que:
“Todas as instruções referentes à organização interna da fábrica (isto é, instruções referentes a assuntos tais como: horas de trabalho, salários, admissões e despedimentos, férias, etc.) devem emanar dos Comitês de Fábrica, sendo o gerente da fábrica informado delas…”
“O conjunto do pessoal administrativo (chefia a todos os níveis, e técnicos) é admitido com o consentimento do Comitê de Fábrica que tem por obrigação comunicar aos trabalhadores as suas decisões em assembléias de toda a fábrica ou através dos comitês de oficina…”
“O Comitê de Fábrica controla a atividade da gerência nos campos administrativo, econômico e técnico… Devem ser facultados aos representantes do Comitê de Fábrica, para sua informação, todos os documentos oficiais da administração, orçamento da produção, e descrição pormenorizada de todos os artigos que entram ou saem da fábrica…” 3]
7 DE ABRIL
Publicação das Teses de Abril, pouco depois de Lênin ter regressado a Petrogrado vindo do exílio. A única referência ao controle operário encontra-se na Tese n° 8: “A nossa tarefa imediata não será a ‘introdução do socialismo’ mas colocar a produção social e a distribuição dos produtos… sob o controle do Soviete dos Deputados Operários”.
23 DE ABRIL
O novo governo viu-se obrigado a algumas concessões verbais. Promulgou uma lei que “reconhecia” parcialmente os Comitês mas restringindo cuidadosamente a sua influência. Todos os assuntos importantes foram deixados ao “mútuo acordo das partes interessadas” – por outras palavras, não havia nenhuma obrigação estatutária por parte dos patrões de tratarem diretamente com os Comitês.
Os operários mostraram-se contudo pouco preocupados com o que a lei estipulava. “Comentaram, à sua maneira, a lei de 23 de Abril… Determinaram eles próprios os seus termos de referência, em cada fábrica, alargando constantemente as suas prerrogativas e decidindo o que os seus representantes deviam fazer, de acordo com a relação de forças em cada caso particular”[4].
Lênin escreve: “Devem-se exigir constantemente e, sempre que possível, realizar por meios revolucionários, medidas como a nacionalização da terra, dos bancos e corporações capitalistas, ou pelo menos a instituição imediata do controle dos Sovietes dos Deputados Operários sobre eles (medidas que de modo algum implicam a ‘introdução do socialismo’). Sem essas medidas, “inteiramente realizáveis do ponto de vista econômico”, será “impossível sarar as feridas da guerra e evitar o colapso iminente”[5].
Às idéias básicas de Lênin sobre o controle operário como “travão imposto aos capitalistas” e “como meio de evitar o colapso”, em breve se juntou uma terceira, muito freqüente nos escritos de Lênin dessa época. Ê o conceito do controle operário como “prelúdio à nacionalização”. Por exemplo: “Devemos preparar imediatamente os Sovietes dos Deputados Operários, o Soviete dos Deputados dos Empregados Bancários, etc. … de modo a que estes adotem medidas possíveis e práticas para a fusão de todos os bancos num único banco nacional, seguindo-se o estabelecimento do controle dos Sovietes dos Deputados Operários sobre os bancos e corporações, e posterior nacionalização”[6].
MAIO
Um número cada vez maior de patrões “eram obrigados a cooperar” com os Comitês de Fábrica. A imprensa burguesa lançou uma campanha maciça contra o horário das 8 horas e contra os Comitês, tentando apresentar os trabalhadores aos olhos dos soldados como preguiçosos, gananciosos, inúteis, levando o país à ruína devido às suas exigências “exorbitantes”. A imprensa dos trabalhadores explica pacientemente as verdadeiras causas da estagnação industrial e as condições de vida reais da classe trabalhadora. A convite de vários Comitês de Fábrica, o Exército envia delegados à “retaguarda” para “verificar” essas condições. Testemunham então publicamente que tudo o que os operários diziam era verdade…
17 DE MAIO
No Pravda, Lênin apóia explicitamente a palavra de ordem “controle operário”, declarando que “os operários devem exigir a realização imediata e efetiva do controle por eles próprios”[7].
20 DE MAIO
Lênin esboça um novo programa do Partido: “O Partido luta por uma república dos trabalhadores e camponeses mais democrática, na qual a policia e o exército permanente serão completamente abolidos e substituídos pelo povo em armas, por uma milícia universal. Os oficiais, não só serão eleitos mas estarão sujeitos a serem revogados em qualquer altura a pedido da maioria dos eleitores. Todos os oficiais, sem exceção, serão pagos a uma tarifa não superior ao salário médio de um operário competente”.
Ao mesmo tempo Lênin reivindica a “participação (ênfase do autor) incondicional dos operários no controle dos negócios dos trusts” – o que poderia ser realizado “por um decreto dum dia para o outro”[8].
O conceito de que a “participação dos trabalhadores” devia ser introduzida por meios legislativos (i.e. a partir de cima) tem obviamente antepassados ilustres.
29 DE MAIO
Conferência em Kharkov dos Comitês de Fábrica.
Sob certos aspectos, a província estava mais avançada que Petrogrado e Moscovo. A Conferência de Kharkov exigia que os Comitês de Fábrica se tornassem “órgãos da Revolução… tendo como fim a consolidação das suas vitórias”. “Os Comitês de Fábrica devem tomar conta da produção, protegê-la, desenvolvê-la”. “Devem fixar salários, velar pela higiene, controlar a qualidade técnica dos produtos, decretar todos os regulamentos internos da fábrica e resolver todos os conflitos”[9]. Alguns delegados não-bolcheviques chegaram mesmo a propor que os Comitês tomassem diretamente posse das fábricas e exercessem todas as funções de gerência.
30 DE MAIO A 5 DE JUNHO
Primeira Conferência plenária dos Comitês de Fábrica de Petrogrado.
A Conferência reuniu-se no Palácio Tauride, o mesmo recinto que três meses atrás tinha acolhido a Duma do Estado (Parlamento). Pelo menos metade dos Comitês representados provinham da indústria mecânica. “Os discursos empolados e longos dos parlamentares burgueses tinham sido substituídos pelas contribuições sinceras , simples e normalmente concisas dos ‘deputados’, que acabavam de arrumar as suas ferramentas ou máquinas para virem exprimir pela primeira vez em público as suas humilhações, exigências de classe e necessidades como seres humanos”[10].
Os delegados bolcheviques eram majoritários. Embora a maior parte das suas intervenções se centrassem na necessidade de introduzir o controle operário como meio de “restaurar a ordem” e “manter a produção”, também se fizeram ouvir outras opiniões. Nemtsov, operário metalúrgico bolchevique, afirmou que o “trabalho nas fábricas está atualmente nas mãos dos altos quadros dirigentes. Devemos introduzir o princípio coletivo. Para realizar trabalho… não precisamos das decisões individuais dos capatazes. Introduzindo o princípio eletivo, podemos controlar a produção”. Naumov, outro delegado, reivindicava que “pelo fato de nós mesmos controlarmos a produção, aprenderemos os seus aspectos práticos e elevá-la-emos ao nível da futura produção socialista”[11]. Nesta altura, ainda estamos muito longe da defesa bolchevique da “eficiência” da direção de um só e da prática das nomeações a partir de cima.
A Conferência teve numerosos participantes. Até mesmo M. I. Skobelev, menchevique, Ministro do Trabalho do Governo Provisório, lá estava. A sua intervenção teve interesse na medida em que foi uma antecipação do que os bolcheviques viriam a dizer antes mesmo que o ano acabasse. Skobelev dizia que “a planificação e controle da indústria eram uma tarefa do Estado. A responsabilidade de ajudar o Estado no seu trabalho organizativo recai sobre uma classe específica, essencialmente a classe trabalhadora”. Também afirmou que “a transferência das empresas para as mãos do povo, nesta, altura, não ajudaria a Revolução”. A regulamentação da indústria era função do Governo e não dos Comitês de Fábrica autônomos. “Os Comitês serviriam melhor a causa dos trabalhadores tornando-se unidades duma rede de sindicatos subordinados ao Estado”[12].
Rosanov, um dos fundadores da União dos Trabalhadores Profissionais, defendia um ponto de vista semelhante. As suas afirmações de que “as funções dos Comitês de Fábrica eram efêmeras” e que “os Comitês de Fábrica deviam constituir os elementos básicos dos sindicatos” foram asperamente criticadas. Contudo é este o papel a que os Comitês de Fábrica serão relegados, dentro de alguns meses, pela prática bolchevique. No entanto, nessa, altura, os bolcheviques criticavam muito essa idéia (os sindicatos estavam em grande medida sob a influência menchevique).
O discurso de Lênin à Conferência já permitia supor o que iria acontecer. Explicou que o controle operário significava “que a maioria dos trabalhadores devia pertencer a todas as instituições responsáveis e que a administração devia prestar contas das suas ações às organizações operárias mais importantes”[13]. Nitidamente, Lênin entendia por “controle operário” uma “administração” por outras pessoas que não os trabalhadores.
A resolução final, apoiada por 336 dos 421 delegados, proclamou que os Comitês de Fábrica eram “organizações de luta, eleitas com base no princípio da democracia mais completa e com uma direção coletiva”. Os seus objetivos eram “a criação de novas condições de trabalho”. A resolução apelava para “a organização de um controle completo pelos trabalhadores sobre a distribuição” e para “uma maioria, proletária em todas as instituições com poder executivo”[14].
Nas semanas seguintes assistiu-se a um fortalecimento considerável dos Comitês de Fábrica. Sempre que conseguiram força suficiente (antes, e mais particularmente depois da Revolução de Outubro, quando foram reconhecidos pelos Sovietes locais), os Comitês “assumiram ousadamente a chefia das suas fábricas e o seu controle direto”[15].
16 DE JUNHO
Primeiro Congresso Pan-Russo dos Sovietes.
20 A 28 DE JUNHO
Uma conferência sindical, que se realizou em Petrogrado, aprovou uma resolução que estipulava que “os sindicatos que defendem os direitos e interesses do trabalho assalariado… não podem assumir funções administrativo-econômicas na produção”[16]. Os Comitês de Fábrica deviam fazer propaganda para a entrada no sindicato de todos os trabalhadores da empresa. Deviam “trabalhar para o fortalecimento e expansão dos sindicatos, contribuir para a unificação das suas ações de luta” e “aumentar a autoridade dos sindicatos junto dos trabalhadores não organizados”[17].
Essa Conferência, dominada pelos mencheviques e socialistas-revolucionários, restringiu consideravelmente a ação dos Comitês de Fábrica. Esta restrição exprimia-se no fato dos Comitês deverem ser eleitos com base em listas designadas pelos sindicatos.
As teses bolcheviques, apresentadas na Conferência por Glebov-Avilov, sugeriam que, para a boa condução do “controle” operário, deviam ser agregadas “comissões de controle econômico” à administração central dos sindicatos. Essas comissões deviam ser constituídas por membros dos Comitês de Fábrica e deviam cooperar com estes últimos em cada empresa individual. Os Comitês de Fábrica, não só deviam ter “funções de controle” sob as ordens do sindicato, mas estavam também financeiramente dependentes deste[18].
A Conferência criou um Conselho Central Pan-Russo dos sindicatos cujos representantes eram eleitos em proporção da força numérica das várias tendências políticas presentes na Conferência .
Nesta fase, os bolcheviques estavam a jogar com um pau de dois bicos, tentando ganhar influência nos sindicatos e nos Comitês. Tendo em vista esse objetivo, não se coibiam de todo o tipo de conversas dúbias. Nos sindicatos sob forte influência menchevique, os bolcheviques faziam força por uma autonomia considerável dos Comitês de Fábrica. Nos sindicatos sob sua influência, o seu entusiasmo, no que se refere a este assunto, era muito menor.
É necessário nesta altura dizer algumas palavras sobre o papel dos sindicatos antes e imediatamente após a Revolução de Fevereiro.
Anteriormente a 1919, os sindicatos tinham tido uma importância muito relativa na história do operariado russo. A indústria russa ainda era muito recente. Sob o czarismo (pelo menos até ao princípio do século), as organizações sindicais eram ilegais e perseguidas. “Ao suprimir o sindicalismo, o czarismo sobrevalorizou, o que não foi muito inteligente da sua parte, as organizações políticas revolucionárias… Nestas condições só os trabalhadores muito politizados, os que estavam preparados para sofrer pelas suas convicções a prisão e o exílio, se juntavam aos sindicatos… Enquanto que na Grã-Bretanha o Partido Trabalhista tinha sido criado pelos sindicatos, os sindicatos russos viveram desde a sua criação à sombra do movimento político”[19].
Essa análise é correta, e tem, além disso, um significado muito mais profundo do que aquele que Deutscher supunha. Os sindicatos Russos de 1917 refletiam essa evolução peculiar do movimento da classe trabalhadora russa. Por um lado, os sindicatos eram auxiliares dos partidos políticos sendo utilizados por estes com o fim de recrutar quadros e como massa de manobra[b]. Por outro lado o movimento sindical, de certo modo renascido depois de Fevereiro de 1917, radicalizou-se devido à ação dos operários mais conscientes: a liderança dos vários sindicatos reflete a predominância de uma espécie de elite intelectual, favorável de início aos mencheviques e socialistas-revolucionários, mas que mais tarde, se voltou, em proporções diversas, para os bolcheviques.
É importante compreender que, desde o começo da Revolução, os sindicatos eram rigidamente controlados pelas organizações políticas, que os usavam como apoio para as suas diversas ações. Isso explica a facilidade com que o Partido conseguiu, posteriormente, manipular os sindicatos. Ajuda também a perceber porque razão os sindicatos (e os seus problemas) foram freqüentemente o campo de batalha no qual as divergências políticas entre os líderes do Partido se confrontavam. Se acrescentarmos a isso o fato de que toda a evolução anterior do Partido (incluindo a sua estrutura altamente centralizada e as suas concepções de hierarquia organizativa) favoreceu a sua separação em relação à classe operária, percebe-se melhor quão desfavoráveis eram as possibilidades de uma expressão autônoma, ou mesmo de uma simples afirmação das aspirações da classe trabalhadora. De certo modo, isso era de mais fácil expressão nos Sovietes do que no Partido ou nos sindicatos.
Seja como for, o número de sindicalizados cresceu rapidamente após Fevereiro, aproveitando-se os trabalhadores da nova liberdade conquistada. “Durante os primeiros meses de 1917, o número de sindicalizados aumentou, de uns poucos milhares, a 1,5 milhões… Mas o papel prático desempenhado pelos sindicatos não correspondia à sua força numérica… Em 1917 as greves nunca assumiram a grandeza e força das de 1905… A ruína econômica da Rússia, a inflação galopante, a escassez de bens de consumo, etc., tornou irreal a natural luta pelo ‘pão’. Ainda por cima os possíveis grevistas arriscavam-se a ser mobilizados. A classe operária não estava disposta a lutar por vantagens econômicas limitadas e reformas parciais. Toda a ordem social da Rússia estava em jogo”[20].
JUNHO-JULHO
Esforços persistentes dos mencheviques para subordinarem totalmente os Comitês de Fábrica e de Oficina aos sindicatos. Este objetivo não foi bem sucedido devido à aliança temporária entre anarquistas, que se opunham a essa tentativa por questões de princípio, e bolcheviques que atuavam com base em considerações tácticas.
O movimento autônomo dos Comitês de Fábrica desenvolveu-se mais, inclusive no aspecto militante, na indústria mecânica[21]. Chame-se a atenção para esse fato, pois é ele que explica as medidas drásticas que os bolcheviques tiveram que tomar em 1922 para destruir as organizações independentes dos operários mecânicos.
26 DE JULHO A 3 DE AGOSTO
Sexto Congresso do Partido.
Milyutin declara: “Aproveitaremos a onda econômica do movimento dos operários e transformaremos esse movimento espontâneo num movimento político consciente contra o poder estatal existente”[22].
7 A 12 DE AGOSTO
“Segunda Conferência dos Comitês de Fábrica de Petrogrado, Subúrbios e Províncias Vizinhas”, realizada no Instituto Smolny.
A Conferência decidiu que 0,25% dos salários de todos os trabalhadores representados deveria ser para apoiar um “Soviete Central dos Comitês de Fábrica”, tornando-os assim financeiramente independentes dos sindicatos[23]. Os elementos da base dos Comitês de Fábrica encararam a constituição desse “Soviete Central” de diversas maneiras. Por um lado sentiam a necessidade de coordenação. Por outro lado queriam que essa coordenação fosse realizada na base, por eles mesmos. Muitos suspeitavam das motivações dos bolcheviques, que tinham tido a iniciativa de o constituir burocraticamente. O bolchevique Skrypnik falou das dificuldades do Soviete Central dos Comitês de Fábrica, atribuindo-as “em parte aos próprios trabalhadores”. Os Comitês de Fábrica tinham dado aos seus membros liberdade para trabalhar no Soviete Central com certa relutância. Alguns Comitês “abstiveram-se de participar no Soviete Central devido à sua predominância bolchevique”[24]. V. M. Levin, outro bolchevique, queixou-se de que os trabalhadores “não distinguiam o conceito de controle do conceito de expropriação”[25].
A Segunda Conferência adotou um grande número de estatutos, que regulamentavam o trabalho dos Comitês, os deveres da direção (sic!), o procedimento para a eleição dos Comitês, etc.[26]. “Todos os decretos dos Comitês de Fábrica” foram declarados obrigatórios “para a administração da fábrica assim como para os operários e empregados, enquanto esses decretos não fossem abolidos pelo próprio Comitê, ou pelo Soviete Central dos Comitês de Fábrica”. Os Comitês deviam reunir-se regularmente durante as horas de trabalho. Deviam realizar-se assembléias nos dias designados pelos Comitês. Os membros dos Comitês deviam receber o salário integral – (da entidade que os empregava) – enquanto se ocupassem de assuntos do Comitê. Para que um membro do Comitê de Fábrica pudesse largar o trabalho de modo a cumprir as suas obrigações para com o Comitê devia bastar avisar o pessoal administrativo respectivo. Nos intervalos entre as reuniões, determinados membros designados pelo Comitê de Fábrica deviam ocupar um local, no interior da fábrica, onde pudessem receber informações dos trabalhadores e dos empregados. A administração da fábrica devia fornecer os fundos necessários “para a manutenção dos Comitês e boa condução das suas tarefas”. Os Comitês de Fábrica deviam ter “controle sobre a composição da administração e o direito de despedir todos os que não dessem garantias de um tipo de relações normal com os trabalhadores, ou que fossem incompetentes por outras razões”. “O pessoal administrativo da fábrica só pode entrar em serviço com o consentimento do Comitê de Fábrica, que deve anunciar as suas (sic!) admissões numa reunião geral de toda a fábrica ou através de comitês de departamento ou de oficina”. A “organização interna” da fábrica (tempo de trabalho, salário, férias, etc.) também devia ser determinada pelo Comitê de Fábrica. Os Comitês de Fábrica deviam ter a sua imprensa própria e deviam “informar os trabalhadores e empregados da empresa das suas resoluções, afixando-as em lugar visível”. Mas, como notou com realismo o bolchevique Skrypnki, advertindo a conferência: “não nos devemos esquecer que estes estatutos não são estatutos normais confirmados pelo Governo. São a nossa plataforma e é baseados nela que lutaremos”. O fundamento das exigências era o “direito revolucionário consuetudinário”.
3 DE AGOSTO
O Governo Provisório lança uma campanha contra os Comitês de Fábrica nos Caminhos de Ferro. Kukel, Vice-Ministro da Marinha, propõe a proclamação da lei marcial nos Caminhos de Ferro e a criação de comissões encarregadas de “dissolver os Comitês”. (Isto é a burguesia a falar em Agosto de 1917… e não Trotski em Agosto de 1920! Ver Agosto de 1920).
Numa “consulta à base” realizada em Moscou em 10 de Agosto e patrocinada pelo Governo, atribuiu-se a situação catastrófica dos Caminhos de Ferro à existência dos Comitês dos Caminhos de Ferro. “De acordo com um inquérito realizado numa assembléia de Diretores de Caminhos de Ferro, tinham sido nomeados para participar nestes Comitês, que atingiam 37 linhas principais, 5531 operários. Esses operários estavam autorizados a faltar ao trabalho. Calculando com base num salário mínimo médio de 2000 rublos, essa brincadeira custava ao Governo 11 milhões de rublos. E isto só em 37 das 60 linhas principais…“[27].
Na mesma ocasião, Struve, conhecido ideólogo e economista burguês, escrevia que “assim como no campo militar a eliminação dos oficiais por soldados leva à destruição do Exército (porque implica a legalização da revolta, o que é em si incompatível com a existência do Exército), igualmente no terreno econômico a substituição do poder dos dirigentes pela direção dos operários implica a destruição da ordem econômica e da vida normal nas empresas”[28].
Mais tarde, em Agosto, realizou-se uma Conferência de Patrões em Petrogrado, que institui uma União das Associações Patronais. A função principal da nova organização foi descrita pelo seu presidente Bymanov como sendo “a eliminação da interferência dos Comitês de Fábrica nas funções diretivas”.
11 DE AGOSTO
Primeiro número do Goloss Truda, publicado na Rússia pela União de Propaganda Anarco-Sindicalista.
25 DE AGOSTO
O Goloss Truda publica um editorial famoso intitulado “Questões do Momento”: “Nós dizemos aos operários, camponeses, soldados, revolucionários russos: acima de tudo continuai a revolução. Continuai a organizar-vos solidamente e a unir as vossas novas organizações: as vossas comunas, sindicatos, comitês, sovietes. Continuai, com firmeza e perseverança, a todo o momento e em todo o lugar, a participar cada vez em maior extensão, e cada vez mais efetivamente na vida econômica do país, continuai as expropriações, isto é, apropriem-se as vossas organizações de todas as matérias primas e de todos os instrumentos indispensáveis ao vosso trabalho. Continuai a Revolução. Não hesiteis em enfrentar as questões candentes do momento. Criai por toda parte as organizações necessárias para realizar essas soluções. Camponeses, apoderai-vos da terra e colocai-a à disposição dos vossos comitês. Operários, preparai-vos para entregar à disposição das vossas próprias organizações sociais, sempre no próprio local, as minas e o subsolo, as empresas e os estabelecimentos de todo o tipo, as manufaturas e fábricas, as oficinas e máquinas”. Mais tarde, o número 15 do mesmo jornal incitava os seus leitores a “começarem a organizar imediatamente a vida econômica e social do país em novas bases. Então, uma espécie de ‘ditadura do trabalho’ começará a realizar-se de um modo fácil e natural. E o povo aprenderá pouco a pouco a impô-la”.
Durante este período houve um grande número de greves (operários têxteis e dos curtumes em Moscou, operários mecânicos em Petrogrado, operários do petróleo em Baku, mineiros no baixo Don). “Havia um fator comum a todas essas lutas: os patrões estavam prontos a fazer concessões aumentando os salários, mas recusavam-se categoricamente a reconhecer, quaisquer direitos aos Comitês de Fábrica. Os operários em luta… estavam preparados para lutar até às últimas conseqüências, não tanto na questão do aumento de salário mas mais pelo reconhecimento das suas organizações de fábrica”[29]. Uma das exigências principais era a transferência do direito de admitir e despedir operários para os Comitês. As insuficiências da “lei” de 23 de Abril eram agora bem evidentes. A exigência de que os Sovietes tomassem o poder começava a ter adeptos. “Durante a luta por uma ‘constituição fabril’ a classe operária tinha realizado a necessidade de ser ela própria a dirigir a produção”[30].
28 DE AGOSTO
Como resposta à crescente campanha nos jornais burgueses contra os Comitês de Fábrica e o “anarquismo da classe operária”, o Ministro do Trabalho, o menchevique Skobelev, mandou publicar a sua famosa “Circular Nº 421” proibindo as reuniões dos Comitês de Fábrica durante as horas de trabalho (“devido à necessidade de consagrar toda a energia e todo o tempo ao trabalho intensivo”). A circular autoriza a direção a descontar, do salário dos operários que assistam às reuniões do Comitê, o tempo perdido. Passou-se isto na ocasião em que Kornilov avançava sobre Petrogrado e “quando os operários se apressavam a defender energicamente a Revolução sem cuidarem de saber se o faziam ou não durante as horas de trabalho”[31].
SETEMBRO
O Partido Bolchevique conquista a maioria nos Sovietes de Petrogrado e de Moscou.
10 DE SETEMBRO
Terceira Conferência dos Comitês de Fábrica. A 4 de Setembro, outra circular do Ministério do Trabalho tinha estipulado que o direito de admitir e despedir operários pertencia aos donos das empresas. O Governo Provisório, já muito alarmado com o crescimento dos Comitês de Fábrica, tentava desesperadamente limitar o seu poder.
Como representante do Ministério do Trabalho, esteve presente na Conferência o menchevique Kolokolnikov, que defendeu as Circulares. “Explicou” que as circulares não privavam os operários do controle de admitir e despedir… mas somente do direito de admitir e despedir. “Como os bolcheviques fariam mais tarde, Kolokolnikov definiu controle como supervisão sobre a política em oposição ao direito de fazer política”[32].
Na Conferência, um operário chamado Afinogenev afirmou que “todos os partidos, sem exclusão dos bolcheviques, aliciam os operários com a promessa do Reino dos Céus na terra daqui a cem anos… Nós não necessitamos de melhorias daqui a cem anos, mas já, imediatamente”[33]. A Conferência, que só teve duas sessões, decretou que ia tentar abolir imediatamente as circulares.
14 DE SETEMBRO
Assembléia da Conferência Democrática patrocinada pelo Governo. Acentuando que as tarefas dos Comitês de Fábrica eram “essencialmente diferentes” das dos sindicatos, os bolcheviques pediram 25 lugares para os Comitês de Fábrica. (O Governo tinha concedido o mesmo número de lugares aos sindicatos).
26 DE SETEMBRO
Lênin escreve: “O Governo Soviético deve introduzir imediatamente, de uma ponta à outra do Estado, o controle operário sobre a produção e distribuição”. “Não se introduzindo esse controle… a ameaça de uma fome e catástrofe de dimensões nunca vistas crescerá de semana a semana”[34].
Durante várias semanas os patrões, em escala cada vez maior, tinham recorrido a lock-outs na tentativa de quebrar o poder dos Comitês. Entre Março e Agosto de 1917, tinham fechado 586 empresas que empregavam cerca de 100.000 operários[35]. algumas vezes por falta de combustível ou matérias primas, mas muitas vezes numa tentativa deliberada dos patrões para evitar o poder crescente dos Comitês. Entre as funções do controle operário, considerava se a de acabar com tais práticas.
1 DE OUTUBRO
Publicação de “Podem os bolcheviques manter o poder estatal?”, de Lênin. Este texto contém certas passagens que nos ajudam a compreender muitos dos acontecimentos futuros. “Quando dizemos controle operário, nós associamos sempre essa palavra de ordem com a ditadura do proletariado, e colocamo-la sempre depois desta, mostrando claramente que tipo de Estado temos em mente.. Se é um Estado proletário que estamos a considerar (isto é, a ditadura do proletariado) então o controle operário pode tornar-se numa contabilidade (ênfase de Lênin) extremamente precisa e extremamente escrupulosa, a nível nacional, abarcando tudo, onipresente, da produção e distribuição dos bens”.
Nesse mesmo panfleto, Lênin define o tipo de “aparelho socialista” (ou enquadramento) dentro do qual será exercida a função de contabilidade (controle operário). “Sem grandes bancos é impossível realizar o socialismo. Os grandes bancos são um ‘aparelho estável’ de que precisamos para a realização do socialismo e de que nos apoderaremos, já prontos, ao capitalismo. O nosso problema aqui é unicamente o de eliminar tudo o que desfigura de modo capitalista esse aparelho aliás excelente e torná-lo ainda maior, mais democrático, mais amplo…”. “Um único e imenso banco estatal, com ramos em todos os distritos rurais e em todas as fábricas – já seriam nove décimos do aparelho socialista”. De acordo com Lênin, esse tipo de aparelho permitiria “uma contabilidade à escala nacional, o controle à escala nacional da produção e distribuição dos bens, por parte do Estado”, e seria “por assim dizer, algo como o esqueleto da sociedade socialista”. (ênfase de Lênin ao longo de todo o texto).
Ninguém nega a importância de manter registros de confiança sobre os dados econômicos, mas a identificação por Lênin de controle operário, num “Estado operário”, com a função contabilidade (isto é, verificação da realização das decisões tomadas por outros) é extremamente reveladora. Em nenhum dos escritos de Lênin se conjuga o controle operário com a participação nas decisões fundamentais (isto é, com a iniciativa das decisões) no que se refere à produção (quanto produzir, como produzir, a que preço, à custa de quem, etc.).
Outros escritos de Lênin neste período reiteram a afirmação de que uma das funções do controle operário é evitar a sabotagem dos altos funcionários e burocratas. “Quanto aos altos funcionários… teremos de os tratar como tratamos os capitalistas: – duramente. Eles, assim como os capitalistas, oferecerão resistência… poderemos se bem sucedidos, com a ajuda do controle operário, em tornar tal resistência impossível”[36].
A noção de Lênin acerca do controle operário (como meio de evitar lock-outs) e os seus pedidos repetidos de “abertura dos livros de contabilidade” (como maneira de evitar a sabotagem econômica) referia-se quer à situação imediata, quer aos meses após a revolução. Ele previa que existiria um período durante o qual, num Estado operário, a burguesia ainda manteria a posse formal e direção efetiva da maior parte do aparelho produtivo. O novo Estado, na opinião de Lênin, não seria capaz de dirigir a indústria imediatamente. Haveria um período de transição durante o qual os capitalistas seriam coagidos a cooperar. O instrumento dessa coerção seria o “controle operário”.
10 DE OUTUBRO
Quarta Conferência dos Comitês de Fábrica de Petrogrado e subúrbios. O assunto principal da ordem de trabalhos era a convocação da primeira Conferência Pan-Russa dos Comitês de Fábrica.
13 DE OUTUBRO
O Goloss Truda apela para o “controle operário total abarcando todas as operações nas oficinas, controle real e não fictício, controle sobre as normas de trabalho, admissão e despedimento de pessoal, horário e salário e os processos de fabrico”.
Os Comitês de Fábrica e Sovietes surgiam por toda a parte a um ritmo incrível. O seu crescimento pode ser explicado pela extrema radicalidade das tarefas que a classe operária tinha que enfrentar. Os Comitês e os Sovietes estavam muito mais perto das realidades da vida quotidiana do que os sindicatos. Revelaram-se portanto como os verdadeiros porta-vozes das aspirações populares fundamentais.
Durante esse período fez-se uma intensa propaganda a favor de idéias libertárias. “Não se encerrou um único jornal, não se confiscou um único panfleto, folheto ou livro, não foi proibido um único comício de massa ou reunião… É verdade que o Governo, nesse período, não era avesso a tratar severamente quer os anarquistas quer os bolcheviques. Kerensky ameaçou-os muitas vezes de ‘os queimar com ferros em brasa’. Mas o Governo mostrava-se impotente porque a Revolução estava no auge”[37].
Como já referimos, os bolcheviques nessa altura ainda apoiavam os Comitês de Fábrica. Consideravam-nos como “o aríete que desfechava golpes sobre o capitalismo, órgãos da luta de classe criados pela classe operária no seu próprio campo”[38]. Também viam na palavra de ordem “controle operário” uma maneira de minar a influência menchevique nos sindicatos. Mas os bolcheviques estavam a ser “arrastados por um movimento que sob muitos aspectos era embaraçoso para eles mas que, como força motora principal da revolução, não podiam deixar de apoiar”[39].
Em meados de 1917 o apoio dos bolcheviques aos Comitês de Fábrica era tal que os mencheviques os acusaram de “abandonar” o marxismo em favor do anarquismo. “De fato Lênin e os seus companheiros mantiveram-se fiéis à concepção marxista do Estado centralizado. O seu objetivo imediato, contudo, ainda não era o de constituir a ditadura proletária centralizada, mas o de descentralizar tanto quanto possível o Estado burguês e a economia burguesa. Esta era a condição necessária ao êxito da revolução. No campo econômico, portanto, os Comitês de Fábrica, órgãos locais, mais do que os sindicatos, eram o instrumento de sublevação mais poderoso e mortífero. Por isso os sindicatos foram relegados para os bastidores…“[40].
Essa talvez seja a afirmação mais explícita da razão por que os bolcheviques apoiavam, nessa altura, o controle operário e o seu veículo organizativo, os Comitês de Fábrica. Hoje em dia só os ignorantes, ou os que desejam ser enganados, se podem dar ao luxo de acreditar que o poder proletário, no ato de produção, tenha sido um dos princípios fundamentais ou objetivo dos bolcheviques.
17 A 22 DE OUTUBRO
Primeira Conferência Pan-Russa dos Comitês de Fábrica, convocada por Novy Put (Novo Rumo), jornal “fortemente marcado por um novo tipo de anarco-sindicalismo, embora não existissem anarco-sindicalistas propriamente ditos no seu comitê de redação”[41].
De acordo com fontes bolcheviques posteriores, dos 137 delegados que assistiram à Conferência, 86 eram bolcheviques, 22 socialistas-revolucionários, 11 anarco-sindicalistas, 8 mencheviques, 6 “maximalistas” e 4 “sem partido”[42]. Os bolcheviques estavam prestes a tomar o poder, e a sua atitude para com os Comitês de Fábrica começava a mudar. Shmidt, futuro Comissário do Trabalho do governo de Lênin, descreveu o que tinha sucedido em muitas regiões. “Na altura em que se formaram os Comitês de Fábrica, os sindicatos ainda não existiam de fato. Os Comitês de Fábrica preencheram o vácuo”[43]. Outro porta-voz bolchevique afirmou que “o crescimento e influência dos Comitês de Fábrica ocorreram naturalmente à custa das organizações econômicas centralizadas da classe operária tais como os sindicatos. É claro que isto é uma evolução altamente anormal o que na prática tem conduzido a resultados muito indesejáveis”[44].
Um delegado de Odessa exprimiu ponto de vista diferente. Declarou que “as Comissões de Controle não devem ser comissões unicamente de verificação mas devem ser embriões do futuro, que neste mesmo momento se estão a preparar para transferir a produção para as mãos dos trabalhadores”[45]. Um orador anarquista argumentou que “os sindicatos querem devorar os Comitês de Fábrica. Os trabalhadores não estão descontentes com os Comitês de Fábrica, mas estão-no com os sindicatos. Para o trabalhador o sindicato é uma forma de organização imposta de fora. O Comitê de Fábrica está muito mais próximo dele”. Voltando a um assunto que seria repisado muitas vezes acentuou que “os Comitês de Fábrica são os embriões do futuro… Devem ser eles agora, não o Estado, a gerir”[46].
Nessa altura, Lenine viu a enorme importância dos Comitês de Fábrica… como meio de ajudar o Partido bolchevique a tomar o poder. De acordo com Ordzhonikidze ele afirmou que “devemos mudar o centro de gravidade para os Comitês de Fábrica. Os Comitês de Fábrica devem tornar-se os órgãos da insurreição. Temos que mudar a palavra de ordem: em vez de dizermos ‘Todo o poder aos Sovietes’, devemos dizer ‘Todo o poder aos Comitês de Fábrica’“[47].
Foi aprovada uma resolução na Conferência que proclamava que o controle “operário”, dentro dos limites que lhe eram estipulados pela Conferência, só era possível sob a direção econômica e política da classe operária. Acautelava-os contra as atividades “isoladas” e “desorganizadas” e acentuava que “a posse das fábricas pelos operários e o seu funcionamento para proveito pessoal era incompatível com os fins do proletariado”[48].
NOTAS
[a] Anna Mikhailovna Pankratova aderiu ao Partido bolchevique em 1919. Era na altura estudante na Universidade de Odessa. Escreveu uma serie de livros sobre a história do movimento operário russo e mais tarde tornou-se professora da Universidade de Moscou e da Academia das Ciências Sociais. Foi eleita em 1952 para o Comitê Central do Partido e tornou-se, no ano seguinte, a editora-chefe do jornal do Partido Voprosii Istorii (Questões de história). Morreu em 1957.
O seu panfleto sobre os Comitês de Fábrica, publicado antes da era das distorções históricas sistemáticas, contem material interessante. A sua perspicácia e visão são, contudo, seriamente limitadas devido à aceitação de duas premissas bolcheviques fundamentais: (1) “que o papel dos Comitês de Fábrica terminava ou com o refluxo da maré revolucionária ou com a vitória da revolução” e (2) que “as reivindicações e aspirações profundas da classe operária, quando emergem, são formuladas, providas com conteúdo ideológico e solidificadas organizativamente por intermédio do Partido… A luta pelo controle operário realizou-se sob chefia do partido, que permitiu (sic!) que o proletariado se apossasse do poder político e econômico”.
[b] Não “denunciamos” aqui o fato dos sindicatos serem influenciados pelos partidos políticos. Nem advogamos algo tão simplista como “manter a política fora dos sindicatos”. Limitamo-nos a descrever a situação real da Rússia em 1917, com a finalidade de avaliar a sua importância no desenvolvimento subseqüente da revolução Russa.
[1] Fabzavkomy: abreviação de fabrichno-zavodnye komitety.
[2] A. M. Pankratova, Fabzavkomy Rossii v borbe za sotsialisticheskuyu fabriku (os Comitês de Fábrica Russos na luta pela fábrica socialista). Moscou, 1923, p. 9. Partes deste importante documento foram publicados no número de Dezembro de 1967 (nº 34) da revista francesa Autogestion (os números de página referem-se à versão francesa).
[3] Ibid., pp. 12-13.
[4] Ibid., p. 12.
[5] V. I. Lenin, “Tasks of the Proletariat in Our Revolution”, Selected Works, VI, p. 62.
[6] V. I. Lenin, “Political Parties and Tasks of the Proletariat”, ibid., pp. 85-6.
[7] V. I. Lenin, “Materials on Revision of Party Programme”, ibid., pp. 116-117.
[8] V. I. Lenin, “Ruin is Threatening”, ibid., p. 142.
[9] I. Kreizel, Iz istorii profdvizheniya g. Kharkova v 1917 godu (Sobre a história do movimento sindical em Kharkov em 1917) (Kharkov, 1921). Referido por Pankratova, op. cit., p. 15.
[10] Pankratova, op. cit., p. 19.
[11] Ibid., p. 19.
[12] Pervaya rabochaya konferentsiya fabrichno-zavodskikh komitetov (Primeira Conferência Operária dos Comitês de Fábrica), Petrogrado, 1917.
[13] V. I. Lenin, Sochineniya, XX, p. 459.
[14] S. O. Zagorsky, State Control of Industry in Russia during the War (O Controle estatal da Indústria na Rússia durante a Guerra), New Haven, 1928, pp. 174-5.
[15] Daniels, op. cit., 1960, p. 83.
[16] Tretya vserossiiskaya konferentsiya professionalnykh soyuzov: Rezolyutsii prinyatiya na zasedaniakh konfer-entsii 20-28 lyunya / 3-11 lyulya 1917 g (Terceira Conferência Pan-Russa dos Sindicatos: Resoluções adotadas nas sessões da Conferência de 20-28 de Junho a 3-11 de Julho de 1917), Petrogrado, não datada, p. 18.
[17] Ibid., para 6.
[18] Ibid., p. 323.
[19] I. Deutscher, Soviet Trade Unions (Os sindicatos soviéticos), Londres: Royal Institute of International Affairs, 1950, pp. 1-2.
[20] Ibid., p. 13.
[21] Ver as estatísticas sobre as greves políticas em V. L. Meller e A. M. Pankratova, Rabocheye dvizheniye v 1917 godu (O movimento operário em 1917), pp. 16, 20. Ver também M. C. Fleer, Rabocheye dvizheniye v godu voiny (O movimento operário nos anos da Guerra), Moscou, 1925, pp. 4-7.
[22] Shestoi s’yezd RSDRP(b): Protokoly (O Sexto Congresso do POSDR (b): Protocolo 1917), Moscou: IMEL, 1934, p. 134.
[23] Oktyabrskaya revolutsiya i fabzavkomy: materiali po istorii fabrchno-zavidskikh komitetov (A Revolução de Outubro e os Comitês de Fábrica), Moscou, 3 vols., 1927-1929. Vol. I, pp. 229, 259. Estes volumes (daqui para diante rederidos como Okt. Rev. i Fabzavkomy) são a fonte mais útil sobre os Comitês de Fábrica.
[24] Ibid., p. 190.
[25] Ibid., p. 171.
[26] Descritos com grande pormenor em Okt Rev. i fabzavkomy.
[27] Pankratova, op. cit., p. 25.
[28] Ibid., p. 25.
[29] Ibid., p. 29. Em flagrante contradição com a afirmação de que os trabalhadores “só são capazes de atingir uma consciência sindical”.
[30] Ibid., p. 36.
[31] Novy Put (Novo Rumo), 15 de Outubro de 1917,nºs. 1-2. Novy Put era o órgão do Soviete Central dos Comitês de Fábrica.
[32] F. I. Kaplan, Bolshevik Ideology (A ideologia bolchevique), Londres: Peter Owen, 1969, p. 83.
[33] Okt. Rev. i Fabzavkomy, II, p. 23.
[34] V. I. Lenin, “The Aims of the Revolution”, Selected Works, VI, pp. 245-6.
[35] V. P. Milyutin, Istoriya ekonomicheskogo razvitiya SSSR, 1917-1927 (História do desenvolvimento econômico da URSS), Moscou e Leningrado, 1927, p. 45.
[36] Lenin, Selected Works, VI, pp. 265-7.
[37] G. P. Maximov, Syndicalists in the Russian Revolution (Os sindicalistas na Revolução Russa) (panfleto nº 11 de “Direct Action”), p. 6.
[38] Pankratova, op. cit., p. 5.
[39] E. H. Carr, The Bolshevik Revolution (A revolução bolchevique) Penguin Edition, II, p. 80.
[40] Deutscher, Soviet Trade Unions, op. cit., pp. 15-16.
[41] Maximov, op. cit., pp. 11-12.
[42] Okt. Rev. i Fabzavkomy, II, p. 114.
[43] Ibid., II, p. 188.
[44] Ibid., II, p. 190.
[45] Ibid., II, p. 180.
[46] Ibid., II, p. 191.
[47] G. K. Ordzhonikidze, Izbrannye statii i rechi 1911-1937 (Artigos e discursos selecionados), Moscou, 1939, p. 124.
[48] Pankratova, op. cit., pp. 48-9.
A transcrição desta tradução do livro de Maurice Brinton, The bolsheviks and workers’ control: the State and counter-revolution, feita por Carlos Miranda, conta com autorização da Editora Afrontamento, que a publicou originalmente em 1975. Este artigo faz parte do esforço coletivo de traduções do centenário da Revolução Russa mobilizado pelo Passa Palavra. Veja aqui a lista de textos e o chamado para participação.