Por Douglas Rodrigues Barros
Existe para as almas, facilmente impressionáveis, um momento angustiante que sobrevém no instante indeciso, em que ainda se leva muito a sério a si próprio; a penumbra da indecisão projeta suas tintas imprecisas sobre todos os acontecimentos, favorecendo o alvorecer de uma paixão que nunca se combina com os efeitos da realidade. A convicção, que quase sempre toma a consciência dessa alma afetada, torna-a particularmente cara aos que buscam formação através de um estudo profundo. Assim é essa a afecção atual de centenas de jovens, afecção fornecida pela democracia reduzida ao espetáculo das eleições.
Mamãe sempre dizia que nós somos os heróis principais de nossa própria história. O que ela queria dizer com isso, confesso, me é ainda hoje um enigma, mas o sentido prático que adotei para essas palavras é o de que ninguém pode me representar, minha carcaça é tão somente minha, e a peça de minha existência é escrita por meio de minhas escolhas. Soma-se a isso uma leitura, digamos muito precoce, de Thoreau mais uma adolescência eivada de existencialismo de periferia e então teremos o quadro perfeito de um anarquista de coração, comunista por obrigação.
Por falar em representação, nessa hora de magia “democrática”, uma jovem militante, mulher de talento, e que na política nada mais via do que a própria vida, estava trepando numa plataforma de aço que lhe servia para colocar uma grande e alta bandeira com a hashtag “EleNão”. Lá em cima, gritando-me, admirando a multidão, de boa-fé, mergulhada na corrente de seu entusiasmo, chegava numa dessas meditações que encantam a alma, ampliando-a e consolando-a pela miséria de nossa conjuntura. Seu devaneio durou pouco. Desceu e sua voz doce tirou-me do entorpecimento no qual me achava mergulhado.
– Mas que cara é essa? – perguntou-me – fique feliz, olha o tanto de gente aqui!
– Sim! Estou contente, afinal…
– Não só tem partidário aqui, veja – fez apontando uma bandeira rubro negra – existem muitas pessoas que se organizam fora dos partidos!
– Meu problema não é o partido, não são os partidos, é a noção de projeto, são as ideias… a projeção que se faz para além dos limites do circo do absurdo!
– Mas esse circo ainda não mostrou todas as suas criaturas, é preciso saber que muitas aberrações ainda podem surgir!
– Tudo bem! Mas então o que faremos, compraremos a pipoca e evitaremos que a aberração suba ao palco pra vermos desfilar criaturas exóticas e palhaços? Ou queimaremos o circo?
– Ninguém quer queimar o circo, nem se sentem presos nessa ideia, as pessoas acreditam, veja… elas acreditam!
– E você acredita?
– Eu não, eu finjo, eu me represento!
– E se estiverem todos fingindo, representando? Quando acabaremos com isso? Quando acabaremos com o espetáculo para ter democracia de verdade?
– Eu não sei, quem sabe? Pode ser hoje! Pode ser amanhã! Mas, por enquanto… me ajuda aqui…
Conversa de bar:
Douglas Rodrigues Barros: “ninguém pode me representar, minha carcaça é tão somente minha, e a peça de minha existência é escrita por meio de minhas escolhas”…
Karl Marx: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”
João Bernardo: “no modelo que apresento, em que ocorre a completa integração da produção de força de trabalho no capital, os trabalhadores não oferecem no mercado a sua mercadoria, o valor de uso da sua força de trabalho, porque desde o início os capitalistas já a detêm. A condição de trabalhadores assumida a cada nova geração é fixada de antemão. Ela é uma condenação. No final dos anos de 1970 e na década seguinte e hoje ainda, tantas milhares de mãos anônimas escreveram pelas paredes de Paris “metro, boulot, dodo”, viajar entre a casa e o emprego, trabalhar, dormir — o circuito fechado que constitui o padrão capitalista para a vida de qualquer trabalhador, a integração durante 24 horas por dia nos processos do capital
Belchior: Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos, e vivemos… Ainda somos os mesmos vivemos como os nossos pais…
estruturalistas e posmodernos seguem dormindo o sono profundo.
enquanto isso, a vida segue agitada nas ruas das metrópolis.
Douglas, precisamos da determinação de tua escritura. Teus textos embalam a vigília dos que preferem não descansar quando se deparam com o impossível.
Só quero dizer uma coisa: manda o endereço desse bar, se Belchior tiver na vitrola já é
Conversa de bar noutro lado da rua:
Conversa fiada: “segue agitada nas ruas das metrópolis”
Bakunin:”o homem só se torna homem e só chega à consciência e à realização de sua humanidade em sociedade e somente através da ação coletiva da sociedade inteira; ele só se emancipa do jugo da natureza exterior pelo trabalho coletivo ou social que é o único capaz de transformar a superfície da Terra em lugar favorável aos progressos da humanidade. Sem esta emancipação material não pode haver a emancipação intelectual e moral para ninguém”
Guy Debord: “Será que vivemos nós os proletários, será que vivemos? Será que os fracos remédios que tomamos não seria a doença que nos corrói?”
Posmodernos: “A cidade de São Paulo, em parceria com a Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais (ANCLIVEPA-SP) disponibiliza aos moradores da capital dois hospitais públicos veterinários para o atendimento de Urgência e Emergência de cães e gatos. A ação que disponibilizou o hospital é da Coordenadoria Especial de Proteção a Animais Domésticos (CEPAD), criada em maio de 2012, responsável por medidas de bem-estar animal. O serviço é exclusivo aos moradores da capital e prioriza pessoas de baixa renda assistidas por programas sociais.
Estruturalistas: “Oito anos após o fechamento do Hospital Sorocabana, na Lapa, Zona Oeste de São Paulo, ainda há equipamentos entulhados no local. O hospital funcionou por mais de 50 anos e foi referência para moradores da Zona Oeste. Construído em 1955 num terreno do governo do estado, era administrado pela Associação Beneficente de Hospitais Sorocabana e fechou em 2010 por causa de problemas financeiros”
Eduardo Duzek: Troque seu cachorro por uma criança pobre sem parente, sem carinho, sem rango, sem cobre. Deixe na história de sua vidau ma notícia nobre…
Enquanto a tendência, de um lado, é se abrirem delegacias de proteção aos animais (ou outras tantas delegacias especializadas nisto ou naquilo…), de outro, há tendência a se fecharem delegacias do trabalho, ministério do trabalho, justiça do trabalho…
Eu queria ter nascido um cachorro…