Por Passa Palavra
No dia 10 de abril de 2019 Julian Assange foi preso, arrancado da embaixada do Equador na cidade de Londres, logo após o atual presidente equatoriano, Lenín Moreno, suspender o asilo político concedido por seu antecessor, Rafael Correa, desde de junho de 2012. O motivo da prisão de Assange está relacionado ao fato de ele ser considerado pela justiça britânica como um bail jumper — ou seja, alguém que não se apresentou novamente à justiça britânica depois de ter sido libertado por fiança; Assange havia sido preso na Grã-Bretanha por força das acusações de abuso sexual na Suécia, que posteriormente foram arquivadas.
Julian Assange é a pessoa por trás do Wikileaks, um site especializado em analisar e publicar arquivos censurados ou restritos por governos, que normalmente envolvem espionagem, guerra e corrupção. Um dos vazamentos mais recentes é o “INA Papers – Los documentos sobre la corrupción presidencial en el Ecuador“, um conjunto de documentos que mostram como Lenín Moreno tinha uma empresa de investimentos aberta pelo seu irmão em Belize, um paraíso fiscal, usada para lavar dinheiro que os dois haviam recebido de propina paga por empresas chinesas do ramo de construção.
Não nos parece necessário detalhar como a revogação do asilo está relacionada com uma vingança pessoal do atual presidente do Equador que, quando teve seus crimes expostos, decidiu permitir que a polícia britânica adentrasse a embaixada e prendesse Assange, um perseguido político, à força.
Mas o que a prisão de Julian Assange tem a ver com Ola Bini? Essa é uma pergunta interessante.
Ola Bini é um desenvolvedor de software sueco, que tem como foco de estudo e trabalho segurança da informação e privacidade. Ele é mundialmente conhecido por sua atuação em projetos de software livre.
Ola Bini também é uma pessoa assiduamente crítica à censura e à invasão da privacidade, e participou ao longo dos anos de inúmeras conferências sobre estes temas, tornando-se uma das referências no assunto.
No dia 11 de abril de 2019 Ola Bini foi preso no aeroporto de Quito quando faria uma viagem para o Japão. Não há acusações claras para a prisão, mas as notícias sobre o tema dizem que hackers russos e um membro do Wikileaks estariam colaborando com a desestabilização do governo equatoriano.
Pontos a se considerar:
- Não há prova alguma de que Ola Bini seja o “membro do Wikileaks” citado na reportagem;
- Os pais de Ola Bini apontam irregularidades na prisão de seu filho.
Ola Bini segue preso após um juiz equatoriano determinar sua prisão preventiva por 90 dias; seu advogado, Carlos Soria, classificou a decisão como “inconcebível e surpreendente” e anunciou que irá apelar. Adicionou ainda, em entrevista à Reuters:
Trata-se de vincular um caso de possível espionagem a algo sem nenhuma prova ou evidência. Ola Bini é um amigo pessoal de Julian Assange, mas não é membro do Wikileaks, e ser amigo de alguém não é um delito, nem ter computadores em casa é um delito
A prisão de Ola Bini e de Julian Assange é uma mensagem clara: está em curso um processo de criminalização contra aqueles que tentarem trazer à tona fatos relacionados a crimes cometidos por políticos e altos gestores do Estado.
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Queria pontuar algo nesse curto artigo. É evidente que foi uma revogação política do asilo, mas, apesar do discursinho positivista sobre direitos, todo asilo é uma decisão puramente política. Contudo, Assange violou parte do “combinado” do asilo, ou seja, ele continuou a se envolver na política via Wikileaks.
O relatório de Mueller, publicado agora em sua íntegra, mostra claramente, a partir da página 44, todo o envolvimento de Wikileaks na campanha dos EUA, e o vazamento coordenado dos materiais (emails ainda disponíveis no site do Wikileaks) da Hilary Clinton.
Não foi somente uma vez que o Wikileaks foi publicamente elogiado por Trmup, e o relatório de Mueller mostra como a organização acreditava que a vitória de Trump seria mais positiva para o mundo do que a de Hilary.
Discordâncias ideológicas a parte, o fato é que Julian Assange e o Wikileaks não são nem um pouco pragmáticos; era sabido que ele mesmo conseguiu se prender na embaixada, e que era uma questão de tempo (não se sabia quanto) até que uma das partes cedesse. De qualquer maneira, Wikileaks extrapolou seu papel, assim como seu discurso (ingênuo e despolitizado, na minha opinião), ao influir de forma direcionada e calculada na eleição dos EUA.
De certa forma, Assange ajudou a eleger justamente aquele que simbolizou a virada da direita no mundo, que respaldou uma série de eleições, incluindo a do presidente equatoriano. Se por simples falta de cálculo político, ou por outra razão que desconheço, só sei que não se trata da simples criminalização de alguém que expôs segredos de estado, mas sim de um sujeito que errou o timing de tudo, apostou nas pessoas erradas, e brigou com quem não podia.
Hoje Assange e o Wikileaks são quase irrelevantes politicamente; seu discurso já soa velho, a discussão sobre privacidade foi incorporada pelos Estados e corporações; há poucos aliados e muitos inimigos, sendo a obsolescência o maior deles.
PS: A prisão de Bini é uma surpresa, pero no mucho; mas pouco é relevante, também, pois como dito acima no artigo, é um capricho equatoriano.
Por muita vezes o mundo tem medo do que está pra vir com revelações como as feitas pelo Wikileaks.
Entretanto, devemos lembrar que a informação real deve ser gratuita e irrestrita.