Por Aparentemente um homem
Identifico como o grande problema da hegemonia identitarista o seu aspecto corporativo. E isso é muito, pois o que vemos é a regressão das ideias políticas a uma defesa quase feudal de nichos populacionais supraclassistas. Uma verdadeira tática de mobilização coletiva dentro do quadro de guerra de todos contra todos, com toda a tragédia latente que isso historicamente significou.
Pois bem, muito tem sido discutido e criticado dentro do campo identitário, como uma reação saudável e não por isso menos violenta ao surgimento de novas expressões de velhas ideias. Tanto os atores políticos que se sentem alheios às políticas identitárias, como aqueles imersos num ambiente fortemente associado às identidades, mas críticos de suas tendências liberais ou nacionalistas, têm realizado esforços duros e desgastantes para criticar, denunciar e marcar diferenças. Isso é bom, pois o conflito é produtivo na política. Mas como nas contradições, existem saídas boas e saídas más.
É importante avançar rápido sobre certas questões. A organização social de mulheres e dissidências sexuais, de negros e negras, e de qualquer outro setor social que hoje encontra chão comum para associar-se e realizar lutas coletivas, é não apenas importante mas essencial para o avanço da luta de classes. Estamos falando de setores que são estruturalmente explorados nas piores condições dentro do capitalismo brasileiro, em consonância com o que ocorre na maior parte do planeta. E não é apenas isso. Os problemas que estes setores enfrentam para levar adiante suas lutas não diferem essencialmente dos problemas históricos do movimento proletário: a dificuldade de mobilização das bases, o problema da transformação de líderes em especialistas, a absorção de pautas e aparelhos pelas estruturas do Estado, a política como método de ascensão social de proletárixs que ingressam na classe gestora.
Tendo isso tudo claro, desistir ou ignorar as lutas não é uma opção. Não se trata de escolher as melhores lutas, mas sim de poder entender a relação entre os conteúdos e as formas de luta, bem como as ideologias a elas associadas.
O corporativismo identitário promove uma igualação de todas as posições a respeito das mulheres, de todas as posições a respeito dxs negrxs, etc, sob os conceitos próprios de cada identidade. Qualquer crítica à uma posição política a respeito das mulheres pode ser acusada de machista, estejamos, por exemplo, contra ou a favor de encarar as prostitutas como trabalhadoras. Qualquer crítica à uma posição política do movimento negro pode ser encarada como racista, estejamos, por exemplo, contra ou a favor da exclusividade dos turbantes. Pois o discurso identitário reivindica para si todo o espectro político, à direita e à esquerda, e é contrário a bandeiras que possam a dividir suas bases sociais.
Mas a solução para isso não é somar palavras, como se o discurso tivesse efeitos mágicos de transformar “feminismo” em “anticapitalista” por adição. Nem isso é desejável, pois é saudável que se trate de duas coisas diferentes e com lógicas particulares (históricas) de se relacionar. De fato, é negativa certa estratégia de colocar “patriarcado” e “capitalismo” como problemas análogos e de igual importância, pois no afã de ressaltar a importância da militância feminista e fazer a crítica ao marxismo ortodoxo, perde-se a especificidade de cada questão, como se fossem simplesmente duas frentes de batalha de uma série quase interminável de semelhanças (racismo, especismo, capacitismo, capitalismo, etc.)
Mas se a luta é contra o corporativismo, também devemos encarar o corporativismo masculino branco. Para combatê-lo o primeiro passo é não disfarçar a crítica com culpa masculina, que é a saída dos subjugáveis ou dos cínicos. Também não devemos entender o problema de forma terceiro-mundista, como se a identidade branca masculina explorasse as demais identidades. Tampouco confundir corporativismo masculino branco com supremacismo branco. Estes últimos reivindicam abertamente posições políticas sofisticadas, incluindo a noção de Estado Étnico, uma sociedade abertamente conservadora, enfim, não se limitam a reclamar por direitos setoriais ou obter lugares de representatividade institucional. Este fenômeno é extremamente preocupante e está em alguma medida relacionado com o corporativismo branco masculino, mas é um desenvolvimento muito mais político e ideológico, que ultrapassa o que quero tratar aqui.
O segundo passo para combater o corporativismo masculino branco é entender que ele é muito mais sutil do que uma posição política. Afinal, é o que vínhamos expondo como modus operandi de outros corporativismos, isto é, a indefinição das posições políticas como fundamento. Então é necessário definir as posições políticas por detrás de uma crítica, para poder não cair em uma defesa corporativa como as mencionadas anteriormente.
Então, como homens brancos, nos dirigem uma crítica política ou identitária? Esta última parte da própria lógica corporativa, então ela não é capaz de criticar o corporativismo masculino branco. Uma crítica política feita a uma prática ou discurso, ela sim tem a capacidade de ir a fundo na denúncia de um corporativismo masculino branco.
Mas então caímos em uma armadilha. O poder de definir o que é e o que não é uma crítica política é moeda corrente nas formas de exercer poderes em grupos e coletivos, e está especialmente associado a homens brancos. Um desentendimento entre companheiras é “uma briga pessoal” que atrapalha a organização, a necessidade de dar tempo e espaço para escutar outras vozes é “perda de tempo”, os grandes temas nacionais e globais urgem enquanto que os vínculos humanos são substituíveis. Enfim, prima a selvageria das pequenas lideranças.
Não é por acaso que muitos grupos “políticos” são formados quase inteiramente por homens brancos, assíduos em reuniões e prolíficos em discursos. E vejam bem, não será um pouco a essa imagem e semelhança que se estruturam tantos coletivos identitários, com seus e suas militantes mais ativas habitando reunião atrás de reunião, dando discursos firmes e demostrando sem lugar a dúvidas a necessidade de tal ou qual ação?
Não quero passar por cima da necessária crítica ideológica. E acredito que a esta altura estamos bem fornidos de críticas internas às ideologias hegemônicas feministas e africanistas – críticas que existem há muitos anos. Mas estas críticas nunca serão suficientes. Entendo que muitxs militantes podem se sentir atraídxs por certa autoimagem oferecida por tais ideologias, assim como um homem branco pode sentir-se mais importante, ou com mais sentido em sua vida, ao carregar uma bandeira vermelha e negra em uma manifestação, ao vencer uma discussão sobre os meandros da revolução russa (ao citar autoras feministas, ao escutar rap nacional, etc). No entanto, o verdadeiro campo de batalha contra estas formas ideológicas está no âmbito das práticas.
Enquanto homens brancos, podemos ter as melhores intenções do mundo. Mas é necessário mais do que intenções. Um espaço onde as vozes treinadas por instituições de ensino e pela cultura patriarcal têm mais tempo, mais valor, tendencialmente se torna um espaço fértil para o domínio de homens brancos. E isso é ruim por dois motivos: em primeiro lugar, xs companheirxs não-homens e não-brancos mais inteligentes rapidamente abandonarão este espaço para não perder seu tempo precioso. Em segundo lugar, porque estas vozes treinadas não necessariamente expressam as melhores qualidades de liderança, não necessariamente trazem um conteúdo mais rico e mais importante para o coletivo. Uma liderança se constrói por respeito e referência, por meio do exemplo prático ou pela capacidade de propor soluções, entre outras qualidades, e não por truques, insistências e subterfúgios retóricos, como o são a interrupção constante de interlocutorxs, a diminuição retórica de ideias alheias (e seus/suas porta-vozes), a naturalização de falas longas ou da falta de intervenção de companheirxs, a constante explicação de como são as coisas, a definição taxativa e muitas vezes soberba sobre outras posições (e os ataques indiretos a todxs aquelxs que se aproximem delas), etc.
É urgente que possamos ter uma diversidade minimamente próxima à do contexto social em que vivemos não apenas em nossos espaços de organização, mas exercendo funções de liderança nestes mesmos espaços, uma vez que não existem líderes naturais. Afinal, sempre foi esse o norte que guiou práticas como a revocabilidade e a rotação de tarefas e cargos: ou por acaso acreditamos que uma raça ou sexo é imanentemente superior ao outro e por isso se vê justificado que na história do movimento proletário a imensa maioria dos teóricos e das lideranças repete um mesmo padrão? Uma vez mais, as intenções não bastam. Não podemos instituir uma horizontalidade artificial, que tem nas cotas partidárias e parlamentares a sua forma acabada. De fato, a horizontalidade artificial é talvez a melhor expressão da ideologia gestora e o ambiente mais propício para a formação incipiente de hierarquias tecnocráticas. Não apenas os carreiristas se sentem como peixes dentro d’água em espaços artificialmente horizontais, misturando-se com companheiros e companheiras honestas e manipulando por meio das informalidades que já conhecemos, como também reivindicam estes valores no momento em que são questionados por suas práticas escusas. “Não existe chefe” e “a culpa é de todos” são formas muito sofisticadas de escapar de qualquer responsabilidade por atos vis, enquanto que os “princípios políticos” podem ser flexibilizados e moldados de acordo com a ocasião. Por sua vez, esse perfil de especialistas em reuniões, que deu origem inclusive ao termo “burocracia”, se aproveita da dedicação militante de todos e todas aquelas que se sentem confortáveis em “ambientes horizontais”, fenômeno que podemos ver nas formas contemporâneas de exploração desde o toyotismo fabril até os coletivos e start-ups tecnológicos. Trabalhar sem um chefe tradicional pode aumentar e muito a produtividade, seja de operários, seja de militantes.
Agora, a revocabilidade e a rotação de funções são justamente o que combate a cristalização de hierarquias informais e a dependência de companheiros específicos: a imprescindibilidade de tal ou qual camarada sempre aponta a uma deficiência e à potencial personalização de uma organização. Isso quer dizer que o nosso desafio ao combater o corporativismo masculino branco, assim como qualquer outro corporativismo, é dinamizar e circular os saberes, as técnicas e as habilidades necessárias para que qualquer proletárix possa atuar como agitadorx e organizadorx. Isso demanda uma série de capacidades que dificilmente encontraremos em uma só pessoa, e no entanto deveriam ser estimuladas de forma integral para qualquer militante. Habilidades de vinculação social por um lado e formação teórica por outra. Práticas clandestinas por um lado e conhecimentos estatutários por outro. Iniciativa e criatividade por um lado, paciência por outro. Força física por um lado, cuidado emocional por outro.
Infelizmente nossa sociedade estimula os homens brancos a carregar praticamente todas estas habilidades, especialmente as que demandam performances públicas, enquanto que séculos de tradição têm feito, por exemplo, com que mulheres tenham perfis mais recatados, séculos de escravidão têm feito que negros e negras tenham menor treino em situações formais de oratória. A opressão histórica é reproduzida cotidianamente na formação das novas forças de trabalho, podemos ver isso no avanço da formação integral para crianças nascidas no seio da classe gestora (com menor distinção de gênero ou cor de pele) ao tempo em que a formação das crianças da classe trabalhadora parece estar sofrendo um recrudescimento, da mão de militares e de religiosos.
Para combater o corporativismo masculino branco é necessário constantemente fazer um cálculo sem resultado exato: a medida correta para não ocupar demasiado os espaços, sem com isso abandonar os projetos e as propostas. Uma resposta fácil e ressentida a este tipo de situação é abrir mão dos espaços, “que então façam tudo sem mim”. Mas talvez a melhor virtude de qualquer organizadorx é a capacidade de dar potência e vida a espaços de organização, sem que se venha a ocupar neles uma centralidade personalista. Que estes espaços deem frutos e sirvam para formar novos e novas organizadoras, que por sua vez tenham a capacidade de criar novos espaços em outros territórios, por meio de iniciativas próprias, com a capacidade autônoma de fazer análise de conjunturas, de planejar ações, de caracterizar camaradas e outras organizações, escrever materiais, vencer lutas ou perdê-las da melhor forma possível. Acredito que esta é a morte do corporativismo masculino branco.
Ilustram esse artigo imagens do Artista Plástico Elvis da Silva
Gostei de partes, mas há muita confusão e pontos embolados; veja, primeiro acho que quanto à crítica do identitarismo e de não ser uma soma de palavras que a resolve, isso é verdade, mas justamente perpassa o ponto das pessoas entenderem o que é “pessoal” e o que não é, e assim entenderem que essas coisas mesmo se entrelaçando, requerem diferentes posturas, registros de fala e espaços. Sem isso, sem esse tato, implode-se qualquer coisa, pois o potencial emotivo/ de comoção é demasiado.
Quanto à parte da organização: o sistema já implementou bem todas as formas horizontais de organização que a esquerda um dia teve como revolucionária. Isso per se não é um problema; ninguém é contra a produtividade, a questão é pra qual fim ela se destina? Para no bolso de quem? Portanto, em relação às hierarquias, lideranças, horizontalização, acho que podemos voltar ao pragmatismo de entender as limitações e tendências de cada forma de organização, para assim poder evitar caminhos e erros já cometidos, mas principalmente para utilizá-los enquanto instrumentos.
Permaneceremos em erro se moralizarmos as formas de organização, assim como se mantermos uma repulsa porque o sistema foi capaz de cooptá-la: ele sempre será capaz, e com isso mostrará como não há discurso político intrínseco às formas organizativas, assim como também não cabe dizer que elas sejam totalmente vazias de sentido e maleáveis. Não são, cada uma tem sua finalidade, vantagem e limite.
Quanto ao corporativismo, acho que as lutas realmente não se unificam propriamente, serão sempre duas, e entrarão sim em conflitos. Faz parte; talvez acabar com o branco seja mais rápido, e isso dificulte acabar com o corporativismo, quando este for colorido (rainbow). Talvez não, enfim, isso é outra história. Não se torna, portanto, pecado dizer que simpatizo com a luta até o momento que ela não se torna obstáculo da minha; há maneiras não conflitivas, quem sabe? Eu não sei, e em certas situações, creio que não.
Tem um tom muito machista neste texto. Gostaria de saber o que mulheres feministas pensaram ao ler.
Lauro,
nós não precisamos da voz de autoridade feminina para debater este texto. Adoraria saber mais sobre o tom machista deste texto, você pode falar um pouco mais sobre isso?
[eu não sei dizer nada por dizer, então eu escuto]
https://www.youtube.com/watch?v=VU6N9ns7b64
Lauro, O tom machista deste texto começa com a própria questão colocada, onde o feminismo e o movimento negro seriam responsáveis pela “regressão das ideias políticas a uma defesa quase feudal de nichos populacionais supraclassistas”. A auto-organização das mulheres e dxs negrxs na luta contra as opressões patriarcais e racistas não é identitária e muito menos corporativista, nem a causa da guerra de todos contra todos. O que causa a guerra de todos contra todos são as violências machistas e racistas cometidas cotidianamente por “aparentemente uns homens brancos” que dominam esmagadoramente os espaços políticos em todos os segmentos do espectro ideológico, fazendo com que continuamente nos sintamos excluídas desses espaços. Acabamos nos afastando por não se dispor a ficar educando aqueles que lêem teóricos homens brancos e se refenciam em ativistas homens brancos (não seriam estes os únicos realmente identitários?), enquanto há uma infinidade de teóricas e ativistas que eles não lêem nem mesmo sabem da existência, e ainda ignoram que históricamente a base de todas as revoluções e movimentos de libertação são constituídas majoritariamente por mulheres e pessoas não-brancas. Nesse sentido, equiparar o corporativismo masculino branco aos supostos “corporativismo feminista” e “corporativismo negro” é uma simetria totalmente falaciosa que equivale a dizer que existe “racismo reverso” ou “sexismo reverso” – termos infelizmente recorrentes nesse portal, mas não supreende já que as falas advém de uma perspectiva predominante masculina e branca. Num contexto de patriarcado e supremacia branca a AUTONOMIA de reflexão, organização e ação política desses grupos oprimidos é necessária para se contrapor às lógicas desses sistemas de dominação que agem em favor da opressão de classe capitalista. Estariam os Povos Zapatistas equivocados em colocar a autonomia indígena como eixo central e estrutural de sua luta? Seriam elxs identitárixs, corporativistas “quase feudais” que agem em favor de um “nicho populacional”? Lutar por sua autodeterminação xs afasta da luta anticapitalista? Estou segura que não.
Ney, O que é necessário considerar para refletir sobre como se desfazer dos PRIVILÉGIOS masculinos e brancos não é a autoridade feminina, mas sim a PERSPECTIVA SOCIAL de pessoas que vêm históricamente construindo análises POLÍTICAS acerca das violências e opressões vividas nos processos de organização, luta e vida cotidiana. Os elementos concretos citados pelo autor como “a interrupção constante de interlocutorxs, a diminuição retórica de ideias alheias (e seus/suas porta-vozes), a naturalização de falas longas ou da falta de intervenção de companheirxs, a constante explicação de como são as coisas, a definição taxativa e muitas vezes soberba sobre outras posições (e os ataques indiretos a todxs aquelxs que se aproximem delas)” são reflexões fruto de muitos debates, que só puderam ser elaborados em espaços auto-organizados de mulheres, negrxs e indígenas. Mas apesar de terem sido lidos em algum texto feminista e reproduzidos aqui, a perspectiva de alguém em um lugar privilegiado impede muitas vezes que reconheça esses mesmos elementos citados presentes no conteúdo do próprio texto.
Bem, essas reflexões vêm do meu posicionamento enquanto feminista lésbica anarquista e autonomista, não por adição, mas sim a partir da reflexão crítica que incorpora as análises políticas oferecidas por diversas vertentes dessas tradições de pensamento complexas e conflituosas, de uma forma que dê conta de orientar a ação política minha e de diversas companheiras, pessoas e grupos contemplando todas as dimensões da nossa existência. Pessoas que nem mais se dão ao trabalho de ler textos com falas longas que concretamente nos ignoram como interlocutoras de fato, diminuem retóricas, terminologias e críticas construídas através de muito debate POLíTICO, definem de forma taxativa e soberba posições de movimentos cuja dinâmica desconhecem na prática mas apesar disso tentam explicar como são e como devem ser.
Querem mesmo saber como desafiar o corporativismo masculino? Vão ler teóricas negras e negros, feministas, indígenas e lgbt que tenham perspectivas ideológicas afins às suas em sua diversidade e riqueza crítica que com certeza vai ter muito mais efeito. Não se vai encontrar soluções para mobilizar as bases, pois elas são as bases, as bases que desenvolvem teorias e práticas que tem a real capacidade de dar potência e vida a espaços de organização.
Portanto, melhorem. Ou então vão continuar sendo organizações majoritariamente de homens brancos que exercem sua centralidade personalista como a maioria dos grupos anarquistas, autonomistas e comunistas da minha cidade e de diversas outras cidades pelas quais circulei. Enquanto isso, feministas, negrxs, indígenas e lgbts seguem construindo espaços plurais e radicais que de fato fazem dos conflitos motores de transformação e mobilização para a luta anticapitalista. Ao reconhecerem a potência dessas resistências e talvez apreender a relação entre os conteúdos e as formas de luta, bem como as ideologias a elas associadas, quem sabe vão se juntar ao campo de alianças dos mesmos concretamente, assim como muitos autonomismos e anarquismos latinoamericanos têm aprendido com o Zapatismo sobre como a classe trabalhadora não está constituída à sua imagem e semelhança e nem nunca esteve. E se não forem capaz de avançar na autocrítica em suas ações e discursos que então abram mão dos espaços sim e vão lavar suas próprias cuecas, porque a luta das trabalhadoras contra o capitalismo e todas as formas de opressão não precisa nem depende de vocês.
Sem ironias, quero agradecer a Dinossaura pela disponibilidade em escrever um comentario tão bom e tão certeiro, foi uma aula!
mais confuso do que com o comentário da Dinossaura fico com o comentário de caipira.
Dinossaura, concordo com você em que “A auto-organização das mulheres e dxs negrxs na luta contra as opressões patriarcais e racistas não é identitária”. 100% de acordo. O identitarismo é apenas uma tendência dentro destes movimentos mais amplos. Não é todo feminismo que é identitário nem todo movimento negro é identitário.
Mas então a tua primeira frase não tem sentido. O texto diz explicitamente que a hegemonia identitarista é responsável pela regressão política, não o feminismo nem o movimento negro.
Por outro lado, se você é simpática ao corporativismo feminista ou negro, por se contraporem ao masculino branco, então estou entendendo que você faz parte do feminismo Beyoncée e é apoiadora de experiências como a da ANC na África do Sul, é isso mesmo? É mais digno para as mulheres serem exploradas por mulheres, é mais digno para xs negrxs serem exploradxs por negrxs? (e brasileirxs por brasileirxs?)
Acho ainda mais estranho botar “povos zapatistas” no meio da discussão. A autonomia territorial do EZLN é defendida de maneira militar e foi originada por um grupúsculo integrado também por pessoas brancas e universitárias. Como isso entra nesse estranho esquema “autonomista”? O que mais tem é gente louvando o zapatismo sem a menor intenção de fazer como eles e elas fizeram para lutar pela tal “autonomia indígena”: armar um pequeno grupo guerrilheiro inspirado nos movimentos de liberação nacional, infiltrar-se num território alheio e fazer anos de trabalho com a população local. Não consigo pensar em exemplo mais distante do que são os “coletivos autonomistas” e as práticas de segregação e lacração.
E o pior do teu comentário: nenhum corporativismo se combate com teoria. Está cheio de macho lendo Federicci. O debate que precisa ser feito é sobre as práticas. E é uma pena que este meu texto tenha gerado uma reação tão visceral e defensiva de tua parte. A real é que esperava um mínimo de debate entre homens, mas infelizmente vejo que muitos companheiros ainda se sentem inibidos para debater temas tão importantes e precisam da opinião de uma mulher. Sei que uma parte acha o tema pouco importante. Outra parte acha que é tarefa das mulheres falar sobre gênero (irônico, antes era o trabalho doméstico que era feminizado, agora é o debate sobre gênero. Excelente forma de perpetuar o machismo, deixando de lado a hombridade viril para dar lugar à impotência confortável). Já eu faço parte daqueles que não delegam às mulheres a tarefa de debater e colocar em prática experiências igualitárias, somos todxs responsáveis por isso e não devemos esperar que as companheiras nos digam como fazer para que deixemos de reproduzir o machismo. As vezes basta um pouco de vergonha na cara e escutar mais do que falar.
Enfim, para debater práticas corporativistas, ares de superioridade não fazem bem. E já que você atravessou eras inteiras para hoje poder falar tudo isso, poderia dar um exemplo vivido de luta proletária onde o corporativismo masculino branco foi combatido e vencido com êxito, para benefício da luta coletiva. Estou certo de que exemplos bem sucedidos são uma das melhores fontes de aprendizado, estou certo de que você terá ao menos um par de histórias para compartilhar.