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Autogestão ou gestão: sobre a liderança tácita nos coletivos autônomos – ou sobre coletivos autônomos nem tão autônomos assim

Ao substituir os espaços coletivos por espaços privados, a militância perdeu sua característica de solidariedade, dando vazão ao individualismo e a práticas conservadoras.

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Matter of Identity I 1963 Bernard Cohen born 1933 Purchased 1972 http://www.tate.org.uk/art/work/T01535

Por Mo Lotov

Ultimamente, muito tem se discutido sobre o fim do que entendemos hoje como “coletivos autônomos” (ver aqui e aqui). Os debates promovidos, acerca deste tema, têm enormes limitações e que não poderia, aqui, esmiuçar todas elas. O problema central desse debate é que o que se atribui como fator preponderante para que os tais “coletivos autônomos” acabem é justamente o identitarismo. Ora, o identitarismo enquanto ideologia e movimento corrobora para o fim dos tais coletivos, mas não pode ser considerado o único fator para que esses coletivos deixem de existir. A proposta desse texto é justamente tratar sobre um dos outros fatores para que os “coletivos autônomos” acabem.

A questão da liderança tácita, por vezes, é ignorada ou excluída do debate dentro desses coletivos. O problema que nasce dessa questão é que dentro dos coletivos autônomos existem dois setores e a partir destes é possível analisar conjunturalmente o seu poder nocivo ou como se dá a prática desse coletivo frente às lutas e internamente.

Em último ponto, proponho também uma crítica ao anti-identitarismo exacerbado e que não avança na prática para além da crítica. O anti-identitarismo como pior produto do identitarismo e, para isso, me arrisquei em algumas bibliografias disponíveis para esmiuçar ainda mais essa questão.

Não basta somente dizer que o identitarismo é nocivo aos trabalhadores e à militância política, mas, além disso, entender que existem questões de violência interna, seja dentro da classe trabalhadora ou dos coletivos autônomos. Nisso, não pretendo me pautar com mais ênfase, pois já foi apresentando em outro texto disponível aqui, mas apenas refletir sobre como o anti-identitarismo exacerbado não propõe nada concreto — talvez por não se prestar à proposição ou simplesmente por não vislumbrar uma alternativa no horizonte.

A questão central é analisar de que forma se organizam essas “lideranças” dentro dos coletivos autônomos, por que surgem e qual seu potencial político. Identitárias ou “proletárias”, essas tais lideranças tendem a se tornar nocivas para o coletivo, a partir do momento em que assumem essa posição, seja de forma explícita ou implícita. Também é preciso pensar o que chamamos de coletivos autônomos, de autonomia etc. Criou-se uma confusão generalizada e que, de forma concreta, acaba jogando no “mesmo saco de gatos” coisas totalmente diferentes.

Gestão ou Autogestão?

Por tendência, os movimentos e coletivos autônomos têm, por traços gerais de organização, a horizontalidade, a coletivização das tarefas, a independência frente a partidos, sindicatos ou quaisquer outras organizações burocráticas.[1] O termo que usamos hoje como “autônomo” já foi usado anteriormente para definir militantes que não estavam integrados às juventudes da burocracia eleitoral ou organizados em algum coletivo de tendência leninista, stalinista ou maoísta. Esses militantes até então eram chamados de “independentes”, pois se encontravam de fora das estruturas hegemônicas de organização.

Em síntese, os coletivos “autônomos” reuniam anarquistas, marxistas libertários e heterodoxos, que até então eram marginalizados nas lutas que eram travadas por não terem um espaço de organização e formação conjunta. Hoje, o que podemos constatar em alguns coletivos e movimentos autônomos é a existência de uma espécie de direção. O leitor pode pensar nesse momento que houve um equívoco em minha última colocação — acerca da existência de líderes ou dirigentes presentes no campo autônomo. Porém, o que pôde ser analisado na maioria dos coletivos é que existem pessoas que possuem uma maior influência sobre os outros ou, então, uma espécie de legitimidade maior sobre o restante do movimento ou do coletivo.

O problema apresentado nessa questão é que, de forma indireta, esses indivíduos tem uma maior propensão para guiar o restante do coletivo para propostas em que, ou ele mesmo faz, ou vá de encontro às suas pretensões pessoais. Esse guincho feito por essas forças, dentro dos coletivos e movimentos autônomos, acontece não na forma da disputa política clássica, mas por se tratar desses indivíduos que na maioria das vezes são mais carismáticos ou possuem uma interação maior no campo da militância autônoma. Esse não seria um problema, já que teoricamente se espera que o debate de propostas seja feito, mas em caso específico o que se constata é que o debate de questões fundamentais para que a “força vital” dos coletivos permaneça é minimizado em detrimento dessas forças. Como se a permanência e a força política desses indivíduos fossem as únicas coisas capazes de permitir a existência desses coletivos ou, até mesmo, sua continuidade.

Dentro disso, é possível observar que começam a surgir dois polos dentro de um mesmo coletivo, e que é possível que nestes se aloquem duas forças fundamentais[2] para que esse coletivo “autônomo” continue sua existência. A disputa agora não é mais para construir uma pauta que tenha relação com a vida concreta ou que dialogue melhor para com a classe trabalhadora, mas sim a quase degladiação de militantes para ver quem pode mais.

Os “novos” coletivos autônomos, a partir dessa dinâmica de forças pré-existentes (no sentido de que na maioria dos casos essas forças não se assumem como tal), tomam a forma de toda espécie de anomalias possíveis. A relação de forças nesses ambientes tende a acirrar-se cada vez mais, até que essa existência conjunta se torne problemática ao ponto em que a conjuntura do coletivo favoreça a força majoritária e esta, para pôr um fim a essa disputa de forças e se tornar hegemônica, organiza-se para expurgar o campo minoritário e ter novamente o controle tácito (ou não) do coletivo.

Por outro lado, a força minoritária pode encontrar formas de ascender à liderança de determinado coletivo ou movimento. Na maioria dos casos, o trashing é a ferramenta mais utilizada. Primeiro, instaura-se um processo de monitoramento da vida pessoal e das relações sociais estabelecidas pelas forças políticas majoritárias. Posteriormente, ao encontrar algo que pode ser motivo de trashing para o movimento identitário, entregam a cabeça desses indivíduos, para que seja sacrificada nos meios militantes e nas mídias sociais. Dessa forma, desqualificam todas as posições políticas desses indivíduos, em detrimento da consolidação da força política, da ascensão à liderança desses coletivos ou movimentos. Para isso é usada a velha retórica leninista e tudo que há de mais baixo.

O debate político, as mudanças de concepção ou as divergências teóricas pouco aparecem nesse processo, mas na maioria das vezes estas duas últimas tendem a ser os reais motivos para os “rachas” dentro da maioria desses coletivos. É preciso esclarecer para que não surjam equívocos, mas, aliadas a essa ação de busca pela hegemonia de uma força política e às disputas que acontecem no interior desses coletivos pela liderança, é que as mudanças de concepção e as divergências teóricas acirram-se e tendem a ser usadas como motivo para os rachas, além dessa dinâmica das relações de poder dentro desses coletivos e movimentos autônomos.

Para que isso aconteça de forma efetiva, três coisas precisam estar colocadas na dinâmica desses coletivos e movimentos autônomos:

1. Quando uma das forças agrupa a maioria dos militantes em torno de si e, a partir disso, tende a direcionar o coletivo ou o movimento para onde melhor lhe aprouver.

2. Casos de violência interna como, por exemplo, racismo, LGBTfobia e violências entre militantes que podem ser usados na prática do trashing e que a militância identitária usa como motivo para a instauração de “tribunais”. Para essa questão só há dois caminhos possíveis, e ambos podem apresentar tendências tóxicas para o coletivo: ou se “resolve” a questão do ponto de vista identitário — que não tem base concreta alguma —, ou então encontram formas de lidar com essas questões, tendo em vista que o coletivo, o movimento ou, até mesmo, a esquerda não está desintegrada do restante da sociedade. O que vem dessa proposta pode ser trágico, mas igualmente necessário. Os militantes precisam estar cientes de que tomando essa via anti-indentitária, sofrerão todo o tipo de violência por parte do movimento identitário. Ainda existe outra alternativa, que tem sido adotada na maioria das vezes, quando existe a disputa extra movimento: se propõe uma resolução de fato concreta que esteja em negação ao identitarismo, mas ao passo que por consequência não consegue apontar as concepções de uma nova realidade social e com relações sociais novas. A segunda alternativa aponta para um horizonte ainda desconhecido e de questões ainda não resolutas (mesmo que de forma aparente), mas talvez seja a proposta menos drástica para a toxicidade dentro dos coletivos. Para ela, é preciso um esforço no sentido de ser construir coletivamente uma alternativa que seja de fato concreta e eficiente no sentido de gerar consciência política.

3. Em concomitância com os pontos apresentados anteriormente para que as forças políticas presentes nesses coletivos e movimentos autônomos rachem, este talvez seja um dos motivos fundamentais. A partir do momento em que as forças políticas se organizam para hegemonizar o movimento e, por sua vez, dirigi-lo, as denúncias de violência interna e as tensões pessoais entre militantes tendem a acirrar-se.

A separação entre disputas políticas e pessoais deixa de existir e em seu lugar surge uma espécie de “pessoalismo” que tenciona as relações entre militantes, não mais por causa de disputas de concepção e de prática para com as lutas, mas em intrigas pessoais e que em maioria não têm relação direta com as divergências teóricas no seio do movimento autônomo. Para esta, ainda não é possível apontar um caminho que seja eficiente, já que nesse momento o coletivo ou o movimento está em crise e se minimiza o debate sobre as divisões entre o político e o pessoal. O que geralmente é feito é contrário ao debate, no sentido de se construir uma alternativa ou chegar a um consenso coletivo. A falta disso corrobora para que as tensões pessoais cheguem a um nível onde se torna insuportável a coexistência de militantes num mesmo coletivo ou movimento.

A partir disso, um racha se torna algo iminente, e geralmente o grupo majoritário tende a jogar no ostracismo quem não se agrupou em derredor. Isso é feito de diversas formas e é possível chegar aos níveis mais baixos da retórica leninista e da política identitária.

O anti-identitarismo como pior produto do identitarismo

Nesses ambientes, geralmente, é onde o identitarismo se aflora, e quando isso acontece os coletivos deixam de exercer sua função política e se direcionam para a resolução de questões internas e que, na maioria das vezes, são também uma questão de classe.

Em momentos de refluxo das lutas é quando essas questões aparecem (ver aqui e aqui) com mais ênfase e, dependendo da força política que mais tenha legitimidade perante o coletivo, é que será determinado de que forma essas questões serão resolvidas. Quando o identitarismo não é um problema dentro desses coletivos o seu pior produto surge — e surge a partir das deficiências políticas desses militantes.

Os “anti-identitários”, na maioria das vezes, tendem a não conseguir construir uma alternativa para além das vias identitárias e punitivistas. Nesses espaços, por deficiência na formação, é que uma vasta gama de questões é incluída ou minimizada, por serem entendidas como pautas identitárias. Sobre essa questão, Dantarez recentemente publicou um texto dizendo que “quando um movimento identitário, por mais que contraditório, se articula para reivindicar salários melhores para mulheres de certa categoria, por exemplo, ou para as questões relativas à saúde da mulher, ou sobre como os negros saem atrás na própria busca por um emprego por conta de sua cor, enfim, esses movimentos, apesar de suas contradições, conseguem promover avanços em objetivos específicos e, muitas vezes, imediatos, como criticá-los ou dizer que sua atuação cria uma ‘fragmentação’ na ‘classe trabalhadora’ quando a própria noção de luta da classe parece vaga?”. Ir além da crítica vazia ao identitarismo me parece ser uma questão demasiadamente importante. Ora, não pretendo fazer uma defesa do identitarismo, mas precisamos observar como esses movimentos se organizam na defesa das pautas “classistas” e aprofundar o debate em torno dessas relações.

Se os pressupostos estão dados, aceitemos! Mas se, por outro lado, pensarmos os movimentos identitários como movimentos oriundos desse novo ciclo do capitalismo poderemos avançar também no sentido de construir alternativas às políticas punitivistas e fascistas desses movimentos.[3] De forma clara, os movimentos identitários propõem formas de lidar com as violências, mesmo essas formas sendo questionáveis e totalmente tóxicas. O que podemos fazer em contrapartida? Precisamos pautar o debate de como lidar com essas questões e me parece que a construção ou retomada da solidariedade de classe é uma das alternativas. Ao substituir os espaços coletivos por espaços privados, a militância perdeu sua característica de solidariedade, dando vazão ao individualismo e a práticas conservadoras.

O anti-identitarismo torna-se o pior produto de identitarismo, pois este se fecha a uma perspectiva que pouco avança — a de que as pautas identitárias em sua totalidade são nocivas e fragmentam os trabalhadores. Dessa forma, questões pertinentes são abandonadas, dando lugar ao limbo e, por sua vez, fragilizando os coletivos e movimentos. O anti-identitarismo deve, por sua vez, atentar-se a essas singularidades, pensando em práticas alternativas ao movimento identitário e, sobretudo, resgatar seu caráter anticapitalista.

Reflexões Finais

O que chamam vulgarmente hoje de esquerda é, na verdade, o arcabouço do que mais existe de conservador. Substituímos os espaços de solidariedade por espaços de disputa cruel e irresponsável, que, além da exclusão e da mutabilidade, tendem a deixar os militantes com sérios problemas psicológicos.

A lógica é dada pelas velhas disputas de liderança — ou por quem pretender se tornar —, sejam elas instituídas pelo coletivo, de forma legal e legítima, ou de forma tácita. O somatório desses expoentes resulta, muitas das vezes, em rompimentos que estão imbuídos de linchamentos. A utilização desses métodos serve, principalmente, para que indivíduos sejam elevados à posição de liderança dentro de um determinado movimento.

Chega um momento onde se torna necessário abandonar a perspectiva utópica de que a esquerda é um lugar “santo” e que ela está separada do restante da sociedade. Tenho pensado, nos últimos meses, que é necessário resgatar determinadas coisas para que seja minimamente viável continuar naquilo que chamamos de militância.

A solidariedade é algo que perdemos há muito. É inegável que a ausência de solidariedade entre nós e de nós para com os trabalhadores se transformou num sentimento de mágoa, pois os “nossos” não estão no poder. Essa ausência de solidariedade se perdeu há muito e o reflexo dela é a nossa incapacidade de apoiarmos a luta de trabalhadores que não estão vinculados de alguma maneira aos interesses da esquerda.

A crítica ao identitarismo deve ser radical, mas precisamos ter em mente questões lógicas a respeito desse movimento. Aqueles que se propõem a ser anticapitalistas devem levar essa perspectiva até as últimas consequências.

As imagens que ilustram o artigo são de Bernard Cohen e, com exceção da última, fazem parte da série “Matter of Identity”

Notas

[1] Para uma melhor compreensão da autonomia, autonomismo e movimento autônomo, recomendo a leitura da série Reflexões sobre autonomia, disponível aqui.

[2] É preciso esclarecer, para que não surjam equívocos, que no primeiro momento não existe uma divisão muito clara das forças políticas existentes no mesmo coletivo. Dessa forma, as disputas são travadas para negar a força que majoritária. posteriormente, com o acúmulo de forças, as disputas por lideranças tendem a acirrar as relações dentro de um coletivo ou movimento.

[3] A relação entre fascismo e movimento identitário pode ser melhor compreendida a partir de: BERNARDO, João. O fascismo pós fascista. In. BERNARDO, João. Labirintos do Fascismo. 2ª versão, Disponível aqui.

6 COMENTÁRIOS

  1. Eu não vejo essas organizações sem liderança dando certo de jeito nenhum, precisamos parar de inventar modismos e começar a fazer o que deu certo no passado, todas as organizações de sucesso tem lideranças, sempre foi e sempre vai ser, esse negocio de um monte de cacique pra pouco indio nunca funcionou, sei que os anarquistas vão me deplorar por isso, mas anarquista nunca ganhou revolução nenhuma então não tem muito direito de ficar chiando, quem vive de sonho não constrói a realidade, precisamos é tomar nossas organizações, acrescentar a cobrança por resultados e garantir que o proprio povo eleja seus representantes em sindicatos e partidos, esse negocio de coletivo não funciona, cada um pede sua propria pauta começa com esse papo de que cada um deve decidir o que fazer é melhor e fica essa confusão que não vai a lugar nenhum, ao deplorarmos as antigas formas de luta acabamos não vencendo nada, desde que esses coletivos viraram norma na militancia só vemos fracasso em cima de fracasso é essa que é a verdade.

  2. Caro, John

    É interessante como você pontua o retorno as organizações que “deram certo”. Confesso que fiquei muitíssimo animado para saber quais são. Por acaso você fala das organizações do século XX? das organizações soviéticas e etc?

    Ora, se você acusa os anarquistas de viverem um sonho, me parece que quem vive em um sonho mais profundo é você, pois se estivesse imbuído de “materialismo” perceberia que as organizações que você evoca já se foram, se constituiram forças de dominação dos trabalhadores.

    Eu confesso que precisamos voltar as organizações que deram certo, ou seja, aos conselhos operários, aos soviets, aos comitês de fábrica e de bairro. o que eu quero dizer é demasiado simples: precisamos retornar a auto-organização dos trabalhadores, pois essas deram certo.

    o problema não consiste em acabar com a autonomia, ou dizer que os coletivos autônomos acabaram, mas que houve uma perca do carater autonomo e auto-organizado desses coletivos. sendo, dessa forma, transformados em coletivos burocráticos, extremamento verticalizados.

    se tivesse compreendido o texto, veria tal colocação.

  3. Eu queria entender como se pode falar a serio de fim de coletivos autonomos quando ainda ha muitos dessa espécie por ai. O seu texto tem um estilo muito densamente ensimesmado de seita, algo que dialoga muito especificamente com seus pares. O que faz com que eu discorde totalmente das suas premissas mas tenha gostado bastante do rumos que foram tomados. Eu pontuaria so algumas coisas:

    1 – me parece fundamental para a critica a esses coletivos passe pela critica das relações de afinidade como sua base fundamental. Inclusive a ruptura de relacionamentos ou amizades são fatos absolutamente centrais para entender os rumos de sua política (não q isso seja uma exclusividades dos autonomos). De forma que as contradições internas desses espaços costumam esbarrar nas dificuldades da necessidade de fazer luta para alem da amiguice.

    2 – Ao pensar a questão da direção (um tabu entre nos, mas como se fosse alguma novidade) pensar as profundas diferenças econômicas e de classe internas a esses espaços, e as relações de dominação e de exploração que eventualmente vigoram na divisão do trabalho interno a organização. Que sao também fator central para se pensar os conflitos internos, e sobretudo, a principal origem das questões “identitárias”.

    3 – colocar a difamação (trashing?) como exclusividade dos “identitários”, é um argumento falso, inclusive diria que os “identitarismo” sao pobres amadores nisso. A difamação aparece como uma arma primaria nas disputas de direçao e costuma ser usada de forma mais eficaz e legitima pela direçao do que pela base, por exemplo, tenho dificuldades de nao encarar muito do que se escreve no passa palavra sobre identitarismo como algo qualitativamente diferente de simples difamações, ate pq na pratica muitas teses sao e foram usadas assim repetidas vezes, criticas politicamente rasas feitas para desqualificar o interlocutor interno em disputas de pequeno poder. Concretamente a difamação é um instrumento usado quase generalizadamente. Super dimensionar as reações identitárias aos casos de machismo num ambiente militante em que é comum, por exemplo, mulheres serem tacitamente expulsas depois de terminarem relacionamentos, me parece apenas conveniência.

    4 – eu tenho total acordo que a cruzada anti identitária se tornou algo bastante reacionário, não raro vira algo que soa stalinista, aquele velho papo de que raça e gênero dividem a classe e, portanto, não se deve falar nisso. Quanto a isso o que ainda salva, infelizmente, é se voltar a critica ao “identitarismo” que seria feita justamente internamente ao campo que a galera do passa palavra classificaria como identitário, critica antiga presente nos panteras negras e em fanon, que opõe o movimento negro revolucionário aos nacionalismos negros.

  4. Caro, Gabriel! desculpe a demora

    Bem, quando pondero o fim dos coletivos autônomos, não digo que eles deixaram de existir, mas sim, que a sua estrutura e organização deixaram de ser horizontais e com práticas anticapitalistas. Não digo o geral, mas a maioria dos coletivos encontram-se nesse rumo. não entendi quando você fala que dialogo com meus pares e gostaria que explicasse melhor.

    No ponto 1 você coloca que a “a critica a esses coletivos passe pela critica das relações de afinidade como sua base fundamental. Inclusive a ruptura de relacionamentos ou amizades são fatos absolutamente centrais para entender os rumos de sua política (não q isso seja uma exclusividades dos autônomos)”. De fato, não coloco essa questão no texto, mas se fizer uma leitura mais atenta, menciono as relações de afinidade, principalmente quando as relações políticas tomam as relações pessoais. Claro, não explorei tanto quanto deveria, por entender que essa questão estava clara.

    No ponto 2 você fala sobre as diferenças econômicas e de classe. Em certa medida elas impactam e fazem sentido serem questionadas. ainda não amadureci a compreensão a respeito delas e pensar como efetivamente elas impactam no surgimento das questões identitárias dentro desses coletivos. O que me parece é que as questões de afinidade impactam bem mais do que as questões econômicas.

    Sobre o ponto 3: em nenhum momento disse que concordo com a totalidade dos textos que são publicados no PP acerca do identitarismo, tanto que a crítica que faço aos anti identitários encontra-se presente, justamente pelo debate promovido aqui e em outro locais. Não disse que o trashing é exclusividade dos identitários, o que eu disse é que majoritariamente essa tática é usada por eles e quando os coletivos autônomos utilizam dela, é justamente como força de disputa pela liderança tácita ou não do coletivo. Dentro da lógica que você estabelece acerca dos textos servirem apenas como forma de difamação ou pra desqualificar o interlocutor, gostaria que apontasse em que parte do texto você encontra esses elementos. A principio não vejo tal coisa, e por isso gostaria que esclarecesse.

    Por fim, novamente você crítica o passapalavra – o que acho que deve ser criticado -, mas não apresenta nenhuma “tese” e nem esclarece os equívocos ou aprofunda crítica. Não vejo o avanço na luta de forma difusa, acho que é bastante problemático os debates que tentam juntar raça e classe, pois no fundo eles não se materializam, são apenas usados como jargão. faço apenas uma pergunta: como empreender uma luta que relacione questões de identidade e questões de classe, sem deixar a classe vazia de seu sentido? concordo que podemos relacionar, mas simplesmente não sei como faremos isso.

  5. PAREM DE DESQUALIFICAR AS LUTAS FEMINISTAS E ANTIRACISTAS AS CHAMANDO DE IDENTITARISMO!! Identitários são os homens brancos ensimesmados achando que a classe trabalhadora é constituída a sua imagem semelhança e que por isso não é necessário incorporar raça e classe e falam que é problemático e que não se materializam porque nunca de fato leram as MILHOES de contribuições de feministas, negrxs e indígenas que fazem reflexões super complexas sobre o tema. Ou vc acha que a teoria anarquista e autonomista foi feita sempre por homens brancos?
    Raça e Gênero não são dimensões identitárias, mas sim estruturais, e não esvaziam a classe de sentido POIS A CLASSE TRABALHADORA É COMPOSTA MAJORITARIAMENTE POR MULHERES E PESSOAS NAO BRANCAS, e ignorar isso e as reflexões sobre como superar essas desigualdades e opressões estruturais sim que é esvaziar a classe trabalhadora de sentido!
    OS COLETIVOS AUTONOMOS ACABAM POR CAUSA DO PERSISTENTE E RECORRENTE MACHISMO E RACISMO DE SEUS INTEGRANTES HOMENS BRANCOS CISGENERO E SUA INCAPACIDADE SISTEMATICA DE FAZER AUTOCRITICA, MUDAR AS POSTURAS E REALIZAR PROCESSOS DE RESPONSABILIZAÇAO E LEVAR A JUSTIÇA TRANSFORMATIVA A TERMOS NOS COLETIVOS!!
    NAO QUER SER EXPULSO OU “RACHAR” SEU ESPAÇO DE MILITANCIA? NAO ESTUPRE OU ESPANQUE UMA MULHER OU LGBTI, SEJA ELX DO COLETIVO OU NAO. Ou vcs acham que a gte é obrigada a conviver todos os dias com nosso estuprador em nome da luta anticapitalista? É ISSO QUE CONTINUA A EXCLUIR AS MULHERES DOS ESPAÇOS POLITICOS! Não seja machista, não monopolize os espaços. Não estou falando em abstrato (“identidades”), mas de diveros casos que acompanhei em 15 anos de ativismo autonomista. Enfrentar essas situações não é pessoalista, individualista mas sim o combate a um mecanismo estrutural que exclui e violenta as mulheres na sua luta. Chamar lutas políticas de conflitos pessoais é desonestidade intelectual!
    Escrever um texto desses sem falar a palavra machismo ou violência sexual é absurdo!! Apaga a crítica das feministas e as distorce como se fossem uma disputa por liderança. Acreditar na denúncia de uma mulher ou de uma pessoa oprimida é um pressuposto de qualquer coletivo que se proponha antipatriarcal e antiracista! Rachar com um cara por machismo, violencia sexual, racismo ou lgbtfobia não é punitivismo! Punitivismo seria entregar ele pra polícia! Priorizar a permanência dx sobrevivente no grupo ao invés da dx agressorx não é trashing, é JUSTIÇA. Me dê um exemplo concreto do que vc está chamando de trashing que não seja casos de combate à opressão e violência entre ativistas! Porque senão vou entender que vc está deixando implícito que mulheres inventam terem sido vítimas para lincharem os caras e subirem a posições de liderança, quando na verdade o mais recorrente é elas serem execradas nesses espaços e taxadas como loucas, histéricas e exageradas.
    EXISTEM MILHARES DE ZINES QUE ABORDAM FORMAS DE RESPONSABILIZAÇAO E JUSTIÇA TRANSFORMATIVA NO CONTEXTO DOS MOVIMENTOS AUTONOMOS, se vc não está visualizando muito bem essas propostas e experiências VAI LER ESSAS PUBLICACOES!
    Enfim, é preciso qualificar o debate dando nome e concretude aos reais processos que erosionam a organização autonomista.
    Quem são os anti-identitários senão os homens brancos que estão tendo seus lugares de privilégio questionados? (te desafio a me apontar aqui no passa palavra textos anti-identitários que não sejam de homens brancos cisgênero) Esse é o problema do anti-identitarismo, pq ele não está a combater um posicionamento político, sim desqualificando qualquer crítica que venha de qualquer pessoa que não se encaixe na identidade fictícia de homem branco que atribuem à classe trabalhadora, mas que não corresponde à realidade.

    Segue um comentário que escrevi a outro texto (sobre corporativismo masculino) mas que serve bastante praqui tbm:

    A auto-organização das mulheres e dxs negrxs na luta contra as opressões patriarcais e racistas não é identitária e muito menos corporativista, nem a causa da guerra de todos contra todos. O que causa a guerra de todos contra todos são as violências machistas e racistas cometidas cotidianamente por “aparentemente uns homens brancos” que dominam esmagadoramente os espaços políticos em todos os segmentos do espectro ideológico, fazendo com que continuamente nos sintamos excluídas desses espaços. Acabamos nos afastando por não se dispor a ficar educando aqueles que lêem teóricos homens brancos e se refenciam em ativistas homens brancos (não seriam estes os únicos realmente identitários?), enquanto há uma infinidade de teóricas e ativistas que eles não lêem nem mesmo sabem da existência, e ainda ignoram que históricamente a base de todas as revoluções e movimentos de libertação são constituídas majoritariamente por mulheres e pessoas não-brancas. Nesse sentido, equiparar o corporativismo masculino branco aos supostos “corporativismo feminista” e “corporativismo negro” é uma simetria totalmente falaciosa que equivale a dizer que existe “racismo reverso” ou “sexismo reverso” – termos infelizmente recorrentes nesse portal, mas não supreende já que as falas advém de uma perspectiva predominante masculina e branca. Num contexto de patriarcado e supremacia branca a AUTONOMIA de reflexão, organização e ação política desses grupos oprimidos é necessária para se contrapor às lógicas desses sistemas de dominação que agem em favor da opressão de classe capitalista. Estariam os Povos Zapatistas equivocados em colocar a autonomia indígena como eixo central e estrutural de sua luta? Seriam elxs identitárixs, corporativistas “quase feudais” que agem em favor de um “nicho populacional”? Lutar por sua autodeterminação xs afasta da luta anticapitalista? Estou segura que não.
    O que é necessário considerar para refletir sobre como se desfazer dos PRIVILÉGIOS masculinos e brancos não é a autoridade feminina, mas sim a PERSPECTIVA SOCIAL de pessoas que vêm históricamente construindo análises POLÍTICAS acerca das violências e opressões vividas nos processos de organização, luta e vida cotidiana. Os elementos concretos citados pelo autor como “a interrupção constante de interlocutorxs, a diminuição retórica de ideias alheias (e seus/suas porta-vozes), a naturalização de falas longas ou da falta de intervenção de companheirxs, a constante explicação de como são as coisas, a definição taxativa e muitas vezes soberba sobre outras posições (e os ataques indiretos a todxs aquelxs que se aproximem delas)” são reflexões fruto de muitos debates, que só puderam ser elaborados em espaços auto-organizados de mulheres, negrxs e indígenas. Mas apesar de terem sido lidos em algum texto feminista e reproduzidos aqui, a perspectiva de alguém em um lugar privilegiado impede muitas vezes que reconheça esses mesmos elementos citados presentes no conteúdo do próprio texto.
    Bem, essas reflexões vêm do meu posicionamento enquanto feminista lésbica anarquista e autonomista, não por adição, mas sim a partir da reflexão crítica que incorpora as análises políticas oferecidas por diversas vertentes dessas tradições de pensamento complexas e conflituosas, de uma forma que dê conta de orientar a ação política minha e de diversas companheiras, pessoas e grupos contemplando todas as dimensões da nossa existência. Pessoas que nem mais se dão ao trabalho de ler textos com falas longas que concretamente nos ignoram como interlocutoras de fato, diminuem retóricas, terminologias e críticas construídas através de muito debate POLíTICO, definem de forma taxativa e soberba posições de movimentos cuja dinâmica desconhecem na prática mas apesar disso tentam explicar como são e como devem ser.
    Querem mesmo saber como desafiar o corporativismo masculino? Vão ler teóricas negras e negros, feministas, indígenas e lgbt que tenham perspectivas ideológicas afins às suas em sua diversidade e riqueza crítica que com certeza vai ter muito mais efeito. Não se vai encontrar soluções para mobilizar as bases, pois elas são as bases, as bases que desenvolvem teorias e práticas que tem a real capacidade de dar potência e vida a espaços de organização.
    Portanto, melhorem. Ou então vão continuar sendo organizações majoritariamente de homens brancos que exercem sua centralidade personalista como a maioria dos grupos anarquistas, autonomistas e comunistas da minha cidade e de diversas outras cidades pelas quais circulei. Enquanto isso, feministas, negrxs, indígenas e lgbts seguem construindo espaços plurais e radicais que de fato fazem dos conflitos motores de transformação e mobilização para a luta anticapitalista. Ao reconhecerem a potência dessas resistências e talvez apreender a relação entre os conteúdos e as formas de luta, bem como as ideologias a elas associadas, quem sabe vão se juntar ao campo de alianças dos mesmos concretamente, assim como muitos autonomismos e anarquismos latinoamericanos têm aprendido com o Zapatismo sobre como a classe trabalhadora não está constituída à sua imagem e semelhança e nem nunca esteve. E se não forem capaz de avançar na autocrítica em suas ações e discursos que então abram mão dos espaços sim e vão lavar suas próprias cuecas, porque a luta das trabalhadoras contra o capitalismo e todas as formas de opressão não precisa nem depende de vocês.

  6. Me parece que as questões relacionadas ao fenômeno do personalismo, da liderança carismática e da resolução de conflitos mediadas pela pessoalidade das lideranças são mais aderentes à proposta de discussão do texto do que o termo identitarismo. De qualquer forma é clara a argumentação e muito frutífera, pois este é um fenômeno muito recorrente e que muitos poderiam narrar histórias como estas onde as relações pessoais e de poder das lideranças, daqueles que se sobressaem, as vezes porque falam e articulam bem os argumentos, outras vezes só porque encontram mais tempo para se dedicar , enfim, o que não falta é egocêntrico querendo se achar dono dos coletivos e transformando as discussões políticas em narrativas novelescas. O anti-identitarismo é tão estúpido quanto anti-americanismo, talvez mais….. O sujeito da história é o capital e é ele que age como cobra que devora o próprio rabo. Avaliar se o identitarismo é muito ou pouco reprodutor da lógica do capital é uma questão vazia. Tudo é e não é a lógica do capital, ele é o sujeito da história, a questão deve sempre se pautar no conflito, no tensionamento que causa e na conduta consciente deste tensionamento pelas classes sociais. Bater nesta tecla de se os movimentos identitários são ou não algo com potencial revolucionário ou de contestação ou não, ou são só formas burguesas de enganar a classe trabalhadora etc., não me parece ser muito produtivo ou inteligente, acho que passamos desta fase. A crítica a conduta de egocêntricos que militam pelo brio pessoal, é atual, recorrente e bem mais produtiva, pois estas personalidades toxicas estão por todos os lados e tal conflito deve ser debatido no seara da ética e não das plataformas programáticas. Bem citada a Dantarez, é bem por aí mesmo. Critica radical é a que se faz na raiz da questão, ter a pretensão de conhecer a raiz de todas as questões é um engano, por isso anti-identitarismo, por se postar como desejoso da eliminação completa do identitarismo, já deixou o pensamento dialético bem para traz, perdeu o caminho para a raiz do problema e vai chegar atrasado para pegar o bonde da história.

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