Por Malvina Pretória Samuelson

Pensando bem, esse governo que está aí e todo o empresariado que o sustenta são inimigos muito bem definidos e óbvios. A base popular mais fascistóide que o sustenta também é grande e bem visível (e me refiro aos neopentecostais, e não aos punheteiros misóginos de alguma faculdade de engenharia ou medicina). Mas convenhamos, ando começando a ver certos “companheiros” como entraves da luta ou mesmo como possíveis inimigos.

Já fui muito sectária, o que é normal para qualquer anarquista religiosa ainda na puberdade. A educação das lutas me fez tratar doutrinas como documentos históricos e me aliar a diversas pessoas das mais diversas ideias. Nesse ano, comecei com essa cabeça de não ser tão sectária… e não me considero mesmo, mas é que às vezes perdemos o foco quando prezamos por algumas alianças.

Iniciei o ano disposta a colar com gente de todo o tipo para combater esse inimigo em comum. Para falar bem a verdade, e ser bem sincera, tomei distância dos libertários organizados em “blocos autônomos”. Ora, tomei a perspectiva de colar com meus colegas de trabalho, e não por afinidades ideológicas. Além do mais, o bloco autônomo da minha cidade é tão autônomo, mas tão autônomo, que nesses atos às vezes deixa até a classe trabalhadora para trás. E não precisa ter o olhar da inteligência policial para perceber que ali no meio há figuras de chefinhos — chefinhos que inclusive são trabalhadores muito bem qualificados ou estudantes universitários de alta qualificação, bem diferente do fetiche do trabalhador brutalizado e sujo de carvão que tanto amam dizer que representam. Também caem no mesmo erro da tradicional esquerda bravateira, que blefa demais e na hora do vamover só se fode porque não tem força nenhuma; para mim são fetichistas, investem muito em símbolos, cores, em imagens de operários do século XIX ou XX, em imagens da guerra sangrenta da Espanha (1936-39), na estética belicista, etc., etc. Por isso, e vendo que a luta de base estudantil é bem diferente da luta no local de trabalho, preferi assumir o desgaste de colar com a “pelegada”, pois é em volta dos carros de som da “pelegada” que a maioria dos meus colegas está, portanto é ali que eu acho que devo estar para difamar as burocracias sindicais e chamar para a reflexão.

Pois é, em vez de procurar os “grupos de afinidade”, perco meu tempo em assembleias do meu sindicato, por exemplo, que é controlado pela porcaria da CTB. Ou mesmo ajudo a distribuir panfletos assinados pelas mais torpes entidades, desde que isso me dê a oportunidade de estar às 5:00 da manhã em um terminal de ônibus e com espaço para dialogar criticamente com outros trabalhadores. Mas essa galera “Lula Livre” (que não inclui apenas os petistas) já está me tirando do sério. Assim como esse governo diz que tudo só vai começar a mudar com a aprovação de uma nova reforma da previdência, os lulalivristas dizem que as coisas só podem melhorar com o Lula solto e de volta à ativa (se é que ainda não está).

Porra, o desgraçado já deu umas entrevistas de dentro da PF em Curitiba a jornalistas amigos e só confirmou que está pouco se fodendo para a luta social dos trabalhadores. Ele quer administrá-las. O canalha já falou orgulhosamente em umas dessas que sempre foi o presidente queridinho dos empresários, que “andava pra lá e pra cá de jatinho com empresário” para bater na porta de empresário estrangeiro e, para aqueles que ainda têm esperança de ouvir uma autocrítica esquerdizante desse sujeito, ele insiste em dizer que só se arrepende “de não ter feito mais”. Mais o quê? Sempre adula a Dilma, mas quando é apertado contra a parede, não hesita em jogá-la na brasa para salvar sua própria imagem de caudilho ególatra. De autocrítica de dirigente petista, talvez a que foi mais longe foi a de Gilberto Carvalho naquele filminho água e sal da Netflix que fez muita gente pirar de alegria… e que grande bosta essa autocrítica também. Chegamos no nível absurdo de ver toda uma “esquerda” passando pano para o Lula enquanto cabe ao Paulo Guedes na CCJ apontar dedo na cara de parlamentar do PT e falar “Se querem tanto taxar lucros e grandes fortunas, por que não fizeram nos 14 anos em que estiveram no poder?”. Isso é vergonhoso!

No meu sindicato as assembleias são extremamente esvaziadas (e olha que é um dos melhorzinhos do estado) e só servem para a base chancelar o que já vem deliberado da federação (que recebe ordens de quem?). Em pouco tempo de sindicalização, e em tempos de “fascismo”, é incrível como esses burocratas sindicais ainda travam toda a capacidade de discussão e decisão pela base. Enquanto uns lutam por uma vida melhor, e outros ainda mirando uma revolução sei lá para quando, para mim fica claro que essa burocracia luta para voltar ao controle dos cordões. Assim, só me cabe tentar convencer colegas da base que isso aí é tudo muito estranho… mas é difícil lutar contra o mito da “melhor época do Brasil”. Ao mesmo tempo, uma dirigente de um sindicato de educadores filiado à CUT persegue judicialmente professores e a associação dissidente, fazendo o papel repressivo que caberia ao governador do DEM e alegando coisas como “difamação” porque trabalhador falou mal da dirigente ou alegando que a tal associação não pode representar os trabalhadores porque não tem carta sindical com carimbo de ministério. Sem contar o monopólio dos carros de som e das vozes estridentes que só fazem os trabalhadores dos ônibus e calçadas quererem vomitar de nojo. “Lula Livre” é totalmente hostil e oposta à luta da classe trabalhadora. Faz parte da mitologia — e não é agitando mitologia anarquista que vou ajudar a combater isso.

No meu trabalho a maior parte das chefias é de esquerda ou, como preferem se chamar hoje em dia, “progressistas”. Uma delas, inclusive, persegue tanto trabalhadores de esquerda que eu nunca vivi isso nem com os gestores trouxas de direita. Nunca sofri tanto assédio moral no trabalho quanto com essa chefe petista que no 19 de outubro de 2018 entrou na minha sala falando que “agora é nossa hora de resistir”.

Tanto do lado dos libertários quanto do lado dos pelegos, o que vejo também é um tipo de identitarismo feroz que separa o “nós” do “eles”. Eu tenho mais sucesso de diálogo com trabalhadores que estão alheios às hashtags e aos memes da estação, que são justamente aqueles que são ignorados pelos “progressistas” por algumas coisas que falam. Por exemplo, tem trabalhador terceirizado que faz comentários machistas, racistas, que votou em Bolsonaro, que se refere à estudante transexual como “o viado” ou “o traveco” e isso tudo faz afastar os “progressistas”. Com o reitor que se lamenta pelas contas mas que já se rendeu ao Weintraub, esse ainda merece todo o respeito. Na verdade, mal sabem essas pessoas, mas é bem tranquilo falar coisas como “Que isso, cara! O que afeta na nossa vida ela ter pau ou não? O que tá atrapalhando a gente são outras pessoas, que decidem tudo por nós e contra nós”, e daí iniciar um diálogo. Mas não, se o trabalhador terceirizado que se escolarizou só até à idade de ir para a roça capinar faz um comentário machista, ou se votou no Bolsonaro, ele que se foda! Mas e os comentários machistas e homofóbicos do Lula? Melhor nem comentar… não é essa a questão. Para maior surpresa ainda, nas práticas cotidianas de coberturas de intervalos prolongados, dos pequenos golpinhos nos coordenadores, fofoca sobre chefias ou solidariedade em caso de perseguição e assédio, tem colega trabalhador de direita que é muito mais presente que alguns colegas que se dizem de esquerda, ou “progressistas”.

Ou como uma colega um dia me disse: “O Lula se vendeu aos patrões (como se já não o tivesse feito no ABC) mas pelo menos tirou o Brasil do mapa da fome. E você, o que fez, além de ficar sentada no sofá criticando?”. É… não tirei o Brasil do mapa da fome, mas também não levei empresa para a África para explorar mão-de-obra barata nem alimentei o regime familiocrata angolano. E, por favor, não mexam no meu sofá (que nem é meu, é da proprietária do apartamento), pois é nele que eu me jogo depois de me sentir um lixo no trabalho, sobretudo naqueles dias em que sou chamada na salinha da chefe petista para levar bronca e ser, delicadamente, ameaçada.

Sinceramente, acho que tem inimigos muito mais perto de nós do que imaginamos… Na rinha entre tecnocracias rivais, a esquerda hegemônica diz que vale a pena apostar em um dos galos. Eu acho que dá para matar os dois e fazermos uma galinhada que sirva a todos nós.

5 COMENTÁRIOS

  1. Lá na minha universidade andam dizendo que se solidarizar aos terceirizados é indissociável do #LulaLivre. Que seria quase a mesma pauta. Será que está faltando a nós uma compreensão melhor do estado da luta de classes? Talvez? Bom… por enquanto eu arrisco o óbvio.

  2. Não há. e não tenho conhecimento se houve, uma esquerda revolucionária no Brasil. Portanto, precisaremos de um governo “progressista” (no mínimo) para que se re-estabeleça os direitos adquiridos pelos trabalhadores. Percebo como quase inevitável a volta do Lula ao poder, pois o próprio processo que lhe custou a liberdade, agora o alçará à condição de candidato com direito à aclamação popular. Dentro deste quadro é que devemos (àqueles que se julgam revolucionários, agir no campo ideológico para conquistar e transformar pelo viés da conscientização, os corações e mentes) agir. Pressionar um futuro governo de “progressistas” com pautas que iriam além do re-estabelecimento dos direitos, talvez, traga a possibilidade de desmascarar os acordos feitos para a manutenção do sistema de exploração em vigor e coloque os “progressistas” no patamar mínimo da representação enquanto se prepara a organização de um movimento de fato revolucionário. Uma ação revolucionária tbm requer uma consciência revolucionária e deve abranger toda a constituição do homem e da sociedade que pretenda formar. Um revolucionário, deve ser uma pessoa “transformada” moralmente e socialmente, livre de toda misoginia, machismo, xenofobia, enfim… livre de medos e preconceitos. A palavra “pelego”, dentre outras que afetam tão gravemente os movimentos por uma vida mais justa, deverá significar para esse revolucionário apenas uma prática do passado, fruto de uma transição, vergonhosa mas necessária para que se estabelecessem os termos. Uma sociedade futura que abolirá, gradualmente, todas as formas de exploração do homem por elas não representarem sentido algum a quem queira ser chamado de humano. A categoria povo deverá ser transformada! em cada casa é preciso que habite um revolucionário. Chega de desumanização. Chega de lutarmos pelo povo. Ser humano é tomar consciência de si mesmo e do mundo. Lutemos pela conscientização do povo e o povo (transformado) fundará uma nova sociedade livre dos grilhões das fobias.

  3. Quem lê esse texto, tem a sensação de ser um psicólogo ouvindo alguém que está no divã. Texto em primeira pessoa, em tom de desabafo, cheio de auto-afirmações, rancor e raiva, todo sentimental e com xingamentos. Um texto que serve mais para a própria autora, acredito.

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