Por Ralf Ruckus

Os artigos sobre os protestos em Hong Kong foram reunidos em um dossiê.

Na segunda-feira, dia 18 de novembro de 2019, milhares de manifestantes vieram para a ponta sul de Kowloon em Hong Kong para protestar e talvez tentar furar o cordão policial ao redor da Universidade Politécnica ocupada, onde centenas de estudantes resistem. Este é um relato pessoal dos acontecimentos do dia, escrito com muita adrenalina.

Começando tarde da manhã, inicialmente centenas e depois milhares de estudantes se aglomeraram nos distritos de Tsim Sha Tsui, Jordan, Yau Ma Tei e Hung Hom, onde a Universidade Politécnica está sitiada pela polícia. A União dos Estudantes declarou que ainda há 500 manifestantes lá dentro, dos quais dois terços são estudantes da universidade. Várias tentativas de fuga de grandes grupos falharam na noite passada e hoje de manhã, outras foram bem-sucedidas. Chamadas apareceram nos quadros de mensagens de movimento para sair em apoio aos que estão presos lá dentro.

Em Hung Hom, grupos de manifestantes marcharam pela rua gritando: “Salvem os estudantes!”. Barricadas construídas na noite anterior foram reforçadas e expandidas com grandes pedaços de bambu usados em andaimes e latas de lixo. Pedras do calçamento também são espalhadas na rua na forma de “mini Stonehenges” para parar veículos da polícia. Muitos estudantes do ensino médio estão aqui, o núcleo dos “black blocs”, mas também homens e mulheres mais velhos, a maioria com máscaras no rosto. Muitas pessoas da comunidade sul-asiática que moram aqui também estão presentes.

Em uma rua lateral centenas de manifestantes formam uma corrente para levar braçadeiras de plástico para a construção de barricadas e guarda chuvas contra as granadas de gás lacrimogêneo e balas de borracha da linha de frente. Na Chatham Road, os “Raptors”, uma unidade especial da polícia, atiram granadas de gás enquanto outros policiais disparam balas de borracha. A maioria deles atira na altura do rosto. Não deve ser a única dose de gás lacrimogêneo que vai me atingir hoje.

Um homem da comunidade sul-asiática me pergunta se eu já tinha visto algo assim antes. Sim, eu respondo, durante os movimentos dos squats [ocupações urbanas] das décadas de 1980 e 1990, na Europa Ocidental. Mas naquela época o “black bloc” era sustentado e apoiado pela esquerda, enquanto aqui há um movimento muito maior de luta contra um governo autoritário – e é apoiado por grande parte da população. Então ele aponta para uma jovem construindo uma barricada e diz que ele não conseguia entender como a polícia podia atacar pessoas tão novas.

Mais tarde, centenas de manifestantes se reúnem em Tsim Sha Tsui. Como em vários lugares, muitos removem pedras do calçamento, as quebram e jogam na estrada. A polícia tenta novamente dispersar a multidão com gás lacrimogêneo. Minha tentativa de seguir mais para o norte pelo metrô MTR falha quando a estação é evacuada confusamente. De volta à rua, lá em cima, eu descubro o porquê: manifestantes atearam fogo em frente a uma das saídas, um dos muitos ataques a MTR, já que o movimento acusa a empresa de colaborar com a polícia.

Enquanto isso, ruas são bloqueadas em toda a região, por manifestantes ou pela polícia. Eu faço uma pausa e conheço uma militante de esquerda, que, como muitos, apoia o movimento. Ela me diz, entre outras coisas, que sua mãe trabalha em um hospital. Policiais são levados para lá depois de serem atacados durante sua folga por pessoas do movimento que os seguem e depois batem neles. Sua mãe e grande parte dos seus colegas apoiam o movimento e acreditam que os policias mereceram. A questão da violência contra o Estado é obviamente discutida de forma diferente aqui.

Eu saí e fui para Jordan na Nathan Road, onde milhares de pessoas estavam de pé ou sentadas, muitas exaustas dos confrontos. No meio da rua, caixas de coquetéis Molotov são preparadas, a mais importante arma contra os ataques da polícia. Um trecho de mais de um quilômetro está “stonehengeado” e quase todo cruzamento tem uma barricada.

Como em muitos lugares de confronto, dúzias de jornalistas em coletes amarelos estão presentes. Alguns deles seguram câmeras e transmitem ao vivo os acontecimentos pela internet ou pela TV a cabo. Um amigo me contou que muitas pessoas mais velhas apoiam o movimento, mas não se arriscam a participar das manifestações, e que através das transmissões ao vivo elas podem ver o que seus filhos estão passando.

Eu continuo em direção a Yau Ma Tei, onde a polícia de repente ataca com gás lacrimogêneo. Eu corro para uma rua lateral, mas as unidades de polícia avançam para lá também. A multidão recua um pouco, mas quando a polícia para ela avança – o padrão normal de batalhas nas ruas aqui: jovens com máscaras de gás seguram guarda chuvas abertos na linha de frente como proteção contra as balas de borracha. Eles avançam lentamente para que as pessoas atrás, em uma segunda linha, atirem coquetéis Molotov nas linhas da polícia até que elas se rompam.

Eu pego um atalho e vejo um carro blindado com um canhão de água, ambos construídos pela Mercedes Benz. Eles eram usados na Nathan Road, mas depois eu ouvi que os pneus furaram – verdadeira qualidade alemã. As batalhas continuam nas ruas até tarde da noite, e a polícia faz muitas prisões.

Quando eu finalmente vou para casa, os sons do levante em Hong Kong ressoam em meus ouvidos: o barulho das pedras do calçamento, das explosões dos coquetéis Molotov, o estampido das granadas de gás lacrimogêneo e das balas de borracha, as sirenes da polícia – e os gritos raivosos dos manifestantes.

Traduzido por Marco Túlio a partir do original publicado em inglês no site Naoqingchu.

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