Foto de Marcelo Camargo

Por Um Motorista

Leia aqui o segundo relato.

Pela própria condição a que estamos submetidos, é muito difícil para os motoristas de aplicativos se reunirem para fazerem ações coletivas. Trabalhamos dispersos, cada um com seu veículo e sem contato com outros motoristas, a não ser pelos grupos nas redes sociais e nas eventuais paradas para descanso, alimentação e outras necessidades (que inclusive ficam cada vez mais raras e curtas). No entanto, alguns eventos são capazes de juntar essa massa dispersa de trabalhadores. No dia 09 de novembro isso aconteceu na cidade onde moro por conta do assassinato de um motorista enquanto trabalhava na madrugada do dia anterior. Com apenas 21 anos, ele foi morto com um tiro na cabeça durante uma tentativa de assalto enquanto transportava passageiros.

Rapidamente a notícia se espalhou pelos grupos de WhatsApp, causando indignação e revolta mesmo entre aqueles que não concordam com as nossas mobilizações. A nossa associação (lembrem-se de que não temos um sindicato), normalmente devagar em promover qualquer tipo de mobilização, se posicionou imediatamente e convocou uma carreata para denunciarmos a insegurança de nosso trabalho. Para além da falta de qualquer direito, das longas jornadas de trabalho e de termos de arcar com todos os custos enquanto as empresas abocanham uma fatia de nossos ganhos, temos de conviver com a violência, não apenas nos grandes centros urbanos, mas nas outras cidades também. Somos forçados a dirigir cada vez mais horas para podermos nos sustentar, à medida em que os preços das corridas diminuem e cada vez mais trabalhadores buscam trabalhar para os aplicativos para fugir do desemprego ou para complementar a renda. As empresas nos ignoram, se eximindo da responsabilidade ao dizerem que não somos empregados e sim trabalhadores autônomos e que seu único papel é intermediar através do aplicativo motoristas e passageiros.

Greve dos motoristas de aplicativos nos EUA

Apenas quando nos unimos é que somos escutados pelas empresas e pelos governos. Como cabe a cada município estabelecer a regulamentação dos aplicativos, somos ainda mais fragmentados, tendo de em cada canto procurar garantir nossos direitos e segurança. A greve mundial, ainda que pequena e de pouco impacto, foi um importante passo para os motoristas se reconhecerem enquanto trabalhadores explorados por uma empresa (ver o 2º relato do trabalho como motorista de Uber: a paralisação de 8 de maio). As recentes conquistas dos trabalhadores na Califórnia/EUA e na Inglaterra também mostram o potencial de luta destes trabalhadores e a extensão que as denúncias sobre a precariedade de nossa condição têm alcançado. Estudos já começam a ser feitos sobre os impactos destas condições em nossa saúde física e mental. No entanto, basta conversar com qualquer motorista para saber como somos afetados pelas horas ao volante, falta de descanso, pouco sono, alimentação ruim e angústia para podermos pagar as contas.

Voltando à minha cidade, na tarde do dia seguinte fizemos uma grande carreata pelo centro e fomos ao velório do companheiro de trabalho assassinado, prestar nossa solidariedade à sua família. Mesmo motoristas que alugam carros, e que, portanto, tem o custo do aluguel a pagar se somaram à manifestação. Uma arrecadação foi feita para amparar os familiares com os custos do enterro e desta difícil situação. Segundo os jornais locais, haviam centenas de motoristas, engarrafando completamente o tranquilo trânsito do final de semana. Mais uma vez, pode parecer pouco, mas nos reconhecermos enquanto trabalhadores, submetidos todos às mesmas condições precárias e inseguras, capazes de nos unirmos para combater justamente estas condições, é um importante passo para os motoristas. Neste sentido é importante frisar que a solidariedade se deu por pessoas de todos os espectros políticos, credos, sexos e cores da pele. Mais um importante passo para avançar contra a fragmentação que nos é imposta tanto pelo trabalho como motoristas de aplicativos quanto por diferentes e supostas identidades.

Enfim, seguimos nos arriscando para garantir um mínimo sustento e para nos defendermos da ganância das empresas. Somente unidos conseguiremos mudar esta situação. Para isso esperamos poder contar com o apoio e solidariedade de todos os outros trabalhadores, inclusive daqueles que são passageiros em nossos carros.

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