Por Passa Palavra

O Passa Palavra procurou encontrar mais informações sobre a recente greve dos petroleiros, que contou com centenas de unidades paralisadas e foi declarada ilegal pelo TST. A entrevista que aqui publicamos, realizada enquanto a greve ainda não havia sido suspensa pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) para abrir negociações com a Petrobras, compartilha algumas impressões de um militante que trabalha na companhia.

Passa Palavra (PP): Como se deu o início da greve? O que vocês querem da Petrobras?

Entrevistado (EN): A greve se dá num contexto bem dramático para os trabalhadores. O ataque dos mercados por lucros, visando compensar as taxas declinantes, vem se intensificando, em especial depois do governo Temer, e ainda mais sob Bolsonaro. A direção da empresa adotou abertamente esse lema, construir uma empresa que produza valor para os acionistas. E para isso, tem vendido grande quantidade de ativos, o que no fundo é um ataque aos trabalhadores, porque grande parte desses ativos (plataformas antigas) irão recuperar lucratividade às custas da precarização das relações de trabalho realizada pelos compradores. Haverá aumento do tempo de trabalho, da intensidade, diminuição de salários e de efetivo.

Também, dentro da Petrobras, o foco em enxugar custos afeta antes de mais nada os trabalhadores, próprios e contratados. Entre os contratados tem acontecido redução efetiva de salários, de forma muitas vezes drástica, o que é feito evidentemente de forma fraudalenta. No momento de renovação dos contratos acontece de a mesma pessoa ser contratada para a mesma função com salário mais baixo; muitas vezes é feita uma mudança formal de função, por exemplo, um engenheiro ser contratado como técnico. Em relação ao pessoal próprio, além de cortes de direitos, começa a surgir a possibilidade da demissão em massa, uma vez que a previsão de tamanho futuro da empresa não comporta os funcionários que tem atualmente. Têm tentado diminuir o efetivo através de sucessivos planos de incentivo à demissão voluntária, mas ainda longe de atingir a meta. E aí ocorreu o primeiro processo de demissão coletiva de efetivo próprio, na FAFEN do Paraná, e foi isso que detonou o processo.

PP: A unidade em que você trabalha paralisou? Como está o diálogo com o movimento em seu trabalho?

EN: Atualmente eu estou desimplantado, trabalhando no administrativo, na sede de Macaé. Diz uma lenda que “o adiministrador não para na greve”. Na verdade, uma profecia autorrealizável: não para porque as pessoas não param. É uma coisa cultural, mas também tem determinações, ligadas ao tipo e situação de trabalho. De fato, a paralisação do administrativo seria bastante importante, já que a continuidade operacional é mantida a partir daqui, são os QGs dos fura-greves. Mas existe muita gente que apoia o movimento mas não consegue fazer nada. Pelo menos até então…

PP: São quantas unidades paralisadas?

EN: A greve é ampla, mas afetou pouco a produção. Quase toda a empresa está em greve, mas é uma greve sem parada de produção. Tem dois formatos: um nas plataformas e outro nas refinarias, terminais e outras unidades terrestres. Na plataforma, o pessoal desembarca e entrega a planta para as equipes de contingência (que são formadas por fura-greves, gerentes, engenheiros) que assumem a planta e mantém a produção. Nas refinarias, fazem o corte de rendição. A equipe que iria entrar não entra, e a equipe que estava lá é proibida de se retirar (pela empresa). Em algum casos, tem pessoas que estão desde o início da greve presas nesses locais, em cárcere privado. Vai chegando, entretanto, um momento crítico, porque começa a faltar gente para formar as equipes de contingência, e é provavel que em algum momento em breve a produção comece a ser afetada.

PP: Há alguma razão específica para esta mobilização ter tido mais adesão do que outras greves travadas nos últimos anos?

EN: A participação da categoria na greve é produto de uma consciência crescente da gravidade da crise capitalista e de suas consequências negativas para a classe trabalhadora. Por um lado, porque os efeitos estão mais evidentes no âmbito geral, mas também porque começam a afetar mais diretamente a categoria. É bem claro que a reestruturação da empresa visando aumentar a taxa de lucro está [acontecendo] e será cada vez mais, e não poderia ser de outro jeito, às custas dos trabalhadores, da extensão das jornadas e da perda de postos de trabalho. Esperemos que essa mesma visão esteja se desenvolvendo em outras categorias, e que, em algum momento, se juntem na ação.

PP: Como trabalhadores de outros ramos estão pensando sobre a greve?

EN: A Petrobras muito provavelmente não vai recuar. Existe uma boa consciência por parte da categoria de que se trata de uma luta difícil, e que existem grandes chances de derrota. Mas também é preciso notar que a luta não se resume a uma oposição entre a categoria e a empresa. Num processo como esse, a categoria enfrenta a classe dominante como um todo, vêm ao caso os aspectos políticos, é apenas nesse âmbito que é possível pensar numa vitória. A categoria não vai vencer sozinha, é preciso que o processo se estenda para outras categorias e se transforme em um conflito de classe contra classe. Este é o único caminho adiante, o de desencadear um greve geral.

PP: A FUP indicou que a greve seria temporariamente suspensa. O que vocês estão achando disso?

EN: A estratégia da Articulação Sindical, que dirige a FUP, é bem expressa por Lula quando ele diz que é preciso deixar Bolsonaro sangrando até 2022. Isto tem várias implicações. A principal é impedir qualquer movimento mais radicalizado que possa pôr em cheque o governo. Com esse argumento, trabalham por dispersar no tempo as lutas, cuidando para que categorias importantes não entrem em luta ao mesmo tempo, já que isso poderia desencadear uma greve geral. No caso específico do movimento dos petroleiros, que é isoladamente a categoria mais forte, isto implica um cuidado especial. A escolha do momento da greve foi um deles: não aproveitaram uma crise do governo para tentar aprofundá-la. Muito pelo contrário: num desses momentos de crise estávamos no dissídio, e o que fizeram foi impedir a greve. Escolheram um momento de estabilidade. A forma de agir também diz muito: uma greve sem parada de produção, visando meramente ao desgaste. Finalmente, a duração, que já foi além do que planejavam. Em face da categoria, agem como deveriam agir frente ao governo: escolheram o momento de fraqueza, quando começam a chegar telegramas com punições, para desmobilizar a greve — pois as punições foram permitidas pela decisão de Ives Gandra de 17/02, que monocraticamente declarou a greve ilegal. A decisão do tribunal na audiência de conciliação do dissídio da Araucária Nitrogenados de terça-feira (18/02) não foi nenhuma vitória, mas claramente um adiamento com caráter transitório, e serve meramente de pretexto. Ainda assim, afirmo, terão trabalho para encerrar a greve. As assembleias estão começando a acontecer, vamos acompanhá-las.

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31/01 – Ocupação na sede da Petrobras. Trabalhadores exigem suspensão das demissões na Fafen-PR
08/12 – 8 dias de greve, 88 unidades paralisadas em 13 estados.
17/02 – TST declara a greve ilegal e autoriza sanção aos petroleiros.
20/02 – vários sindicatos da FUP e da FNP votam suspensão da greve.

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