Por Matheus Novaes

Há algum tempo vem se discutindo militância via internet. Por exemplo, as webcelebridades fazendo “trabalho de base”. Por um lado, esse procedimento cria aberturas ideológicas, abre, de alguma maneira, um caminho de estudo do pensamento revolucionário disputando a internet como espaço, em si mesmo. Por outro, demanda a cooptação do leitor para uma organização a fim de, só neste momento, posicioná-lo como militante no local de trabalho — geralmente este sendo tratado como espaço de disputa via sindicato, DCE, etc., com vistas à sua direção pelo partido no caso do leninismo. Temos o espaço como institucional aqui, em que o campo disputado é externo ao espaço da classe trabalhadora, mas, sendo fora, projeta dirigi-la. Diferente desta lógica, nós buscamos rearticular as relações no local de trabalho.

Entretanto, no presente momento precisamos nos distanciar fisicamente da classe trabalhadora, isolarmo-nos. Manter a militância como vínhamos fazendo colocaria os trabalhadores contra nós, justamente, sob o peso da irresponsabilidade sanitária. Porém, agora há uma demanda de organização da classe. Por um lado, precisamos nos afastar e por outro ser próximos. Então precisamos pensar o que entendemos por distância, logo, aproximação, ou seja, o espaço como relação, a fim de não buscar num mero “trabalho de base” como educação psicológica de indivíduos a solução, nem na disputa eleitoral por espaços institucionais a solução do problema da aproximação com a classe trabalhadora.

Em suma: Não podemos manter entrevistas, conversas, enquetes cara a cara como fazíamos. Por outro lado, não podemos abandonar o trabalho organizativo nesta situação de crise. Precisamos atuar… à distância? Como os blogueiros? Como os sindicalistas? Em primeiro lugar, o que compreendemos como espaço? Um certo prédio? Uma rua? Um nome? Uma instituição? Ora, aquilo que constitui o espaço não é originariamente métrico, mas é uma síntese de relações específicas, com metas, agentes, meios, instrumentos e finalidades dentro de seu contexto, em que cada coisa está posicionada dentro de possibilidades de relações humanas — sob a forma da determinação capitalista. O espaço é um campo de relações. O que demarca o próximo e o distante também o é. Se o espaço é um campo de relações e precisamos nos afastar fisicamente do espaço, precisamos nos manter relacionalmente presentes. O espaço em que almejamos manter-nos presentes é o local de trabalho. Não uma instituição legal, mas um campo de síntese de relações executadas por um setor da classe trabalhadora, especificada em certos agentes concretos. Devemos nos situar com ele sem estarmos corporalmente nele. Aliás, precisamos estar com eles, sem vê-los.

Bom, se a webmilitância trabalha indeterminadamente sob puras pessoas que leem postagens, devemos em primeiro lugar demarcar o local de trabalho em suas específicas relações — o que já vinha sendo feito. Posicionamos então os agentes com quem nos relacionamos em militância segundo o local de trabalho — em sua própria dinâmica, singular — e, assim, abrimos uma compreensão dos mecanismos necessários para manter o trabalho sob as características desse campo de relações. Não em vistas a uma mera transmissão teórica autoreferente, como nos blogs, mas visando os trabalhadores específicos na forma específica com que a conjuntura se manifesta singularmente no fluxo desse espaço. O trabalho de base não é uma relação sujeito x objeto, um tiro no escuro que quer preencher de conteúdo trabalhadores como coisas — como meu irmão pinta desenhos descoloridos. Ele é um contato com o movimento do sentido daquela situação compreendido pelos próprios trabalhadores, e à maneira pela qual a possibilidade de rearticulação desse campo de relações se apresenta como um possível dentro desse mesmo campo. Precisamos apreender e apresentar o apreendido através das formas necessárias para lidar com esse distanciamento físico. Esse trabalho, entretanto, em sua totalidade não pode cair do céu. Não pode nascer dessa conjuntura. Pois os trabalhadores deste mesmo campo de relações lidam no âmago de seu trabalho com a vigilância, a xisnovagem [o ato de delatar], o medo da incerteza, as ameaças constantes. Demandando, novamente, o velho e justo cara a cara. Na própria lógica singular deste espaço a proximidade é uma demanda.

É uma questão de confiança e ela não cai do céu. Pelo contrário é construída. Se não podemos ser fisicamente presentes devemos ser confiados, e essa relação de confiança deve ter vindo de um processo de trabalho longo. Aqui uma grande lição deve ser tirada. Quem espera a crise é passivo diante dela. O trabalho militante deve ser continuidade sob a base da confiança. Continuado porque já foi estabelecido. Podemos ser presentes à distância desde que já o tenhamos sido no aperto de mão de outros invernos. Outra lição, manter a necessidade de se distanciar como um perigo possível e estar pronto para ele, projetar as mudanças na forma de contato. Invertendo, vamos voltar à velha estrutura de contato quando o vírus diminuir? Talvez a vigilância mesma seja o vírus no futuro demandando um trabalho preciso, seguro e confiado de militância.

Nossa conclusão é bem simples: fisicamente longe, mas em conformidade com nosso largo processo de militância, próximos. A internet, se determinada pela centralidade do local de trabalho nas suas questões mais singulares, é um mecanismo para essa tentativa necessária. E o trabalho não deve parar. Mantemos o contato com quem contatávamos; o estudo do movimento desse espaço demanda de novas mediações, precisamos investigar; verificarmos plataformas confiáveis para o trabalho: tudo em conformidade ao processo já constituído de muito tempo. Não abandonar o saldo até agora conquistado, mas transformar essa adversidade no trampolim para descobrir novos dispositivos de contatar, desvendar e transformar as complexas relações que constituem o local de trabalho.

E, agora que estamos discutindo, isso me veio à mente. Não foi a centralidade do local de trabalho que distinguiu os caminhoneiros se mobilizando pelo WhatsApp dos blogueiros geniozinhos do Facebook? A adversidade da fragmentação apontou uma saída necessária como sua possibilidade mais própria de mobilização. Os aprendizados do presente podem nos ajudar a reavaliar coisas acontecidas, e assim, reviver as experiências de luta da classe trabalhadora, consequentemente, inspirando-nos nelas.

Última lição: o presente revive o passado. Cabe saber se o direcionaremos corretamente.

Ilustram esse artigo pinturas do Salvador Dalí.

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