Iranian Firefighters disinfect streets in the capital Tehran in a bid to halt the wild spread of coronavirus on March 13 2020. - Iranian forces will clear the streets nationwide within 24 hours and all citizens will be checked for the new coronavirus in a bid to halt its spread, the military said. (Photo by - / AFP)

Por Zé Antônio

O Brasil, no vigésimo dia de contágio de coronavírus, tinha 291 infectados, enquanto a Itália, no seu vigésimo dia, tinha somente três ou quatro. Lá o salto se deu depois desse dia, quando, no trigésimo dia, já havia mais de mil casos e vinte e nove mortes, pois houve erros nos tratamentos de pacientes infectados em hospitais, de modo que não se preveniu a proliferação. O número segue alto. O que conta é o crescimento geométrico, mas também a difícil mensuração no diagnóstico dos casos e também dos mortos. Sem tratamento, os EUA, por exemplo, que lideram a quantidade de infectados, terão 1,2 milhão de mortos, o que também pode ocorrer aqui. Existe, é claro, o reconhecimento de que o sistema de saúde atual não tem condições de, sozinho, sob “condições normais de temperatura e pressão”, acolher tantos casos e criar tantos leitos nos hospitais. No Rio de Janeiro, a secretaria municipal de saúde já declarou que está com 100% dos seus leitos de UTI ocupados, e que criou 150 novos para atender aos casos. Daí a restrição de circulação e quarentena como controle da curva de crescimento do contágio, pensado para não colapsar o sistema de saúde, como ocorreu na Itália. Segundo o Ministro da Saúde, Luiz Mandetta, caso nenhuma medida de restrição seja tomada, isso ocorrerá em abril. Mas, seguindo as recomendações, o pico da curva será em julho, desacelerando depois, e em agosto começa sua queda.

Algo é reforçado agora: o reconhecimento da classe trabalhadora como meio de produção de si mesma. A pandemia desnudou essa perspectiva, que trata a força de trabalho como não somente uma mercadoria que produz valor, mas que reproduz a si mesma, cuja manutenção e disciplina são fundamentais para manter as relações capitalistas. Nesse sentido, trata-se a quarentena como meio de controle, para além dos custos com saúde e controle do contágio, não ao impedir circulação, que se tornou uma demanda da própria classe, mas pela forma como isso se dá. Como impedir sua circulação, demandada na ida ao trabalho? Será remunerando as faltas nos dias de serviço? Home office? Trabalho em escala? Garantias de renda mínima? Recomendar adiar o vencimento de contas de água? Demissões em massa? E como será seu retorno à produção depois da quarentena?

A necessidade de preservação da classe trabalhadora não traz nenhuma ilusão sobre um lado benevolente das classes capitalistas. O poder que faz a quarentena ser urgente é o da manutenção da força de trabalho e sua reinserção na relação de mais-valia. Nela, o tempo de trabalho investido num trabalhador é revertido numa quantidade maior para o capital. Sua valorização e qualificação para operar tecnologias, multiplicando a produtividade, passa pela preservação de suas vidas. Num duradouro “gargalo produtivo” em que a baixa qualificação da maioria dos trabalhadores reforça a baixa tecnologia de boa parte da produção no Brasil, por conta de defasagens na educação básica[1], isso seria estratégico. Mas isso é uma unidade entre os capitalistas? Muitos setores buscam lucrar na baixa produtividade, ao otimizar investimentos empregando baixa remuneração a trabalhadores, reduzindo os encargos com a força de trabalho, com uma disciplina intensa da jornada para aumentar a produção. Tem outra pedra descendo a avalanche: a crise econômica. As bolsas tiveram queda de investimento pelo mundo com a pandemia, onde países trazem expectativa de crescimento próximo de zero, sendo que já vinham apresentando desaceleração. A falta de circulação e o baixo consumo provocaram redução do valor das ações, e empresas pelo mundo pedem socorro. No Brasil, a queda da exportação reduziu o investimento. Com crescimento do PIB variando entre 0% a 2,5% negativos. Provavelmente piorados pela guerra de preços do petróleo, que está gerando uma crise de superprodução partindo da Arábia Saudita com a redução mundial da demanda por combustível, que impacta produtores, como os daqui. Isso retrai determinados setores, e motiva as atitudes de Bolsonaro para minimizar a pandemia. Ela representa um setor que o apoiou eleitoral e logisticamente: setores do comércio, de bens não-duráveis e serviços, muitos de baixa produtividade e empregando trabalhadores com baixa remuneração. Também dialoga com trabalhadores informais, que não podem parar de trabalhar e receber renda. Na autorregulação da carga horária, em busca de renda, muitos dizem “foda-se o coronavírus, preciso trabalhar”, ou ficam expostos à fome. São 41,3% da população ocupada, segundo o IBGE. Isso é uma base social para as medidas do presidente.

Enquanto ocorrem consensos de reprodução da força de trabalho, esses setores encabeçam a intenção de levar a jornada de trabalho à exaustão. Por baixo dos setores mais dinâmicos da economia, da alta produtividade que exploram para ter mais-valia relativa com as tecnologias, está a pressão pela mais-valia absoluta. Atuam de forma articulada, usando tecnologias para intensificar a carga horária, e tiram qualquer constrangimento sobre perdas de direitos. A maioria de empresas com atraso tecnológico, vivendo com poucas empresas de elevada tecnologia, justificam isso[2]. Mas se não há força contrária dos trabalhadores, não há demanda para qualificação e salto de produtividade, mantendo um ciclo de estagnação. As novas tecnologias reforçam essa disciplina em vez de colaborarem com pressões por maiores salários, como ocorreria em outras condições[3] usadas nas terceirizações, uberizações, informalidade, etc. Se justificavam a piora da condição de trabalho pela geração de empregos, a recessão é o pesadelo do desemprego. Esse é o preço da neutralização dos conflitos, que é motor do avanço tecnológico.

As primeiras semanas do contágio brasileiro foram exemplos de disputas entre governadores e prefeitos implementando a quarentena, contra as desautorizações do presidente. A mais explícita a nível nacional foi um pedido, que se materializou na aliança entre o fórum de governadores e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Nele inclui-se a exigência de medidas de apoio financeiro aos Estados, com a aplicação do Plano Mansueto, que inclui medidas de privatização e desoneração fiscal para os Estados como condicionantes no perdão de dívidas. O pedido contém a proposta de aplicação da renda mínima emergencial, a partir de um projeto do governo Lula elaborado em 2005.

Posteriormente, o Banco Central apresentou uma plano de socorro financeiro a micro e médias empresas, como também a garantia de salários aos empregados e informais, algo que segue a elaboração dos consensos mundiais para resposta imediata à crise econômica, que traz novamente a perspectiva do reconhecimento da reprodução da classe trabalhadora como garantia da produtividade. Isso mostra uma reação do capitalismo mundial, organizado nos termos do “Estado amplo”, que supera as localidades. No caso os setores, como as transnacionais, pautam, através de consensos globais, as demandas por um novo ciclo de mais-valia relativa, que demanda a qualificação, como saída para a crise. A esses interessa amenizar o número de mortos. Aos outros setores, cujo compromisso Jair Bolsonaro pretende cumprir, ao fazer a campanha “O Brasil Não Pode Parar”, Rodrigo Maia atacou seus motivos financeiros, ao lembrar das perdas na Bolsa de valores e opor a esses setores que não perderam, ganharam ou podem repor perdas. Nisso, lembrou que a União deu apoio maior aos bancos com socorro financeiro, portanto a ajuda desses aos trabalhadores, médias e pequenas empresas ainda pode ser maior.

Dentro de decretos e medidas provisórias alterando a Lei 13.979, a questão do conflito de classe ficou latente no Decreto 10.282 e na MP 927. Parte da demanda pela quarentena vai além da disputa entre abertura e fechamento de lojas, aeroportos e estradas. As desautorizações nesse sentido, seguem na mesma (ver aqui e aqui). O Judiciário, declarando ilegal a mudança na definição dos serviços essenciais, não finaliza a disputa dos setores interessados em implementar mais-valia absoluta à revelia da pandemia. O fato de Bolsonaro recuar na suspensão de pagamento de salários por quatro meses, para fim de qualificação durante a quarentena, mostra uma inabilidade em lidar com a pressão.

A MP 927 se mantém na sua perspectiva de reestruturar as relações de trabalho, com a suspensão de salário mediante seguro desemprego, adiamento do recolhimento do FGTS, entre outros. O motivo da existência do Decreto 10.282 foi explícito, ao presidente declarar que incluiu os call centers como serviço essencial por conta das paralisações e protestos de seus trabalhadores[4]. O conflito foi instalado. Um setor de empresas médias e pequenas, que prefere burlar a quarentena, pois os gastos com uma greve são menores do que pagar salários a uma força de trabalho de baixa produtividade que deixa de trabalhar, deparou com a necessidade de reprodução dos trabalhadores. Mas quem tem condições de pautar isso são as políticas de socorro financeiro, numa unidade entre setores de alta produtividade. Isso serviria para neutralizar as políticas destrutivas de um empresariado médio, que só correspondem ao mesmo discurso “bárbaro” de Bolsonaro.

Bolsonaro aposta alto. Mesmo que a oposição o deixe “sangrar” sozinho, paga-se o preço do que lhe rendeu apoio político: o “gargalo” produtivo nas pequenas e médias empresas. Mesmo com o socorro financeiro e as políticas de contenção de sua “produtividade destrutiva”, eles são a amenização contra as mortes por coronavírus ao garantir a quarentena. Porém, o impacto da crise econômica prevalece, onde baixa atratividade de investimentos piora. Assim, a demanda por mais-valia absoluta vira uma pauta contra o desemprego, ou contra o “paro total”.

Nos conflitos sociais, o “bolsonarismo” se apresenta como um articulador da revolta popular diante da crise, ao ainda usar habilmente a dicotomia “vida versus economia”. Ao apresentar nada além da exploração da mais-valia absoluta como alternativa ao desemprego, passa a agitar setores precarizados contra a quarentena. É possível dizer que ocorreu um conflito de diversas dimensões entre capitalistas e trabalhadores, tomando em conta a sua reprodução como condição necessária para uma unidade entre os primeiros. Se setores de alta e baixa produtividade disputam condições de exploração, há um consenso em usufruir da disciplina da classe trabalhadora. Há possibilidades de a crise e centralizar o capital nas transnacionais e submeter as médias e pequenas empresas com endividamentos e crédito. Um país emergente como o Brasil pode ser palco disso.

Se os recentes conflitos no telemarketing se precipitaram por uma brusca solução diante da quarentena, que foi recolher lojas e serviços para os call centers, é possível dizer que uma reestruturação produtiva pós-pandemia seria a disciplina pautada na resolução dos conflitos que estouraram agora. É entre uma classe trabalhadora querendo viver contra um médio e pequeno empresariado querendo produzir numa pandemia. O socorro financeiro também vem junto com um controle dos trabalhadores, demandando mais automação e isolamento da classe através de tecnologias de informação, porém para intensificar trabalho e flexibilizar a jornada ainda mais.

Das recentes lutas espalhando-se pelo mundo em prol da quarentena, contra os patrões buscando lucros rápidos e arriscando a vida de trabalhadores, sairá uma reestruturação produtiva para tentar neutralizá-las. Desde agora estão sendo pautados home office, demissões, suspensão de salários e a integração com políticas globais de renda emergencial, já amarradas numa emissão de crédito, que será inserida em novas disciplinas de trabalho, numa pequena recuperação pelo consumo. Assim se encaixa a reprodução da classe trabalhadora, onde os insumos nela retornam como mais-valia, seja como qualificação ou retorno à jornada de trabalho. Mas se as empresas de baixa produtividade, que pretendem manter baixos salários, buscam permanecer nessa condição, serão as de alta que farão investimentos em tecnologia? Talvez com políticas públicas, porém com a baixa arrecadação de receitas fica difícil.

Na defasagem produtiva atual, caso a classe trabalhadora aceite os termos da reestruturação, os setores de baixa produtividade continuarão a impor mais-valia absoluta e flexibilizar direitos. Numa difícil recuperação econômica pelas transnacionais, diante da crise, cabe às lutas pautar novos termos de disciplina e impor uma reestruturação social produtiva que garanta conquistas. E nisso, antecipar-se contra o uso de políticas de controle social que tomam feições de contrainsurgência e condicionam qualquer ganho à subordinação aos gestores. As políticas sociais e de intervenção pelo ganho de produtividade, como consequência do conflito, podem obrigar as classes capitalistas a investir mais benefícios na força de trabalho antes de exigências por produção. Trabalhadores investindo na sua reprodução é um caminho básico para lutas chegarem a um horizonte revolucionário. Mas será que os conflitos atuais têm condições de criar esses termos?

Desenvolver lutas não depende de uma elaboração fechada, mas sim do conjunto de análises e experiências nos conflitos sociais. A demanda atual para sobreviver à pandemia ainda está colocada, isso é um foco. A curva de contágio da COVID-19 ainda está ascendente e os problemas da quarentena continuam, mostrando a necessidade de sua proporção rigorosa. Tem empresas pequenas, alguns informais e o governo federal, que ainda pautam o fim dela. Da explosão de “greves selvagens”, protestos e denúncias em locais de trabalho que burlam as recomendações, houve um desenvolvimento para outras perspectivas de conflito: nos supermercados, transportes, nas condições gerais de produção. Na disputa entre setores de baixa e alta produtividade, a classe trabalhadora deve se aprimorar nas brechas. Porém, desorganizada, fica a reboque do “bolsonarismo” diante do pânico ou terror econômico: vida ou economia. Sem condições de parar a produção, de fazer lutas fora da oficialidade e do roteiro, não há como impor condições aos capitalistas.

Onde está a esquerda? Infelizmente boa parte caiu na dicotomia criada pelo “bolsonarismo”, mas pautando “vida” contra a economia, ignorando a reprodução da classe como um mecanismo de gestão dos conflitos. Na crise, a esquerda e a direita se assemelham em pautar taxação das maiores fortunas. Ou comemora projetos de intervenção estatal, socorro financeiro e incentivo de crédito bancário ao consumo como “derrocada do neoliberalismo”. Assim, Rodrigo Maia virou “vanguarda” de defesa dos trabalhadores ao defender mais verba do Banco Central para ampliar o socorro financeiro. Tais políticas são emblemáticas e necessárias como alternativa à morte de milhares, até 1 milhão de pessoas, pois sinais apontam para uma longa e intensa quarentena. Mas são formas de gestão capitalista também, que podem refletir na política de forma decisiva: o isolamento de Bolsonaro e os médios empresários. Isso também traz acirramentos, como na movimentação de militares pelo afastamento do presidente. Por isso, temos desafios de organização e autodisciplina, que vão definir os conflitos sociais, para lidar com novas formas de precarização e controle social. Todo cuidado é pouco.

Notas

[1] “Ora, numa situação em que um ensino básico precário e uma escolaridade deficiente coexistem com um desempenho satisfatório em P&D, pode operar-se uma dicotomia de consequências nefastas, colocando para um lado a esmagadora maioria da força de trabalho, mal qualificada e laborando por isso em empresas pouco produtivas, e isolando noutro lado uma minoria de trabalhadores qualificados, sem que haja mobilidade de uma esfera para outra e provocando um estrangulamento na oferta de profissionais habilitados. Será possível evitar este perigo sem remodelar a totalidade do ensino fundamental e médio? Entre as medidas propostas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Fiesp, para «capacitar recursos humanos para inovação» conta-se «investir no Ensino Médio, em especial nas escolas técnicas. Essas instituições, ao lado do Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial], se responsabilizam pela formação de mão-de-obra técnica de nível médio. Portanto, elas são a base da formação profissional da mão-de-obra técnica e podem desempenhar um importante papel na atualização tecnológica da indústria». Outra dessas medidas é «recobrar a capacidade de formação em engenharias, no ensino tecnológico e em gestão tecnológica, os quais vêm perdendo terreno para outras opções profissionais». Tratar-se-ia, em suma, de melhorar a vertente profissionalizante do ensino médio e ampliar a formação de técnicos superiores, mas parece-me que isto teria como efeito apenas alargar o gargalo e não suprimi-lo.” BERNARDO, João. “Brasil hoje e amanhã, 4: ensino e Pesquisa e Desenvolvimento”. Passa Palavra, 02 set. 2011. Disponível aqui.

[2] “Com efeito, a política de baixos salários, promovida pelo regime militar, só podia ter consequências negativas sobre o desenvolvimento da produtividade e, portanto, sobre o desenvolvimento tecnológico que é uma das suas condições. A luta pela elevação dos salários é o motor do crescimento económico, e se não precisarem de compensar através do aumento da produtividade o que pagam a mais em remunerações, os capitalistas não se darão ao esforço de fomentar a inovação. E assim consolidou-se no Brasil um hiato entre um pequeno número de empresas com elevado grau de produtividade, geralmente de grandes dimensões, e as restantes empresas, onde prevalece o atraso tecnológico.” BERNARDO, João. “Brasil hoje e amanhã, 4: ensino e Pesquisa e Desenvolvimento”. Passa Palavra, 02 set. 2011. Disponível aqui.

[3] “A condição para que a diferenciação interna da força de trabalho não se converta numa clivagem intransponível é que exista uma pressão para o aumento geral dos salários, quero dizer, que sejam progressivamente melhoradas a remuneração e as qualificações da força de trabalho menos qualificada e mais mal paga, ainda que se mantenha muito aberto o leque de rendimentos e habilitações no interior da classe trabalhadora. Esta melhoria progressiva das camadas inferiores indica a generalização do desenvolvimento económico ou, em termos marxistas, revela a pressão da mais-valia relativa. Se existir uma tendência para o aumento geral dos salários, então as potencialidades do capitalismo brasileiro podem realizar-se e a produção do país pode ir progredindo tecnologicamente e incorporar cada vez mais valor acrescentado. Algumas companhias transnacionais sediadas em países emergentes começaram como subcontratadas, mobilizando mão-de-obra mal paga e especializando-se em níveis tecnologicamente inferiores das cadeias produtivas, para ascenderem depois a níveis superiores e acabarem por ter uma posição tecnológica similar à das companhias transnacionais oriundas de países desenvolvidos. Várias firmas brasileiras conseguiram efectuar este percurso ascensional. Será que outras o conseguirão?” BERNARDO, João. “Brasil hoje e amanhã, 4: ensino e Pesquisa e Desenvolvimento”. Passa Palavra, 02 set. 2011. Disponível aqui.

[4] “A nova versão do texto foi publicada hoje em edição extra do Diário Oficial da União. Originalmente, o decreto 10.282, emitido ontem, não citava call centers….” — ver mais aqui.

3 COMENTÁRIOS

  1. Em certa altura o texto propõe o seguinte: “Numa difícil recuperação econômica pelas transnacionais, diante da crise, cabe às lutas pautar novos termos de disciplina e impor uma reestruturação social produtiva que garanta conquistas. E nisso, antecipar-se contra o uso de políticas de controle social que tomam feições de contrainsurgência e condicionam qualquer ganho à subordinação aos gestores. As políticas sociais e de intervenção pelo ganho de produtividade, como consequência do conflito, podem obrigar as classes capitalistas a investir mais benefícios na força de trabalho antes de exigências por produção. Trabalhadores investindo na sua reprodução é um caminho básico para lutas chegarem a um horizonte revolucionário.”

    Algumas questões que se apresentam dispersas ao longo do texto neste trecho acima ficam claras. Para o autor há uma disputa e certa contradição entre o empresariado médio cujo lucro seria essencialmente extraído por mais-valia absoluta e, em oposição, as grandes empresas, que alcançariam sua lucratividade com mecanismos indiretos de mais-valia relativa. Esta contradição se expressaria em posicionamentos políticos particulares de cada fração. O problema é que as formas de mais-valia absoluta e relativa não são propriamente separáveis. O desenvolvimento tecnológico geral de um tempo histórico permite uma redução geral do custo da força de trabalho (alimentos, transporte, saúde, educação, etc.), isto é a parte que “cabe” à mais-valia relativa e não, diretamente, a utilização de mais máquinas, mais produtiva, por uma empresa específica. Quando uma empresa de determinado setor se utiliza de maquinas mais produtivas ela alcança uma mais-valia extraordinária, excepcional, pois realiza, vende, seus produtos ou serviços com o preço médio, mas com um custo de produção menor. Não há, portanto, uma disputa imediata entre empresas que se voltam “mais” para a “mais-valia relativa” e empresas que se voltam mais para a “mais valia absoluta”. As empresas com maior custo de produção (por máquinas menos proutivas, por exemplo) realizam um lucro abaixo do lucro médio e por isso tendem a ampliar a extensão da jornada de trabalho. Mas, como fica claro no livro III, o mercado nacional e mundial força a massa de mais valor nacionalmente e globalmente produzida à construir um lucro médio, que equaliza a porção de lucro a ser recebida pela mesma massa de capital investida nos mais variados setores, seja a construção civil, com uma grande quantidade de trabalhadores, ou na mineração, com poucos trabalhadores.

    Esta primeira questão “teórica”, por assim dizer, se transforma no texto em uma confusão de ordem prática: as lutas dos trabalhadores que se orientam para forçar o desenvolvimento tecnológico, ou seja, para o quê o texto apresenta como “mais-valia relativa”, podem construir um cenário com melhores condições de existência para a classe trabalhadora em geral. Bom, este argumento, das “aventuras benéficas da mais-valia relativa” serviram e servem desde bastante tempo para a leituras que compreendem grandes diferenciações na interior da burguesia. Uma dessas leituras, por exemplo, apresenta um capital financeiro malfazejo e um capital produtivo benfazejo. Um seria meramente predatório, o outro teria a benéfica qualidade de produzir coisas e condições (melhores?) de existência da classe trabalhadora. Outra leitura possível, é a das “frações nacionalistas” da burguesia em oposição às “frações entreguistas”. As primeiras vivem do mercado interno e, portanto, constroem condições (melhores?) para os trabalhadores. As outras, por viver das alianças com o império criariam condições “destrutivas” do saudoso parque industrial local.

    O norte político do texto se desenha como uma aposta de que as pressões das lutas dos trabalhadores podem forçar a construção de condições melhores para a existência dos trabalhadores na medida em que desenvolvam as forças produtivas (a produtivdade) local. Esta estratégia serviu e serve também às apostas da social democracia em garantir, a partir das cisões acima, um “lugar ao sol” para a burguesia. Na prática, este programa é utilizado para credenciar as organizações oriundas das lutas dos trabalhadores como possíveis gestoras do sistema, como um possível “governo”, uma vez que no coração de seus programas cabem bem as condições de produção e reprodução do mundo do capital e das mercadorias. Na história, em geral, uma vez que estas organizações se encontram na gestão do sistema, as aparentes disputas entre as frações “benfazejas” e “malfazejas” da burguesia inscrita em seus programas curiosamente esvanescem. E isto por que o caráter desigual da produção (capitais que produzem sob condições concretas, desiguais, que possuem custos de produção diversos, acima ou abaixo do custo médio de produção) é uma condição do funcionamento do próprio sistema e não um entrave. A racionalização de que seria possível “equalizar” por cima as condições de produção é mera ilusão.

    Por fim, uma pergunta: caberia a classe trabalhadora disciplinar melhor os capitalistas para o bom funcionamento do capitalismo?

  2. No texto não utilizo a noção de imperialismo, onde se sobrepõe o mercado externo e subjuga as condições produtivas locais. Essa leitura possível tá condicionada à visão de que a fórmula se repete, como se o capital financeiro fosse o entreguista, que fundamenta uma lógica de exploração de exploração de mais valia absoluta. Essa noção tá colocada também numa perspectiva de completo esgotamento da exploração de mais valia, como se o capital não tivesse saídas a não ser a precarização.
    Eu trato da ideia aí, de que é a oposição e defasagem produtiva, que coloca a crise na intensidade que ela tem. É também essa oposição entre setores e a formas de incorporação dos movimentos dos trabalhadores, que promove novos consensos de reestruturação produtiva. Se isso resolve ou não a crise econômica, é outra história. O fato é esse um movimento mais lógico da classes dominantes, do que acreditar que ela aceitaria uma subjugação produtiva a nível nacional e internacional.
    Então, incorporação do trabalhadores , no sentido da disciplina se converter em novos meios de extração de mais valia, é a dinâmica que prevalece., que traz a luta de classes pro palco. Infelizmente, é isso que tende a ocorrer, Com está colocado no texto. Mesmo que as lutas se incorporem em um novo ciclo de mais valia relativa, a situação da crise internacional coloca novos meios de domesticação diante de uma mais grave: a crise do movimento dos trabalhadores. É essa perda do sentido econômico, que a própria esquerda participa, que eu quis expor. Pra gente perceber que a crise colocada abre oportunidades, porém os mecanismos de incorporação já estão se movimentando. Tanto que a nível local, a gestão das empresas de alta produtividade é levada a um consenso com as de baixa. No sentido de que a aposta num Socorro financeiro seja um meio de manter os setores integrados. Então, o que importa aqui é como o movimento dos trabalhadores pode agir e como a coisa pode ficar dependendo de suas ações. Pq é daí que a coisa depende, não de leis permanentes, como numa oposição entre “entreguistas” e “progressistas”. Então não se trata de uma esperança democrática num bem estar promovido pela classes dominantes, é da forma que as lutas e resistências dos trabalhadores permitem uma domesticação diante do entendimento de que a sua reprodução é algo necessário a ser preservado, pro capitalismo. Essa força ativa dos trabalhadores, muito além dos dispositivos acordados entre as classes dominantes, como sindicatos e a legalidade da racionalidade nas relações capitalistas, que traz os termos da reestruturação produtiva ja em curso atualmente.

  3. Em março de 2015 Bill Gates profetizou sobre uma nova epidemia depois do surgimento do EBOLA:
    “Por isso da próxima vez, poderemos não ter tanta sorte. Pode ser um vírus em que as pessoas se sentem tão bem, mesmo contagiosas, que entram em aviões ou vão a mercados. A fonte do vírus pode ser natural, como no caso do Ébola, ou pode ser bioterrorismo. Por isso, existem coisas que fariam a situação mil vezes pior”.

    https://www.ted.com/talks/bill_gates_the_next_outbreak_we_re_not_ready/transcript

    E assim caminha a humanidade

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here