Por Asad Haider e Salar Mohandesi

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Agora estamos na posição de entender por que a luta da classe trabalhadora, para Tronti, vem primeiro na história do desenvolvimento capitalista. O desenvolvimento capitalista deve ser entendido como um processo de troca em que a valorização do valor é movida pela venda e compra de força de trabalho. É apenas na socialização da força de trabalho dentro do processo de produção que os proletários assumem a forma associada de classe trabalhadora, na realização do valor de uso de sua força de trabalho pelo capitalista individual. E apenas a resistência de sua redução à mercadoria força de trabalho pode compelir os capitalistas individuais, que competem no mercado, a formar uma classe coesa:

A particularidade da força de trabalho como uma mercadoria confrontada com outras mercadorias coincide, portanto, com o caráter especificamente operário que o processo de produção do capital assume; e, dentro disso, com a concentração de uma iniciativa operária na relação de classe, que leva a um salto no desenvolvimento da classe trabalhadora e ao subsequente nascimento de uma classe de capitalistas (166).

Dentro do contexto dessa ampla teoria econômica e histórica, estamos em uma posição de fechar a longa digressão e retornar à enquete operária. A descoberta científica do operaísmo foi de afastar a prática da enquete da problemática humanista da experiência para uma teoria do valor que foi capaz de reinterpretar a crítica da economia política de Marx e colocá-la em uso. Isso implicou uma prática política que afirmava a passividade no chão de fábrica e as lutas salariais como expressões de um poder emergente de recusa ao trabalho.

Podemos agora entender que a enquete operária foi uma investigação sobre a composição da classe trabalhadora, como o corpo histórico que, separada de seus meios de subsistência e reduzida à venda de sua força de trabalho, teve que ser formada em uma força produtiva socializada em um processo de expansão constante – a reprodução expandida da própria classe e sua recomposição em processos de trabalho cada vez mais tecnologicamente avançados.

Para fechar essa genealogia descrevemos um momento significante de ruptura, a descoberta de um conceito que abre novos caminhos de experimentação científica e política. Mas foi uma teoria que surgiu em um momento histórico específico. “Todos nós temos que nascer algum dia, em algum lugar”, observou Althusser, “e começar a pensar e escrever em um dado mundo”.[1] Tronti começou com a hegemonia da fábrica para mostrar como o antagonismo de classe poderia ser pensado junto com as leis do movimento do capitalismo, de uma maneira que seus antecessores falharam em fazer.[2] No entanto, apesar de seu subdesenvolvimento teórico, a tendência Johnson-Forest entendeu que a vida proletária existe para além da fábrica, que ela abrange uma infância nas plantações de algodão e tardes na cozinha. E assim como as feministas na Itália desafiariam a hegemonia da fábrica enquanto um ponto cego masculino, o operaísmo italiano também teria que responder às mudanças no desenvolvimento capitalista que eles não previram: a crise econômica global, a reestruturação da produção e o declínio da hegemonia da fábrica. Tentativas de desenvolver essa problemática teórica ainda têm que responder a esse desafio histórico e explorar a advertência de Panzieri – o risco de caducar em uma filosofia da história baseada na ontologização do trabalho.

Fotografia de Tish Murtha.

Embora a introdução da composição de classe identificasse o capitalismo com o trabalho industrial e com o mundo social criado pelo boom pós-guerra, ao mesmo tempo ela forneceu um método que poderia hoje ser usado para traçar a constituição e transformação da força de trabalho no contexto de desenvolvimento desigual e crise global.[3] Tronti confessa que a fixação dele e de seus camaradas na classe trabalhadora industrial agora se mostra como um problema não resolvido: “Eu cheguei à convicção que a classe operária foi a última grande forma de aristocracia social. Ela foi uma minoria no meio das pessoas; suas lutas mudaram o capitalismo, mas não mudaram o mundo e a razão disso é precisamente o que ainda precisa ser compreendido”.[4] Nós sugerimos que a enquete será o primeiro passo para a compreensão.

Referências

[1] Louis Althusser, For Marx, trans. Ben Brewster (London: Verso, 1969), 74.
[2] Apresentado em “Factory and Society” na segunda edição dos Quaderni Rossi (1962), reunido em Tronti, Operai e capitale, 39-59; veja também Sergio Bologna, “The Factory-Society Relationship as an Historical Category,” disponível online em libcom.org (translation of “Rapporto società-fabbrica come categoria storica,” Primo Maggio 2, 1974).
[3] Para uma explicação da tentativa operaísta de desenvolver uma teoria do dinheiro e da composição de classe no contexto da instabilidade econômica do começo dos anos de 1970, veja Steve Wright, “Revolution from Above? Money and Class-Composition in Italian Operaismo” em Karl Heinz-Roth and Marcel van der Linden, ed., Beyond Marx (Leiden: Brill, forthcoming).
[4] Mario Tronti, “Towards a Critique of Political Democracy,” trans. Alberto Toscano, Cosmos and History, 5:1 (2009): 74.

Este artigo foi traduzido e dividido em nove partes pelo coletivo Passa Palavra. A versão original está em Viewpoint Magazine.

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