Por Rodrigo Oliveira Fonseca

Idealismo — o modo do sonhar fascista em torno da restauração e do reerguimento o país

No lugar de qualquer concepção econômica consequente das classes sociais, os movimentos fascistas desenvolvem avaliações morais acerca de elites decadentes, corruptas, hipócritas, sem-Deus, antipatrióticas, e, na outra ponta, sobre trabalhadores aviltados, desrespeitados, manipulados, enganados, corrompidos. Essa forma de apreender os problemas que atravessam o corpo social associa-se a uma lógica de enfrentamento ao problema endêmico da corrupção (que não se restringe a favorecimentos pecuniários, mas abarca corrupção moral, de valores etc.) e ao enfrentamento de elites — a grupos específicos de poder, estruturados em torno de instituições, jamais às classes dominantes, no sentido marxista. O compromisso, no final das contas, é com uma renovação ou substituição dessas elites, e não necessariamente com a derrubada do quadro institucional e muito menos com qualquer revolução social.

Slavoj Zizek, abordando o populismo, fala de uma mistificação fundamental, cujo gesto básico é recusar o confronto com a complexidade da situação, esconder as contradições sociais e os antagonismos de classe, reduzindo tudo a uma luta contra um inimigo pseudoconcreto, e transformando o cenário de crise em uma espécie de cena de crime, administrando e conduzindo a ira popular em direção a esse inimigo e intruso da ordem social [1].

No que diz respeito à apreensão moral das classes trabalhadoras, mais comumente chamadas de segmentos populares, um artigo do politólogo alemão Jan-Werner Müller [2] aborda o que chama de mobilização populista de um sentimento de falta de respeito compartilhado por diversos grupos sociais:

Em toda a Europa e Estados Unidos, jornalistas e analistas afirmam que muitas pessoas — especialmente as pessoas brancas mais velhas — se sentem desrespeitadas pelas elites. É difícil determinar quantas pessoas se encontram diretamente desrespeitadas. Mas praticamente dia e noite — em programas de rádio, programas de notícias na TV e mídias sociais — milhões de pessoas são apresentadas sentindo-se desrespeitadas. O que é rotineiramente apresentado como um conflito cultural entre centros rurais supostamente autênticos e cidades cosmopolitas geralmente envolve uma luta muito menos dramática sobre como as oportunidades são distribuídas através de decisões regulatórias e infraestruturais: do preço da passagem aérea para voos para áreas mais remotas ao status dos bancos comunitários, passando pelas políticas que determinam o custo da habitação nas grandes cidades (tradução livre do inglês).

E assim vemos a produtividade e atratividade do trabalho político em cima desse sentimento de desrespeito, dessa indignação e das vertigens produzidas pelas transformações operadas pelo próprio desenvolvimento capitalista em torno das relações centro-periferia, cidade-campo, moderno-tradicional, dos direitos das minorias historicamente oprimidas, da transnacionalização do capital ao desterramento dos trabalhadores. No lugar de qualquer análise, mitologias, saudosismos, decadentismos.

E não devemos nos afastar da temática do fascismo nesse ponto. Segundo João Bernardo [3], a própria estrutura de poder nacional-socialista comportava uma “hegemonia da instância ideológica”, o que se manifestava, por exemplo, no “predomínio dos delírios raciais sobre os interesses económicos reais”. Essa hegemonia da instância ideológica, muitas vezes considerada “cortina de fumaça” em meio à agenda do governo Bolsonaro de reformas econômicas do Estado, é justamente o que se desdobra em um trabalho intenso de uma agenda ora radical, ora conservadora, ora as duas coisas, junto aos segmentos populares — o que pôde ser visto no Plano Nacional de Prevenção ao Risco Sexual Precoce, campanha pela abstinência sexual de jovens conduzida pela ministra-pastora Damares Alves [4], que virou piada nos círculos de esquerda, mas pode ter impactado e sensibilizado uma parte das famílias mais carentes de educação.

O fato é que o fascismo tem sempre um projeto considerado como regeneração moral e cultural. O historiador polonês-israelense Zeev Sternhell destaca a centralidade da cultura em meio ao projeto fascista, como se a cultura fosse o campo no qual de fato os fascistas entendem que está sendo jogado o futuro das próximas gerações.

O fascismo entendia que a economia era secundária à cultura, e que a vida das sociedades moldava-se antes de tudo pela cultura. Deste modo, seria possível alcançar paz e harmonia sociais sem mudar de qualquer modo a realidade econômica e social. É uma ideia de gênio, que permite que você se ponha a destruir os valores liberais, sem tocar na economia liberal. Ataca-se, assim, a liberdade e os direitos humanos, sem fazer qualquer mudança na estrutura da economia capitalista[5].

A realidade econômica e social pode ficar consideravelmente à margem do foco de ação dos fascistas, escanteada no rol de preocupações mais salientes, em razão ainda de um outro fator: a vontade totalitária, como enunciada por Mussolini em 1925 para representar uma força inaudita em prol da dominação de todo o quadro institucional italiano [6]. O querer tudo, querer o todo, funciona enquanto elemento de mistificação que embala o sonhar fascista em torno das projeções de seu poder e alcance.

Outro item desse fundamento é a predileção pelas teorias da conspiração como dispositivo de revelação da verdade (e) dos acontecimentos. Se eventualmente a conspiração parece ser um dos modos característicos de atuação no espectro da extrema-direita, da política clandestina de rearmamento acelerado (e recuperação econômica) da Alemanha com Hitler [7] aos mistérios envolvendo a eleição de Jair Bolsonaro [8], para além disso ela tende a ser projetada como a norma da prática política, em especial no imaginário do campo daqueles que são postos no lugar de inimigos da pátria. O caráter invisível do perigo e de seus agentes autoriza medidas drásticas, como a primeira justificativa do ministro da Educação, Abraham Weintraub, de punição de universidades supostamente promotoras de “balbúrdia”. De onde podemos depreender também a importância descomunal das ficções no imaginário político fascista — no espírito da famosa frase do ditador português António de Oliveira Salazar, “em política, o que parece é”.

Finalizando esse fundamento do fascismo, o seu idealismo, trazemos o entendimento peculiar da ciência e dos cientistas por parte dos setores fascistizantes. A ciência muitas vezes é considerada um complô contra os valores e as tradições nacionais, existindo dentro de uma ordem política e institucional que excluiria todos os cientistas “não adeptos das teorias manipuladoras em voga”. Cientistas alternativos, outsiders, seriam acuados e ridicularizados por um establishment — ontem judaico, hoje globalista. Essa desconfiança em relação aos intelectuais e aos centros de pesquisa, que em tempos de pandemia vem se mostrando extremamente perigosa, sendo capaz de substituir as críticas à subnotificação da covid-19 por “denúncias” de supernotificação [9], possui raízes históricas no campo fascista e mesmo antes deste se constituir como tal. João Bernardo [10] lembra que Georges Sorel escreveu a maior parte de suas teses na França da Terceira República (1870-1940), considerada desdenhosamente uma “república de professores”, pela atuação massiva de intelectuais no parlamento e em postos do governo.

Podemos aqui recordar como o então ministro da Cidadania, Osmar Terra, que voltou ao noticiário mais recentemente por se posicionar abertamente contra as medidas de isolamento, desdenhou e desautorizou no ano passado o 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, resultado de uma pesquisa gigantesca que envolveu cerca de 500 profissionais de diferentes áreas, com entrevistas a mais de 16 mil indivíduos em mais de 100 municípios ao longo de três anos, e financiamento do Ministério da Justiça com o custo total de R$ 7 milhões. O ministro não ficou satisfeito com os resultados, que contradizem o discurso conservador que fala de um consumo de drogas epidêmico no país. Em sua justificativa para a recusa do estudo — que implica na sua não divulgação integral — Osmar Terra disse que bastava andar pelas ruas de Copacabana para perceber “a epidemia de violência que tem a ver com as drogas” [11]. Nesse mesmo tom, mas agora em defesa da agenda dos desmatadores florestais, o presidente Bolsonaro disse no dia 13 de maio de 2019 que “ao invés de financiar atos e ‘estudos científicos’ dos mesmos de sempre e ONGs, vamos destinar recursos para buscar solucionar os reais problemas do Brasil”. Também têm sido questionados pelo presidente os dados sobre o desemprego divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE — órgão vinculado ao Ministério da Economia. Um caso mais recente foram as tentativas de deslegitimação do diretor da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom, acusado de ter sido ministro na Etiópia em um governo capitaneado por um partido de raízes marxistas [a Organização Democrática dos Povos Oromo], sendo desconsiderada a sua formação acadêmica em imunologia de doenças infecciosas e medicina comunitária. São, realmente, muitos os sinais do “terraplanismo no poder”, como escreveu ano passado o jornalista Bruno Boghossian em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo [12].

Odiar quem impede que o país seja restaurado e reerguido

O ódio na política tem sido um tema recorrente nas mídias e na academia. Um elemento importante desse ódio político em meio aos setores fascistas ou fascistizantes é a existência de um horizonte de expectativas estreito, a falta de qualquer projeto ambicioso para o país ou o mundo. Em razão disso, o sentimento fascista é o de que aquilo que deve ser feito para restaurar e reerguer o país é muito simples, não há nenhuma necessidade de fazer revoluções (basta retirar grupos políticos do poder), nem há necessidades de fazer grandes mudanças econômicas (basta cessar os crimes, “não roubar e não enganar o povo”). É como se o futuro sonhado sempre estivesse próximo, não sendo alcançado por causa das pragas invasoras que se instalam no corpo social e nas instituições, a corrupção e degeneração de alguns cidadãos e elites ruins. O ódio acaba sendo proporcional à “simplicidade” do que deve ser feito e aos obstáculos a serem retirados do caminho. Quanto mais simples, maior o ódio.

Além disso, como sustenta Claudine Haroche [13] em seu estudo sobre os movimentos de juventude da Alemanha entre 1918 e 1933, na ante-sala do regime nazista, a devoção ao chefe, característica daqueles movimentos, era algo destituído de conteúdo, mas fundamentado em “comunidades de emoção” que se formavam pelas vias de um engajamento apaixonado e confuso, e apoiado em ideais viris, guerreiros e belicosos, vagos mas essenciais ao estabelecimento de laços. A mistura de idealismo, misticismo e brutalidade, numa conjuntura de desencanto, foi um caldeirão para as culturas do ódio, e ao olharmos o que acontece hoje em comunidades virtuais masculinistas (misóginos radicais) e incels (celibatários involuntários), temos um quadro em muitos pontos semelhante, havendo nestes espaços até o planejamento de atentados contra pessoas e instituições, como o ocorrido em uma escola de Suzano (SP) em março de 2019.

Outro elemento importante no interior desse fundamento é o sentimento geral em relação à esquerda. Diluídas as redes de solidariedade estabelecidas pelas esquerdas, esgarçados ou fracassados os projetos de esperança que — penosamente — haviam derrotado o ceticismo e o medo, o ressentimento e a hostilidade frente às promessas “de ontem” formam um cordão de apoio de base popular a uma revolta conservadora.

No que toca ao ódio mais genérico, o ódio aos próprios pilares do desenvolvimento civilizacional inaugurado no Século das Luzes, trata-se da antiga oposição romântica ao progresso:

O que ligava a Igreja não só a reacionários anacrônicos mas aos fascistas era um ódio comum pelo Iluminismo do século XVIII, pela Revolução Francesa e por tudo o que na sua opinião dela derivava: democracia, liberalismo e, claro, mais marcadamente, o “comunismo ateu” [14].

Na mesma linha Zeev Sternhell [15] fala da tradição filosófica de 250 anos que questiona os valores da igualdade, da liberdade, da democracia e da autonomia dos indivíduos. Em termos políticos essa tradição sempre se voltou para o nacionalismo e para o autoritarismo, cada qual com seus ódios correlatos — o estrangeiro, o imigrante, o desviante. Estes são identificados às “minorias”, que na lógica autoritária de Jair Bolsonaro “devem se curvar às maiorias” [16].

Neste quesito, “o problema das minorias”, será esclarecedor também ver o que defende o jornalista Andrew Korybko, festejado na esquerda nacionalista brasileira por conta de seu livro Guerras Híbridas [17]. Korybko, em sintonia com o pensamento neofascista eurasiano russo, defende que existe um movimento internacional pela diluição e abolição das culturas majoritárias a partir do chamado “políticamente correto” das culturas minoritárias e de imigrantes, cujas resistências seriam oportunisticamente tachadas de racistas, fascistas e supremacistas brancas. Esse programa — que ele chama de “marxismo cultural” — estaria sendo trabalhado em toda a Europa e em partes dos EUA, e visaria, por fim, a uma remodelação sem precedentes das “formas de ser”, cujo único exemplo bem-sucedido ao longo da história teria sido o Camboja da época de Pol Pot, até a sua interrupção pela intervenção vietnamita [18].

Frente a esses “abusos das minorias”, ao “desrespeito à cultura e valores das maiorias”, uma espécie de ódio, de cólera nacional, é nutrida e mobilizada pelos movimentos fascistas, na forma de uma solução heróica, brutal, com reflexos passionais… “essa cólera da nação é indispensável ao fascismo” [19].

Compreender o fascismo: 1) o conceito
Compreender o fascismo: 2) sonho e ódio
Compreender o fascismo: 3) o pragmatismo
Compreender o fascismo: 4) violência e modos de dizer

Notas

[1] ZIZEK, Slavoj. Em defesa das causas perdidas. Tradução de Maria Beatriz de Medina. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 264, 271, 306.
[2] MÜLLER, Jan-Werner. The Myth of the Nationalist Resurgence. Foreign Affairs. 12/02/2019. Disponível aqui.
[3] BERNARDO, João. Labirintos do Fascismo: na encruzilhada da ordem e da revolta. 3a edição, ampliada e revisada, 2018, p. 584. Disponível aqui.
[4] Essa medida encontrou resistência até mesmo dentro do governo, como foi o caso do Ministério da Saúde. A ministra assegurava que o adiamento da vida sexual dos jovens seria apenas uma das formas de combate à gravidez precoce e doenças sexuais, mas em nota técnica do seu ministério constava que a divulgação de métodos contraceptivos “normaliza o sexo adolescente”. Ver aqui.
[5] STERNHELL, Zeev. Onda nacionalista reedita velha batalha contra o Iluminismo, diz historiador israelense [entrevista concedida a André Duchiade]. O Globo, 26/05/2019. Disponível aqui.
[6] FAYE, Jean-Pierre. Introdução às linguagens totalitárias: teoria e transformação do relato. Tradução de Fábio Landa e Eva Landa. São Paulo: Perspectiva, 2009.
[7] FAYE, 2009, p. 40.
[8] Vale lembrar a indiscrição de Bolsonaro, que, em evento público, na posse do seu ministro da Defesa, e voltando-se a um dos presentes na cerimônia, disse ao microfone “Muito obrigado, comandante Villas Boas. O que conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”. Cf. Juan Arias, Existe um pacto secreto entre Bolsonaro e o Exército? El País, 22/01/2019. Disponível aqui. Villas Boas ficou famoso por, através de sua conta no Twitter, e do alto de sua posição institucional, pressionar o Supremo Tribunal Federal a não conceder o habeas corpus ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que havia lançado a sua candidatura à presidência mesmo na condição de preso por corrupção passiva.
[9] O ápice dessa “denúncia” ocorreu com o boato viralizado de que um borracheiro, vítima de um acidente fatal com o pneu de um caminhão, teria tido a sua morte ligada à covid-19 para inflar as estatísticas da pandemia e assim fragilizar as posições do presidente contra a histeria da mídia e dos organismos internacionais.
[10] BERNARDO, 2018, p. 555.
[11] Cf. Inês Garzoni. Guerra à pesquisa. The Intercept Brasil, 01/04/2019. Disponível aqui.
[12] Disponível aqui.
[13] HAROCHE, Claudine. A condição sensível: formas e maneiras de sentir no Ocidente. Tradução de Jacy Alves de Seixas e Vera Avellar Ribeiro. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2008, p. 111.
[14] HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução de Marcos Santarrita. 2ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 118.
[15] STERNHELL, 2019.
[16] Esse é um tópico recorrente de Jair Bolsonaro, e a frase completa, de 2017, foi a seguinte: “Deus acima de tudo. Não tem essa historinha de Estado laico não. O Estado é cristão e a minoria que for contra, que se mude. As minorias têm que se curvar para as maiorias”. Em dezembro do ano passado, após reunião com o secretário de cultura Roberto Alvim (que no início de 2020 exagerou na identificação de sua política cultural com aquela do nazismo e acabou sendo afastado), Bolsonaro disse que “cultura é para a maioria, não para a minoria”. Será Regina Duarte quem haverá agora de interpretar e levar adiante esse pleito do bolsonarismo por uma política cultural nacionalista, conservadora e antielitista.
[17] Bem resenhado aqui.
[18] Ver o texto Que és el marxismo cultural?, publicado no site eurasiano Katehon.
[19] Maurice Bardèche, 1961, p. 93-94, apud BERNARDO, 2018, p. 216.

As ilustrações reproduzem obras de Anselm Kiefer (1945-     ).

5 COMENTÁRIOS

  1. Bem legal o texto… Tb acho que a fascistização é muito mais um processo de guerra cultural do que de esmagamento de classes, no campo econômico. É sem dúvidas um protofascismo à brasileira, esses delírios conspiratórios, essa evangelização de corpos, o fluxo de desejos, a pulsão de morte, essa doutrinação cega, são todas nos campos morais e culturais… É uma tentativa de impor crendices e estabelecer novas pseudoverdades… Mas isso no fundo é o de sempre, só podem se escorar numa ignorância, despolitização e idiotização da sociedade como um todo… Tomara que eu esteja certo, acho que todo esse caldo cultural delirante e conspiratório vai perder força com o tempo e já está perdendo força junto com a perda de força de bozonazi… Ontem mesmo o projeto da escola sem partido foi rechaçado e praticamente enterrado, isso em pleno governo bozo…
    Muitos brasileiros médios que já foram alvo fácil dessa manipulação grosseira da bozolandia, já não são mais alvo tão fácil assim. Se eu fosse resumir meu prognóstico é que tudo isso vai passar… O estrago é enorme e os resquícios vão durar décadas, mas vai passar.

  2. Um bom “frame” da dimensão idealista que se manifesta no fascismo:

    “Segundo Bannon e Olavo, a ala ideológica do governo brasileiro estava lutando para ‘livrar o Brasil de sua geopolítica mercantilista que amarra o país à China, em vez de priorizar as raízes espirituais que tornam o Brasil parte do Ocidente judaico-cristão’.”

    Extraído dessa boa resenha:
    https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/04/filosofia-obscura-une-olavo-de-carvalho-bannon-e-dugin-conselheiro-de-putin.shtml?fbclid=IwAR0SoSODSAoenjDs4eXudv6f6oPm5khMZYhldNYwxlkuuzF657hLm64aXFo

  3. Rodrigo, a respeito dessa declaração acerca de Bannon e Olavo, a questão é ainda mais profunda que lançar tudo na conta do idealismo. Permita-me uma divagação e depois uma afirmação.

    Quem tenha lido a obra de Antonio Negri, em especial Il potere constituente — saggio sulla alternative del moderno (com tradução para o português publicada em 2002), observa como ele construiu algo como uma “linha alternativa da modernidade” que tem início em Maquiavel e passa por Harrington, Spinoza, Paine, Jefferson, Rousseau, Marx, Lenin etc.

    Eu já achava esta linha de investigação interessante, porque deita por terra aquela noção tipicamente pós-estruturalista, de herança foucaultiana, de uma “modernidade” unívoca, pautada pelo Iluminismo. Reforcei esta impressão ao descobrir, com um misto de espanto e feliz surpresa, que desde a publicação de um artigo seminal de Isaiah Berlin há toda uma corrente de estudiosos dedicados a estudar um interessante fenômeno: o Contra-Iluminismo. Não vou adiantar nada sobre o assunto para que você vá direto às fontes e entenda em primeira mão do que se trata.

    Desde que me dediquei a estudar este fenômeno (mais esporadicamente do que gostaria), afirmações como a que você cita fazem cada vez mais sentido. É ainda outra “linha alternativa” da “modernidade” que se está a expressar com tudo isso. O que demonstra a profundidade das lutas que estamos travando neste momento.

  4. Manolo,

    O conhecido livro de Adorno e Horkheimer, Dialéctica do Iluminismo, cujo título foi traduzido no Brasil de maneira lamentável, situa o irracionalismo nacional-socialista nos limites inerentes ao racionalismo burguês. A obra é demasiado especulativa para ser de qualquer utilidade na análise histórica do fascismo, mas talvez seja aqui interessante recordar que Jeffrey Herf acertou no alvo quando chamou a atenção para o facto de o iluminismo nunca ter penetrado completamente na sociedade alemã, de modo que ali o nacionalismo e o iluminismo se mantiveram separados. Adorno e Horkheimer, considerou Jeffrey Herf, «culparam o iluminismo pelo que na realidade era resultante da sua debilidade».

    Esta obra de Jeffrey Herf (Reactionary Modernism. Technology, Culture, and Politics in Weimar and the Third Reich, Cambridge: Cambridge University Press, 1986) é incontornável e deve ser lida por todos os que se interessam pelo assunto. A citação vem na pág. 10 e os restantes aspectos que destaquei encontram-se igualmente nas págs. 35, 47-48 e 234.

  5. Só tenho a agradecer as indicações, feitas aqui por camaradas que são referências sobre o tema – a série não concluída de Manolo sobre o fascismo à brasileira merece, além de continuação, virar livro, e a importância das pesquisas e da obra do João Bernardo sobre o fascismo é inquestionável.

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