Por Douglas Rodrigues Barros

Um antifascismo racista ou um antirracismo protofascista? A pergunta assim formulada só pode ser um falso problema cuja causa advém de uma total despolitização daquilo que se chama hoje de esquerda. Um falso problema que, mais do que desnudar uma profunda derrota, afirma o status quo na medida em que representa teatralmente alguma radicalidade.

A luta antirracista é transversal a todas as lutas. Esta verdade esquecida ou simplesmente ignorada por aqueles que passaram a “ganhar sua vida” com essa pauta não poderia ser ocultada por muito tempo. O fogo que se acendeu nas ruas de Nova Iorque e Paris, os corpos — entendidos no registro fenomênico — que se movimentam nas passeatas que se sucedem na Austrália e as Zonas autônomas que se erguem em Seattle demonstram que aquilo mais próximo à vida das pessoas tem potencialidade de se singularizar e recolocar uma luta genérica — a luta do proletariado — que ultrapasse os limites do modo de sociabilidade capitalista [1].

Os marxistas, no geral, tão logo se apegaram à classe trabalhadora, esqueceram-se que o significado de proletariado é muito mais visceral, nunca foi determinado pela sociologia positiva, mas pela descoberta de si, pelo conhecimento diante do mundo e, portanto, pela abertura ao Ser. Ou seja, a noção de proletário nunca eliminou a formação (paideia) do indivíduo autônomo para a construção da política (politheiai).

O indivíduo como um sujeito fantasmático e incompleto, um não-idêntico perpétuo que se movimenta, é um desvio da natureza que nega a própria natureza. E aqui o elemento da incerteza existencial tem sua razão de ser; o aspecto contingencial da história, ou de nossa própria vida, é o que fundamenta a liberdade humana na construção do seu destino. Podemos ter diversos subterfúgios que nos determinem, mas nada que possa realmente nos definir. Nenhuma determinação sócio-histórica pode ser essencializada.

Daí se destaca que o proletariado não pode ser determinado apenas por uma relação objetiva, senão também subjetiva. Sabemos: a noção de proletariado não é uma identidade, mas a quebra da identidade; o proletariado não é uma particularidade senão uma posição genérica. Um Eu que é Nós, algo que no pensamento africano significa um Sou porque Somos. Pode ser qualquer um, pois formula a parte dos que não tem parte no jogo constituído.

Penso, logo sou. Este pensamento que é o que medeia a relação singular/universal denota que somente através da produção (ou reprodução) de uma trajetória de pensamento, que constitui (ou reconstitui) uma disposição subjetiva, é que se torna viável a disputa pelo sentido do universal [2]. Não se faz política, entendida ela no sentido verdadeiro da sociabilidade humana, sem pensar a igualdade geométrica das relações humanas; a universalidade entendida como algo equânime a despeito das diferenças [3].

Uma luta particular, e não particularista, é aquela, porém, que pode ultrapassar os limites da legalidade posta porque singularmente nega a universalidade do que está posto. São muitos os exemplos; bastou que Rosa Parks se voltasse contra o instituído na fria escrita da lei para que fosse recolocado o problema de sua suposta universalidade [4]. Ao mesmo tempo, é esse Eu, que se singulariza num Nós e que possibilita a abertura para um Outro, aquilo capaz de repor a posição da partilha e igualdade radicais. Dito isso, já se está de antemão apontada a persistência reacionária do identitarismo.

A psicanálise gastou rios de tinta para apontar a ilusão subjetivamente necessária da identidade do Eu consigo para a estruturação de significado/significante. De Freud até Lacan é evidente que a identidade se põe como um precioso problema que, entretanto, sempre aparece como movimento e transformação, ou seja, é aberta e relacional.

Fanon, em seu Peles negras, máscaras brancas, evidencia que a racialização de algum indivíduo é sua redução e assassinato de sua humanidade. Reduzir alguém a identidade racializada é recusar a sua subjetividade, é torná-lo coisificado: “o que nós chamamos de estado de raça corresponde, assim o cremos, a um estado de degradação ontológica” [5].

Nesse autor, em Mbembe ou em Neuza Santos, identidade é sempre lugar de travessia, é sempre encruzilhada, é sempre possibilidade de diluição; é, finalmente, transfiguração. Isso porque não há para o indivíduo a possibilidade de ser sempre o mesmo, a não ser que seja alguém psicótico que saiba a si mesmo e tenha para si próprio toda a realidade de seu Si. O que, dada as condições de formação de nossa consciência, só pode ser uma patologia.

O identitarismo é justamente isso; uma ideia de que a identidade é algo estanque, imutável e que precisa permanecer higienizada. O identitarismo não só barra a relação com o Outro, como precisa eliminar esse Outro que nega sua relação fetichista de si para consigo. O identitarismo, em sua relação fascista como horizonte, impõe uma cultura desinfectada do Outro.

Mas, uma pergunta mais consequente é: o porquê da afirmação que a luta antirracista é transversal a todas as lutas na sociedade de classes? Ora, justamente porque a raça só pode ser justificada no interior de relações fundadas pelo colonialismo e pela radical exploração de continentes e contingentes humanos demarcados por diferenças visíveis (fenomênicas) utilizadas para justificar a exploração tanto no nível ideológico quanto religioso, que engendraram o capitalismo. É sabido: a acumulação primitiva teve seu início nas distantes terras d’El dorado [6].

A ideia de raça, todavia, se naturalizou de tal maneira que descobrir que sua definição entra no dicionário apenas no final do século XVIII causa certo mal-estar àqueles que fazem de seu significado uma profissão de fé. Ora, a ideia de raça não tem sentido fora do significado político e histórico da modernidade.

O fato, todavia, é que como procedimento político de organização estatal, a ideia de raça está confundida com a textura mesma do pensamento sobre si próprio dessa mesma organização estatal. Raça é um fetichismo, uma fantasia, em suma, uma abstração real [7] que promove a exclusão social, que fomenta a economia de mercado, que executa uma organização territorial dos espaços e que dinamiza a relação democrático-liberal.

O corpo negro — a invenção de uma cor para domínio e exploração — desde a fundação da república foi o corpo da exclusão, da não integração, do não-ser, como mostrou claramente Florestan Fernandes. A securitização, que daí se seguiu, buscou a disseminação dos dispositivos globais de controle promovendo a insensibilidade com a morte daquele que é invisibilizado na álgebra do poder. As diversas formas de consignação racial buscam essencializar essa diferença.

A selvageria habitual, como forma de controle dos racialmente identificados, ocorre no Brasil através de diversos dispositivos, dos quais o mais conhecido é a militarização da polícia. Se o processo de militarização, atuando como forma de choque, é fenômeno geral nas áreas onde a pressão da desigualdade se faz sentir, e onde a ordem armada desempenha funções que em princípio na ideologia liberal caberiam a políticas e programas de minimização da pobreza e dos problemas sociais, no Rio de Janeiro, por exemplo, a militarização é um fenômeno político, presente desde os anos de 1980.

A ordem que supostamente chegaria com as UPPs acabou de cimentar um espaço de exceção, “onde a lei é como que desativada, zonas cinzentas nas quais os protocolos da ‘resistência seguida de morte’ são a senha de uma autorização para matar” [8]. Esse aprofundamento da exceção — acompanhada do fortalecimento das milícias — contrariou assim as belas intenções e a recepção acrítica da imprensa [9]. Vemos nele somente um dos infinitos dispositivos de controle e manutenção da dinâmica capitalista que utiliza o elemento racial como organização dos espaços.

A esse respeito, entretanto, é Achille Mbembe que prevê a nova configuração de um capitalismo de retorno escravagista ligado à dinâmica final do neoliberalismo [10]. O devir negro do mundo pode ser, nesse sentido, entendido como exportação de controle militar, que presume uma contrarrevolução permanente, das áreas de capitalismo dependente para as áreas centrais em que operava a ideologia da democracia liberal e que estabelece a consignação racial para sua realização. A forma como nesse momento são tratados os manifestantes no coração do capitalismo contemporâneo indica a força dessa interpretação delatada pela CIA: a despeito da cor dos manifestantes — como o idoso branco derrubado por um policial — todos eles são doravante negros.

É aqui que entra a força da luta antifascista, porque ela atravessa a forma larvar pela qual o fascismo sobreviveu e se incrustou nas relações cotidianas e na visão de mundo contemporânea. Não devemos ter dúvidas: a permanência da noção de raça é um dispositivo sempre acessado para conter rebeliões contra o sistema. A criação ideológica de um Outro que sabota a ordem, reúne-se em catacumbas e tem acesso ao essencial da existência é algo sempre atualizado pela permanência das tendências fascistizantes na vida unidimensional da sociedade liberal. A ideia da necessidade de sua extirpação do corpo social é algo sempre instrumentalizado e patrocinado pela ordem.

Os vários discursos de Trump e sua posição racista nunca plenamente ocultada — pelo contrario, explicita no slogan, Make America great again, cujo sinônimo é uma América para os americanos — recoloca novamente o dispositivo racial na ordem do dia. Naturalmente, todo desejo explicita uma falta, e, nesse caso, o desejo de tornar a “América” grande não elide o fato de que a economia americana entrou em recessão mesmo antes da grande pandemia, sendo obrigada “a injeção de três trilhões de dólares em ajuda a empresas e populações, acompanhada por um programa de ajuda do Federal Reserve” [11].

Assim, quando o antifascismo encontra-se com o antirracismo exibe-se uma luta cuja finalidade é a mesma: a superação da sociedade capitalista. Pois se, por um lado, o fascismo permanece encravado em nossas relações diárias — com sua unidimensionalidade e completa ausência de autonomia — por outro, o racismo é um dispositivo sempre presente e ativo quando a crise se agiganta. De modo que, um antirracismo fascista não é antirracismo, e um antifascismo racista não é antifascismo.

A grande questão é: como o identitarismo se tornou uma das maiores forças de contrainsurgência atuais? Talvez uma de suas respostas se revela no fato notável de que a divisão globalizada das intercomunicações e a reestruturação globalizada no mundo do trabalho passam por cima das infraestruturas básicas e das políticas distributivas limitadas às formas de controle político do Estado, impondo inclusive sua pauta econômica através de vários dispositivos financeiros; o sistema financeiro extrapola os mecanismos de controle dos bancos centrais.

O paradoxo é que os custos efetivos para a operação do sistema econômico atual, em sua roupagem ideológica neoliberal, tanto nos níveis sociais como ecológicos, só podem ser difundidos passando pelo Estado. Mesmo que isso seja negado em seu caráter de legitimação ideológica. Quando essa dinâmica entra em curto-circuito, porém, o processo de circulação e monetário globalizado produz catástrofes que são pagas pelos Estados com dinheiro público. Esse raciocínio talvez lance luz para o crescente nacionalismo e o retorno das viúvas aspirantes a burocratas stalinistas, já que se tem a sensação de que a quebra de um pais se dá pela transnacionalidade da burguesia imposta pela maldade de um bunker imperialista reunido em alguma ilha paradisíaca.

A grande “sacada” da teologia neoliberal, entretanto, foi, por um lado, tornar reféns as políticas nacionais e fornecer um mecanismo na reconfiguração distributiva de capitais onde os mercados financeiros só fornecem ingresso ao capital sob condições de mercado através de juros; por outro, reforçar uma propaganda diuturna de que o Estado é um acessório usado somente para manter um processo de circulação de capitais enquanto o indivíduo é um agente livre e empreendedor de sua própria vida e destino que se fornece a despeito da sua social sociabilidade. O que importa aí é a aritmética do lucro. Os mercados não funcionam como instâncias sociais distributivas senão como agentes cujo lucro sob juros é o único objetivo. No plano ideológico isso foi justificado na passagem de um Eu-etiqueta para um Eu-empresa antissocial.

O Eu-etiqueta do grande poeta Carlos Drummond era totalmente impregnado pela mercadoria a que os trabalhadores tinham sido reduzidos, a despeito de sua consciência inclusive. Atualmente esse Eu sofreu transformações tais que, na ideologia contemporânea e teologia neoliberais, dele parece se efetivar a própria sociedade; um Eu do qual tudo parte e que suas partes constitutivas não importam e sua relação com o Outro é o da pura competitividade. O Outro opera apenas como um negativo, uma barreira a ser transposta e, não raras vezes, na recessão causada pelas crises, alguém que simplesmente precisa ser liquidado para que tudo volte à normalidade. Evidentemente aí estão os germes do identitarismo.

Ora, as crises internacionais que agora operam por meio de endividamento, crescendo de maneira acelerada e se alastrando a cada dia que passa com injeções de dinheiro por parte dos bancos centrais, recolocam a socialização do prejuízo e privatização do lucro. Com cinquenta anos de política econômica neoliberal as economias nacionais cada vez mais tiveram destruída sua capacidade interna de regulamentação e distribuição, sua política foi totalmente parasitada pelos dispositivos financeiros e a relação Estado/Capital se estreitou de maneira tal que não se sabe onde um começa e o outro acaba já que o Estado se tornou o principal financiador dos bancos e os bancos um grande financiador do capital.

É evidentemente das ruínas e grilagens deixadas pelo mercado mundial que está brotando um neonacionalismo ultrarreacionário, que não tem nada a ver com a ideia de modernização nacionalista do século XX. Com o enfraquecimento do discurso modernizador — enfraquecimento daquele fetichismo que adotava o entroncamento das grandes raças que formaram o Brasil: indígena, negra e europeia — surge o identitarismo como resposta, uma agitação étnica atuante principalmente na Europa, que diz respeito principalmente ao desmoronamento e impotência das economias nacionais em garantirem o outrora e esquecido Welfare State. O que parece ter se tornado o sonho de consumo de grande parte da esquerda brasileira, inclusive daquela que se arroga marxista.

Por outro lado, a ideia de uma identidade estanque, imóvel e de uma raça naturalizada, é cada vez mais evidente no Brasil, sobretudo, no discurso de alguns agentes do movimento negro. Essa forma de compreensão da raça como algo específico e essencializado é moeda corrente na forma como a grande imprensa gosta de tratar a questão. Reforçando os lugares comuns e tentando tornar natural algo concretizado na formação do capitalismo. Isso ocorre exatamente porque ela é conivente com o sistema que alimenta o dispositivo raça e mantém em latência o racismo.

Esse pequeno artigo começou pela celeuma causada diante do pseudoproblema competitivo de qual luta seria mais legitima: antifascismo/antirracismo? Ora, hoje é evidente que a possibilidade de uma construção do comum passa inexoravelmente pela formação de uma igualdade geométrica, isto é, que se processe de maneira equânime e desfaça na luta as torções desiguais efetivadas pelo mundo do capital no seio do próprio proletariado. Para uma luta do comum, porém, é preciso abandonar as identificações efetivas pelo mundo burguês sem, entretanto, abandonar a identidade em seu sentido aberto e relacional. Isso impõe a quebra da sujeição ao ser diluída a identificação necessária ao poder e impõe a transformação social radical.

Por fim, deveríamos levar a sério os motivos dessa fragmentação imposta por várias vozes no interior dos movimentos sociais, mesmo diante de uma hecatombe sanitária e econômica sem precedentes. Não entender os caminhos para a solidariedade e permanecer naquilo que Mbembe chamou de políticas da inimizade é sinal de uma derrota mais profunda do que imaginávamos, além da colonização geral da gramática da revolta pelo neoliberalismo. Algo do qual não podemos mais ser coniventes nem ficar calados!

Notas

[1] A esse respeito ver o livro Motim e destituição agora, do Comitê Invisível.
[2] Badiou, Oito teses sobre o Universal.
[3] Essa ideia devo a Castoriadis.
[4] Abordei essa questão no posfácio ao livro Revolução africana. Rosa Parks desobedece a lei ao sentar no lugar de branco.
[5] MBEMBE, A. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1, 2018. p.39.
[6] GALEANO, E. As veias abertas da América Latina. São Paulo: L&PM, 2009.
[7] Falei sobre isso em: Lugar de negro, lugar de branco? Esboço para uma crítica à metafísica racial. São Paulo: Editora Hedra, 2019.
[8] ARANTES, P. O novo tempo do mundo: e outros estudos sobre a era da emergência. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 362.
[9] RESENDE, L. Cadê o Amarildo? — o desaparecimento do pedreiro e o caso das UPPs. São Paulo: Baioneta Editora, 2019.
[10] MBEMBE, A. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1, 2018.
[11] AFP, EUA entrou em recessão em fevereiro depois de 128 meses de crescimento.

Este artigo é ilustrado com máscaras africanas da Costa do Marfim, do povo punu do Gabão e do povo woyo da região de Cabinda.

16 COMENTÁRIOS

  1. NEGAÇÃO DA NEGAÇÃO (n+1)
    Comunidade Humana Mundial : Wir-Ich sive UBUNTU…

  2. “As coletividades são formadas na base da identidade, na base do ser, em lugar de fazê-lo sobre o movimento do fazer. (…) A ruptura do fazer é aquilo que, por meio da definição e da classificação, constitui as identidades coletivas. É o que cria a ideia de que as pessoas ‘são’ algo (o que quer que seja: doutores, professores, judeus, negros, mulheres) como se essa identidade excluísse sua negação simultânea. Na perspectiva do fazer, as pessoas simultaneamente são e não são doutores, são e não são judeus, mulheres etc.. simplesmente porque o fazer implica um movimento constante contra-e-mais-além de qualquer coisa que somos. (…) A barreira entre o que alguém é e o que alguém não é, entre o eu coletivo e o outro coletivo não pode, portanto ser vista como fixa ou absoluta. Somente se alguém tomar a identidade como o seu ponto de partida, apenas se se começar da aceitação da ruptura do fluxo de fazer, rótulos como “negro”, “judeu”, “irlandês” etc., por exemplo, assumem o caráter de algo fixo. A ideia de uma política de “identidade” que toma esses rótulos como conhecidos inevitavelmente contribui para a fixação de identidades. O apelo ao ser, à identidade, ao que se ‘é’, sempre implica a consolidação da identidade, o reforço, portanto, da ruptura do fazer, isto é, o reforço do capital.”

    – John Holloway. Mudar o Mundo Sem Tomar o Poder. Viramundo, 2003, pp.100-101.

  3. “Não se pode fazer uma omelete sem quebrar os ovos.” Lênin
    “Sim, camarada Lênin, eu vejo os ovos quebrados. Mas não vejo a omelete…” P. Istrati
    Holloway, como sempre, inovou: não quebra os ovos, nem faz a omelete; só quer comê-la – discretamente, se possível…

  4. Na página 154 ele quebra os ovos.

    “Mas pode-se contestar novamente, pensar na luta contra o capital como antiidentitária significa nos colocar em uma posição impossível, tanto do ponto de vista teórico como prático. Toda conceitualização implica uma identificação: se não podemos identificar, não podemos pensar. Toda luta implica também uma identificação. Ou será que simplesmente vamos esquecer as lutas dos negros contra a discriminação, o movimento feminista, os movimentos indígenas?
    A diferença está entre uma identificação que se detém aí e uma identificação que nega a si mesma no processo de identificar. A diferença está entre conceitualizar sobre a base do ser e conceitualizar sobre a base do fazer.” (John Holloway)

  5. Quebrou os ovos? Nem tanto…
    Indo ao ponto: essa logomaquia em torno do ser (e sua abstrata oposição ao fazer) nada mais é do que uma tentativa de escotomizar o devir (qua retorno da diferença). Afirmar que “toda conceitualização implica uma identificação” é tomar como premissa o que requer demonstração. Ou seja: só mais uma petição de princípio, à guisa (ou falta) de argumentos.
    Caso queira embasar-se, seria recomendável a Holloway que lesse Aristóteles (Ética a Nicômaco – a distinção entre agir e fazer).
    Talvez as uvas não estejam verdes. Mas os ovos do gradual-possilista Holloway estão podres.

  6. ulisses,

    você poderia começar com a demonstração, formulando uma conceitualização sem identificação.

    A “oposição” entre o ‘ser’ e o ‘fazer’ no Holloway não é abstrata. A relação que ele procura mostrar entre os dois não é diferente do que uma vasta literatura antropológica aponta nas sociedades ditas primitivas, sem classes, onde se estabelece uma circulação (o tal fluxo do fazer do Holloway) por meio das chamadas trocas simbólicas. Não à toa esse livro do Holloway é praticamente uma teorização do zapatismo.
    Lembro que na época que esse livro foi publicado no Brasil, um amigo que teve uma vivência considerável numa aldeia indígena afirmou que o livro era a maneira como os indígenas pensavam. Pode ser abstrato na sociedade capitalista, mas nas sociedades em que o fluxo do fazer não é interrompido e alguns se apropriam do feito, a diferença entre o ser e o fazer é bem clara. Quando os Bororos dizem que são Araras, ou que os zapatistas dizem que são palestinos em Gaza ou um gay em San Francisco, a conceitualização parte do fazer, não do ser. Isso é muito concreto, não abstrato.

  7. Comecemos por uma singela questão de método: o não-ente é indemonstrável.
    E o que dizer de uma relação (demonstrável?) que não é abstrata porque “não é diferente do que uma vasta literatura…” ou de “sociedades primitivas, sem classes” e outras “trocas simbólicas”, quando o que está em questão é Das Kapital – ou seja: exploração e opressão, ditadura da mais-valia.
    Ser amigo de alguém que teve “uma vivência considerável numa aldeia indígena” não é para qualquer um… Apenas, não qualifica intelectualmente a opinião de ninguém – seja amigo ou amigo do amigo, descontada a etnia do fulano.
    Para melhor fulanizar, concluo expressando minha divertida surpresa ao ler o que Bororos dizem que são e os zapatistas (também!) dizem que são… E que “isso é muito concreto, não abstrato”.

  8. ulisses,

    1) Muito concreto não é o que os zapatistas dizem que são ou o que os Bororos dizem que são. Muito concreto é a identificação a partir do fazer. Tão concreto quanto a identificação a partir do ser.

    2) A menção ao meu amigo não foi para dizer que a palavra dele é prova de algo. Foi para, quem sabe, lhe dar alguma curiosidade de se debruçar mais sobre antropologia. Indicar que o pensamento do Holloway reflete o que está bem descrito numa série de estudos bem clássicos de antropologia.

    3)Sobre o que é demonstrável e o que não é, lembro do seu comentário anterior, onde você escreveu:

    “Afirmar que “toda conceitualização implica uma identificação” é tomar como premissa o que requer demonstração.”

    Não há como demonstrar empiricamente que toda conceitualização implica identificação pois as conceitualizações são infinitas. Mas há como demonstrar que tal afirmação é falsa. Bastaria mostrar uma única conceitualização sem identificação. Essa demonstração você não fez, apesar de eu ter solicitado. Acreditei que como você corretamente é a favor de provas, demonstrações, seria capa de fazê-lo.

    Ainda estou para ver um conceito sem definições e identidades.

  9. Muito concreto? O concreto não é uma questão de muito ou pouco, de mais ou menos… O concreto é síntese de múltiplas determinações. Efetivamente, o problema começa quando a pessoa pretende explicar o que não é capaz de entender.
    Gosto de me debruçar, não sobre livros – de antropologia ou quais sejam – mas sobre um corpo sinergicamente erotizado com o meu. Efetivamente, o problema começa quando a pessoa prega o que não pratica (ler, por exemplo).
    Há uma ou duas diferenças entre método e técnica que nosso aplicado hollowaysta ignora, mas eu não pretendo ensinar-lhe o caminho das pedras.
    O mais é discurso vazio, um falar sem dizer, um trejeito de escrever (e pior, publicar!) a primeira impressão que vem à cabeça e quejandas omeletes conceituais feitas com ovos podres.
    Enfim, não sou polemista, mas escoliasta; não polemizo, polissemizo…
    Portanto, encerro aqui minha participação. Faço-o, antes que ‘isso’ se torne co-protagonismo numa fantochada egocêntrica.

  10. Uma dica pros dois debatedores: identidade lógica e identidade social não são a mesma coisa. Quem mistura uma com a outra argumenta de má-fé.

  11. Já eu não acabei, ulisses.

    Ainda estou esperando a demonstração de um conceito sem identidade.

    Acho que aqui fica demonstrado pelo jeito onde fica o “discurso vazio”.

  12. Ninguém respondeu, ninguém demonstrou. Fica, então, respondido e demonstrado.

  13. AXIOMA
    Oxente! Há quem não se aquieta enquanto não come pelo santo o(ri)fício…

  14. Polifemo,

    ficou demonstrado também sua falta de capacidade de compreensão ou sua má fé.
    Uma falta de resposta ou demonstração sobre x, pode demonstrar algo sobre y, ou não?

    Ao menos mostre então que o que escrevi foi uma falácia. Mas a é mais fácil tornar a caixa de comentários um turbilhão de discursos vazios.

  15. Ao responder a Polifemo, Leo V demonstra que não entendeu nada. Afinal, diz Polifemo, ninguém respondeu, ninguém demonstrou.

  16. E essa recusa do termo “identitarismo”?

    Será o mesmo tipo de recusa dos stalinistas ao termo “stalinismo”?

    Não querem ser recortados/destacados de algo maior, das lutas contra a opressão?

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