Kit covid que vem sendo distribuido em Goiás

Por Invisíveis

Profissionais da saúde do interior de Goiás relatam que estão sendo coagidos a receitar remédios sem comprovação de efeito positivo para os pacientes. Um dos problemas que reforça essa tendência é o fato de que a maioria dos profissionais médicos da linha de frente não tem vínculo empregatício fixo com os hospitais. Os covidários tipicamente oferecem um preço de plantão mais alto. Tipo 1.500 a 1.800 por 12 horas, se ficar doente, pronto! São afastados sem salário a partir daí. Em muitas cidades eles são obrigados a concordar com o tratamento de pacientes com medicamentos como Cloroquina ou Ivermectina. Caso não concordem, estão fora. São pressionados por colegas médicos para concordar.

Há cidades com pessoas mais conscientes. Mas em várias cidades do interior kits estão sendo feitos e distribuídos. Se o médico não aceita distribuir, ele acaba saindo, adoece pelo assédio moral. Oferecem de 1.500 a 1.800 por plantão, mas você precisa aceitar. O instrumento para fazer os médicos aceitarem são essas assinaturas de manejo.

Isso acontece, por exemplo, no Hospital da Polícia Militar, de onde recebemos o seguinte relato:

Bom dia, tudo bem? Recebi informação de uma situação meio doida aqui. Achei que talvez poderia interessar. O Hospital da Polícia Militar está distribuindo em massa (com receita) um “protocolo preventivo” com Ivermectina, Azitromicina e Zinco. Eles sequer cogitaram se os que foram diagnosticados tinham problema renal, o que torna ainda mais perigosa a ingestão desses medicamentos.

Apesar de a prática sofrer críticas da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o próprio Ministério Público Federal (MPF) ajuizou na justiça federal uma ação para garantir o tratamento precoce, envolvendo os remédios citados. Segundo o MPF:

“Devem-se utilizar todas as possibilidades farmacológicas, com o objetivo de oferecer o tratamento precoce para mitigar o agravamento da doença e evitar a sobrecarga dos serviços de saúde, enquanto não existe tratamento especificamente desenvolvido”.

No que a SBI contesta em nota:

Até o momento, os principais estudos clínicos, que são os randomizados com grupo controle, não demonstraram benefício do uso da cloroquina nem da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes hospitalizados com COVID-19 grave. Efeitos colaterais foram relatados. Seu uso em profilaxia pós-exposição, até o momento, também não demonstrou benefício. Seu uso no tratamento da COVID-19 nos primeiros dias de doença, em casos de COVID-19 leve e moderada, está sendo avaliado e se aguardam os resultados.

O protocolo de manejo, distribuído para cumprimento por parte dos profissionais da saúde, trata de receitar remédio em 4 fases do nível de infecção.

Em Goiânia, o “kit covid” também está sendo um problema para várias pessoas que nos chegam com relatos. Mas isso não se dá pelo poder público e sim por uma mobilização por fora. Um dos exemplares típicos dessa mobilização se dá pelo Instituto Marco Santana, que faz uma campanha pelo “tratamento precoce”.

Um denunciante anônimo nos relata que recebeu um coquetel incluindo hidroxicloroquina, mesmo apresentando um quadro assintomático. Os remédios desse Instituto sequer vieram em frascos acondicionados para os comprimidos, vieram em copinhos plásticos. Esse Instituto mostra ser parte de uma articulação nacional de grupos de médicos que promovem esse “tratamento precoce”.

Relatámos anteriormente que, estimulados por grupos como esse, médicos estavam receitando remédios indiscriminadamente para trabalhadores e trabalhadoras:

Com o clichê “não cura, mas mal não faz”, recebi no grupo do Zap [WhatsApp] de um tio meu, o “kit covid” da vez, uma médica receitou para os trabalhadores do postinho aqui na região de Aparecida de Goiânia, usar para aumentar a imunidade, Ivermectina e outras vitaminas, o áudio circulou e a receita também. A priori não me assustou, até enviar o áudio para uma colega, que entende cientificamente do assunto, ela alarmou para o fato de a Ivermectina ser perigosa para pacientes com problemas renais, disse: “…Só que o negócio pode comprometer função renal e hepática em dosagens altas… Não é indicado para grávidas… Estão testando mas não tem comprovação científica de nada, assim como a Cloroquina… Outra coisa importante é que os efeitos colaterais do remédio se confundem com os sintomas da doença… O povo está receitando Ivermectina como medida profilática porque espera alcançar imunidade de rebanho com isso… A Ivermectina é segura para o tratamento normal, contra vermes e piolhos por exemplo,mas não sabemos os efeitos a longo prazo”. A partir da resposta, alarmei, pois eu havia repassado a receita para meu amigo, que tem um rim só, dentre outras comorbidades, perguntei se ele já havia tomado, diante da negativa, mandei “CANCELA! CANCELA! É cilada, Bino!”

7 COMENTÁRIOS

  1. Prezados Invisíveis,
    gostaria de manifestar minha solidariedade e esclarecer que as linhas abaixo são antes um desabafo que uma crítica a vosso artigo. O absurdo das medidas tomadas pelo governo federal frente a esta pandemia causa-me insônia há quatro meses (e imagino que a vários de vocês também). O relato de vocês lança luz sobre algo que já era sentido como mal-estar por muitos no chão de fábrica e elaborado academicamente por outros, mas que, por força do bizarro da situação ganha dimensões didáticas: ora vejam só, @s médic@s são trabalhadores, são/estão cada vez mais precarizados e sua conduta, além de carecer de fundamentos científicos em boa parte das vezes, é atravessada pelo(s) interesse(s) capitalista(s). Seja medicalizando loucamente a força de trabalho para mantê-la funcional e funcionante, seja trabalhando para/no/com o complexo industrial-farmacêutico (a cloroquina é só uma das milhares de prescrições/intervenções feitas aos baldes diariamente sem qualquer respaldo científico), seja PJtizado no setor público ou particular ou dando conta (dando conta???) de uma demanda absolutamente absurda, proporcionando mais-valia a OSs ou planos de saúde, seja na escassez e inadequação de EPIs… Até aí não há muita surpresa. O que realmente me parece intrigante são os mecanismos que fazem com que a maioria dos médicos continue a se entender como trabalhador liberal, a despeito da intensa proletarização da profissão e alienação de seu trabalho. Lilia Schaiber já cantou a bola há muito tempo. Deixo aqui um texto dela, caso lhes interesse.
    https://www.researchgate.net/publication/26358676_O_trabalho_medico_questoes_acerca_da_autonomia_profissional

  2. No comentário acima, a Médica Proletária mencionou «os mecanismos que fazem com que a maioria dos médicos continue a se entender como trabalhador liberal, a despeito da intensa proletarização da profissão e alienação de seu trabalho». Na Alemanha, de 1930 até 1932, Siegfried Kracauer observou essa «falsa consciência» e a sua função social e política, no contexto da ascensão do nacional-socialismo. E hoje, no Brasil, em que contexto?

  3. Dr. Joaquim deu dois tapinhas no rosto durante a entrevista para afirmar que estava ótimo graças a invermectina. Esse médico receitou invermectina pra meio mundo de gente e falou que tava “ótimo” porque já tinha tomado o remédio em regime de automedicação. Deu entrevista longa na TV Serra Dourada promovendo os remédios. Hoje está intubado em UTI. E estão fazendo campanha de doação de sangue para ele.

    https://www.opopular.com.br/noticias/cidades/campanha-nas-redes-sociais-pede-ajuda-para-m%C3%A9dico-internado-com-covid-19-em-goi%C3%A2nia-1.2085581

  4. Hoje cedo uma representante deste “movimento” participou de um “debate” na TV Bahia defendendo esta mesma linha de argumentação: “tratamento precoce”, “salvar vidas”, primazia da “experiência” contra a ciência… O discurso é todo combinadinho, várias frases feitas repetidas de modo muito articulado, nem de longe lembra aquela fase de certos médicos “espumando” porque não podiam receitar as “inas”. Não se enganem, a articulação nacional deste “movimento” já é muito maior do que parece.

  5. [Rio grande do Sul] MÉDICA DENUNCIA RECEBER “KIT COVID” COM REMÉDIOS SEM EFICÁCIA COMPROVADA DA UNIMED

    Embalado como presente para os médicos[1], a COOPMED entregou para um filiado o KIT COVID com alguns remédios para “tratamento precoce” da COVID-19.

    Esses remédios não tem a eficácia comprovada pela ciência e – pelo contrário – tem eficiência menor do que efeito placebo de acordo com os estudos mais recentes. Vejam:

    “No final de duas semanas, o estudo descobriu que não havia vantagem em tomar o medicamento. Cerca de 24% do grupo hidroxicloroquina teve sintomas que persistiram por 14 dias, em comparação com os 30% que tomaram o placebo.

    Mas as hospitalizações foram quase as mesmas – 2% das pessoas no grupo hidroxicloroquina foram hospitalizadas, em comparação com os 3% que tomaram placebo. A taxa de mortalidade foi idêntica para os dois grupos, em 0,4%.

    43% daqueles que tomaram hidroxicloroquina tiveram efeitos colaterais, em comparação com os 22% que tomaram um placebo. Sintomas gastrointestinais foram os efeitos colaterais mais comumente relatados”.[2]

    [1] Júlia Recuero em: https://twitter.com/jkrecuero/status/1283843252135899137

    [2] https://twitter.com/CoronavirusBra1/status/1283845473137307649 que cita o estudo divulgado em https://cnnphilippines.com/world/2020/7/17/Hydroxychloroquine-doesn-t-help-COVID-19-patients-who-aren-t-hospitalized–new-study-finds.html?fbclid=IwAR2jTkTrwFwF_fsfHVBjt9HQWjUNJWXaIiRyMj4Yx4d4TkEfPxtbNRxbHLA

  6. O que alguns médicos relatam aqui no interior da Bahia é que quando o paciente quer se arriscar nas promessas da cloroquina, não há tempo hábil para acesso porque a evolução é rápida. O protocolo daqui é enviar através da prefeitura relatórios individuais dos pacientes ao Dires para aprovação nesse diretório. A população adepta à lógica compulsoriedade de medicamentos (e pró-bolsonaro) tem se revoltado contra o governo do estado da Bahia. Quem fica entre pressões são os próprios trabalhadores da saúde, os que acabam responsabilizados pelas complicações com ou sem cloroquina.

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