Por Gregor Benton

O amor de meu pai por línguas estrangeiras começou quando ele deixou de ser motorista de ônibus e atravessou o Canal da Mancha para lutar contra Franco e se tornou comunista. Na Catalunha, um combatente disse a ele que, se os integrantes das Brigadas Internacionais tivessem conhecido o Esperanto, eles poderiam ter tido mais sucesso. Quando alguém de uma escola do partido chamou o Esperanto de “pequeno burguês” — a linha oficial da época — ele ficou chocado e desapontado. Depois me disse: “Ele está errado. É uma boa ideia. É o comunismo em palavras. Um dia, todos o falarão”.

Eu adorei esta ideia de uma linguagem universal. Seu inventor a projetou para ser simples, e eu a aprendi em apenas três meses. Em 2011, a Associação Catalã de Esperanto me convidou para fazer um tributo em comemoração aos participantes das Brigadas Internacionais em seu memorial no Cemitério de Montjuïc. Eles procuravam uma forma de homenagear meu pai, então eu o fiz em Esperanto.

No início do século XX, os revolucionários abraçaram esta língua, vislumbrando-a como uma ferramenta para construir a solidariedade internacional. O Esperanto se enfraqueceu junto com muitas dessas esperanças ao enfrentar décadas de ataques de Estados (fascistas e stalinistas), mas vale a pena preservar seu legado.

A Esperança

Leizer Ludwik Zamenhof (1859-1917) criou o Esperanto para ser uma segunda língua global. Judeu lituano, Zamenhof cresceu sob ocupação russa e em meio às tensões entre judeus, poloneses católicos, russos ortodoxos e alemães protestantes. Ele identificou a má comunicação como a principal causa deste problema.

Primeiro, Zamenhof tentou criar um iídiche padronizado para unificar os judeus em todo o Império Russo. No final, ele o abandonou em favor de uma língua universal, cujo nome significa “o esperançoso”.

Subjacente a este projeto estava o interna ideo de Zamenhof, a crença de que o idioma não representava um fim em si mesmo, mas um passo em direção a um mundo de paz e compreensão.

Ele publicou seu “Fundamentos de Esperanto” em 1905, esforçando-se para maximizar a simplicidade, a eficiência e a elegância. A gramática tem apenas dezesseis regras, a ortografia é fonética, os substantivos são sem gênero, e os verbos são regulares e não flexionados. Ele a testou e ampliou, traduzindo a Bíblia, Shakespeare, Moliere e Goethe.

O Esperanto compartilha algumas características com Yiddish e Ladino, língua franco-judaica que uma vez ajudou a apagar fronteiras. Alguns estudos identificam uma influência yiddish, embora Zamenhof nunca a tenha mencionado.

O vocabulário do Esperanto representa um problema para os internacionalistas do século XXI, pois ele deriva somente das línguas europeias. Os entusiastas inventaram outras línguas construídas (conlangs), como o Lingwa de Planeta, que incluem palavras não europeias, mas o Esperanto continua a dominar o campo.

Outras conlangs como Ido, Interlingue e Interlíngua permaneceram minúsculas e resistentes, mas somente o Esperanto resistiu verdadeiramente ao teste do tempo. Hoje, pouco menos de um milhão de pessoas conhecem um pouco do idioma e dez milhões o estudaram. Possui uma comunidade de fala estável, mas desterritorializada.

A Liga das Nações apoiou a ideia de uma língua auxiliar, e em 1954 a UNESCO deu à Universala Esperanto-Asocio (UEA) “status consultivo”. Várias denominações protestantes e católicas toleraram o uso do Esperanto como língua litúrgica. O fundador da “Fé Bahá’í” apoiou a ideia de uma conlang. Alguns de seus seguidores favorecem o Esperanto enquanto outros preferem a Interlíngua.

Os críticos chamam o Esperanto de artificial e acultural. Mas a distinção entre natural e artificial é difícil de manter no caso das línguas. Pidgins [1] também são “artificiais”, surgindo em um tempo e lugar identificável, mas muitos evoluem para crioulos [2], línguas indiscutivelmente naturais. Muitos estados padronizam e legislam suas línguas oficiais. Os reformadores linguísticos inventaram grande parte da fonologia, morfologia, gramática e vocabulário do chinês moderno. E os escritores frequentemente moldam e reformulam suas línguas maternas, como demonstra um olhar sobre os neologismos de Shakespeare (falatórios, fanfarrões, deslumbramentos). Se as palavras julgadas possíveis podem se tornar palavras reais, os idiomas possíveis podem se tornar idiomas reais.

Além disso, o Esperanto não carece de cultura. Cerca de dois mil denaskuloj (falantes nativos) foram criados nele, crioulizando-o assim. Mais de cem periódicos são escritos nele, há trinta mil livros em Esperanto e vários filmes longa-metragem.

Zamenhof projetou o Esperanto como uma segunda língua para suplementar, ao invés de suplantar, as línguas étnicas. Hoje, a UEA tem mais de 15.000 membros em 121 países e realiza anualmente congressos mundiais. A participação tem permanecido bastante constante nos últimos anos — 1.252 participaram do congresso eslovaco em 2016, e 2.698 na França em 2015. No entanto, sua participação individual está caindo.

Esperanto e Revolução

Dado seu internacionalismo e pacifismo, o Esperanto atraiu anarquistas, socialistas e comunistas. Os regimes fascistas reconheceram seu potencial revolucionário e o reprimiram.

Na Primeira Guerra Mundial, a UEA declarou sua neutralidade, e a imprensa pró-guerra insultou os esperantistas como traidores nacionais. Alguns acabaram se comprometendo com o nacionalismo.

Em 1921, esperantistas vermelhos e proletários fundaram a Sennacieca Asocio Tutmonda (SAT – Associação Apátrida Mundial), dedicada à luta de classes internacional. Devemos reconhecê-la como o primeiro partido rubro-verde, pois o verde é a cor do Esperanto. A SAT admitiu delegados de todos os partidos de esquerda e se separou da UEA, acusando-a de se render ao capitalismo e trair o internacionalismo.

Em seus primeiros anos, a SAT estava intimamente ligada à “União Soviética de Esperanto” (USE). Enquanto alguns esperantistas soviéticos queriam que suas organizações acolhessem os revolucionários em todo o mundo, a lealdade a Moscou tornou-se sua marca registrada.

A ideia da SAT de ausência de nações apelou para alguns esperantistas soviéticos, e os dois grupos colaboraram. No entanto, os soviéticos acabaram criticando os comunistas da SAT por cooperarem com outros partidos. No final dos anos 1920, os membros da SAT fora da Rússia se separaram para formar a Internacio de Proletaj Esperantistoj (Internacional de Esperantistas Proletários), que seguiu a linha de Moscou. A oposição marxista à ideia de ausência de nacionalidade e a linha cada vez mais anti-URSS da SAT contribuíram para a cisão.

Os esperantistas anarquistas e outros pregavam o internacionalismo na Guerra Civil Espanhola. Durante a Segunda Guerra Mundial, a SAT enfrentou uma intensa repressão na Europa continental e, desde 1945, tem se dedicado principalmente à publicação. Embora quisesse integrar o Esperanto aos movimentos sociais, a maior conquista da SAT no pós-guerra veio com a magnífica Plena Ilustrita Vortaro (Dicionário Ilustrado Completo, 1970), que estabeleceu um novo padrão para a língua.

Ditadores de todos os tipos tentaram exterminar o Esperanto, que Ulrich Lins chamou de la danĝera lingvo (“a língua perigosa”). Naturalmente, os Estados tentam eliminar muitas línguas, como as faladas por minorias desprezadas ou grupos rebeldes. O Esperanto é particularmente vulnerável a estes ataques porque nunca comandou uma base social e seus falantes estão amplamente dispersos.

Hitler via os esperantistas como inimigos do Estado não só por causa de seu pacifismo e esquerdismo, mas também por causa de seu fundador judeu. Em Mein Kampf, ele condenou o Esperanto como “uma língua secreta”, retratando-o como uma arma judaica.

Dois anos após Hitler ter tomado o poder, a revista Der deutsche Esperantist deixou de aparecer. Martin Bormann atacou o Esperanto como uma Mischsprache (língua mestiça). Heinrich Himmler dissolveu seus clubes e Reinhard Heydrich começou a aniquilá-lo. Uma organização pró-nazista do Esperanto apareceu brevemente, mas os nazistas acabaram suprimindo isso também.

Alguns esperantistas se juntaram à resistência, enquanto outros continuaram a se encontrar em segredo. Muitos morreram em campos de concentração, onde alguns continuaram a ensinar a língua; outros cometeram suicídio. Quando as tropas de Hitler marcharam para o leste, elas mataram o filho de Zamenhof. Suas filhas morreram nos campos.

Outros líderes fascistas seguiram as ações de Hitler. Portugal e Espanha proibiram o Esperanto como uma ameaça à pureza da língua. Na Itália, ele sobreviveu até 1941, quando a Rádio Roma terminou suas transmissões em Esperanto.

A URSS reprimiu violentamente o Esperanto após anos de tolerância e até mesmo de encorajamento. A maioria dos esperantistas soviéticos acolheu a Revolução de 1917 e rebatizou sua língua como a língua do proletariado internacional.

Alguns esperantistas ligados ao “Movimento por uma Cultura Proletária” (Proletkult) argumentaram que uma nova cultura exigia uma nova língua. Por um breve momento, parecia que o Esperanto seria ensinado em escolas e fábricas — a tão esperada descoberta parecia iminente. Mas, em 1921, quando a Internacional Comunista criou uma comissão para investigar uma língua auxiliar internacional, ela se manifestou contra o Esperanto em favor do Ido.

Apesar disso, o Esperanto continuou a crescer. A União Soviética transmitiu na língua e emitiu selos de correio propagandísticos para ele.

No entanto, a língua não se enquadrou na transição do internacionalismo para o “socialismo em um país”. A USE foi fechada e, em 1937-38, durante o Grande Terror, alguns de seus membros foram presos ou executados por causa da ideia paranoica de que a organização tinha se tornado vulnerável à manipulação por “espiões estrangeiros”, sionistas e trotskistas. Após a Segunda Guerra Mundial, os esperantistas da Europa Oriental enfrentaram uma repressão semelhante.

Nos anos 1950, os sobreviventes nos países do bloco soviético denunciaram a proibição do Esperanto. Após a morte de Stalin, seguiu-se um renascimento controlado, e os esperantistas utilizaram habilmente o crescente movimento de paz de Moscou. Eles restabeleceram os vínculos com a UEA e começaram a receber subsídios estatais. Hoje, o Esperanto tem um número maior de seguidores na Rússia e na Europa Oriental.

Os anarquistas chineses adotaram o Esperanto como língua auxiliar em resposta a uma campanha mais ampla de outros ativistas para tornar o chinês literário mais fácil de entender. Alguns esperantistas chineses em Tóquio e Paris acreditavam que tal movimento abriria a China para o mundo, preservando sua “essência cultural”. Outros, mais extremos, propuseram a abolição total da língua chinesa e a sua substituição pelo Esperanto.

Enquanto a paixão pelo Esperanto entre os chineses no exterior morria, seus partidários em casa conquistaram os principais intelectuais, incluindo Lu Xun. Para eles, o Esperanto construiria o internacionalismo e traria esclarecimento aos cidadãos mantidos analfabetos pela complexidade da escrita chinesa. Os esperantistas também participaram do movimento que fez campanha para latinizar a escrita chinesa.

Os comunistas na China também aprenderam Esperanto, e o usaram após a invasão japonesa para buscar apoio estrangeiro para a resistência. A esperantista japonesa Hasegawa Teru — também conhecida como Verda Majo ou Green May — foi à China e juntou-se ao Círculo Klara, nomeado em homenagem tanto à esposa de Zamenhof, Klara, quanto à teórica marxista Clara Zetkin. Hasegawa tentou interessar as mulheres chinesas na escrita proletária esperantista e instou seus camaradas no Japão a apelar para um boicote mundial a seu país.

O novo governo do Partido Comunista de Pequim recompensou os esperantistas por seu papel na reforma linguística, deixando-os ensinar sua língua nas escolas estatais. Como na URSS, este apoio governamental não durou muito tempo. No início dos anos 1950, os esperantistas foram reprimidos, mas mais tarde foram autorizados a voltar. Eles sofreram novamente durante a Revolução Cultural, como muitos chineses com contatos no exterior.

Em geral, no entanto, a Revolução Cultural promoveu o Esperanto. As emissões de rádio no idioma aumentaram, e a revista mensal El Popola Ĉinio (A China Popular) e outras literaturas esperantistas floresceram. Foram realizados cursos para ensinar a língua e treinar quadros para trabalhar na estação de rádio e na publicação.

Em certo momento, a Associação de Esperanto de Pequim contava com até quatrocentos mil falantes, e ainda hoje os estudantes podem estudar Esperanto em algumas universidades. Após a abertura da China ao mundo nos anos 1980, no entanto, os números caíram à medida que outros idiomas se tornaram disponíveis. No entanto, as estações de rádio chinesas continuam a transmitir em Esperanto.

Ponte de Palavras

O esperantismo tem futuro ou é demasiado quixotesco e utópico para sobreviver? O declínio do movimento operário no Ocidente e o colapso do comunismo no Oriente retiraram seus tradicionais apoios. Sua melhor esperança de sobrevivência é, nas palavras do linguista Ross Perlin, “uma diáspora alegre que vive em cursos e congressos característicos, onde obstinados pela interna ideo se misturam com poliglotas temíveis e ‘nerds’ de linguagem hard-core”?

O Esperanto atingiu seu auge no início do século XX, quando o francês global estava em declínio e o inglês ainda não havia se tornado verdadeiramente global. O inglês, agora a principal língua do mundo, enfrenta malabarismos crescentes como o chinês, o espanhol e o árabe. Se o inglês for derrubado de sua ascendência, poderá ser por uma Babel de mega-línguas concorrentes, permitindo que línguas menores — incluindo o Esperanto — sobrevivam nos interstícios.

Alguns linguistas veem a internet como o salvador potencial das línguas ameaçadas por esses assassinos globais, enquanto outros acreditam que essas línguas precisam de um mundo real análogo para sobreviver. Para os esperantistas, um renascimento digital se alinharia com a história da língua.

O Esperanto não se desenvolveu por meio de um coletivo físico, mas em comunidades não-territoriais ligadas por cartas, telefonemas e reuniões ocasionais. Hoje, a internet está conectando novos esperantistas por meio de fóruns, mídias sociais, grupos de WhatsApp e dicionários on-line. Esta comunidade atrai os jovens, em casa, no mundo digital.

No mundo transnacional e conectado, o Esperanto está se recuperando. Os falantes mais jovens estão abandonando o modelo estreito e voltado para o futuro do idioma e atualizando a forma como ele é aprendido e utilizado. Com sua criatividade juvenil, eles estão se ampliando.

O “E@I”, um coletivo juvenil livremente organizado, utiliza a tecnologia para proporcionar acesso livre e instantâneo ao Esperanto. Onde antes era preciso sair pela estrada para encontrar outros falantes, agora eles estão à distância de um clique de mouse.

Várias centenas de blogs promovem livros, jogos, música e humor esperantistas. A Vikipedio do idioma já ultrapassa 215.000 páginas. Mais de 100.000 alunos usam lernu!, a página multilíngue gratuita de Esperanto criada pelo “E@I”, e 750.000 usam Duolingo. Hoje, mais que nunca aumenta o número de pessoas aprendendo Esperanto.

Esta segunda onda de Esperanto não concorre com a primeira. A ala tradicional abraça a ala virtual e os esperantistas digitais confiam nos manuais, dicionários e literatura criados na era analógica. No passado, os adeptos promoviam a lógica e a previsibilidade do Esperanto, atributos que se adequam à era do computador.

Zamenhof pensava que o Esperanto poderia “remover os muros entre as etnias e acostumar as pessoas a ver seus vizinhos como irmãos e irmãs”. Esses valores — humanitarismo, internacionalismo, socialismo — são hoje mais necessários do que nunca.

Ele comparou a língua, em uma metáfora lembrada por Esther Schor em sua “Ponte das Palavras”, a uma tábua deitada na margem de um rio que em algum momento futuro as pessoas poderiam usar para construir uma ponte. Embora atualmente nenhuma grande ponte esteja no horizonte, parece não haver fim para esse que era o “sonho sagrado” de Zamenhof.

Gregor Benton é professor emérito de história chinesa na Universidade de Cardiff e pesquisador associado em estudos da diáspora, NTU, Cingapura. Traduzido para o Passa Palavra por José Carlos Mendonça.

Notas

[1] Termo da sociolinguística que designa uma língua compósita, nascida do contato entre falantes de inglês, francês, espanhol, português etc. com falantes dos idiomas da Índia, da África e das Américas, servindo apenas como segunda língua para fins limitados (N.T.).
[2] Expressão da linguística. Refere-se às línguas mistas nascidas do contato de um idioma europeu com línguas nativas, ou importadas, e que se tornaram línguas maternas de certas comunidades socioculturais (N.T.).

Este artigo está ilustrado com a obra “Kiss goodbye lips” de Andy Warhol (1928-1987).

11 COMENTÁRIOS

  1. Muito boa a contribuição desse texto, não exatamente pelo esperanto em si, mas por colocar a preocupação com a língua como um problema central para a revolução. A história do esperanto nos leva a pensar sobre a questão da língua numa perspectiva diametralmente oposta àquela que a esquerda adota atualmente. Quando a esquerda fala de línguas hoje, parece sempre tender a querer dificultar a comunicação: banindo expressões ou palavras por sua (suposta) etimologia preconceituosa, reforçando as diferenças entre línguas tradicionais particulares em detrimento das línguas mais gerais, etc. O esperanto revela uma preocupação inversa: a gente precisa conseguir se falar, chineses, árabes, brasileiros, poloneses, e como?

    Apesar dessa intenção universalista, não teria o esperanto no fim das contas virado mais uma língua particular desterritorializada, que soa meio secreta para quem não a conhece? Do jeito que está o mundo hoje, não seria melhor assumir o inglês como língua franca – como na prática já é no mundo do trabalho internacional? Quais os prejuízos disso? Entre as línguas de troncos semelhantes, não seria possível estimular a tentativa de inteligibilidade mútua? Nesse canal de YouTube, há vários experimentos nesse sentido, defendendo que as diferentes línguas compõem um mesmo ecossistema: https://www.youtube.com/channel/UChqLwfp3eAkAwX9DGnqr_CA. No Brasil atual essa questão se coloca de forma menos urgente do que em outros países, pois vivemos num raro caso de um país em que impera um só idioma, o que pode facilitar pra nós aqui dentro, mas por outro lado nos acomoda numa posição que se isola dos debates mundiais. Enquanto isso, é comum ver panfletos nos EUA em que o texto se repete em inglês e espanhol; na França, com trechos em árabe; na Inglaterra, em polonês ou hindi, etc. Por fim: e que papel cabe aos aplicativos de tradução, como o DeepL ou próprio Google Translator, que já se encontram altamente desenvolvidos? Facilitam muito. Por outro lado, há uma preocupação com a segurança para comunicações mais sensíveis: ao usá-los, deixamos registrado a essas empresas o conteúdo texto que traduzimos.

    A esquerda hoje também faz suas criações linguísticas, como a linguagem neutra de gênero. Por um instante fiquei pensando se é comparável com o esperanto, mas diria que é até oposto. A linguagem neutra parece entender a língua noutra perspectiva, como se a alteração no léxico e na gramática alterasse as relações sociais – o resultado prático, porém, é atravancar a comunicação na língua que já existe com regras morais (não pode falar “denegrir”, “judiar” etc) e criações impronunciáveis (“fascistxs”, “fascist@s”, “fascist*s”, “fascist_s”…). Já o projeto de uma língua internacionalista parecia tentar situar o problema em outro âmbito, o de que, com uma comunicação universal se facilitaria a interação entre trabalhadores de diferentes partes e contextos, estimulando assim as trocas entre as lutas, e seriam as lutas reais a transformar o mundo.

    Ainda sobre o esperanto, na época dos 100 anos da Revolução Russa, foi traduzido esse artigo sobre a má experiência de um militante da SAT no burô da Internacional Comunista em Moscou: https://passapalavra.info/2017/11/116872/

  2. O comentário do Caio escancara a limitação que parece ser a principal do Esperanto. Como uma língua que não nasce de lugar nenhum, segundo a ideia original do projeto — uma língua planejada — poderia abarcar diferentes povos do planeta? Não sou um dos apologistas do Esperanto por falta de conhecimento tanto em Letras quanto no próprio Esperanto em especial, mas confesso que este artigo me deu o que pensar. Quanto à questão de gênero acho o esperanto qualificado. Com alguns dias de Duolingo pude perceber que não é nos pronomes que a diferença é sentida, mas sim em alguns artigos. Existe “ele” e “ela”, mas, por exemplo, “o”, “a”. É sempre “la João”, “la Carla”, servindo também para os plurais. A ausência de um “X” deve deixar os identitários esperantistas descabelados. Mas isso é uma hipótese remota. Nunca vi um identitário se preocupar com internacionalismo antes.

  3. É muito bela a imagem de esperantistas chineses latinizando a escritura local. Um gesto com significados históricos e transcontinentais incomensuráveis. E me leva a pensar sobre o obstáculo que a escritura chinesa representa para suas intenções imperialistas. Nada que genocídios e guerras não resolvam, mas a disputa com o sistema fonético latino me parece complicada. De fato, tenho muita curiosidade a respeito do uso da internet pela população chinesa. Como puderam adaptar sua escritura aos dispositivos eletrônicos, e que efeitos resultaram desta adaptação?

    Com relação à pronúncia de palavras escritas com *, @, x, etc, acho que alguns setores conservadores, a esquerda e a direita, fazem uma tempestade em copo d’água, ou apenas não estão acostumados a refletir sobre a linguagem. Vejam que no próprio Brasil, a letra “r” tem pronuncias completamente diferentes (como a palavra “porta”, no interior do Paraná ou na orla de Copacabana), e no entanto a letra usada é a mesma. O x pode parecer impronunciável para alguns, assim como eu não saberia pronunciar øjenlæge. Mas uma vez que se aprende as formas de pronunciar compartilhadas por um grupo humano, é bastante simples reproduzi-las. Sem essa habilidade, o ser humano nunca teria deixado de ser um primata aos gritos.

  4. “Poeta Comedor de Leões na Cova de Pedra”, de Zhào Yuánrèn (趙元任), no original em Chinês clássico:

    《施氏食獅史》

    石室詩士施氏,嗜獅,誓食十獅。
    氏時時適市視獅。
    十時,適十獅適市。
    是時,適施氏適市。
    氏視是十獅,恃矢勢,使是十獅逝世。
    氏拾是十獅屍,適石室。
    石室濕,氏使侍拭石室。
    石室拭,氏始試食是十獅。
    食時,始識是十獅屍,實十石獅屍。
    試釋是事。

    A transliteração Pinyin:

    « Shī Shì shí shī shǐ »

    Shíshì shīshì Shī Shì, shì shī, shì shí shí shī.
    Shì shíshí shì shì shì shī.
    Shí shí, shì shí shī shì shì.
    Shì shí, shì Shī Shì shì shì.
    Shì shì shì shí shī, shì shǐ shì, shǐ shì shí shī shìshì.
    Shì shí shì shí shī shī, shì shíshì.
    Shíshì shī, Shì shǐ shì shì shíshì.
    Shíshì shì, Shì shǐ shì shí shì shí shī.
    Shí shí, shǐ shí shì shí shī shī, shí shí shí shī shī.
    Shì shì shì shì.

    Uma tradução aproximada:

    « Poeta Comedor de Leões na Cova de Pedra ”

    Em uma cova de pedra estava um poeta chamado Shi Shi, que era um viciado em leões e tinha decidido comer dez leões.
    Ele ia frequentemente ao mercado à procura de leões.
    Às dez horas, dez leões tinham acabado de chegar ao mercado.
    Naquele momento, Shi tinha acabado de chegar ao mercado.
    Ele viu aqueles dez leões, e usando suas setas de confiança, causou a morte dos dez leões.
    Ele trouxe os cadáveres dos dez leões para a cova de pedra.
    A cova de pedra estava úmida. Ele pediu a seus servos que a limpassem.
    Depois que a cova de pedra foi limpa, ele tentou comer aqueles dez leões.
    Quando ele comeu, percebeu que esses dez leões eram de fato dez cadáveres de leões de pedra.
    Tente explicar este assunto.

  5. TRANSLATINDO & DESSUINANDO
    Cordame de Notre Cunda, taodadaísta e anarco-pansexual francófona, dixit: Quelle blague!

  6. Em uma conjuntura de derrotas profundas e de recuo total do movimento proletário internacional, fica bastante difícil visualizar um sentido hoje no Esperanto, ou em outra língua universal. Assim como seria uma alucinação pensar hoje uma nova Internacional. Ou seja, são duas tábuas na beira do rio. Em uma nova conjuntura, de avanço global das lutas proletárias, seria interessante que cada movimento tivesse na sua manga seus cursos de formação de Esperanto. Vale pensar desde já.

  7. Amigos,
    Deixemos se ser ingênuos. Enquanto o. Esperanto não entrar na área financeira e os povos não começarem a trabalhar juntos, produzir algo juntos para todos para progredir materialmente na vida o Esperanto nunca vai passar de hobby de desocupados que não sabem onde gastar seu dinheiro. O Esperanto deve dar esperança àquele que o aprende. A pergunta básica é: o que eu ganho aprendendo Esperanto? Enquanto os esperantistas ignorarem essa questão ou responderem com suas respostinhas sem valor como: faço “amigos” em todo o mundo, posso viajar para vários lugares, participo de congressos inúteis, nunca seremos mais do que somos. Dois ou mais esperantistas juntos tem que ser mais que um congresso, tem que ser uma oportunidade de vida melhor.

  8. Parece-me que o esperanto tem alguns defeitos em sua elaboração. Porque evitar é EVITI ou invés de MAL SERCI? NIGRA ou invés de MALBLANKA? Radicais terminados em AT, ET, IT, OT , ANT, INT, UNT e UL que podem ser confundidos com particípios ou agentes. Porque não se usaram radicais chineses, japoneses, indis, turco, arabe e húngaro?

  9. “Se Aristóteles tivesse falado chinês ou tupi, teria adotado uma Lógica inteiramente diferente ou, de qualquer modo, uma teoria inteiramente diferente de categorias.”
    Mauthner – Kritik der Sprache, vol. III, página 4.

  10. José Ubaldino, a sua resposta esbarra na própria limitação.histórica. Zamenhof era um jovem judeu-polonês nascido numa cidade chamada Byalistok, que é pequena até hoje. O primeiro manual do Esperanto foi editado em 1887. Naquela época não tinha Wikipédia, escola Wizard, tiozinho japonês professor de karatê, Zoom, Streamyard. Nem a linguística como ciência existia consolidada… Não existia alfabeto fonético! Zamenhof fez as coisas com o que tinha na mão. O máximo que ele tinha de oriental era hebraico, iídiche de certa maneira, uma ou outra coisa de árabe fos muçulmanos. Fora que, tá, ele poderia colocar um hanzi chinês no meio, ia ficar mais “democrático”, mas não necessariamente coerente e lógico.

    Porém vamos lá, língua não se faz só com radicais e léxico. A lógica de contagem de números é parecida com a chinesa ou japonesa, por exemplo. E existe uma regra no fundamento: palavras internacionais são esperantizadas. Podemos chamar hospital de “malsanulejo” (lugar que contém os doentes”, mas podemos chamar também de “hospitalo” (adiciona-se o O porque todos os substantivos terminam-se em O). No mesmo sentido, sushi por exemplo é “suŝio”. Açaí é “asaio”. Uma palavra japonesa e uma indígena sulamericana. Isso só mostra que o esperanto é uma língua viva e não mais um projeto. Mas todos estão livres para criar e propor sua língua mais global, que tenha elementos de quechua, maori, inuit, khosa e suawili, gastar seu dinheiro com a divulgação (Zamenhof gastou o.dote do casamento pra isso), etc. Se for realmente melhor, cuspo na bandeira verde… Mas até agora…

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