Por Douglas B.

Em meio à pandemia de covid-19 as direções de alguns bancos vão aos poucos retirando parte dos funcionários do trabalho remoto, em um projeto alinhado aos governos (federal, estaduais e municipais) para provocar alguma sensação de normalidade. Enquanto isso, diariamente mais de mil pessoas seguem morrendo de covid-19 no país, segundo informações oficiais.

Mas ao mesmo tempo em que muitos banqueiros expressam desprezo pela nossa saúde e por nossas vidas, nos negando o trabalho remoto agora, já planejam nos impor essa modalidade de trabalho depois da pandemia. Temos acompanhado inúmeras notícias, nas quais os banqueiros declaram a intenção de ampliar de forma exponencial o trabalho remoto ao fim da pandemia. Bancários ou clientes, sabemos que quando um banqueiro decide algo, ele não se preocupa com outra coisa além do lucro, não baixa juros ou renegocia dívidas pensando nos clientes, não reduz metas ou planeja ampliação das modalidades de trabalho remoto pensando nas bancárias e bancários.

Com isso em mente, é importante pensarmos sobre algumas das questões que envolvem essa modalidade de trabalho. Alguns aspectos positivos podem vir à tona, por exemplo: “Com o trabalho remoto, posso organizar meu trabalho como for melhor para mim”; “Com o trabalho remoto, eu não vou perder tempo no deslocamento da minha casa ao trabalho”; “Com o trabalho remoto, posso trabalhar de qualquer lugar”. Mas com base nas experiências já existentes, sabemos que há um grande aumento no volume de trabalho e na produção. Casos recentes indicam um aumento de 30% nas metas (isso ocorreu na Caixa e certamente em outros bancos). Além do aumento no volume de trabalho, por conta da dinâmica que se estabelece, há grande dificuldade, por parte dos trabalhadores e trabalhadoras que atuam nesse regime de trabalho, em encerrar a jornada ou definir os limites para almoço/jantar; se o escritório passa a ser sua casa, você está sempre nele e assim, muitas/os chefes acham que estamos sempre disponíveis. Desta forma, uma suposta liberdade para gerir o trabalho torna-se inviável. Do mesmo jeito, deixa-se de perder o tempo do deslocamento, mas ele não se converte automaticamente em qualidade de vida. Ao contrário, podemos ser submetidos ainda mais ao trabalho e as jornadas podem ser ainda mais exaustivas. Aqui é importante destacar que em muitos casos não há controle de jornada, pois o ponto eletrônico deixa de existir.

Algumas empresas e bancos propõem 1 ou 2 dias de trabalho presencial, mas o fato de não termos o contato diário com nossos colegas dificulta a solução de problemas simples no dia a dia. Às vezes apenas ao virar a cadeira e perguntar algo para o grupo, conseguimos a solução para um problema que demoraríamos para resolver; até aquela observação de alguém que passa pela nossa mesa pode nos ajudar. Quando falamos de questões que envolvem outras “equipes” ou áreas diferentes, tudo pode se tornar mais moroso e difícil, sem contar o aumento da alienação em relação ao que cada grupo de uma mesma unidade faz.

Organizar nossa vida, conciliar as atividades domésticas com as do trabalho, conseguir que os familiares e outras pessoas que convivem conosco respeitem o momento de trabalhar, também são tarefas difíceis. Para as mulheres, o trabalho remoto pode ser um problema ainda maior, uma vez que nossa sociedade machista atribui, quase que exclusivamente a elas, as tarefas da casa e do cuidado com as crianças pequenas. Ao trabalhar a partir de casa, conseguir gerir todas essas atividades torna-se quase impossível.

Algumas pessoas, por características pessoais ou não, também podem se sentir mais invisíveis e solitárias quando em trabalho remoto. O sentimento de solidão nessa modalidade de trabalho não é uma peculiaridade apenas desse momento de pandemia. Pesquisadoras/es do tema relatam esse como um problema recorrente. Essa falta de sociabilidade pode trazer também problemas para nossa organização como colegas e categoria: se não estamos juntos, fica difícil notar situações de assédio, difícil nos organizar para reivindicar melhorias de forma geral em nossas condições de trabalho e renda.

A lista de potenciais problemas já está gigante e ainda nem falamos sobre as questões que afetam diretamente nosso bolso: aumento da conta de luz, da conta de água, contratar um plano de internet melhor, comprar mobiliário adequado ou sofrer com as consequências da falta de ergonomia… O computador vai ser fornecido pela empresa? E o celular? Ao menos vão reembolsar o plano? Vamos ter ajuda com aluguel/prestação? Os banqueiros irão economizar todos esses custos, transferindo-os para cada bancário e bancária, então não é correto que sejamos reembolsados? Ainda por cima, já há juiz advogando pelos banqueiros e dizendo que se os funcionários estão em trabalho remoto, não devem receber vale-refeição, como se a gente deixasse de almoçar ao deixar de frequentar um escritório diariamente.

E as outras questões legais, como acidentes de trabalho, como ficarão? Se estivermos de licença médica, será que nossos/as chefes não nos pressionarão para enviar apenas um e-mail, preencher apenas uma planilha? Ou mesmo que soframos pressão externa, será que não nos cobraremos para fazer isso e não deixar para depois? E hora extra, vão oficializar o não pagamento desta?

Em decorrência da ampliação dessa modalidade de trabalho, haverá também um impacto para outros trabalhadores e trabalhadoras que prestam serviços às instituições financeiras. Se haverá menos gente nos escritórios, haverá também uma redução no quadro de terceirizados, com a extinção de muitos postos de trabalho. Auxiliares de limpeza, funcionários de manutenção, copeiras, telefonistas, seguranças, garagistas, zeladores… A lista é grande, pessoas hoje subempregadas, que ganham pouco mais de um salário mínimo, passarão para as estatísticas de desempregados.

A implementação e ampliação do trabalho remoto é uma questão de grande complexidade, trará impacto financeiro e pode ter graves consequências para nossa saúde física e mental. Enquanto a pandemia durar, o trabalho remoto é fundamental para preservar nossa saúde, de nossos entes queridos e contribuir com o isolamento social, reduzindo a disseminação do vírus em toda sociedade. No entanto, quando a pandemia acabar, não devemos permitir que nos enfiem o trabalho remoto goela abaixo. E agora não podemos permitir que nossas entidades representativas negociem esse tema como se fosse algo dado, como se fosse ocorrer de qualquer forma. É preciso haver debate, precisamos nos conscientizar sobre todas as implicações dessa modalidade de trabalho para nós, bancários e bancárias, e para as demais categorias envolvidas: os terceirizados que certamente perderão seus empregos. Se acharmos coletivamente que isso deve ser implementado, deverá ser da forma que for melhor para a gente! Se não foi algo conquistado por meio da nossa luta, dificilmente nos favorecerá. Nenhum banqueiro está preocupado com o bem-estar de seus funcionários e funcionárias.

Estejamos atentos e atentas!

Não podemos permitir que ninguém negocie algo que nos afeta sem a nossa participação!

Este artigo está ilustrado com obras de Arthur Segal (1875-1944).

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